Venezuela

Luiz Carlos Azedo: A cabeça de Maduro

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”

A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de Brasil e Peru, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá e Paraguai integram o grupo: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a volta da política de “Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções europeias.

Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia norte-americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com 80km, ao custo de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 85 bilhões), aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda humanitária articulada pelo “presidente interino” Juan Guaidó, que atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar, mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.

O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a negociação política no plano internacional e no plano interno, com a convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro, por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-cabeca-de-maduro/


O Globo: Brasil vai manter linha de não intervenção na Venezuela, afirma Mourão

Vice-presidente está na Colômbia para reunião do Grupo de Lima

BOGOTÁ E BRASÍLIA - O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, já está em Bogotá para participar da reuniçao do Grupo de Lima, que discute saídas para a crise venezuelana.

- Vamos manter a linha de não intervenção, acreditando na pressão diplomática e econômica para buscar uma solução. Sem aventuras - disse Mourão ao jornalista Gerson Camarotti, da TV Globo.

O Brasil defenderá entre os países do grupo uma maior pressão diplomática e econômica para o isolamento internacional do regime Maduro.

O Grupo de Lima, que se reúne hoje em Bogotá, é formado por 14 países americanos e caribenhos. A reunião de hoje deverá ter as presenças do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e do próprio Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela que se autoproclamou presidente do país.

Um porta-voz da União Europeia destacou que o bloco clama por esforços de evitar uma "intervenção militar" na Venezuela.

O governo brasileiro informou na noite deste domingo que negociou com militares venezuelanos para diminuir a tensão na fronteira com o país vizinho. Segundo nota divulgada pelo Ministério da Defesa, ações foram tomadas pelos dois lados. Na Venezuela, o acordo resultou no recuo dos chamados veículos anti-distúrbios. Já no Brasil, a decisão envolveu, de acordo com o comunicado, reforçar o controle dos imigrantes venezuelanos para evitar novos confrontos.

Segundo a nota, a decisão de retirar os veículos da fronteira foi tomada após conversa com militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). "Militares brasileiros e venezuelanos negociaram, no local, e foi entendida a inconveniência da presença desse tipo de aparato militar", diz o documento.

A pasta informou ainda que a fronteira continua aberta para acolher refugiados. "O Ministério da Defesa reitera a confiança numa solução urgente para a situação na Venezuela", completa o comunicado.

O pronunciamento do Ministério da Defesa ocorreu após um fim de semana tenso na fronteira com a Venezuela, em Roraima. Houve confronto entre manifestantes e militares venezuelanos, que responderam com bombas de gás lacrimogênio aos ataques com pedras. O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, embarcaram para a Colômbia, onde representantes do Grupo de Lima, que reúne 14 países latino-americanos, discutirão a crise na Venezuela.


El País: Embates na fronteira com a Venezuela colocam Brasil numa encruzilhada diplomática

Mourão e Araújo vão à Colômbia tratar da crise no país vizinho que respingou em Pacaraima e tem potencial de acender barril de pólvora. Apoio do Governo Bolsonaro a ação humanitária põe em risco tradição da diplomacia

As virtudes diplomáticas do vice-presidente Hamilton Mourão estão à prova na mediação da crise com a Venezuela que respingou em Pacaraima neste final de semana. A cidade na fronteira do Brasil ficou em intensa adrenalina durante o sábado e domingo ao servir de passagem para dois caminhões de ajuda humanitária que chegariam aos venezuelanos neste sábado. Houve barreira de soldados chavistas, deserção de alguns militares, compatriotas em solo brasileiro jogando pedras contra a barreira chavista, e o revide com bombas de gás lacrimogênio. "Nunca vi Exército de outro país jogar bomba de gás lacrimogênio no Brasil", afirmou à rede Globo o coronel do Exército José Jacaúna, que integra a chamada Operação Acolhida.

A surpresa de Jacaúna mostra o nível de tensão que se instalou na cidade fronteiriça de Roraima, num dos momentos mais preocupantes do continente nos últimos tempos. No sábado, quatro pessoas foram mortas por forças chavistas na cidade de Santa Elena de Uairén, a 15 quilômetros de Pacaraima, quando tentavam se aproximar da fronteira com o Brasil para receber a ajuda humanitária destinada aos venezuelanos. Depois de ataques tão próximos, especialistas veem com apreensão o desenrolar da crise. “O perigo ali na fronteira dos dois países são as faíscas que podem se formar num quadro extremamente delicado”, diz Rafael Villa, cientista político venezuelano que vive no Brasil há 25 anos.

