TSE

Ricardo Noblat: Rosa espeta o capitão

Aula de democracia para um aluno mal comportado

Quem diz o que quer deve estar pronto para ouvir o que não quer. Seguramente, Jair Bolsonaro não estava preparado para ouvir a longa lição sobre democracia que lhe deu a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no ato de sua diplomação em Brasília, ontem, como presidente eleito.

Afinal, pouco antes no seu discurso, Bolsonaro fizera longos elogios à justiça que tanto criticou durante a campanha, e reconhecera a eleição como limpa e justa. Evitou repetir que mesmo assim deseja reformá-la, como avisou aos seus devotos da extrema direita reunidos em convescote no último fim de semana.

O presidente que se ofereceu para governar todos os brasileiros, e não apenas os que lhe deram seu voto, e que se apropriou de um jargão da esquerda para destacar que o “poder popular” dispensa intermediação, ouviu Rosa responder que numa democracia a voz da minoria é tão importante quanto a voz da maioria.

Rosa ensinou: “A democracia é também exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças (…) sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer seus os direitos”.

E ensinou: “Inquestionável é que o Estado brasileiro se encontra comprometido com a efetivação dos direitos humanos. Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas, sobretudo pela Constituição”. Quer dizer: nada dessa história de direitos humanos para humanos direitos.

Se Bolsonaro não passou recibo, preferindo rezar depois junto com um pastor evangélico da igreja de sua mulher, seus fiéis seguidores se apressaram em fazê-lo – é claro, nas redes sociais. Até o início da madrugada de hoje, pelo menos quatro deputados federais do PSL usaram o Twitter para reclamar de Rosa e dos seus espinhos.

Moro diz e se desdiz
Em defesa do chefe

Cobrado por nada ter dito sobre a investigação do laranjal na Assembleia Legislativa do Rio que poderá fazer do deputado Flávio Bolsonaro sua vítima mais ilustre, o ex-juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro, resolveu finalmente dizer alguma coisa.

Disse que não será um ministro como os anteriores que se metiam em casos específicos. Considerou tão comportamento “inapropriado”. Explicou: “Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da Justiça. Não me cabe dar explicações sobre isso.” Antes, havia dado a respeito do laranjal.

“Sobre a movimentação financeira atípica do senhor Queiroz [ex-assessor, motorista e segurança de Flávio], o senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex-assessor, ou por apuração.”


Bernardo Mello Franco: Rosa deu uma aula pública a Bolsonaro

Presidente do TSE usou a diplomação para cobrar respeito às minorias. Ela lembrou que proteger os direitos humanos é uma obrigação, e não uma escolha dos governantes

Jair Bolsonaro recebeu o diploma de presidente no Dia Mundial dos Direitos Humanos. A ministra Rosa Weber aproveitou a data para cobrar respeito às liberdades, às minorias e ao direito sagrado de discordar do governo.

A presidente do TSE começou com um aviso: o pleito ocorreu com “absoluta segurança e total lisura”. Foi o primeiro recado a Bolsonaro, que passou meses lançando suspeitas sobre a urna eletrônica.

A ministra celebrou o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Em país de tantas desigualdades como o nosso, refletir sobre as declarações de direitos não constitui mero exercício teórico, mas necessidade inadiável que a todos se impõe, governantes ou governados”, disse.

Ela julgou necessário lembrar que a democracia não se resume à realização de eleições a cada quatro anos: “É, também, exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, de sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários”.

Rosa ressaltou que proteger os direitos humanos não é uma escolha, e sim uma obrigação dos governantes. “Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas sobretudo pelo que a própria Constituição determina”, ensinou.

Deputados do PSL reclamaram da aula pública, o que só demonstra que acusaram o golpe. A ministra disse o que disse porque Bolsonaro apelou ao discurso contra os direitos humanos para ganhar votos. No segundo turno, ele chegou a chamar seus adversários políticos de “marginais vermelhos”. “Ou vão para fora ou vão para cadeia”, ameaçou.

