Venezuela

El País: Volta do líder opositor Juan Guaidó coloca a Venezuela em expectativa

Decisões do chavismo e da oposição marcam o futuro da crise após semana de "impasse" que deu oxigênio a Maduro. Pela internet, Guaidó disse que se o opositor o prender será seu último erro

Há uma semana a sensação na Venezuela é que, novamente, tudo dá voltas sobre si mesmo. Um impasse que, tudo parece indicar, irá pelos ares com o regresso de Juan Guaidó ao país nas próximas horas. O presidente da Assembleia Nacional anunciou no final do sábado sua intenção de voltar a seu país, sem esclarecer quando, mas convocou mobilizações para segunda e terça-feira, feriado pelo carnaval. A oposição acredita que a volta de Guaidó reativará o entusiasmo de seus seguidores, mas as consequências de seu retorno ainda são uma incógnita. Em uma mensagem transmitida via redes sociais, no domingo à noite, de um lugar não especificado, Guaidó disse, ao lado da mulher, que se Maduro decidir prendê-lo, seria "o último erro que cometeria".

Guaidó se encontra fora da Venezuela há mais de uma semana. Seus movimentos, decididos durante a viagem e comunicados a conta-gotas, o levaram à Colômbia para liderar a tentativa frustrada de introduzir material médico e suplementos nutricionais através da fronteira. De lá foi para o Brasil, Paraguai, Argentina e Equador, reunindo-se com os presidentes desses países da região que são os que mais o apoiaram e procurando um contrapeso ao protagonismo da Administração de Donald Trump na crise, como se deduz das conversas com uma dezena de fontes, entre deputados próximos a Guaidó, assessores, líderes políticos da oposição e o entorno do chavismo, consultadas para essa reportagem. Uma estratégia que não está isenta de riscos, já que Guaidó saiu da Venezuela apesar de ser expressamente proibido pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), controlado pelo Governo.

Nicolás Maduro e os principais dirigentes chavistas sugeriram nos últimos dias que o líder oposicionista deve ser levado à Justiça. Ninguém pediu abertamente sua prisão e fontes do alto comando chavista afirmaram nessa semana que a intenção é “evitar cair em provocações”. Com toda a probabilidade, o sucessor de Hugo Chávez tomará a decisão final no último momento após se consultar com um pequeno grupo de colaboradores.

Entre as opções na mesa existe a possibilidade de que as autoridades de imigração impeçam sua entrada na Venezuela e, em uma tentativa de menosprezá-lo, o Governo lhe condene a uma espécie de desterro à espera de que o processo que colocou em andamento esfrie. A máquina chavista pode, também, detê-lo, uma vez que tecnicamente é um fugitivo. Essa hipótese lembra o caso de Leopoldo López, principal apoiador de Guaidó e líder de seu partido, o Vontade Popular, preso em 2014. E teria repercussões internas e externas imprevisíveis, que vão da explosão de um novo ciclo de protestos ao endurecimento do cerco diplomático e uma reação mais contundente de Washington, que nunca deixou de agitar o fantasma de uma intervenção militar.

Se por fim conseguir entrar será obrigado a retomar iniciativas, a mover peças. Ou seja, após um regresso ao qual sua equipe tentará dar contornos épicos não pode se permitir outra falha. Tampouco retornar ao setor anterior a 23 de fevereiro, quando se reunia com diversas instituições e apresentava seus planos. De alguma forma, o desafio de Guaidó passa por conseguir feitos concretos que possam chegar a uma saída da crise e manter viva a esperança dos amplos setores da sociedade que apoiam sua causa.

O desafio do presidente da Assembleia Nacional para derrubar Nicolás Maduro teve um impulso inicial que fez pensar em uma mudança iminente. Quase um mês e meio após o jovem político venezuelano se declarar presidente, entretanto, a intensidade do confronto diminuiu e as fileiras da oposição temem que esse processo acabe no enésimo falso alarme. “Impasse” é uma das palavras que mais acompanham a conversa sobre a situação da Venezuela, junto com “bloqueio”, “parada” e até “retrocesso”. Depende do otimismo dos interlocutores.

O erro de cálculo mais evidente ocorreu em 23 de fevereiro. A tentativa de levar ajuda aos venezuelanos mais vulneráveis se transformou em um instrumento político para enfraquecer o chavismo. Apesar de ter a partida quase nas mãos (alguns carregamentos já se encontravam no território venezuelano) foram geradas expectativas muito altas e o chavismo foi subestimado. A maior parte da oposição estava convencida de que o custo de um cenário violento pesaria sobre eles. Ainda mais quando Diosdado Cabello, na véspera, sugeriu que estavam dispostos a deixar entrar a ajuda. “Quem quiser comer comida desidratada é problema seu”, disse.

O chavismo, entretanto, mobilizou sua artilharia, não somente as forças de segurança, para reprimir os protestos. Coletivos armados foram à fronteira e intervieram depois, após uma fase inicial liderada pela Guarda Nacional e, posteriormente, a Polícia Nacional Bolivariana. Para garantir que as ordens de Maduro seriam respeitadas e prevenir qualquer problema, o chavismo enviou em cada ponto fronteiriço uma espécie de comissário político, como foram os casos da ministra de Prisões Iris Valera e o ex-ministro e coordenador dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) Freddy Bernal.

A violência desativou a operação, apesar da oposição aventar a possibilidade de introduzir ajudas através de passagens fronteiriças informais, ao longo das trilhas, como acontece diariamente. Ocorreram também as desordens produzidas por militantes violentos, os chamados guarimberos, cuja presença foi reconhecida pelos próprios opositores. E alguns episódios que afetaram a imagem de Guaidó, como a detenção do ex-preso político Lorent Saleh.

