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Ricardo Noblat: Dilma deve sobrar em Minas

Pimentel aumenta sua oferta para ter o apoio do PMDB à reeleição

A interrupção do processo de impeachment contra o governador Fernando Pimentel (PT) tem a ver com a renovação de uma oferta feita por ele ao deputado Adalclever Lopes, presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e maior cacique do MDB.

Por meio de um advogado amigo dos dois, Pimentel prometeu a Lopes que a vaga de vice-governador em sua chapa e as duas de senador serão do MDB se o partido apoiar sua reeleição. E acrescentou mais um mimo: uma vaga para o MDB de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Quanto a Dilma Rousseff, que transferiu para Minas seu título de eleitora e quer ser candidata ao Senado, Pimentel mandou dizer a Lopes que dará um jeito de convencê-la a desistir da ideia. Dilma poderá, se muito, ser candidata a deputada federal, mas isso ela não quer.

Se candidata a deputada, ela ajudaria a eleger deputados do MDB. E Dilma não perdoa o partido por tê-la despejado da presidência da República. É pegar ou largar para Dilma. A não ser que o MDB prefira se aliar ao PSDB e apoiar a candidatura ao governo de Antônio Anastasia.

Nesse caso, a candidatura de Dilma ao Senado seria mantida. Ela até poderia virar candidata ao governo se o impeachment de Pimentel fosse aprovado, o que parece improvável. Lopes tem o controle da convenção do MDB, mas não dos votos dos 13 deputados estaduais e dos 5 federais.

A maioria dos deputados é a favor da aliança com Pimentel.


Ricardo Noblat: Por causa de Dilma, todos contra Pimentel em Minas Gerais

PSDB e MDB negociam uma aliança que poderá incluir até o DEM

Se arrependimento matasse, o governador Fernando Pimentel (PT) já estaria morto depois de ter comprado a sugestão de Lula de lançar Dilma Rousseff como candidata a uma vaga no Senado por Minas Gerais.

O MDB, antes seu aliado, aprovou a abertura de um processo de impeachment contra ele na Assembleia Legislativa. E está em adiantada negociação para compor-se com o PSDB em Minas e fora dali.

O advento da candidatura de Dilma subtraiu ao MDB uma das vagas reservadas para ele por Pimentel. Daí o impeachment. Daí mais tudo o que está por vir.

Dilma é encrenca pura. Ela não quer a companhia do MDB que votou a favor de sua deposição. E por ora, pelo menos, não admite disputar uma vaga de deputada porque se eleita, ajudaria a eleger nomes do MDB.

Aécio Neves a nada será candidato. Não precisará mais de mandato para se proteger da Justiça se o Supremo Tribunal Federal, depois de amanhã, restringir o foro especial para deputados e senadores.

Se isso acontecer, Aécio imagina que sairá no lucro. Processos contra ele irão para a primeira instância da Justiça. E ele, longe dos holofotes nacionais, poderá dar-se bem ali.

O senador Antonio Anastasia, candidato do PSDB à sucessão de Pimentel, tem três vagas a oferecer ao MDB e a quem mais quiser – a de vice-governador e as duas ao Senado.

O MDB quer, sim – embora parte dos seus deputados estaduais e federais ainda resista à ideia. O Solidariedade também quer. Até o DEM poderá querer.

Quem mais quer que tudo isso dê certo é Geraldo Alckmin, candidato do PSDB ao lugar do presidente Michel Temer. Sem um palanque forte em Minas, ele dificilmente se elegerá.

A dar certo o que se costura nos bastidores de Minas, restará a Pimentel aliar-se aos partidos de esquerda luladependentes. E empenhar-se para que o processo de impeachment acabe arquivado.


Mary Zaidan: O Brasil refém do STF

Dilma continua a distribuir estragos.

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

* Mary Zaidan é jornalista.


Gaudêncio Torquato: A fadiga democrática

A democracia não tem cumprido suas tarefas básicas

O mundo padece de síndrome da fadiga democrática, observa o escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Nações atravessam um momento de saturação em seus sistemas democráticos. Alguns sintomas: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.