Na solenidade de ontem, o presidente eleito mudou o tom. Com o diploma nas mãos, ele reconheceu que as eleições foram “livres e justas” e prometeu governar para todos, “sem distinção de origem racial, raça, sexo, cor, idade ou religião”.

Que assim seja.


Folha de S. Paulo: 'Poder popular não precisa mais de intermediação', diz Bolsonaro ao ser diplomado

Presidente eleito exaltou papel das redes sociais na eleição deste ano

Talita Fernandes , Reynaldo Turollo Jr. , Marina Dias e Letícia Casado, da  Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Disposto a estabelecer um novo modelo à frente do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro fez um discurso conciliatório nesta segunda (10), em que afirmou que governará para todos os brasileiros, sem distinções, e ressaltou que o poder popular “não precisa mais de intermediação”.

Diplomado presidente da República em cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro foi orientado por auxiliares a fazer um pronunciamento “mais solene”, no qual pediu a confiança inclusive dos que não o apoiaram em outubro. Além disso, fez acenos à Justiça Eleitoral, criticada por ele durante toda a campanha.

“As eleições revelaram uma realidade distinta das práticas do passado. O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram nova relação direta entre o eleitor e seus representantes”, declarou.

Bolsonaro foi eleito com forte presença nas redes sociais e pouquíssimo tempo de propaganda eleitoral de TV.

“Serei presidente dos 210 milhões de brasileiros, governarei em benefício de todos, sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou religião”, completou.

Durante quase três décadas de vida pública, Bolsonaro fez discursos contra minorias. Como presidente, ponderam aliados, o capitão reformado precisará rever o tom de algumas de suas falas pelo menos em eventos como o de sua diplomação.

Antes de subir ao púlpito para ler o discurso de cerca de dez minutos, Bolsonaro bateu continência a uma plateia repleta de autoridades e militares fardados, que o aplaudiam e o chamavam de “mito”.

Ainda dentro da linha conciliadora exaltou o processo eleitoral, tantas vezes criticado por ele, e disse que o compromisso com a soberania do voto popular é “inquebrantável”.

A presidente do TSE, Rosa Weber, defendeu os direitos humanos e as instituições democráticas em seu discurso durante a cerimônia.

“A democracia não se resume a escolhas periódicas, por voto secreto e livre, de governantes. Democracia é, também, exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, de sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer-lhes os direitos constitucionalmente assegurados”, afirmou.

“Em uma democracia, maioria e minoria, como protagonistas relevantes do processo decisório, hão de conviver sob a égide dos mecanismos constitucionais destinados à promoção do amplo debate [...]. Mais do que isso: a todos os cidadãos, sem qualquer exclusão, se assegura um núcleo essencial de direitos e garantias que não podem ser transgredidos nem ignorados pelo simples fato de não refletirem em dado momento histórico a vontade dos grupos majoritários.”

Rosa lembrou que nesta data se comemoram os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, como ela afirmou, foi promulgada pela terceira Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e subscrita pelo Brasil.

“Nunca nos esqueçamos: os diretos fundamentais da pessoa humana, além de universais, são inexauríveis”, disse Rosa, acrescentando que todos têm “direito à vida, à liberdade, à segurança em sua projeção global e o direito a ter direitos”. Bolsonaro já afirmou em algumas ocasiões que o Brasil tem direitos demais.

“Inquestionável é que o Estado brasileiro se encontra comprometido com a efetivação dos direitos humanos. Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas sobretudo pelo que a própria Constituição, que vem de completar trinta anos, determina. Por isso, é de inegável relevo, senhor presidente eleito, o compromisso de Vossa Excelência, reafirmado nesta Casa quando aqui esteve em visita, de que o respeito incondicional pela supremacia da Constituição será o norte do seu governo”, concluiu.

A fala da ministra foi criticada por aliados do presidente eleito. “Após ser ovacionado de pé, o presidente diplomado, Jair Bolsonaro, é submetido a aulinha de direitos humanos em longo discurso de Rosa Weber”, reclamou a deputada federal eleita Bia Kicis (PRP-DF).