Após um dia marcado pelos confrontos na fronteira, Guaidó, no Twitter, afirmou que pediria à comunidade internacional que deixasse abertas “todas as opções para conseguir a libertação da Venezuela”, o que foi interpretado como um pedido de intervenção militar e ceder aos setores mais radicais da oposição e à ala dura dos Estados Unidos, os chamados falcões de Trump, liderados pelo chefe de Segurança Nacional, John Bolton. A confusão causada por suas palavras obrigou Guaidó a abrandar sua mensagem. Em seu entorno defendem que ele não queria atiçar o fogo e que fez até referência à possibilidade de se sentar para negociar com o chavismo. Mas já era tarde. Pouco depois, um dos líderes da oposição no exílio, Julio Borges, representante de Guaidó no Grupo de Lima, afirmou que durante o encontro previsto para um dia depois exigiriam do órgão “um aumento na pressão diplomática e no uso da força contra a ditadura de Nicolás Maduro”. Nem mesmo o Governo da Colômbia, que junto com Washington é o principal apoiador da oposição no tabuleiro internacional, aceitou o desafio. O Grupo de Lima descartou essa possibilidade e somente a Administração de Donald Trump deixou todas as portas abertas.

A ideia de uma intervenção militar está em cada conversa sobre o futuro da Venezuela. No chavismo estão convencidos de que é algo mais do que uma ameaça retórica. Sentem que não pode ser descartada com Trump na Casa Branca e o que consideram uma traição golpista de uma parte da oposição. Conscientes de que não poderiam enfrentar um ataque durante muito tempo, não hesitam no momento de afirmar que tentarão resistir a um assédio até o último momento, com todas as consequências.

Diante desse contexto, a oposição caminha sobre uma linha muito fina. A maior parte dos próximos a Guaidó, deputados com capacidade de tomar decisões e assessores, refuta o uso da força para conseguir uma saída à crise. Sabem, entretanto, que deixar o chavismo sem essa ameaça diminuiria a pressão psicológica e poderia significar um retrocesso nesse processo. Mais um. De modo que a fórmula de que todas as opções estão sobre a mesa seja a mais recorrente. O risco, admitem as fontes consultadas, é que a estratégia estremeça com o sentimento de grande parte da população, do qual o setor externo pretende amealhar frutos. O cansaço e o desespero com o chavismo são tais que ela não se importaria com a forma com que pudesse ser tirado do caminho. Os setores mais radicais, com María Corina Machado na liderança e apoiados por muitos venezuelanos no exílio de Miami e Washington, deram força a essa opção.

“A intervenção já chegou”, comenta este colaborador. A intervenção, entretanto, não é, por enquanto, de caráter humanitário e militar. Como é feito, então, o cerco dos Estados Unidos? Com sanções diretas e individuais à cúpula do chavismo e alto comando militar e a oferta de incentivos (vistos, desbloqueios das contas) em troca do abandono a Maduro. Por enquanto, esse caminho se mostrou ineficaz ou, pelo menos, ineficiente. Por volta de 700 oficiais e soldados desertaram desde 23 de fevereiro. Um número que pode parecer significativo e que, entretanto, é risível diante dos números das forças armadas venezuelanas, que possuem aproximadamente 250.000 membros.

Um dos objetivos da viagem de Guaidó dessa semana era pedir aos mandatários com os quais se encontrou que adotem sanções concretas contra Maduro e seu entorno para apertar o cerco. No começo também foi avaliada a possibilidade de que Guaidó viajasse à Europa, para realizar uma minireunião na qual estivessem presentes, pelo menos, a Alemanha, França e Espanha.

A União Europeia é vista pelos dois lados como um caminho para se chegar a uma saída pacífica e diplomática à crise. A oposição quer que o Grupo de Contato criado pela chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini, dê passos mais rápidos e concretos diante de uma eventual negociação com o chavismo. Isso permitiria ao chavismo não ceder aos Estados Unidos, mesmo que deem como certo que qualquer acordo com a oposição deve ter o sinal verde da Casa Branca.

Vários diplomatas destacam que, nesse ano, Maduro, que não costumava se reunir com os embaixadores europeus, se encontrou com eles duas vezes e os canais continuaram abertos com as embaixadas mais importantes apesar da maioria dos países da UE ter reconhecido Guaidó como presidente interino da Venezuela. A sensação dentro da diplomacia europeia é que o chavismo continua sendo uma caixa preta difícil de decifrar, em que não se sabe se há divisões e até debates internos que possam produzir uma ruptura. Vários participantes desses encontros lembram uma das falas de Maduro: “Eu não sou Gadafi e Saddam, mas se me matarem surgirá outro e será mais radical”.


Demétrio Magnoli: Diante do enigma venezuelano

A negação de uma estratégia desvairada não equivale à definição de uma positiva

O "Deus de Trump" invocado por Ernesto Araújo não funcionou. No 23 de fevereiro, suposto Dia D, Maduro escapou do "xeque-mate humanitário", provando que ainda mantém controle sobre a alta oficialidade. A estratégia fracassada representou uma nítida derrota para o líder opositor Juan Guaidó, mas também para Donald Trump e o presidente colombiano Iván Duque. O Brasil só não amargou completa desmoralização porque, na hora H, Bolsonaro entregou o comando ao vice, Hamilton Mourão, assinando uma demissão branca do chanceler Araújo. Há lições a extrair do episódio.

A disputa de poder na Venezuela contrapõe o Executivo (isto é, a ditadura do chavismo terminal) ao Parlamento (isto é, a maioria oposicionista oriunda das derradeiras eleições livres no país). O Parlamento conta com apoio internacional majoritário e o respaldo da maior parte do povo. Contudo, o Executivo tem as armas, pois o regime equilibra-se sobre a aliança entre o aparato político chavista e a cúpula militar. Nesse cenário, a queda de Maduro depende de uma cisão entre os componentes da aliança cívico-militar que o sustenta.

A ideia de uma intervenção militar liderada pelos EUA só passa pelos desvarios conspiratórios de correntes extremistas com as quais o neófito Araújo extravasa seus impulsos infantis. Trump não organiza retiradas americanas da Síria e do Afeganistão para se envolver numa ação isolada na América do Sul. Duque não reativará a guerra civil colombiana em nome da democracia na Venezuela. Os militares brasileiros rejeitam a perspectiva de produzir uma Síria na faixa de fronteira amazônica. O chefe do Itamaraty que clamou por um corredor de invasão a partir de Roraima é evidência dos riscos que Bolsonaro corre ao nomear acólitos do Bruxo da Virgínia a postos de responsabilidade.