Leia-se por faísca qualquer situação que avance para um ataque ao Brasil e que acenda a pólvora de um conflito onde entrariam outros protagonistas de peso, como os Estados Unidos, que pressionam pela saída de Nicolas Maduro, e Rússia, que apoia o sucessor de Hugo Chávez. “Este é um conflito com capacidade de se tornar internacional rapidamente, com envolvimento de grandes potências, e aí a destruição é garantida, num conflito que não é nosso”, sublinha Dawisson Belem Lopes, professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Com o Brasil no meio dessa potencial reedição da guerra fria, Mourão seguiu para a Colômbia neste domingo junto com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, onde se reunirão com outros presidentes da região e com Juan Guaidó, que ganhou o apoio de 50 países ao se autoproclamar presidente interino da Venezuela, em desafio a Maduro. O chanceler esteve em Boa Vista e Pacaraima ao lado de María Teresa Belandria, a embaixadora venezuelana designada pelo presidente interino Juan Guaidó para o Brasil. A diplomacia internacional vê um claro contraste entre o general da reserva, vice do presidente Jair Bolsonaro, e Araújo. Enquanto o primeiro conta com o traquejo da ações internacionais, seja em missão de paz no Haiti ou como adido militar na Venezuela, o chanceler abraça uma linha que representa uma quebra com a tradição diplomática brasileira de ser um agente conciliador, segundo especialistas. Neste sábado, ele chegou a divulgar um vídeo afirmando que  umcaminhão de mantimentos que estava em Pacaraima havia atravessado a fronteira e alcançado terreno venezuelano, dando a entender que furara o bloqueio de guardas chavistas para levar a ajuda. A informação, no entanto, não procedia de todo, pois o veículo ficou numa área neutra entre os dois países e não avançou. Outro caminhão, de porte pequeno também chegou ao mesmo ponto, mas os dois precisaram dar meia volta sem levar a carga de medicamentos e alimentos – a maioria vinda dos Estados Unidos e uma parte do Brasil – para o outro lado da fronteira. “Não dá para imaginar jamais que um diplomata da velha cepa tomasse esse tipo de atitude incitando a população, fazendo vídeos da fronteira. Não tem propósito prático, é um engajamento que me parece leviano”, diz Lopes, da UFMG.

Em entrevista à BBC na semana que passou, Mourão optou por um tom mais ameno. “Nós jamais entraremos em uma situação bélica com a Venezuela, a não ser que sejamos atacados, aí é diferente”, diz ele. “Mas eu acho que o Maduro não é tão louco a esse ponto”, concluiu o general da reserva. O vice se manteve discreto ao longo do final de semana, assim como o próprio presidente Jair Bolsonaro. Contumaz tuiteiro, evitou falar da Venezuela mesmo quando foram registradas quatro mortes perto de Pacaraima. Tuitou sobre placas solares na região do São Francisco ou vagas no Exército, e nenhuma palavra sobre Maduro. Bem diferente de outros mandatários da região, como o presidente da Colômbia Ivan Duque, e do Chile Sebastián Piñera, que se reuniram com Guaidó em cidade colombiana de Cúcuta, onde houve um show em apoio aos venezuelanos, e que passaram o final de semana criticando Maduro nas redes sociais. Ernesto Araújo, contudo, esteve ali, e representou o Brasil na reunião entre os presidentes. “Ayuda y libertad!" Em Cúcuta, Colômbia, fronteira com a Venezuela, em reunião com os Presidentes da Colômbia, Chile e Paraguai e líderes venezuelanos. Grande momento de mobilização internacional pela Venezuela e apoio ao governo legítimo de Guaidó”, tuitou ele.

Até o momento, os militares brasileiros têm demonstrado bastante cautela com a operação de ajuda humanitária à Venezuela. Segundo a edição deste sábado do jornal Folha de S. Paulo, a própria definição do papel do Brasil na ação humanitária dividiu opiniões no Governo. De acordo com o jornal, Bolsonaro pediu reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e David Alcolumbre, respectivamente, para saber se o Brasil deveria enviar a ajuda humanitária à Venezuela. O encontro incluía seleto grupo de ministros de confiança e o presidente do STF, Dias Toffoli. Maia e os militares eram contra a participação do Brasil, segundo a Folha. Os demais foram favoráveis.

Ainda, segundo a Folha, os generais Santos Cruz e Augusto Heleno temiam emitir sinais equivocados caso o Brasil se envolvesse na crise da Venezuela neste momento, alertando que o país poderia estar sendo usado como isca para fomentar conflito e dar margem a uma intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela. Bolsonaro então teria se comprometido a não autorizar o ingresso de tropas americanas pelo território brasileiro e determinou que só liberaria o carregamento de mercadorias se todos os veículos e motoristas fossem venezuelanos. A contribuição material do Brasil também foi pequena. A grande maioria da ajuda humanitária foi doada pelos Estados Unidos. Mesmo com toda a prevenção, o temor é que a situação saia do controle, ainda mais com a pressão por uma eventual intervenção militar ansiada por Guaidó, que custaria bem pouco para os Estados Unidos, por exemplo, mas traria um risco incalculável para o continente e para o Brasil.

Por ora, a paciência dos militares que atuam em Pacaraima está sendo testada com relativo sucesso. Neste domingo, venezuelanos em território brasileiro lançaram pedras e outros objetos por uma meia hora contra os soldados da Guarda Nacional Bolivariana que formaram uma barreira para impedir a passagem da ajuda humanitária para a Venezuela. Houve também queima de objetos no interior de um posto militar venezuelano, segundo a agência AFP. Os militares chavistas, que se encontravam um pouco distantes do limite com o Brasil, decidiram chegar mais perto do solo brasileiro e atiraram as bombas de gás. Militares brasileiros, então, isolaram os manifestantes para evitar confronto, contou a correspondente do EL PAÍS Naiara Galarraga, o que esfriou os ânimos naquele momento. A dúvida é até quando é possível manter esse controle da situação.