A também deputada eleita Joice Hasselmann (PSL-SP) disse que a ministra foi “desapropriada e deselegante”. “Achei que ficou um pouco chato, e até deselegante, desnecessário. Mas ela é a presidente do TSE, não sou eu.”

A diplomação é uma etapa indispensável para que os eleitos possam tomar posse, no primeiro dia do ano. Ela confirma que o político cumpriu as formalidades previstas na legislação eleitoral e está apto a exercer o mandato. O vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB) também foi diplomado.


El País: Bolsonaro faz discurso moderado e ouve Rosa Weber criticar intolerância com minoria

Capitão reforma do Exército fez chamado à união nacional, enquanto que presidenta do TSE ressaltou que democracia significa "respeito às minorias"

Por Ricardo Della Coletta, do El País

Depois de conduzir uma das campanhas mais polarizadoras da história recente do Brasil, o presidente eleito Jair Bolsonaro fez nesta segunda-feira um chamado à unidade nacional, afirmando que será o presidente de todos e que governará para todos os brasileiros. "Agradeço muito especialmente aos mais de 57 milhões de brasileiros que me honraram com o seu voto. Aos que não me apoiaram, peço a confiança para construirmos juntos um futuro melhor para o nosso país. A partir de 1º janeiro, serei o presidente de todos os 210 milhões de brasileiros e governarei em benefício de todos, sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou religião", declarou Bolsonaro, durante a cerimônia em que recebeu o diploma de presidente eleito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um dos passos burocráticos para que ele tome posse no próximo no início de janeiro.

O presidente eleito fez questão de enaltecer o papel das redes sociais em sua campanha. “O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma eleição direta entre o eleitor e seus representantes. Esse novo ambiente, a crença na liberdade, é a melhor garantia dos ideais que balizam a nossa Constituição", seguiu. Na contundente vitória eleitoral obtida por Bolsonaro e seu PSL nas urnas, as redes sociais tiveram fator decisivo - e também controverso. O TSE tem investigação aberta sobre o suposto financiamento irregular para o envio em massa de mensagens a eleitor via WhatsApp pela campanha de Bolsonaro.

Na cerimônia desta segunda, Bolsonaro construiu o discurso no sentido de distensionar a relação com a Justiça Eleitoral –durante a campanha o capitão reformado do Exército questionou duramente, até mesmo na TV, o sistema eletrônico de votação, supervisionado pelo TSE. "A cada um de vocês, integrantes do TSE, dos Tribunais Regionais Eleitorais, das Forças Armadas, mesários, voluntários e tantos outros cidadãos que trabalharam [nas eleições], expresso meu muito obrigado e meu reconhecimento por essa demonstração de civismo e amor ao Brasil", disse Bolsonaro, que prometeu trabalhar dia e noite "com humildade, coragem e perseverança, e tendo fé em Deus para iluminar as minhas decisões". Usou o tom mais moderado que tem sido comum nas cerimônias oficiais e que difere da retórica agressiva e polarizadora marcou a sua atuação tanto no Congresso Nacional quanto na campanha presidencial (mesmo eleito, Bolsonaro volta ao registro mais beligerante vez por outra em entrevistas ou quando ainda fala diretamente com os usuários pelas redes).

Enquanto o ultradireitista Bolsonaro decidiu enviar uma mensagem de moderação, a presidenta da Corte, ministra Rosa Weber, também pareceu ter recados. "A democracia é também exercício constante de diálogo e de tolerância", disse Weber, que fez em seu discurso uma longa defesa das liberdades individuais e dos direitos humanos. Lembrando que o mundo está comemorando o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Weber afirmou que "cada indivíduo é detentor de igual dignidade e senhor de direitos e liberdades inalienáveis, entre os quais o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à segurança em sua projeção global, e o direito a ter direitos". "Vale insistir [...] na asserção de que o princípio democrático, expressão vital de nossa crença inabalável na autoridade da Constituição da República, reside não só na observância incondicional da supremacia da ordem jurídica, mas também no respeito às minorias, em especial àquelas estigmatizadas pela situação de vulnerabilidade a que se acham injustamente expostas", pontuou a ministra.