No Dia D que não houve, os Estados Unidos, a Colômbia e o Parlamento venezuelano tentaram emparedar os militares entre as alternativas de usar munição real contra o povo ou romper com o Executivo. A encruzilhada, porém, não se materializou. De um lado, superestimou-se a mobilização popular na fronteira colombiana. De outro, subestimou-se a coesão das Forças Armadas, que sofreram defecções apenas periféricas. A vitória pontual de Maduro não altera a paisagem de fundo, que descortina um regime falido e fraturas estruturais na aliança de poder. Mas exige a substituição das proclamações triunfalistas por iniciativas realistas.

O Brasil perdeu o confortável papel de ator coadjuvante. Na reunião doGrupo de Lima, o chanceler de facto Mourão reorientou a diplomacia regional, afastando a sugestão de intervenção militar externa aventada por Guaidó. A negação de uma estratégia desvairada não equivale, porém, à definição de uma estratégia positiva. A ditadura venezuelana não cairá sob golpes retóricos ou a multiplicação de sanções econômicas americanas. É preciso remover as últimas esperanças da cúpula militar e, ao mesmo tempo, convencê-la de que não sofrerá a vingança de um futuro governo democrático.

As chaves do enigma encontram-se na Rússia e na China. As duas potências devem ser persuadidas a abandonar o esquife do regime chavista, ajudando a negociar um pacto de transição com os chefes militares. Sem o pulmão financeiro providenciado por elas, a ditadura seria asfixiada. E, com a garantia delas, os comandos das Forças Armadas venezuelanas dariam crédito à promessa de anistia formulada pelo Parlamento.

Não é missão impossível. Putin carece de meios para projetar poder na América do Sul. O governo chinês não trocará suas relações com os principais países sul-americanos pela proteção a um regime sem amanhã. Contudo, para realizá-la, o "Deus de Trump" precisa sair de cena. Se pretende exercer liderança na crise regional, Bolsonaro deve ter a coragem de apagar as luzes do quarto das crianças. Afinal, já passa da meia-noite.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


El País: Bolsonaro dá a Guaidó apoio político com uma recepção informal em Brasília

Bolsonaro: “Não regularemos esforços dentro da legalidade para reinstaurar a democracia na Venezuela”

O venezuelano Juan Guaidó chegou ao Brasil em um avião das Forças Aéreas colombianas, mas dormiu em um hotel. Esta “visita pessoal” a Jair Bolsonaro — assim foi oficialmente definida — só foi incluída em cima da hora na agenda do presidente, mas depois ambos falaram à imprensa lado a lado no Palácio do Planalto. O Brasil procura o equilíbrio entre dar apoio político a quem reconhece como presidente interino e legítimo da Venezuela, mas sem lhe conceder honras de chefe de Estado. “Não regularemos esforços dentro da legalidade e de nossa tradição para reinstaurar a democracia na Venezuela”, declarou Bolsonaro junto ao venezuelano.

Guaidó insistiu em exigir “eleições livres e o fim da usurpação do poder” por Nicolás Maduro e a cúpula chavista. “Para resgatar a indústria, é preciso resgatar a democracia, os direitos humanos e o estado de direito”, insistiu, antes de criticar “o falso dilema entre guerra e paz. Todos queremos a paz”. Embora os Estados Unidos, o principal respaldo a Guaidó ao lado da Colômbia e do Brasil, insistam em que “todas as opções estão sobre a mesa” para lidar com a crise venezuelana — como reiterou Washington durante anos a respeito do Irã e seu programa nuclear —, o Grupo de Lima descartou expressamente o uso da força em sua última reunião.

O venezuelano reiterou que retornará à Venezuela “nos próximos dias”, sem dar detalhes. Na sexta-feira viaja ao Paraguai com a esperança de manter o fôlego da sua aposta em derrubar Maduro.

Guaidó também se reuniu em Brasília com os embaixadores de 25 dos países da União Europeia antes de visitar Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo. Insistiu aos diplomatas da UE sobre a necessidade de uma saída pacífica, uma solução pactuada e, em curto prazo, a formação de um novo conselho eleitoral que organize eleições, conforme informaram fontes diplomáticas europeias. Bolsonaro por sua vez disse esperar “não só eleições, mas eleições livres e confiáveis”.

As constantes mudanças na agenda da breve visita de Guaidó — a coletiva originalmente seria no Itamaraty, um cenário menos graduado — refletem as tensões dentro do próprio Governo brasileiro sobre como lidar com sua figura e, em geral, com a crise do país vizinho. O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Araújo encarnam esses dois lados. Mourão, um general da reserva que foi adido militar em Caracas, lidera uma abordagem mais temperada. Certamente sem recorrer à força. “Para nós, a opção militar nunca foi uma opção. O Brasil sempre apoiou as soluções pacíficas de qualquer problema que ocorra nos países vizinhos", declarou ele na segunda-feira em Bogotá depois da reunião do Grupo de Lima. O vice-presidente sempre defendeu que o líder chavista Nicolás Maduro deveria ir para o exílio. Já Araújo é um trumpista mais partidário do alinhamento com os Estados Unidos para restaurar a democracia na Venezuela, com a qual o Brasil compartilha 2.100 quilômetros de uma fronteira que está fechada há seis dias.

A posse de Bolsonaro representou uma mudança muito profunda na relação com a Venezuela chavista, e ele não desperdiçou a chance de recordar isso com críticas a seus antecessores. “Faço aqui um mea culpa de que dois ex-presidentes do Brasil foram em parte responsáveis pelo que está acontecendo na Venezuela hoje em dia”, disse em referência a Luiz Inácio Lula da Silva, preso por corrupção, e Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores. “Essa esquerda gosta tanto dos pobres que acabou multiplicando-os e os nivelou por abaixo”, disse, adotando a linguagem que mais agrada aos seus seguidores.

