Alberto Aggio: Vida e pensamento de Gramsci

Arte: Divulgação
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Vida e pensamento de Gramsci, de Giuseppe Vacca, segue esta pista e daí emerge a primeira biografia política de Antonio Gramsci desde a prisão até sua morte

Alberto aggio / Horizontes Democráticos

Antonio Gramsci nunca publicou um livro em vida. Sua condição de autor se deve aos esforços sucessivos de seus editores, particularmente aqueles que deram publicidade aos famosos Cadernos do cárcere, escritos na prisão fascista entre as décadas de 1920 e 1930. Considerado um “clássico da política” e um dos mais profícuos pensadores do marxismo no século XX, o estudo de suas ideias passou por muitas reformulações no curso de sua progressiva difusão desde o segundo pós-guerra. Mesmo com as conhecidas lacunas, a chamada “edição temática” (1948-1951) e, depois, a consistente “edição crítica” dos Cadernos (1975) acabaram por fornecer elementos essenciais para a construção de variadas interpretações a respeito de seu pensamento.

Ilustração da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere

Gramsci foi visto inicialmente como o “teórico da cultura nacional-popular” e, depois “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíam conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Recentemente, a partir de uma “historicização integral”, aliada à recepção e ao tratamento de fontes inéditas ou até ignoradas, vem emergindo uma nova inserção de Gramsci na política do século XX. Referida aos dramáticos acontecimentos que abarcam a chamada “grande guerra civil europeia” (1914-1945), esta perspectiva analítica tem permitido a gradativa superação dos diversos enigmas que marcaram por longos anos os estudos gramscianos, originados da fratura entre sua vida e seu pensamento.

Vida e pensamento de Gramsci, de Giuseppe Vacca, segue esta pista e daí emerge a primeira biografia política de Antonio Gramsci desde a prisão até sua morte. O livro de Vacca supera a cisão entre trajetória pessoal e reflexão teórica ao trabalhar a um só tempo os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo, cercado e atormentado pela angústia de ter sido “esquecido” pela mulher e “posto de lado” politicamente, o que aumentava suas suspeitas de que a direção do PCI havia sabotado sua libertação.

Há um pressuposto no livro: antes e depois de sua detenção, Gramsci foi, sobretudo, um homem de ação. Nas circunstâncias da prisão, tudo que Gramsci escreveu, de suas anotações nos Cadernos à correspondência com familiares e amigos, indica que ele permaneceu atuando como um dirigente. Nessa condição, por meio de um exercício extraordinário de codificação da linguagem, Gramsci procurava fazer chegar à direção do PCI, em especial a Palmiro Togliatti, avaliações do cenário italiano e mundial, bem questionamentos sobre orientações do PCI e da Internacional Comunista que lhe pareciam equivocadas. É deste permanente comprometimento que vão emergir os termos da “teoria nova” que, inúmeras vezes e incansavelmente, ele próprio anota e reescreve nas folhas dos cadernos escolares que pôde usar na prisão.

Alberto Aggio com Giuseppe Vacca, em Roma, em 25 de fevereiro de 2013

Nos Cadernos do Cárcere sedimenta-se um novo pensamento que resultaria numa revisão profunda do bolchevismo, notadamente em relação à concepção do Estado, à análise da situação mundial, à teoria das crises e à doutrina da guerra. Vacca sugere, com audácia teórica, que a formulação que revela definitivamente essa ultrapassagem estaria na proposição de luta pela conquista de uma Assembleia Constituinte contra o fascismo, desde 1929.

Esta proposta expressa um ponto de ruptura. Gramsci passaria a delinear uma visão da política como luta pela hegemonia, o que representa, na conjuntura dos primeiros anos da década de 1930, a adoção de um programa reformista de combate ao fascismo. A luta imediata do PCI deveria se deslocar da preparação da revolução proletária para a conquista da Constituinte: em outras palavras, a luta pela democracia deixava de ser pensada apenas como fase de transição para o socialismo. Para Gramsci, o núcleo da nova orientação dos comunistas italianos significaria a possibilidade de reconstrução da nação italiana. Vida e pensamento de Gramsci carrega a marca do ineditismo e da inovação em muitas dimensões. Os resultados não são de pouca monta.

O Gramsci que daqui emerge foi composto a partir de uma investigação histórica que acabou por estabelecer a passagem do bolchevismo para uma estratégia de ação com marcas claramente democráticas e reformistas. Localizar criticamente Gramsci na história de seu tempo permitiu essa grande descoberta.

(Este texto é a “orelha” do livro Vida e pensamento de Antonio Gramsci, 1926-1937, editado pela Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira e Fundação Instituto Gramsci de Roma, em 2012, com tradução de Luiz Sérgio Henriques. O prefácio do livro, escrito por Maria Alice Rezende de Carvalho pode ser lido em https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1548).

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/vida-e-pensamento-de-gramsci/

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