O presidente eleito, cujo passado de loas à ditadura militar também levantou dúvidas sobre o seu comprometimento com o respeito à democrático, disse ainda que o regime pautado pelo sufrágio universal é um "processo irreversível e [que] o compromisso com o voto popular é inquebrantável". "Sempre no marco da Constituição Federal, nosso dever é transformar esses anseios em realidade. Nossa obrigação é oferecer um Estado eficiente que faça valer a pena os impostos dos contribuintes", concluiu o presidente eleito.


Luiz Carlos Bresser-Pereira: Um grande jornal em tempos difíceis

Folha dá grande contribuição à democracia

É nos momentos de crise como aquele em que nós vivemos hoje que esta Folha mostra o grande jornal que é. Conforme disse Rogério Cezar de Cerqueira Leite ("A escolha", 22/10), o Brasil está ameaçado pela barbárie, e a Folha sabe disso.

Seguiu sua norma de não tomar partido nas eleições, mas deixou seus jornalistas e colunistas livres para informar e afirmar. Embora critique o PT e os demais partidos políticos envolvidos na operação Lava Jato, rejeitou o ódio que ameaça a democracia brasileira e vem dando uma cobertura exemplar às eleições.

O furo de Patrícia Campos Mello mostrou como a campanha de Bolsonaro estava usando fraudulentamente empresas para enviar, via WhatsApp, milhões de mensagens falsas contra o PT. Caso ele seja eleito no próximo domingo, este é um motivo mais que suficiente para que a Justiça casse o seu mandato.

O follow-up que o jornal está fazendo dessa primeira notícia é grande jornalismo.

Os artigos de Janio de Freitas, Clóvis Rossi, Roberto Dias, André Singer, Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros, Fernando Limongi, Antonio Prata, Cristovão Tezza, Tati Bernardi e dos intelectuais que publicam na página A3 e na Ilustríssima são um respiro em meio ao sufoco do pensamento único dos "homens de bem".

Mas terá o Judiciário autonomia ou coragem para cassar Bolsonaro? As pessoas a quem faço essa pergunta geralmente respondem que apenas se houver um movimento da sociedade muito forte exigindo sua condenação. Essas pessoas não reconhecem que as instituições brasileiras hoje são mais fortes do que eram há mais de 50 anos, quando Getúlio Vargas lamentou: "a lei, ora a lei!".

Não somos uma Suíça, mas as leis no Brasil valem, e já foram usadas para tirar o mandato de governadores cujo crime foi muito menor do que o cometido por Bolsonaro e as empresas que financiaram a fraude eleitoral que cometeu.

O ministro Celso de Mello, em uma espécie de resposta aos que duvidam, em entrevista à Folha, reagiu à ameaça do filho do candidato de fechar o STF sem precisar de nada mais que "um cabo e um soldado": "[A fala de Eduardo Bolsonaro] é golpista". É uma chantagem por antecipação, eu acrescentaria.

E o ministro, em sua declaração enviada por escrito ao jornal, colocou no fim de sua frase um ponto de exclamação para deixar clara sua indignação: "Votações expressivas do eleitorado não legitimam investidas contra a ordem político-jurídica fundada no texto da Constituição!"

Até o próximo domingo (28), talvez os eleitores brasileiros caiam em si e se recusem a eleger Jair Bolsonaro. Isso é possível porque a insanidade de um povo tem limites.

Mas, mesmo que isso não aconteça, nada impedirá o Judiciário de cassar seu mandato em razão da comprovação da fraude representada pelas fake news e pelo uso de empresas para distribuí-las em massa.