Visita a Israel depois de Chile e EUA

Com esta visita ao líder ultradireitista brasileiro, um duríssimo crítico do chavismo e de tudo o que cheire a esquerda, Guaidó pretende manter o impulso que recebeu de seus compatriotas e da comunidade internacional ao tentar introduzir alimentos e material sanitário pelas fronteiras. Mas a iniciativa foi um fracasso. Os Estados Unidos sobretudo, mas também a Colômbia e o Brasil, doaram alimentos e os levaram até as fronteiras, mas os partidários de Guaidó não foram capazes de superar o bloqueio imposto por Maduro e trazer o material para o território venezuelano. Quatro pessoas morreram alvejadas pelas forças de segurança, e em meio à tensão fronteiriça Maduro rompeu relações com a Colômbia. As 800 toneladas de ajuda continuam nos armazéns.

O presidente do Brasil terá um março muito viajante. Bolsonaro irá a Israel em uma visita oficial de 31 de março a 4 de abril, conforme relatado pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel nesta quarta-feira. O ultradireitista vai retribuir ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na véspera das eleições gerais israelenses a sua visita ao Brasil por ocasião da posse do Governo brasileiro. Bolsonaro, que tem um apoio muito forte dos grupos evangélicos mais pró-Israel no Brasil, foi batizado no rio Jordão em 2016. Antes, o presidente planeja ir ao Chile em sua primeira viagem oficial — para desagrado da Argentina, o destino tradicional — e aos Estados Unidos, para ser recebido por Donald Trump na Casa Branca.


José Serra: Menos arroubos, mais diplomacia

O Brasil não tem história nem poderio para se tornar parte de uma polícia global

A deterioração da situação política na Venezuela, com todos os seus corolários – recrudescimento da repressão pelo ditador Nicolás Maduro, emigração em massa e conflitos entre Forças Armadas e civis venezuelanos, a um passo da nossa fronteira –, arrasta o Brasil (e a Colômbia) para focos de tensão crescente. Como já escrevi neste espaço, o conflito interno na Venezuela é uma circunstância que o Brasil não escolheu, mas que, cada vez mais, nos impõe dilemas especialmente difíceis, que devem ser tratados com muita cautela e pragmatismo.

Os desdobramentos mais recentes – como a tentativa de atravessar a fronteira no Brasil e na Colômbia com caminhões de ajuda humanitária – deslocam perigosamente nosso papel no conflito da esfera tipicamente diplomática para a antessala de uma ação propriamente militar. Na semana passada o governo de Maduro posicionou tanques próximo à nossa fronteira, dando sequência a um imbróglio preocupante.

Quando se sai do campo da diplomacia e se entra, ainda que tenuemente, na esfera bélica, as opções de recuo diminuem e a tendência a uma escalada temerária não pode nunca ser descartada. Em face da reação das Forças Armadas venezuelanas, ainda leais a Maduro, a entrada da ajuda humanitária fracassou. Esperava-se que a possibilidade dessa ajuda e o previsível rechaço de Maduro abrissem uma fenda na lealdade militar ao chefe venezuelano. Mas houve relativamente poucas deserções, a grande maioria de patentes baixas e médias. Os desertores cruzaram a fronteira com a Colômbia e alguns foram resgatados pela Polícia Federal brasileira. A manobra não deu certo – pareceu longe de ameaçar a estabilidade dos vínculos entre o governo e o Exército.

O que se poderia fazer a partir daí? Aumentar a pressão político-diplomática e, usando aparato bélico, impor a passagem de comboios com alimentos e remédios? Ou desistir da operação até que um virtual abalo do apoio dos militares a Maduro levasse à derrocada do seu regime? Ao que tudo indica, ficaremos na segunda opção. O que não deixará de ser um prudente recuo, bem-vindo, diga-se. Mas não melhor do que se estivéssemos cuidadosamente explorando outras opções de ação.

A lição que fica do episódio é que blefes não costumam produzir bons resultados nas relações internacionais, ainda mais se o adversário encurralado tem tudo a perder se não resistir. Por mais que Maduro e o chavismo tenham levado seu país à ruína, a sociedade venezuelana está ainda dividida. Essa divisão tem raízes históricas, especialmente pelo desprezo das elites, no passado, pela situação da grande maioria marginalizada. O apelo ideológico do “socialismo” chavista ainda sensibiliza boa parte dos venezuelanos. Embora essa parcela seja cada vez mais minoritária, ela permanece forte o suficiente para alimentar a instabilidade política mesmo depois de uma eventual queda de Maduro.

Outro fator complicador – e uma das grandes dificuldades para o desfecho pacífico de tiranias como a venezuelana – é o crescente envolvimento de autoridades, civis e militares, nas ações do regime ameaçado. Para elas, resistir à mudança é evitar a punição futura. Essa circunstância mostra quão essencial passa a ser a criação de salvaguardas e anistias para os possíveis derrotados, a fim de que o custo da transição não seja uma guerra civil aberta.

Nesse aspecto, o “presidente” interino Juan Guaidó – assim reconhecido por boa parte da comunidade internacional, incluindo o governo brasileiro – tem tido comportamento exemplar, exercendo uma inteligente política de atração de possíveis dissidentes do regime com ofertas de reconciliação.

Em vista dos enormes riscos que envolvem o Brasil, parece óbvio que qualquer atitude que possa desencadear uma escalada bélica deve ser rejeitada. Isso não significa, evidentemente, adotar uma postura passiva ou condescendente com Maduro e seu grupo. Há a possibilidade, por exemplo, de aumentar pressões externas mediante a suspensão de linhas de comércio com a Venezuela. Esse fechamento teria efeitos econômico-sociais adversos no país vizinho, mas seria uma opção menos dolorosa do que a de expor as pessoas a um conflito bélico em que o Brasil se envolvesse e cujos desdobramentos negativos seriam imponderáveis.

Tenhamos claro que a própria deterioração econômico-social da Venezuela levará, mais dia, menos dia, à ruptura dos militares com o regime de Maduro A hiperinflação abateu-se definitivamente sobre o país e a produção de petróleo, a única atividade econômica capaz de gerar divisas externas, está entrando em colapso. A inflação em fins de 2018 atingiu incríveis 80.000% ao ano, segundo estimativa do professor Steve Hanke, da Johns Hopkins University. Nos últimos cinco anos, a produção de petróleo na Venezuela caiu pela metade – de 3 milhões de barris diários para apenas 1,5 milhão! E cairá ainda mais, à medida que as sanções econômicas já impostas tornem mais precária a manutenção da infraestrutura produtiva. O PIB venezuelano vem declinando a taxas inéditas – uma verdadeira hecatombe econômica. Desde 2013 caiu 70%, medido em dólares. Somente em 2018 a queda foi de 18%!