Arremata o belga: “a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto”. A análise está expressa no interessante livro Contra as Eleições, traduzido agora no Brasil. O título sinaliza para a hipótese de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfiança das elites, é o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria há 3.000 anos, quando inexistiam eleições e os cargos se repartiam por meio de uma combinação de sorteios e ações voluntárias. Ou seja, quando a política era missão e não profissão.

O fato é que a democracia, como já escreveu Norberto Bobbio, o grande cientista social e filósofo italiano, não tem cumprido suas tarefas básicas, como acesso de justiça para todos, educação para a cidadania, combate ao poder invisível, transparência nas ações de seus protagonistas.

Em seu Futuro da Democracia, Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na direção do amanhã, caracterizando o insucesso do Estado no combate às pragas da modernidade, a partir do poder invisível incrustado na administração pública. O poder visível, formal, está perdendo a batalha. Apesar dos aparatos tecnológicos que ancoram o Estado – Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais Eleitorais e outras instâncias do Judiciário – a corrupção grassa a torto e a direito.

Para termos uma ideia dessa crise, podemos inserir no debate outros eixos, como os de Roger-Gérard Scwartzenberg: arrefecimento das ideologias, declínio dos partidos, desmotivação das bases, perda de poder dos Parlamentos, refluxo das oposições.

A crítica evidencia o fato de que as eleições perpetuam a continuidade das elites no controle dos Poderes. A eleição de um governante pelo voto popular não seria suficiente para lhe dar legitimidade, pois será engolido pela ineficiência do Estado. Mas que outra solução haveria? Sortear os cargos entre o povo? Quem garante que essa modalidade não levaria ao caos?

Este ano teremos um pleito competitivo e de discurso contundente. Como fazer para darmos um passo mais avançado em nossa democracia de forma a garantir o compromisso da política junto ao povo? Deixo que o eleitor reflita sobre essa inquietante pergunta.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Ricardo Noblat: Joaquim é o novo

Te cuida, Bolsonaro!

Espreme daqui, espreme dali, e são poucas as surpresas colhidas pela mais recente pesquisa de intenção de votos do Instituto Datafolha revelada nesta madrugada. A saber:

# O novo é Joaquim Barbosa;

# Marina Silva está bem à beça;

# Sem Lula no páreo, Bolsonaro não irá a lugar algum.

O juiz do mensalão filiou-se ao PSB há menos de 15 dias. Sem a garantia sequer de que será o candidato do partido à sucessão do presidente Michel Temer.

Mas bastou para mostrar que poderá ir longe. Nas grandes cidades, tem 12% das intenções de voto contra 6% de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Empata com Alckmin no Sudeste.

Alckmin, Marina e Ciro Gomes já foram candidatos a presidente. Barbosa jamais disputou eleição, nem mesmo para síndico de prédio. Por ser negro, Lula o indicou para ministro do Supremo.

Com Lula preso e impedido de concorrer, Marina empata com Bolsonaro nas simulações de primeiro turno. E no segundo turno, vence Alckmin (por 27 pontos) e Bolsonaro (por 13 pontos).

Acendeu a luz vermelha no bunker de Bolsonaro, agora denunciado por crime racial. Ele corre o risco de até agosto, antes do início oficial da campanha, ser ultrapassado por Marina, Ciro e Barbosa.

Como o PT, Bolsonaro é também luladependente. Carece de apoio entre os maiores partidos. E seu tempo de propaganda no rádio e na televisão será ínfimo.

Alckmin vai como sempre, se arrastando e represado onde poderia ir bem pela candidatura de Álvaro Dias, do PODEMOS, que lhe subtrai algo como uns cinco milhões de votos no Sul.

Os dois aspirantes a substituir Lula como candidato, Fernando Haddad e Jaques Wagner, por ora patinam no fim da fila. Torcem para que Lula não seja esquecido e possa abençoar um deles.