As duas coisas são um atentado à moral e ferem a letra da Constituição. Neste final de campanha eleitoral, quando a indignação dos cidadãos é crescente, a Folha, com seu jornalismo isento e profissional, vem dando uma grande contribuição à democracia brasileira, ao mesmo tempo em que homenageia seus criadores e meus velhos amigos, Octavio Frias de Oliveira e Otavio Frias Filho.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)


Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição

“O PT subiu o tom dos ataques a Bolsonaro, que enfrenta o pedido de cassação de sua candidatura feito pela campanha de Haddad, por suposto abuso de poder econômico nas redes sociais”

O pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico e uso de caixa dois no primeiro turno, tendo por base o seu suposto envolvimento com empresas privadas que financiaram o impulsionamento de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, tem o objetivo de melar a eleição. Bolsonaro tem 18 pontos de vantagem em relação ao petista e somente um fato novo, como o que está sendo criado pelo PT, poderia produzir condições para reversão dessa dianteira.

O PT fez uma jogada muito comum no movimento sindical, onde as eleições costumam ser “judicializadas” quando uma chapa se vê em grande desvantagem às vésperas do pleito. Aproveitou-se de uma denúncia do jornal Folha de S. Paulo para deslegitimar os 49,2 milhões de votos obtidos por Bolsonaro no primeiro turno, com argumento de que houve fraude na utilização do WhatsApp como ferramenta de campanha. Com isso, submeteu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma tremenda saia justa, pois cabia à Justiça fiscalizar o pleito e detectar as supostas irregularidades, o que não aconteceu.

O ministro Jorge Mussi, corregedor do TSE, não teve outra alternativa a não ser dar prosseguimento à ação apresentada pela campanha do petista, mas rejeitou todos os pedidos de investigação e quebra de sigilo feitos pelo PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é a procuradora eleitoral, foi igualmente instada a tomar providências, no caso, solicitou uma investigação da Polícia Federal.

O pleito principal do PT é a cassação dos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos e a anulação dos seus votos, o que traria para a disputa de segundo turno o terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), que obteve 13,3 milhões de votos. O pedetista entraria na disputa uma semana antes da votação, prazo exíguo para tirar a diferença 18 milhões de votos que o separa de Haddad, que foi votado por 31,3 milhões de pessoas. Esses números são relevantes porque revelam as intenções dos respectivos eleitores, que não podem ser desconsideradas pela Justiça Eleitoral.

Se a denúncia tivesse sido feita antes do primeiro turno, quando os fatos supostamente ocorreram, seria mais factível a impugnação da candidatura ou a anulação do pleito. Depois da contagem dos votos, é muito difícil reverter uma situação como a descrita na denúncia. Nenhum eleitor admitirá que votou manipulado num pleito em que ninguém sofreu coerção nas seções eleitorais e o voto foi secreto.

O melhor exemplo é o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder por Aécio Neves (PSDB), o tucano derrotado pela ex-presidente nas eleições de 2014. Mesmo com “abundância de provas”, segundo o relator, a maioria do TSE, então presidido pelo ministro Gilmar Mendes, rejeitou o relatório que pedia a cassação da chapa. Como Dilma já havia sido afastada do poder pelo impeachment; nesse caso, quem poderia ser cassado era o presidente Michel Temer.

Liminares
Não foi à toa, portanto, que o ministro Jorge Mussi rejeitou o pedido de liminares antes de se ouvir a outra parte, anunciando que agirá com cautela para não influenciar os rumos da eleição. Baseado em reportagens jornalísticas, segundo o ministro, os fatos apontados não permitem neste momento demonstrar a veracidade das suspeitas. Em tese, os impulsionamentos pagos por empresas podem ser considerados doações ilegais. Mussi pretende examinar a questão em “momento próprio” e deu um prazo de cinco dias para que Bolsonaro preste esclarecimentos.

Com a denúncia, o PT ganhou novo ânimo e subiu ainda mais o tom dos ataques a Bolsonaro, elevando a temperatura. A rigor, a denúncia passou a ser um novo divisor de águas da campanha, que possibilita a “vitimização” de Haddad e a retomada da narrativa de que o país está em risco de assistir à derrocada da democracia e a ascensão, pelo voto, do fascismo. Nas redes sociais, essa ofensiva é fundamental para neutralizar Bolsonaro: primeiro, porque inibe sua campanha nas redes; segundo, por dar mais moral à militância petista.