Não há saída feliz possível para Maduro. E não deixa de ser exasperante assistir ao sofrimento dos venezuelanos prolongar-se no tempo. Infelizmente, nem tudo é possível em política, menos ainda em política internacional, em que o terreno é sempre mais movediço e imprevisível.

A declaração do Grupo de Lima – que reuniu nesta semana representantes de 13 Estados latino-americanos e o Canadá – foi correta. O tom do documento manteve a pressão diplomática, mas claramente afastou as veleidades bélicas que alguns setores parecem cultivar. O Brasil não tem história nem poderio para se tornar parte de uma polícia global. Devemos tomar posição, sim, mas sempre nos limites da diplomacia. Nosso histórico de autocontenção é um grande ativo, uma sábia tradição que não devemos abandonar.

*SENADOR (PSDB-SP), FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES


O Globo: Enfraquecido, Guaidó vem pedir apoio mais contundente do Brasil

Líder opositor quer saber em primeira mão até onde governo Bolsonaro está disposto a ir na ofensiva regional contra Maduro

Por Janaína Figueiredo e Eliane Oliveira, de O Globo

BRASÍLIA — A inesperada viagem de Juan Guaidó a Brasília tem dois objetivos centrais, confirmaram ao GLOBO fontes brasileiras e venezuelanas: encontrar-se com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e mostrar que ainda conta com respaldo firme do governo brasileiro, e saber em primeira mão até onde o Brasil está disposto a chegar na ofensiva regional contra Nicolás Maduro.

Na reunião do Grupo de Lima de segunda-feira passada, em Bogotá, o bloco e o Brasil especialmente descartaram a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela. Isso deixou os Estados Unidos sozinhos ao lado de Guaidó, caso esse seja o cenário em algum momento em curto e médio prazo. Para colaboradores do presidente da Assembleia Nacional, autoproclamado presidente interino da Venezuela desde 23 de janeiro, "a atitude do Brasil decepcionou e surpreendeu".

— Nós estamos pensando, eventualmente, numa cooperação internacional. Não falamos mais em intervenção, porque Guaidó é um presidente legítimo e pode ter acordos de cooperação, inclusive na área militar. Se for só com os EUA será assim. Queremos saber a real situação — assegurou uma fonte venezuelana.

Em Brasília, a visão é diferente. Fontes que presenciaram o encontro em Bogotá asseguraram que "o Brasil está fazendo a sua parte desde o início, não pode ser acusado de ter falhado". Em conversas internas, funcionários do governo Bolsonaro apontam que "Maduro ainda tem a força bruta e Guaidó, o poder moral". Quando são perguntados sobre a possibilidade de uma intervenção militar internacional, respondem enfaticamente que "essa consulta já se tornou cansativa, o Brasil e o Grupo de Lima já deixaram clara sua posição".

Embora tenha garantido que retornará a Caracas, mesmo sob risco de prisão, Guaidó decidiu vir a Brasília para entender melhor a posição brasileira. Sua expectativa na Colômbia "era outra". Pela manhã, o líder opositor, que chegou a Brasília com uma pequena delegação de deputados e com sua mulher, Fabiana Rosales, tem uma agenda privada que não foi revelada. Especulam-se reuniões em embaixadas, entre elas a dos EUA.

A visita foi organizada por sua "embaixadora" em Brasília, professora Maria Teresa Belandria, junto com altas autoridades do governo Bolsonaro, confirmaram fontes brasileiras. Um dos envolvidos na elaboração da agenda de Guaidó teria sido Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Itamaraty e Planalto têm trabalhado juntos na questão Venezuela. Inclusive, a participação em Bogotá do vice-presidente, Hamilton Mourão (ex-adido militar em Caracas), foi elogiada pela área diplomática.

Outras fontes brasileiras indicaram que houve um recuo na posição do presidente Bolsonaro no que diz respeito à Venezuela, entre outros motivos, pelas críticas que o chefe de Estado e seu governo receberam de congressistas da base aliada. Circularam nos últimos dias vídeos nos quais o governo é acusado praticamente de ter se tornado uma marionete dos Estados Unidos. Esses questionamentos, enfatizou a fonte, incomodaram Bolsonaro e outros, como o ministro Heleno, e teriam pesado na análise que o governo vem fazendo da crise venezuelana e levado à adoção de uma posiçãp mais cautelosa.

Os próximos passos de Guaidó ainda são uma incógnita. Fala-se em eventual encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou até mesmo num retorno a Venezuela após a visita ao Brasil.


Matias Spektor: Crise do chavismo afeta trajetória da criminalidade no Brasil

Desdobramentos na Venezuela não se esgotam na questão da democracia

A conversa pública está focada num aspecto específico do dilema que o Brasil enfrenta na Venezuela: até que ponto é justo e legítimo pressionar por uma mudança de regime em Caracas?

A pergunta divide governo e sociedade e, por isso, domina o debate. Acontece que esse modo de enxergar o problema é excessivamente limitado e coloca o foco no lugar errado.

Para o Brasil, o que está em jogo vai muito além da estabilidade democrática. Antes, nosso problema é mais grave: a decadência institucional venezuelana afeta a qualidade das instituições brasileiras.

Como assim?

Na Venezuela, a ditadura chavista é apenas um dos atores com peso geopolítico próprio. Coexistem com ela numerosas milícias e grupos paramilitares que não respondem ao comando de Caracas nem fazem parte da estrutura formal do Estado. Tais grupos podem até obter a anuência do governo, mas não se confundem com ele.

Existem na Venezuela estruturas político-militares paralelas às forças oficiais com capacidade de geração de riqueza e de captura do Estado. A batalha desses grupos é pela colonização da vida pública do país e pela sua transformação em narco-estado.

É esse o maior problema estratégico do Brasil.