Sim, em tempo: no país da jabuticaba, mais uma foi inventada – a de se testar em pesquisa as chances de quem está preso e não será candidato.

Lula perdeu parte dos votos que tinha na pesquisa anterior, de janeiro. Passou para 62% o percentual dos que não acreditam que ele será candidato. Sua prisão é considerada justa por 54%. Já era.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/joaquim-e-o-novo/


Ricardo Noblat: Conivência com crime

Sobre nota do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Na tarde do sábado, em São Bernardo do Campo, no entorno da sede do Sindicato dos Metalúrgicos aonde Lula se refugiara para escapar à prisão, foram registrados pelo menos sete casos de hostilidade e agressões a repórteres e profissionais da imprensa que estavam por lá a serviço.

Em Fortaleza, manifestantes a favor de Lula quebraram as portas de vidro da sede da TV Verdes Mares, picharam muros e pintaram o prédio com tinta vermelha. Na noite do mesmo dia, equipes de televisão foram destratadas nas proximidades dos aeroportos de São Paulo e Curitiba.

Houve, como de hábito, notas de entidades e de associações de classes que condenaram “por inaceitável” o uso da força contra trabalhadores como quaisquer outros – é o que somos. Mas uma das notas, pelo seu conteúdo enviesado e pérfido, destacou-se das demais.

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), repudiou as agressões, como estava obrigado a fazê-lo. Mas disse que “essa situação lamentável” deveu-se também “à política das grandes empresas de comunicação que apoiam o golpe”.

Aproveitou para acusá-las de adotar “uma linha editorial de hostilidade contra as organizações populares”. E frisou: “Para impedir que casos de agressão e tentativas de censura se repitam, é preciso que se retome a democracia, o que só será possível com Lula livre (…)”.

Quer dizer: condenou as agressões e justificou-as ao mesmo tempo. Imputou a culpa por elas a agressores e a agredidos. E condicionou o fim dos ataques à mudança da linha editorial das empresas de comunicação, à retomada da democracia e à libertação de Lula.

Absurdo, extemporâneo, abusivo para dizer o mínimo. Para dizer o que de fato é: conivência com crime. Ou agressão deixou de ser crime, não importa contra quem?


Roberto Freire: A lei é para todos

O Estado Democrático de Direito saiu vitorioso com a decisão histórica tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado na última quarta-feira (4) e que se estendeu até as primeiras horas da madrugada de quinta (5). Por 6 votos a 5, a máxima instância do Poder Judiciário rejeitou o pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, um criminoso condenado, para impedir a prisão do petista. Trata-se, evidentemente, de uma mensagem inequívoca: ninguém está acima da lei.

Durante o julgamento, o voto emblemático da ministra Rosa Weber sinalizou que a tese do relator, Luiz Edson Fachin, pela rejeição do habeas corpus, acabaria prevalecendo. Ao contrário do que especulavam os áulicos do lulopetismo, a ministra salientou a importância de o tribunal garantir a segurança jurídica no país, tão necessária no Brasil de hoje.

A decisão do STF segue, inclusive, a jurisprudência firmada recentemente pela própria Corte, que em fevereiro de 2016 determinou que os criminosos condenados em segundo grau de jurisdição já poderiam iniciar o cumprimento da pena. Lembremos que essa possibilidade sempre foi um entendimento pacificado desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009 – e novamente a partir da nova análise da matéria há pouco mais de dois anos, em consonância com uma interpretação mais avançada do Direito penal e de acordo com aquilo que se pratica nas grandes democracias. Qualquer mudança de entendimento neste momento se configuraria em um inaceitável casuísmo destinado a beneficiar Lula.

Para além de toda essa dimensão histórica, o posicionamento do STF fortalece o combate à impunidade no país, dando sequência a um processo que talvez tenha como grande símbolo a Operação Lava Jato, resultante do excelente trabalho desempenhado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelas diversas instâncias do Judiciário. Depois de muito tempo, o chamado crime do colarinho branco começa a não mais compensar no Brasil.