O problema dessa estratégia é que ela exacerba os setores mais radicalizados da campanha de Bolsonaro, que revidam os ataques do PT com igual ou maior truculência. Esse clima de radicalização não é nada bom para a democracia, porque abre espaço para a contestação futura da legitimidade do presidente que vier a ser eleito. É obvio que essa avaliação parte do pressuposto de que a denúncia morrerá na praia; se isso não ocorrer, e Bolsonaro for cassado, o que é muito improvável, o país corre risco de convulsão, porque os eleitores de Bolsonaro não são fake e se indignarão.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-melar-uma-eleicao/


Roberto Romano: Cuidado, nas urnas a foto é de Platão!

Quem nega que o vitorioso será o político que mais cativar, com mentiras e lisonjas...?

Nas atuais eleições é notável o uso de mentiras e violência. Muito se discutem o voto eletrônico e as informações falsas veiculadas na internet. Os pronunciamentos de Rosa Weber, presidente do TSE, não amainam as suspeitas sobre a eficácia das medidas contra fraudes e manipulações das notícias. Mergulhados na vida recente, imaginamos enfrentar um fenômeno inusitado, a crise letal do sistema democrático. No entanto, desde a Grécia antiga esse modo de governar beira o abismo. Recordo alguns escritos clássicos de Platão, o maior adversário do governo popular. Eles trazem um diagnóstico válido para nossos tempos.

O povo que segue o palpite de pessoas sem técnica na arte política, segundo Sócrates, só pode ser doente. Em vez da prudência nos assuntos de Estado, ele obedece ditames que pioram as mazelas. Como o milagre é efetuado? Pela demagogia nas assembleias onde dominam a retórica e a lisonja . Em vez de rir ou caçoar dos que mentem e adulam a massa, o povo adoentado os aplaude e os elege para os cargos, submete-se à sua propaganda. Como curar um coletivo insensato? O símile do médico surge depressa em Platão. Para conseguir a higidez dos eleitores, pergunta o personagem socrático: “Eu deveria batalhar contra eles para os fazer melhores, como se fosse um médico? Ou me pôr a seu serviço e em ótimas relações com eles lhes agradar?”.

Com a resposta de seu parceiro, de que o mais avisado seria se pôr à disposição dos eleitores, Sócrates afirma: “Então eu devo lisonjeá-los”. E chega a premonição, pelo próprio filósofo, da sua própria sorte: dizer o verdadeiro à massa que deseja ser enganada é seguir para a morte. A cicuta destina-se aos inimigos de toda demagogia. Contra os políticos, Sócrates descreve a si mesmo como integrante do pequeno número dos estadistas (“talvez o único”, diz ele). Quando falo, minhas palavras não se destinam ao agrado, pois digo “o que é melhor, não o prazeroso”.

Vem a célebre comparação do médico e do mestre-cuca, símile que deveria estar na mente de todos os políticos ou eleitores verdadeiramente democráticos. Um médico é acusado pelo cozinheiro em tribunal de crianças. Como poderia ele se defender das acusações feitas pelo cozinheiro? “Crianças, eis aqui um homem que lhes causa muitos males. Ele esfola até os novinhos, corta ou queima, disseca e sufoca de tal modo que vocês não sabem onde se esconder. Ele obriga a tomar remédios amargos, a ter fome e sede! Ele não é como eu, pois sirvo doces para seu regalo!”. Paralisado, o médico não consegue dizer a verdade: “ Tudo faço para a sua saúde!”. O povo criança adoecida só escuta a lisonja, a mentira. A verdade é-lhe insuportável.

Em tempos de fake news, a maior é dizer que elas surgem com a internet. Seu nascimento se deu quando a linguagem, uma técnica que possibilita a sociedade, foi inventada. A fala revela paixões ou dissimula gestos amáveis em atos agressivos. A política não existe sem mentira, propaganda, demagogia. Da Ágora, onde os únicos instrumentos persuasores eram a boca e o corpo, à televisão e ao WhatsApp, passar adiante o falso é tarefa estratégica de qualquer liderança que reúne massas.