Para Rafael Villa, o Brasil acabou indo a reboque dos Estados Unidos ao oferecer suporte na ação de ajuda humanitária. “Esperava-se que o Brasil assumisse um papel de responsabilidade, não o de ceder às pressões americanas, indo à fronteira”, diz ele. “Isso reafirma um papel diplomático secundário, demonstrando que a diplomacia brasileira está sem norte”, avalia o venezuelano, pós doutor por Columbia. Sem o papel de mediador de outrora, o país deixa um vácuo na região que desequilibra o jogo político.


Ricardo Noblat: Vexame na fronteira

Segue o baile

Em nota divulgada, ontem, no início da noite, a Presidência da República classificou como “exitosa” a “participação do governo brasileiro” em “reunir e transportar as doações” de alimentos “até o destino de distribuição” aos venezuelanos famintos em luta contra o governo do ditador Nicolás Maduro.

Sem mais detalhes, a nota informa que se inicia “uma segunda fase da operação com os últimos preparativos de logística para a entrega dos produtos que se encontram armazenados na capital do Estado, Boa Vista.” Como comunicado oficial, a nota é primorosa na ocultação dos fatos e na manipulação do que o mundo todo viu.

Pela televisão, viu-se a chegada à fronteira entre os dois países de dois caminhões pequenos com uma fração de duzentas toneladas de alimentos. O pneu de um dos caminhões furou. Uma vez lá, e diante da decisão do governo Maduro de impedir sua entrada no país, os caminhões recuaram para um local seguro.

Foi só isso o que aconteceu e que o governo celebrou como “êxito”. Repórteres de O Estado de S. Paulo, que estavam lá escreveram que os caminhões “ficaram apenas na linha de fronteira: uma rua com uma bandeira do Brasil e outra da Venezuela”. A linha fica a 800 metros das barreiras militares venezuelanas.

O chefe da operação de ajuda, coronel José Jacaúna, queixou-se dos efeitos sobre o território brasileiro do que se passou a pouca distância dele no lado venezuelano: “Recebemos uma chuva de gás lacrimogêneo vindo do território venezuelano e esperamos que isso não fique assim”. E concluiu exaltado:

– Quem vai dizer que foi uma agressão ao País é o presidente (Jair Bolsonaro), nosso comandante. Não reconhecemos o governo Maduro. A diplomacia já disse isso e é quem deve se manifestar.

Não poderia ter havido desfecho mais à altura de episódio tão canhestro. Dele participou também o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que voou à Colômbia só para ser fotografado ao lado do autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó e de um diplomata americano de terceiro escalão.

E assim o governo do capitão fez sua estreia ruidosa no campo das relações internacionais. Desprezou a opinião dos generais que emprega, contrários a que o Brasil se metesse na crise venezuelana e ainda mais a reboque dos Estados Unidos. Desprezou tudo o que nossa diplomacia havia construído até agora.


Lourival Sant'Anna: Bolsonaro e a Venezuela

Presidente envolveu País como não se via desde a 2.ª Guerra em assuntos de outra nação

Escrevo de Caracas, onde a disputa de poder entre oposição e o regime de Nicolás Maduro atinge o clímax desde a tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez em abril de 2002, que me trouxe à Venezuela pela primeira de incontáveis vezes.

A rejeição do novo mandato de Maduro e o reconhecimento do governo interino do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, no mês passado, coincidiram com o início do governo de Jair Bolsonaro, que prometeu grandes mudanças na política externa brasileira.

O Brasil agora está envolvido como talvez nunca tenha estado nos assuntos de outro país desde o envio dos “pracinhas” à Itália na 2.ª Guerra. O governo brasileiro está apoiando a tentativa da oposição de forçar a entrada de produtos de primeira necessidade em território venezuelano, atropelando a recusa de Maduro. A montagem da estrutura de armazenamento da ajuda humanitária em Roraima é a materialização de uma nova postura do Brasil em relação aos dramas internos de outro país. Na prática, trata-se da participação em uma estratégia de mudança de regime.

Embora a nova política externa brasileira se alinhe, em quase tudo o que é relevante, à americana, o governo de Donald Trump parece descontente com o alcance do engajamento de seu novo parceiro. Segundo fontes em Washington ouvidas pela reportagem do Estado, o governo americano pressiona para que o Brasil garanta a entrada da ajuda pela sua fronteira.

Os militares brasileiros, no entanto, resistem a abrir caminho para um confronto direto com os venezuelanos — que seria desencadeado pela invasão do território vizinho para a derrubada do cerco erguido por ordem de Caracas. Entretanto, apesar de todos os ultimatos impostos pelas autoridades americanas, também não houve até aqui nenhuma movimentação por parte dos Estados Unidos nesse sentido.

O regime chavista, inaugurado em janeiro de 1999, é longevo o suficiente para ter atravessado o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, os dois de Luiz Inácio Lula da Silva, os oito anos somados de Dilma Rousseff e Michel Temer e mais esse início de governo Bolsonaro.