Daqui por diante, é chegada a hora de o país olhar para frente e mirar o futuro. Enfrentaremos um processo eleitoral em outubro próximo e, qualquer que seja o resultado das urnas – esperamos que com a ascensão de um governo que aglutine as forças democráticas e evite o desastre do populismo exacerbado e dos extremismos à esquerda e à direita, ambos descompromissados com a própria democracia –, o fundamental é que o país avance no caminho das reformas e da superação definitiva da crise.

Com o Estado Democrático de Direito reafirmado e as instituições em pleno funcionamento, como indica a decisão do Supremo sobre Lula, já demos os primeiros passos nesse sentido. No Brasil, a lei é para todos.

 


Sergio Augusto de Moraes: A "Veja" e a Revolução Russa de 1917

Como sabemos a revista “Veja” é propriedade de uma empresa capitalista. Portanto seria ingenuidade esperar que sua ampla cobertura dos 100 anos da Revolução Russa de outubro de 1917 , feita na edição de 11/10/2017, fizesse um balanço positivo de seu desenvolvimento e do percurso de sua maior criação, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas(URSS), extinta em 1991.

Dessa cobertura o artigo mais instigante é o de Daniel A. Reis, historiador conhecido como de esquerda, que conclui com as seguintes palavras “Esse é o desafio que se coloca para uma eventual reinvenção do socialismo no século XXI- voltar a associar socialismo a democracia. Só assim ele terá condições de prosperar como alternativa”.
Se tomarmos esta tese ao pé da letra estamos de acordo com o historiador. Mas não avançaremos se não assinalarmos aquilo que está no fundo, os fatos que impediram ou dificultaram tal associação. No meu entender o mais importante foi o que esta tese de Marx revela: “...uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter ; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade” (1).
Ninguém duvida que a Russia de 1917, um dos países mais atrasados da Europa que, como dizia Lenin, conservava tantas instituições antigas incompatíveis até com o capitalismo, estava longe de satisfazer as condições para que se estabelecessem “relações de produção novas e superiores”.Diante das enormes dificuldades, dentre as quais se destaca a derrota da revolução na Alemanha, Lenin então não vê outra saída senão inverter a tese de Marx : “Dizem vocês que para construir o socialismo é necessário civilização. Muito bem. Porém então porque não podíamos criar primeiro tais pré-requisitos de civilização em nosso país, como a expulsão dos latifundiários e capitalistas russos, e depois iniciar o movimento rumo ao socialismo?(Nossa Revolução, 17/01/1923).
Era um caminho extremamente difícil. Mas mesmo assim “ A primeira década após a revolução foi um “tempo incrível de grande experimento : social, político, econômico, estrutural. “ Havia muitos liberais e uma aura de pensamento liberal. Naquele momento, antes de Stalin, nós perdemos uma grande oportunidade de construir nosso próprio modelo ou alguma forma de democracia que levaria a uma Rússia menos violenta, menos trágica” diz a jornalista russa Anna Baydakova, do jornal russo “Novaya Gazeta” conhecido por reportagens investigativas e visão crítica sobre o governo da Rússia ( citado por Adriana Carranca, no “O Globo” de 22/10/17).
Entretanto em todo o decorrer de seu artigo nosso historiador acusa o percurso da revolução de 17 de ditatorial, como se isto fosse algo intrínseco, uma determinação inexorável, para aqueles que ousaram acabar com o domínio do capital na Rússia de então. Não destaca a tentativa de cerco e aniquilamento que a reação interna, apoiada pelos exércitos de 14 países capitalistas, realiza logo após a vitória da revolução obrigando-a a jogar o melhor do proletariado russo na fogueira da guerra; tampouco, que é depois de constatar o desaparecimento do proletariado russo, dizimado por estas guerras e pela fome, que Lenin, com enorme tristeza, se vê obrigado a reconhecer que a ditatura do Partido Bolchevique era a única alternativa para evitar um retrocesso no caminho do socialismo.