A busca de agradar e mentir chega ao ápice com as práticas de Goebbels, Walter Lippmann e o Agitprop soviético. No tremendo A Língua do Terceiro Reich, Viktor Klemperer mostra a locução diabólica do mundo ideologizado. Quando a mentira se universaliza a doença política atinge o seu grau máximo, a corrupção popular. A massa assassina quem diz algo verdadeiro ou exige disciplina ética e respeito à lei. Chegamos à situação descrita na República (488 aC). O navio do Estado, nave dos loucos, assiste à guerra dos marinheiros pelo comando, sem que nenhum deles tenha saber técnico apropriado. “Eles elogiam e tratam como marinheiro sapiente quem contribui para que obtenham o comando, seja persuadindo o dono do navio ou exercendo violência sobre ele, mas ao que não é capaz disso censuram como imprestável”. O “dono do navio” na democracia é o povo. Para os ignaros movidos pela adulação, o verdadeiro piloto seria inútil.

Platão expõe algo insuportável para as almas democráticas. O certo, num Estado saudável, seria o povo pedir para ser governado, jamais o bom governante implorar o controle. O Estado moderno foi edificado pela burocracia. Nela, o saber técnico toma as decisões e disfarça o desprezo pelas urnas com o uso de propaganda e retórica. Um Parlamento ou rei, diz Max Weber, se tornam frágeis se burocratas não lhes fornecem dados sobre economia e administração. É o “segredo do cargo”. Para vencer semelhante “espírito coagulado” (ainda Weber), na passagem do século 19 para o 20 surgem as políticas do carisma, lideranças de um homem ou partido cuja missão é restaurar todas as coisas corrompidas. Chega a hora do jurista Carl Schmitt com o Führer, que, acima da burocracia, decide sobre o direito, o inimigo e a ditadura. Ele é soberano. Do outro lado, o filósofo G. Lukács exibe fé na revolução proletária internacional que destruiria o aparelho burocrático. À direita ou à esquerda, ambos justificaram tiranias. Hoje a máquina administrativa persiste. O mundo soube em data recente: funcionários detentores dos cargos e do segredo atenuaram iniciativas desastrosas do presidente Trump na política internacional. Mas o engenho da burocracia gera o salvador do povo e sua lisonja para obter, como em Atenas, o apoio do eleitor.

Doutrinas autoritárias ou totalitárias aproveitaram a crítica platônica, nela vendo uma senda para o líder e o partido único. Os ataques de Karl Popper (The Open Society) têm boas razões para recusar a advertência platônica. Mas notemos a demagogia no Estado democrático. Quem nega que as próximas eleições indicarão como vitorioso o político que mais cativar, com mentiras e lisonjas, o maior número de eleitores? Nas urnas, a resposta, não temo adiantar, será uma enorme reiteração do que denuncia o pensador perto de quem “toda a filosofia ocidental não passa de uma nota ao pé da página”. Os votos, na sua maioria, serão em prol do cozinheiro. O médico que se cuide.

*Roberto Romano é professor da Unicamp, Roberto Romano é autor de Razões de Estado e outros estados da razão (Perspectiva)


O Estado de S. Paulo: TSE abre ação sobre compra de mensagens anti-PT no WhatsApp

Ministro Jorge Mussi pede que sejam investigadas as acusações de empresas que usaram aplicativo contra o PT; Jair Bolsonaro (PSL) e agências têm cinco dias para se manifestarem

Por Amanda Pupo e Breno Pires, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O corregedor-nacional da Justiça Eleitoral, ministro Jorge Mussi, decidiu nesta sexta-feira, 19, abrir ação de investigação judicial pedida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para que sejam investigadas as acusações de que empresas compraram pacotes de disparos em larga escala de mensagens no WhatsApp contra a legenda e a campanha de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República. Também nesta sexta, a PGR pede inquérito sobre fake news relacionadas aos dois presidenciáveis.