Nesse período, o Brasil experimentou todas as opções possíveis com a Venezuela — com exceção de uma intervenção militar. Fernando Henrique atuava como conselheiro de Chávez, que apesar da verborragia ainda seguia uma linha relativamente moderada. No último mês de seu governo, em dezembro de 2002, FHC atendeu ao pedido do então presidente eleito Lula de enviar um carregamento de combustível para Chávez fazer frente à greve política da PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana, contra o seu governo.

Lula apoiou Chávez de forma crescente e aberta, chegando a pedir voto para ele na inauguração de uma ponte ligando os dois países sobre o Rio Orinoco, em novembro de 2006, três semanas antes da eleição presidencial na Venezuela. Nesse período, que se estendeu pelos governos de Dilma, o Brasil era visto pela oposição venezuelana como um governo hostil a ela e dócil aos chavistas.

Quando Temer assumiu, voltou à política externa anterior, que seguia a linha tradicional do Brasil, de não ingerência unilateral em outros países. O que não o impediu de evocar os princípios democráticos do Mercosul para suspender a Venezuela, como FHC havia ameaçado fazer em 1996, para evitar um golpe no Paraguai.

Agora, o Brasil sai de novo do marco dos princípios e acordos, para exercer uma liderança e uma responsabilidade regionais conforme suas preferências e visões circunstanciais. Não está necessariamente errado. É apenas novo. E terá consequências. Parafraseando o Pequeno Príncipe, um país se torna eternamente responsável pelo regime que ele muda.


Eliane Cantanhêde: Venezuela é uma fria

Impasse: o Brasil não pode lavar as mãos nem vai usar a força militar, mas qual a alternativa?

Direto e realista, como sempre, o vice-presidente Hamilton Mourão admite que “um dos cenários na Venezuela é de guerra civil, o que pode respingar para todo lado”. Ele ressalva que, mesmo assim, trata-se de uma questão interna do país vizinho e cabe à ONU interferir, não ao Brasil.

“Enquanto eles continuarem matando uns aos outros, a gente não pode fazer nada”, disse Mourão, que viaja ainda neste domingo para Bogotá, na Colômbia, para a reunião, amanhã, em que o Grupo de Lima discutirá a situação de emergência na Venezuela.

Uma das grandes preocupações do governo brasileiro é com o grau de beligerância entre Venezuela e Colômbia. Segundo Mourão, que é general de exército, “80% do dispositivo militar venezuelano é voltado para a fronteira com a Colômbia. Na fronteira com o Brasil, tudo o que Maduro tem é uma brigada de engenharia de selva muito capenga”.

O Grupo de Lima foi criado justamente por causa da dramática crise venezuelana e, dos seus 14 países, só um, o México, se manteve aliado ao inacreditável Nicolás Maduro e se recusou a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Além de Mourão, a reunião contará também com a presença de presidentes da região e do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. Os dois vices discursarão.

Maduro pode ser louco, irresponsável e patético, deu um xeque-mate na comunidade internacional e jogou a Venezuela no centro de uma delicada questão geopolítica. Ilhado, rejeitado por meia centena de países, ele contrapôs EUA, de um lado, e China e Rússia, de outro. E o Brasil, como a Colômbia, foi arregimentado por Washington para agir.

Parece absurdo, mas as potências reagem ao colapso da Venezuela, que mata pessoas e gera o êxodo de milhares de famílias, como questão meramente ideológica. Os EUA tentam recuperar a velha hegemonia na América Latina, a China e a Rússia usam o pobre país contra a grande potência, ou contra um mundo unipolar.

A ação brasileira, a reboque dos EUA, combina com o discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro e com os escritos do chanceler Ernesto Araújo, mas deixa setores produtivos, exportadores e até oficiais de alta patente de cabelo em pé. Segundo um deles, que não quis se identificar, “nós entramos numa fria”. E explicou: “Não faz muito sentido essa aliança tão incondicional com os EUA. Qualquer consequência negativa (da ação na Venezuela) não vai recair sobre eles, vai recair sobre nós”.

A verdade é que era impossível simplesmente lavar as mãos diante do caos na Venezuela, mas são poucas as alternativas. As pontes diplomáticas implodiram, uma invasão militar é fora de cogitação e não dá para recuar. O impasse é que o Brasil tem de fazer alguma coisa, mas não tem ideia do que fazer.

Um grande complicador, como reconhece o vice Mourão, é a falta de canais com o governo e as instituições venezuelanas. “Estamos sem informações fidedignas, sem tem com quem falar e em quem confiar”, admitiu. Como já dito neste espaço, militares brasileiros olham com desconfiança os venezuelanos, considerados muito vulneráveis à corrupção.

Quanto mais o regime fazia água, mais oficiais iam sendo promovidos e hoje há 1.300 generais, o que seria cômico, não fosse trágico. Essa gente toda está pendurada na PDVSA (a petroleira equivalente à Petrobrás), nos projetos e obras ao longo do Rio Orinoco, em confortáveis embaixadas mundo afora.