A gente já tem experiência. Há três décadas, aconteceu algo parecido na região de fronteira com Bolívia e Paraguai. Redes transnacionais de autoridade paraestatal e de economia ilegal obtiveram recursos para espalhar insegurança por milhares de quilômetros entre a fronteira e o oceano Atlântico. Essas organizações mafiosas capturaram agentes públicos em cidades brasileiras, paraguaias e bolivianas, originando uma máfia transnacional difícil erradicar.

Agora, o grande risco é uma repetição dessa dinâmica com a Venezuela. Por isso, ao calcular quais passos tomar diante da crise do chavismo, a prioridade deveria ser a de impedir a consolidação de um drama similar na fronteira Norte.

Ou seja, o interesse brasileiro pelos desdobramentos na Venezuela não se esgota na questão da democracia. E é crucial entender que a eventual restauração das garantias democráticas não levará, necessariamente, a uma reversão do problema. Bolívia e Paraguai são democracias.

Essa mudança de perspectiva demanda reconhecer que a crise política venezuelana transborda não apenas sobre a Colômbia, mas também sobre o Brasil. O futuro da criminalidade brasileira tem conexão estrutural com a evolução da criminalidade no Caribe.

Ao conceber instrumentos de política externa para lidar com o vizinho, a prioridade brasileira deveria ser a de ajustar o foco, dando centralidade aos impactos internos da instabilidade em nosso entorno geopolítico.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Hélio Schwartsman: Dia D fracassa na Venezuela

Plano não era ruim, mas deixa agora maioria dos atores numa situação difícil

Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.

A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.

Guaidó viu seu plano fracassar. O Dia D não definiu nada, e o impasse deve agora prolongar-se. Os mais de 50 países ocidentais que reconheceram o jovem parlamentar como presidente legítimo veem-se agora na delicada posição de apoiar um dirigente que não tem controle do país. Pior, o fracasso pode levar Donald Trump e outros incautos a flertar com uma intervenção militar, o que seria desastroso para a Venezuela e para toda a região.

Quem mais perde, como sempre, é a população venezuelana. Não há a menor perspectiva de futuro com o governo bolivariano. Acho que nem o próprio Maduro acredita que ele pode presidir a um processo de recuperação econômica. Só em 2018, o PIB experimentou uma retração de 18%, e a inflação se encaminha para a impressionante marca de 10.000.000%. Falta tudo no país, de comida a liberdade. Ficar com Maduro é condenar-se ao inferno, mas cabe aos venezuelanos encontrar a forma de livrar-se do ditador.


Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica

Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos

A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.

O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.

O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.

O presidente Nicolás Maduro fez uma bravata quando disse que poderia comprar todo o suprimento que o Brasil queira vender. O comércio entre os dois países encolheu dramaticamente por incapacidade de pagamento por parte da Venezuela.

Em 2013, os dois países tiveram uma corrente de comércio de US$ 6 bilhões. No ano passado, a soma das exportações e importações foi de apenas US$ 740 milhões. Com a hiperinflação e a escassez de dólares, os venezuelanos perderam capacidade de comprar produtos do Brasil, ao mesmo tempo em que se isolaram economicamente na região. As exportações brasileiras para a Venezuela caíram de US$ 5 bilhões para US$ 570 milhões nesse período.

A produção de petróleo também está em queda livre. Isso é reflexo do sucateamento da PDVSA, a estatal que explora petróleo no país, e do afastamento de empresas estrangeiras, como a própria Petrobras. A Venezuela tem a maior reserva do mundo, 302 bilhões de barris comprovados, mais do que os 266 bilhões da Arábia Saudita. Em janeiro, produziu apenas 1,1 milhão de barris/dia, um terço do que já produziu, enquanto a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris.

Ironicamente, os EUA são o principal destino do óleo venezuelano, e os venezuelanos são o terceiro país do qual os EUA mais importam, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita. Trump tem ameaçado acabar com as importações, e de fato elas caíram 50% na primeira quinzena de fevereiro, sobre o mesmo período de 2018. A Venezuela é dependente dos dólares americanos, e apesar da crise os EUA continuam importando do país.

Existe caminho para continuar o cerco diplomático e o isolamento financeiro e comercial do governo de Maduro. O que não pode ser sequer pensado é a alternativa de uma ação militar americana. Ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, descartou a possibilidade de tropas estrangeiras em território brasileiro e lembrou que isso dependeria de autorização do Congresso Nacional. Seria um óbvio risco para o Brasil ser um dos caminhos para esta ação militar contra o país vizinho. Há também o perigo de Maduro aumentar a coesão das Forças Armadas em torno do seu governo com o argumento do inimigo externo. Este é um momento de extrema delicadeza. E todo o bom senso é necessário.


Merval Pereira: Política de defesa

Há muitos militares e civis com autoridade sobre o problema, sem possibilidade de efetiva coordenação entre eles

Embora remota e improvável, a possibilidade de um confronto militar na nossa vizinhança, trazida à tona pela crise da Venezuela, levanta questões importantes sobre o nosso sistema de defesa. Eduardo Brick, professor da Universidade Federal Fluminense, no momento atuando na Escola Superior de Guerra como docente do programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID) e na criação do Centro de Capacitação em Aquisição de Defesa (CCAD), considera que a situação imediata não apresenta ameaça, mas, a longo prazo, precisamos mudar a visão do Estado sobre a política de defesa.

Brick considera que o potencial econômico, tecnológico, industrial e militar do Brasil no seu conjunto é muito maior do que o da Venezuela. “O que está realmente em questão é o preparo da nossa defesa em médio e longo prazos, tendo em vista a evolução das tecnologias e da guerra”.

O professor considera que nossa estrutura atual é muito ineficiente, pois existem muitos militares e civis com autoridade sobre este problema, sem possibilidade de efetiva coordenação entre eles, e multiplicação de estruturas para tratar dos mesmos assuntos.

Falta também capacitação profissional para tratar deste assunto, pois “a qualificação dos militares é precipuamente voltada para o combate, e não para a logística de defesa”. Como a capacidade militar demanda décadas de planejamento bem feito e detalhado, a situação já estava crítica muito antes da crise econômica.