Lenin morre em 1924 e três anos depois começa a era Stalin. Ele inicia então a coletivização forçada da terra e um esforço extraordinário para criar uma base industrial. Para fazer isto e também para garantir seu poder inicia uma brutal repressão política inclusive contra os bolcheviques que constituíam o melhor da “velha guarda” leninista, drama retratado em 1956 pelo Relatório Khruschov.
Nosso historiador não considera que a vitória e o desenvolvimento da revolução socialista na Rússia era, em si, uma enorme contribuição à democracia ao dar aos povos do mundo uma prova de que era possível um país escolher uma via não capitalista de desenvolvimento. Que poderia ou não ser ditatorial. Para ficarmos num exemplo mais recente basta lembrar do governo de Salvador Allende, no Chile, uma tentativa de avançar para o socialismo pela via democrática sufocada brutalmente pela reação interna, apoiada política e materialmente pelo governo dos EEUU. Esta intervenção violenta dos mais poderosos países capitalistas é um outro determinante do endurecimento ou mesmo do aniquilamento de governos que buscaram a via socialista.
Mas quase no final de seu artigo Daniel A. Reis revela de onde vem seu viés negativista ao dizer “Assim, a bipolarização entre “comunismo” ditatorial e “social-democracia” gestionária marcou profundamente a história do socialismo no século XX” (pg 95).Não foi bem assim. O que marcou principalmente a história do socialismo no século XX não foi esta contradição mas sim a que opôs o sistema socialista e a URSS ao mundo capitalista, desde seus primórdios.
Um dos exemplos mais gritantes deste fato foi a o esforço de Hitler para derrotar a URSS. Ele jogou na frente leste, contra este país, dois terços de seus exércitos e o melhor de suas tropas. A batalha de Stalingrado está gravada na história como a primeira grande derrota do nazi-fascismo. A ela seguiram-se outras, como a batalha de Kursk, considerada como a maior batalha de blindados de todos os tempos e a maior perda em unidades aéreas em um só dia, quando o Exército Vermelho derrotou as tropas de Hitler e passou à ofensiva. Foi ou não uma grande contribuição à democracia no mundo?
Desde sua vitória a revolução foi incansável na luta pela paz. A luta permanente da URSS pela coexistência pacífica entre sistemas diferentes visava, além do objetivo de criar um mundo de paz, garantir uma transição para o pós-capitalismo num ambiente democrático, sem guerras sangrentas. Mas a resposta do mundo capitalista foi iniciar e manter a chamada “guerra fria”, uma corrida armamentista que levou o mundo algumas vezes à beira da hecatombe nuclear.
Afinal , isto significa que enquanto houver capitalismo não poderá haver uma transição pacífica e democrática para um mundo pós-capitalista? No nosso entender ela é possível. Mas a experiência da luta contra o capital indica que pelo menos algumas pré-condições deveriam ser atendidas: o capitalismo deverá estar numa fase em que se torna um obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas de maneira sustentável, a democracia deverá desenvolver formas de controle do mercado e não ser por ele controlada, a mídia democrática deverá ser poderosa, na sequência do mundo globalizado pelo capital que conhecemos hoje deverá acontecer a livre globalização do trabalho, os povos deverão atingir um nível de consciência capaz de garantir um mundo de paz, o estado nacional deverá estar reduzido aumentando assim o espaço de gestão de instituições democráticas mundiais, como a ONU.
Por último, mas nem por isto menos importante, há que considerar que na avaliação das tentativas de superação do capitalismo as grandes mídias, hoje ainda controladas pelo capital, divulgam aquilo que lhes interessa, aquilo que denigre os fatos que marcaram e marcam tais tentativas. Mas ela não conseguirá esconder a verdade. Parafraseando Giorgio Ruffolo (2) “o capitalismo tem os séculos contados”.

-Blog Democracia e Socialismo

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(1) K. Marx, Prefácio à ”Contribuição à Crítica da Economia Política”, Ed. Martins Fontes, 2003, pg. 6
(2) Ruffolo, Giorgio, “Il capitalismo ha i secoli contati” , Giulio Einaudi ed., Turin,2008,2009.