Quem sofre é o povo, como sempre na história. A Venezuela virou um bunker de Maduro, enquanto Brasil, Colômbia e Chile, entre outros, quebram a cabeça para intervir sem uso de armas. “Ninguém vai entrar numa canoa furada”, diz Mourão, rechaçando ação militar. Ainda bem, mas só fazer show na fronteira não vai resolver nada. Qual a alternativa?


Bruno Boghossian: Brincadeira ideológica atrapalha a cautela dos militares com a Venezuela

Generais delimitam envolvimento brasileiro, mas chanceler faz jogo político perigoso

Quando a crise na Venezuela começava a transbordar, o general Hamilton Mourão se apressou para empurrar as inquietações para outras fronteiras. “Do lado mais complicado, que é o lado colombiano, acho que vai ficar nessa situação de impasse”, afirmou o vice à BBC.

Enquanto isso, do lado mais complicado, o chanceler Ernesto Araújo resolveu posar sorridente com o autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó. O ministro decidiu confraternizar com o opositor de Nicolás Maduro justamente na hora em que os venezuelanos chegavam a uma encruzilhada.

O núcleo militar do governo tem reagido com cautela à escalada de tensões na região, mas a ala ideológica do bolsonarismo insiste numjogo político perigoso.

Generais do Planalto trabalharam nos últimos dias para delimitar claramente o envolvimento brasileiro na crise venezuelana. Embora não tenha se recusado a enviar ajuda humanitária ao país, o grupo conseguiu reduzir a marcha dessa ação.

Além de circunscrever a participação de tropas brasileiras, os militares também barraram a presença de soldados americanos em território nacional —ideia que havia sido alimentada pelo Itamaraty em conversas com autoridades dos EUA.

Araújo mergulhou numa guerra de provocações que, agora, interessa somente a Maduro, aos colombianos e a Donald Trump. Enquanto os militares tentavam baixar a temperatura para evitar uma matança, o chanceler brincava de fazer diplomacia.

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Um assessor de Flávio Bolsonaro contou que repassava dois terços de seu salário a Fabrício Queiroz. Ele transferia R$ 4.000 ao ex-motorista do senador e recebia de volta R$ 4.700. O rendimento de 17,5% causaria inveja no mercado financeiro.

Flávio deveria incluir o nome de Queiroz no banco de talentos criado pelo governo para disfarçar nomeações políticas. Com essa habilidade para fazer dinheiro, ele seria contratado na hora por Paulo Guedes.


O Globo: Governo brasileiro condena 'atos de violência de ditador ilegítimo Maduro' e pede apoio a Guaidó

Em nota, Itamaraty convoca países a 'somarem-se ao esforço de libertação da Venezuela'.

CÚCUTA, COLÔMBIA — O Governo do Brasil condenou, por meio do Ministério das Relações Exteriores, os "atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro"  nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia neste sábado. Em nota oficial, a pasta ressaltou que a atitude de Maduro causou mortes e deixou dezenas de feridos.

No sábado, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, chegou a gravar um vídeo informando que camionetes com alimentos destinados aos venezuelanos haviam entrada no país pela fronteira em Pacaraima, Roraima, mas o carregamento não foi autorizado a passar e agora está armazenado na base militar da cidade brasileira.

"O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro. Trata-se de um brutal atentado aos direitos humanos, que nenhum princípio do direito internacional remotamente justifica e diante do qual nenhuma nação pode calar-se", diz a nota do Itamaraty.

No mesmo pronunciamento, o Brasil apelou à comunidade internacional, sobretudo aos países que ainda não reconheceram o opositor Juan Guaidó como presidente interino, "a somarem-se ao esforço de libertação da Venezuela, reconhecendo o governo legítimo de Guaidó e exigindo que cesse a violência das forças do regime contra sua própria população".

A entrega da ajuda internacional foi, até agora, a grande aposta da oposição para levar os militares a abandonar a lealdade a Maduro e abrir as fronteiras. No entanto, apesar de 23 integrantes das Forças Armadas e da Polícia Nacional bolivariana terem desertado para a Colômbia, outras centenas de agentes das forças de segurança, fiéis ao Palácio de Miraflores, avançaram contra os manifestantes. Quatro pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas a bala, em Santa Elena, cidade venezuelana perto da fronteira com o Brasil. Na fronteira com a Colômbia, 285 pessoas ficaram feridas em confrontos com as forças de Caracas.


Alon Feuerwerker: Os riscos para o Brasil na crise venezuelana. E uma lembrança da Guerra do Paraguai

Cada um vê o imbroglio venezuelano conforme as lentes da ideologia, e esse é um direito inalienável. Há poucas coisas mais inúteis em política internacional do que discutir “quem tem razão”. Costuma ter razão quem tem a força para impor seu desejo. Os propagandistas entram na história para dar um trato na cena, fazer a limpeza e o embelezamento. Como aquele sujeito em Pulp Fiction. Não viu o filme? Veja.

Quem “tem razão” na Venezuela? Depende. Se você defende que o melhor para a América do Sul agora é estancar a penetração russa e chinesa, e quem sabe iraniana, e de quebra varrer a esquerda que apoia o chavismo, faz sentido apoiar as pressões contra o governo de Nicolás Maduro. Se você acha que o mais importante é conter a tentativa americana de retomar a região como esfera de influência, fique do outro lado.