Capacidade militar, lembra ele, é a soma de capacidades operacional de combate, de inovação (CT&I), industrial e de gestão estratégica. “O cenário geopolítico para o Brasil, pelo menos depois do desmantelamento da União Soviética e do acordo Brasil-Argentina para dirimir os atritos entre os dois países, tem sido indubitavelmente benéfico”. Portanto, ressalta Brick, são cerca de 30 anos (o período dos governos civis), que deveríamos ter aproveitado para fortalecer o que ele chama de Base Logística de Defesa (BLD), e não o fizemos.

Brick diz que um bom indicador é o percentual do orçamento de defesa usado para aquisições de bens de capital e investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e ciência, tecnologia e informação (CT&I). “O ideal teria sido de 30% a 40 %, mas em raras ocasiões passamos dos 10%”.

No Brasil, ressalta Eduardo Brick, a BLD está desmembrada e, em grande parte, subordinada às três Forças Armadas, com grande redundância de órgãos para cuidar dos mesmos problemas, que em grande parte não estão associados a uma Força apenas. Para o especialista, “bastaria uma única organização no âmbito do Ministério da Defesa”.

Esta é a solução adotada pela maioria dos países, inclusive pela necessidade de maior eficiência em função das restrições orçamentárias. Nesses países (França, Reino Unido, Suécia, Austrália, Alemanha, Holanda, Canadá, Espanha, Índia entre outros), as funções de logística de defesa foram retiradas da subordinação das Forças Armadas e centralizadas em uma a duas instituições independentes, subordinadas ou não ao Ministério da Defesa.

Adicionalmente, diz Eduardo Bricks, esse fatiamento das atividades de logística de defesa pelas três Forças Armadas (e também por outros ministérios, como Indústria e Comércio e Ciência e Tecnologia) impede que se tenha uma política industrial e tecnológica para a defesa.

Outro grave problema é a falta de massa crítica em termos de recursos humanos qualificados para setores cruciais como profissionais de aquisição, gestão de programas e projetos, análise de capacidades operacionais, planejamento, controle, auditoria, elaboração de requisitos e especificações de meios e tecnologias de defesa. “Seria preciso que houvesse carreiras de Estado para cuidar do desenvolvimento e sustentação de capacidade industrial e tecnológica específica para defesa”, sonha Eduardo Brick.

Num país em que a necessidade premente de corte de gastos obriga a uma reforma da Previdência para sinalizar uma atividade econômica sustentável a longo prazo, dificilmente haverá espaço orçamentário para a montagem de uma política de defesa como a sonhada por Brick. Mas ele insiste em que “o país precisa muito que este assunto entre na agenda do Congresso e da sociedade. É o nosso futuro como país moderno, desenvolvido e competitivo no cenário internacional que está em jogo”.


Eliane Cantanhêde: Maduro, larga o osso!

Desde já, avaliação é de que os EUA são o grande vitorioso da queda iminente de Maduro

Os gravíssimos problemas da Venezuela foram afunilando para uma única cara, uma única voz: as do presidente ilegítimo Nicolás Maduro, incapaz de admitir a obviedade de que suas condições de governabilidade se esgotaram e agarrado a uma lasca de poder como cão faminto, quando faminta de fato está a população.

Como disse ontem o vice Hamilton Mourão, que participou da reunião do Grupo de Lima, na Colômbia, não existe a possibilidade de intervenção militar e a estratégia é manter uma ação conjunta e a pressão financeira e econômica, até asfixiar o regime. O resto, quem tem de fazer são os próprios venezuelanos.

Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.

Uma tragédia dessas não está fora do horizonte. Os inimigos e adversários de Maduro não suportam mais sua audácia e podem estar a um passo de “mandar às favas os escrúpulos de consciência”, o que não seria inédito na história do continente. Do outro lado, os ainda aliados dele sabem que não há luz no fim do túnel e podem passar a preferir um Maduro “mártir” a um Maduro podre e fora de si.

Seja como for, por renúncia ou ação institucional, a queda parece iminente e já começa uma outra etapa: a da avaliação de perdas e ganhos. Quem mais lucra são os Estados Unidos, que voltam com tudo para a América do Sul, agora “saneada” dos regimes de esquerda e embalando a direita, como no Brasil.

O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.

Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.

Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.

Não satisfeito em meter na cabeça um boné da campanha de reeleição de Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acaba de divulgar um vídeo dele próprio apoiando ardorosamente, ao microfone, um muro entre os EUA e os mexicanos.

Seria ótimo saber o que Forças Armadas, os grandes diplomatas, os nacionalistas e os simplesmente de bom senso pensam disso no Brasil. Inclusive o vice Mourão, que teve uma participação devidamente prudente em Bogotá. Aliás, essa é a palavra-chave: prudência.

O Grande Irmão. A colega Renata Cafardo informa que o MEC enviou e-mail a escolas públicas e particulares, exigindo, ops!, recomendando que elas leiam diante da Bandeira, gravem e enviem ao ministério o vídeo da leitura de uma mensagem do ministro Vélez Rodrigues para alunos, professores e funcionários, que termina com o lema bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” Uso das crianças para fins políticos, seja para que lado for, é o fim da picada.


El País: Grupo de Lima reitera que a transição na Venezuela deve ser pacífica

Na reunião do bloco, Bogotá responsabiliza Maduro pela integridade física de Guaidó 

O Grupo de Lima reiterou nesta segunda-feira que a “transição à democracia” na Venezuela “deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos pacificamente”, apoiada por meios políticos e diplomáticos sem o uso da força. O bloco diminuiu dessa forma o volume da possibilidade de uma intervenção militar, um fantasma frequentemente mencionado pelo chavismo, no mesmo dia em que a União Europeia pediu aos Estados Unidos que abandonem essa opção. Os Governos da Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e, pela primeira vez, a Venezuela, representada por Juan Guaidó, reconhecido por mais de 50 países como mandatário interino, assinaram uma declaração em que também “exigem a saída imediata de Nicolás Maduro e o fim da usurpação, respeitando a autoridade constitucional da Assembleia Nacional e o presidente encarregado”.