Mas se você é movido por teses como a defesa dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos e do respeito irrestrito à separação dos poderes numa democracia que permita a alternância real no governo, aí talvez seja o caso de cautela. Porque a cada acusação contra o chavismo nesses temas há pelo menos um caso de país amigo dos Estados Unidos, e agora do Brasil, onde isso é deixado para lá. Então deixemos para lá.

A Venezuela é o país da hora onde enfrentam-se as potências que disputam a hegemonia planetária. Os Estados Unidos têm força militar suficiente para tentar resistir à perda de protagonismo para a economia da China. E a Rússia parece ter retomado o poderio militar para conter o declínio deflagrado pela dissolução da União Soviética. Por que a Venezuela? Tem muito petróleo e a América do Sul é um celeiro de commodities.

Está em curso portanto um movimento baseado na interpretação mais crua da Doutrina Monroe, “A América para os americanos”. E no princípio da projeção de poder (militar). Se a Ucrânia, a Síria e a Coreia do Norte são muito longe dos Estados Unidos, a Venezuela é muito longe da China e da Rússia. O recado de Trump é claro: se longe de casa precisamos negociar e aceitar acordos, aqui nas redondezas fazemos o que dá na telha.

E o Brasil? Se o plano de uma derrubada “limpa” do chavismo der certo, com as Forças Armadas dali coesas degolando o governo sem maiores reações e conseguindo estabilidade social e militar, e eventualmente política, tudo bem. O bolsonarismo celebrará a queda de mais um desafeto e vida que segue. Quem sabe até com oportunidades econômicas, com o Brasil entrando de sócio minoritário no desmonte da PDVSA.

Mas, e se der errado? Um risco para o Brasil é a disputa política na Venezuela enveredar para a guerra civil, coisa de que o continente parecia ter se livrado com o acordo de paz na Colômbia. E já que o Brasil decidiu ser protagonista na “guerra pela Venezuela”, será difícil simplesmente voltar para casa e dizer “virem-se, não temos nada a ver com isso”. Até porque nossa fronteira norte é extensa, porosa e cheia de povos indígenas.

Povos para os quais a fronteira e as nacionalidades produzidas após a ocupação hispano-portuguesa têm importância apenas relativa. Em miúdos, gente para quem ser da tribo é mais importante do que ser “brasileiro” ou “venezuelano”. Em tempo de paz, isso tem sido um desafio latente para o Brasil, particularmente para nossas Forças Armadas. Como ficaria a coisa em tempo de guerra? Especialmente se ela transbordar para cá?

Isso traria um conflito bélico para dentro de nossas fronteiras pela primeira vez desde a Guerra do Paraguai. Ela deu na Abolição e na República. #FicaaDica.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Roberto Godoy: Crise prejudica forças bolivarianas; mísseis tiveram investimento

Segundo agências de inteligência da Defesa dos EUA, o inventário do arsenal venezuelano não vai bem

A força militar da Venezuela está reduzida, duramente atingida pela crise que destroçou a economia do país com uma inflação de 1.700.000% ao ano. A tropa de 115 mil homens e mulheres registrada em 2015 perdeu cerca de 23% do melhor pessoal, técnicos e profissionais de nível universitário, saídos rumo à iniciativa privada internacional ou, pior, por desencanto - o número de deserções é tão alto que deixou de ser informado pelo governo bolivariano. A oficialidade anda aborrecida com a manipulação da carreira. Há perto de 2 mil generais - 1 para cada 57 soldados -, grande parte deles premiados com promoções políticas. Segundo agências de inteligência da Defesa dos EUA, o inventário do arsenal não vai bem. Tanques T-72 e blindados sobre rodas, fornecidos pela Rússia há pouco tempo, precisam de manutenção pesada. Os dois submarinos leves classe Sabalo, de 1.300 toneladas, estão em péssimo estado, recolhidos em diques secos. Das seis fragatas Lupo da esquadra, apenas duas manteriam o poder de ataque.

Na estratégica aviação de combate a situação é grave. Os caças de múltiplo emprego Su-30 Mk2V, comprados da Rússia em 2006 pelo então presidente Hugo Chávez, enfrentam sérias dificuldades para sair do chão - de acordo com a análise de informações americanas, a frota operacional está limitada a 10 ou 12 supersônicos - só dois deles dotados de recursos eletrônicos para disparar mísseis antinavio de alta velocidade Kh-31 com alcance na faixa de 150 quilômetros. O comando da aeronáutica venezuelana recebeu 24 jatos Su-30. Perdeu um, em acidente. Utiliza parte da frota de 23 unidades como banco de peças e componentes para preservar os três esquadrões remanescentes. Ontem, dois Sukhoi teriam voado, armados e a baixa altura, trovejando as turbinas sobre a região de Cúcuta, fronteira com a Colômbia. Os jatos são espetaculares - podem levar de 8 a 12 toneladas de mísseis, foguetes, bombas inteligentes e tanques extras, além de um canhão de 30 mm. A força aérea emprega jatos subsônicos chineses K-8 Karakorum nas missões de bombardeio leve. As aeronaves, 18 delas, podem receber até 1 tonelada de armas de baixa sofisticação ou acessórios óticos de reconhecimento.