A declaração do bloco, uma aliança de 13 Estados latino-americanos e o Canadá criada em 2017 para buscar uma saída à crise venezuelana, também condena o regime chavista por impedir a entrada das ajudas internacionais no sábado 23 de fevereiro, “mediante atos de repressão violenta que causaram vários feridos e mortos na fronteira com a Colômbia e o Brasil, que agravaram o risco em que se encontram a vida, dignidade e integridade dos venezuelanos”. Também pede à Corte Penal Internacional que leve em consideração a grave situação humanitária na Venezuela, pois considera que a repressão contra a população civil, e negar a entrada da ajuda, constituem um crime de lesa humanidade.

Após ler a declaração formal, o chanceler colombiano, Carlos Holmes Trujillo, denunciou a existência de informações sobre “sérias e críveis” ameaças contra o líder da Assembleia Nacional e sua família. Em Bogotá responsabilizam “o usurpador Maduro de qualquer ação violenta contra Guaidó”, o que obrigaria o Grupo de Lima a agir. “Juan Guaidó representa o anseio de liberdade e democracia dos venezuelanos. Juan Guaidó é o futuro, o usurpador Maduro é o passado”, enfatizou o chefe da diplomacia colombiana.

O encontro teve a presença do presidente da Colômbia, Iván Duque, e o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, que afirmou que para a Administração de Donald Trump todas as opções estão sobre a mesa. Washington anunciou 56 milhões de dólares (210 milhões de reais) adicionais de ajuda a seus aliados na região que receberam imigrantes venezuelanos com o propósito de resolver o que considera uma crise regional, e pediu o congelamento dos ativos de funcionários chavistas. O país norte-americano foi o primeiro a reconhecer Guaidó como mandatário, e fez tudo para respaldá-lo, mesmo não pertencendo formalmente ao Grupo de Lima. Também participaram do encontro os presidentes do Panamá e da Guatemala, Juan Carlos Varela e Jimmy Morales, respectivamente, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, e a vice-presidenta e chanceler do Panamá, Isabel Saint Malo. O México, Santa Lúcia e a Guiana — que não reconhecem Guaidó — não estiveram no encontro em Bogotá, assim como a Costa Rica, que o reconhece.

Em sua intervenção na reunião, o vice-presidente brasileiro chamou Maduro de "criminoso" e disse que não se deve ter medo de buscar sanções ao regime chavista, mas ponderou que deve-se seguir "a linha de não intervenção". "Para nós, a opção militar nunca foi uma opção. O Brasil sempre defende soluções pacíficas para qualquer problema que ocorra nos países vizinhos", disse em entrevista coletiva após a reunião. "Continuaremos com pressão diplomática, política e econômica para chegar a uma solução na Venezuela, e o regime de Maduro partirá".

Os “usurpadores” que detêm o poder na Venezuela “ameaçam a estabilidade do continente”, frisou em sua fala Guaidó, que chegou de surpresa a Cúcuta na sexta-feira, na véspera da frustrada tentativa de levar ajuda humanitária, e viajou no domingo a Bogotá, onde foi recebido com honras de chefe de Estado. O líder da Assembleia Nacional afirmou que no caso venezuelano não há um dilema entre guerra e paz e direita e esquerda, e sim entre democracia e ditadura. O regime, denunciou, não teve outra escolha a não ser recorrer a sua “última linha de defesa”, constituída por presos, coletivos armados e grupos paramilitares, já que não tem mais lealdades sólidas nas Forças Armadas. “Esse é um problema de liberdades e direitos fundamentais em um país”, disse. Depois de chamar de “sádica” a queima de alimentos e insumos médicos diante de pessoas necessitadas, lembrou que a Venezuela se transformou em um “santuário de terroristas”, em uma alusão direta à presença da guerrilha colombiana do Exército de Libertação Nacional (ELN).

O Grupo de Lima também aumentou seu apoio aos representantes de Guaidó nas instâncias internacionais e à autoridade da Assembleia Nacional. Mais concretamente, reafirmou seu apoio ao plano de resgate adotado pelo legislativo no mês passado e pediu ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que acompanhe os partidários de Guaidó, como autoridades legítimas, “na implementação das reformas institucionais e econômicas” necessárias para reativar a economia, severamente atingida pela hiperinflação e o desabastecimento de alimentos e remédios.


José Casado: Plano de invadir Venezuela causa choques no Planalto

Militares adotam moderação, ao contrário de civis

O colapso da ditadura venezuelana expôs uma situação paradoxal em Brasília. Militares da ativa e aposentados empregados no Planalto têm expressado mais convicção na saída política do que civis representantes do Brasil na mesa diplomática.

A cacofonia deriva do embate entre a curadoria militar do governo Jair Bolsonaro e o agrupamento civil em torno do chanceler Ernesto Araújo, que é amparado por um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo.

Os choques ocorrem na definição de limites ao alinhamento do Brasil com os EUA. Existe interesse nas ofertas americanas para tecnologias bélicas inéditas no país. Mas há, também, ambiguidades que as Forças Armadas acham útil preservar. Por exemplo, em negociações na área nuclear, onde se explora um acordo.

Não incomoda a cruzada contra o “domínio cultural esquerdista-marxista”, como define o deputado Bolsonaro. Até porque nada se cria do nada. O centro da divergência está na condução da política externa a reboque do ideário fundamentalista.

O debate sobre a hipótese de invasão da Venezuela tem sido exemplar, com veto unânime dos militares. Em contraste, a chancelaria tem elevado o tom nos ultimatos ao condomínio de cleptocratas da “revolução” chavista —a “robolución”, como é conhecida em Caracas.

Araújo insiste na sintonia com a ala mais belicista de Washington, que vê na queda da ditadura de Maduro, com reflexos em Havana e Manágua, fator de influência no voto latino majoritário na Flórida, estado decisivo à reeleição de Trump.

No domingo, o Itamaraty atacou o “caráter criminoso” de Maduro, pelo “brutal atentado aos direitos humanos”, injustificável “no direito internacional”. Se adjetivos são úteis à diplomacia, substantivos errados em política externa ampliam cemitérios.

Na premissa, a chancelaria flerta com a admissão de guerra civil na Venezuela. Na lógica de Estado, esse raciocínio leva à legitimação do intervencionismo. A base está nos protocolos da Convenção de Genebra que proíbem a submissão da população civil à fome, como método de combate.