Os caças russos e um único grupo formado por antigos F-16 A/B americanos, na média com 30 anos de uso, foram deslocados de suas bases regulares para El Libertador, em Maracay, no eixo centro-norte da Venezuela. É um enorme complexo, que abriga um aeroporto civil, mais unidades de transporte e vigilância. Há dois dias, uma bateria de mísseis russos S-300 de defesa antiaérea foi fotografada no local por um satélite militar dos EUA. A Venezuela tem três batalhões completos. É a mesma arma cuja presença na Síria e no Irã desagrada à Casa Branca sob Donald Trump. Simples e letal. Uma bateria é formada por 6 carretas lançadoras blindadas, cada uma levando quatro mísseis, 1 radar de longa distância, 1 veículo de comando e controle, e 1 remuniciador. A versão adquirida pelo presidente Maduro, recebida a partir de 2012, custa cerca de US$ 115 milhões, fora o míssil 9M82M, cotado a US$ 1 milhão. Funcionando no modo automático - o sistema digital rastreia os alvos, prioriza o grau de ameaça e faz o disparo - o tempo de reação é de 3 segundos. Atinge mísseis balísticos e de cruzeiro, aviões e projéteis de artilharia no limite máximo de 150 km a 200 km, a altitudes de 30 km. De acordo com os dados da inteligência, o S-300 tem recebido dinheiro, atenção e cuidados.

No lado brasileiro da fronteira, em Roraima, o cenário tático seguiu as definições do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Na sexta-feira, Azevedo e Silva havia dito ao Estado que “não há possibilidade de confronto militar” entre Brasil e Venezuela. A 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, de Boa Vista, manteve as ações previstas de apoio logístico.

 


El País: Na fronteira da Venezuela com a Colômbia, distúrbios violentos e dezenas de deserções chavistas

A tentativa frustrada de levar remédios e alimentos a partir da Colômbia e do Brasil eleva a pressão sobre Maduro. Pelo menos 60 soldados venezuelanos abandonaram as Forças Armadas

Os venezuelanos viveram neste sábado outro ponto de inflexão no confronto entre o chavismo e a oposição a Nicolás Maduro. A operação do presidente interino Juan Guaidó nas fronteiras, que com o apoio direto ou a solidariedade da imensa maioria da chamada comunidade internacional busca introduzir ajuda humanitária no país, gerou um novo quadro à margem do resultado da convocação. A repressão impediu a entrega de remédios e alimentos dirigidos a 300.000 cidadãos em risco de morte, recusada de forma peremptória pelo sucessor de Hugo Chávez, que lhe atribuiu o peso de uma interferência dos Estados Unidos. A jornada elevou à tensão máxima as passagens fronteiriçoas da Colômbia, onde se registraram graves incidentes, distúrbios e ataques policiais.

Na cidade de San Antonio de Táchira, que faz fronteira com a cidade colombiana de Cúcuta, se produziram choques entre as forças de segurança, a população e os seguidores de Guaidó, quem na sexta-feira cruzou a fronteira para liderar o operativo em aberto desafio ao Governo que lhe havia proibido sair do país. Os agentes tentaram dispersar os manifestantes com gases lacrimogênio e balas. Houve episódios de violência no lado venezuelano das pontes de Tienditas e Simón Bolívar. Ao caos atribuído a membros de coletivos de paramilitares chavistas acrescentou-se a repressão dos militares em resposta aos manifestantes, que o chavismo considera responsáveis pelos distúrbios.

A tentativa de Guaidó, presidente da Assembleia Nacional que há um mês se declarou chefe de Estado interino, de quebrar a unidade dos militares, conseguiu mais de 60 deserções de agentes da Guarda Nacional Bolivariana e duas da Policial Nacional que custodiavam a fronteira. Entregaram-se às autoridades de Migração Colômbia e pediram refúgio no país vizinho.

Enquanto milhares de voluntários seguiam tentando fazer chegar ao país os carregamentos com ajuda, procedentes em sua maioria dos EUA, em Caracas uma multidão de manifestantes dirigia-se para a base aérea da Carlota. Chegaram a rodear ao meio-dia entre gritos de "soldado, escuta, una-se à luta". O respaldo das Forças Armadas é um ponto chave para alcançar o poder na Venezuela, onde o aparelho estatal está profundamente militarizado, e Guaidó leva semanas apelando à consciência de sua cúpula e bases para convencê-los de que deem as costas a Maduro.

Neste sábado, o presidente interino se reuniu em Cúcuta com alguns desses desertores. "Os soldados com quem falei responderam a seu desejo de vida e futuro para seus filhos que o usurpador não lhes garante. Soldado venezuelano, a mensagem é clara. Faça o que manda a Constituição. Terá anistia e garantias para quem se coloque do lado do povo", lembrou. Também lançou uma mensagem às bases chavistas ainda fiéis ao ex-presidente morto em 2013 e àqueles cada vez mais insatisfeitos com Maduro. Sua intenção é incorporá-los num processo de transição e por isso fez questão de que sua leitura "é de todos e por todos os venezuelanos". "Quero fazer um especial chamado ao povo chavista e a quem estiver perto de se somar ao lado da Constituição, da convivência democrática e o bem-estar para todos".

O que resta do Governo de Maduro também procurou uma imagem de exibição de força, como vem sendo habitual, para contraprogramar os atos da oposição. O mandatário compareceu junto ao palácio presidencial de Miraflores ante seus seguidores, em sua maioria empregados públicos. Assegurou que "reta formalmente" a seu adversário a convocar eleições e se esforçou em demonstrar que 30 dias depois, em referência à proclamação de Guaidó, "o golpe de Estado fracassou". Ao mesmo tempo, lançou-lhe uma advertência. "Haverá justiça na Venezuela. Para que haja paz haverá justiça", disse. Maduro aludia ao não cumprimento da ordem expressa, emitida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), de que Guaidó não saísse do território venezuelano.

Em definitiva, o chavismo recorreu a seu manual de sempre, acusando os opositores de montar um "show" na fronteira e provocar os incidentes. "Perturbaram levando a guarimba [o protesto] ao povo de San Antonio. Queimaram um ônibus. Um show para perturbá-los e tirar a tranquilidade aos formosos povos da fronteira. Ontem [pela sexta-feira] me vi obrigado a fechar as pontes fronteiriças até um novo aviso e estou avaliando o que fazer. Vocês sabem que eu não temo a nada", disse antes de chamar os militares e às centenas de milhares de milicianos armados pelo Governo a se levantar caso algo lhe acontecesse.


Clóvis Rossi: E se Guaidó fracassar no sábado?

A receita Mourão é correta; falta cozinhá-la

O general Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil, tem toda a razão ao dizer, sobre a Venezuela, que “a única solução é o regime do Maduro entender que acabou, promover novas eleições, se eleja quem tem que ser e partir daí terá de ter haver plano Marshall na Venezuela".

De acordo, general. Pena que eu não tenha conseguido contato contigo para perguntar se a tentativa de fazer entrar ajuda humanitária na Venezuela neste sábado (23) vai de fato contribuir para chegar à solução proposta.

Tomara que sim, mas temo que não. Examinemos as possibilidades mais lógicas a respeito do 23F:

1 - A ajuda não entra, pela truculenta resistência da ditadura. Analisa, desde já, o Miami Herald, geralmente bem informado sobre Venezuela, até pela vizinhança geográfica: “Tantos apoiadores como críticos da decisão de reconhecer Guaidó [Juan Guaidó, como presidente interino] estão preocupados em perder o ímpeto para eleições se o sábado chega e passa sem uma mudança no status quo".

Essa suposição sobre a perda de ímpeto é recorrente na mídia internacional, para o caso de fracassar a iniciativa de Guaidó.

A oposição terá conseguido apenas expor a um público bastante amplo e à mídia internacional, ao vivo e em cores, a brutalidade da ditadura.

Minha dúvida é saber se as caravanas convocadas por Guaidó se conterão ao chegar às fronteiras ou se se atirarão contra as tropas que as estão bloqueando. Abre-se a perspectiva de um banho de sangue cujas consequências não dá nem para imaginar.

2 - A ditadura, além da truculência tradicional, recorre a um trambique, outra de suas especialidades: deixa a ajuda entrar, mas, à medida que os caminhões vão se afastando das fronteiras e, por extensão, da vista do público e da mídia externa, se apropriam dos carregamentos.

Faz, em seguida, ela própria, a distribuição de alimentos e medicamentos, para o que até já dispõe de um mecanismo (militarizado), os CLAPs (Comitês Locais de Abastecimento e Preços). É o meio para exercer controle social sobre a população.

É capaz até de ganhar pontos porque a penúria dos venezuelanos é tão tremenda que qualquer alívio é bem recebido, venha de quem vier.

3 - Os militares permitem a entrada da ajuda. Seria o “game over” para Maduro, porque significaria ter perdido o respaldo do único setor com que conta para manter-se no poder.

Ainda assim, seria preciso ver se Maduro “entende que acabou", como gostaria o general Mourão, ou se será preciso uma negociação (com quem?) para estabelecer as regras para a transição até as eleições.

Qualquer que seja o desfecho deste sábado, gostaria que o general Mourão explicasse o que vai propor, na segunda-feira (25), quando se reunir na Colômbia o Grupo de Lima, o conglomerado dos principais países das Américas que tenta tirar a Venezuela do buraco.

Se eu fosse o general, proporia, para começar, tirar protagonismo dos Estados Unidos, hoje o país que mais atiça as chamas e, por extensão, o que mais estimula Maduro a reagir com fogo. Talvez a liderança de países e/ou instituições menos hidrófobas (Canadá, União Europeia, por exemplo) crie melhores condições para criar o percurso (correto) do general Mourão.

Intervenções americanas anteriores criaram, no mais das vezes, ditaduras cruéis —e ditaduras é tudo o que Venezuela dispensa depois da tragédia a que foi conduzida.