Mussi concedeu prazo de cinco dias para que o candidato à Presidência Jair Bolsonaro(PSL), seu vice, Hamilton Mourão, o empresário Luciano Hang, da Havan, e mais 10 sócios das empresas apontadas na ação do PT apresentem defesa no processo, se desejarem.

O ministro rejeitou o pedido do PT de realização de busca e apreensão de documentos na sede da empresa Havan - que teria comprado o serviço de disparo em massa de mensagens contra o PT, segundo a Folha de S. Paulo - e na residência de seu dono, Hang. Mussi também negou determinar que o WhatsApp aja para suspender o "disparo em massa de mensagens ofensivas ao candidato Fernando Haddad e aos partidos da coligação".

"Relativamente aos pedidos constantes do item 42.2 da inicial e da respectiva emenda (de busca e apreensão em empresas), observo que toda a argumentação desenvolvida pela autora está lastreada em matérias jornalísticas, cujos elementos não ostentam aptidão para, em princípio, nesta fase processual de cognição sumária, demonstrar a plausibilidade da tese em que se fundam os pedidos e o perigo de se dar o eventual provimento em momento próprio”, disse.

O ministro deixou para analisar futuramente outra parte do pedido do PT, de quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático dos citados e de tomada de depoimento deles.

O PT pediu nesta quinta-feira, 18, ao TSE que apure suposto abuso de poder econômico para favorecer a campanha de Bolsonaro e o declare inelegível. A sigla alega que a campanha do oponente se aproveita da disseminação de notícias falsas e que “não é crível atribuir apenas à militância orgânica” dos adversários a capacidade de difundir fake news nas redes sociais. Bolsonaro nega as acusações.

Defesas. Em nota, a advogada da campanha de Bolsonaro, Karina Kufa, afirmou que o candidato irá provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de WhatsApp para a divulgação de fake news.

"A decisão do Ministro Jorge Mussi que decidiu pelo indeferimento liminar dos pedidos formulados por Fernando Haddad e apenas abriu para a apresentação de defesa é o que se esperava. Agora o candidato terá condições de apresentar as suas razões e provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de whatsapp para a divulgação de fake news. A apuração célere é o caminho adequado para não criar qualquer instabilidade ao pleito com a propositura de ações temerárias", disse em nota.

Em manifestação enviada previamente ao TSE, sobre os pedidos cautelares que haviam sido feitos, Hang negou a acusação, a qual chamou de "falsa".


El País: “Quando você só acredita no que quer, não há como ter democracia”, diz Aviv Ovadya

O pesquisador Aviv Ovadya explica quais serão as consequências do uso de tecnologias avançadas para a produção de mentiras espalhadas pelas redes sociais

Na tentativa de frear mais uma enxurrada de fake news – boatos fabricados para levar alguém a uma conclusão falsa sobre a realidade ou sobre um candidato – no segundo turno das eleições presidenciais, o TSE convidou representantes das campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para uma reunião sobre o tema.

Aviv, que é bolsista do Tow Center para Jornalismo Digital da renomada Universidade Columbia, se dedica a estudar processos de falseamento da realidade que podem levar as sociedades contemporâneas a um verdadeiro “Infocalipse”, termo cunhado por ele. São vídeos que manipulam a voz real de um político dizendo algo que ele jamais pronunciou; robôs que enviam milhares de emails para um político a fim de pressionar pela aprovação de uma lei, dando a impressão de que há apoio popular; algoritmos de aprendizado de inteligência artificial para criar vídeos em que a cabeça de qualquer pessoa é interposta sobre um corpo – pode ser a de um político inserida num filme pornô ou em uma manifestação de black blocs. Tudo isso com uma aparência realista que pode ser tomada como realidade por qualquer pessoa.

O resultado, diz Ovadya, é que não só a democracia está em jogo; a capacidade das pessoas de reagir a tantas mentiras bem-feitas também pode chegar a quase zero. Seria o efeito da “apatia” – os cidadãos deixariam apenas de tentar entender o que é real e o que é inventado.

Pergunta. Você acha que há diferença na percepção e no impacto das deep fakes em sociedades mais e menos digitalizadas?

Resposta.  Sociedades menos alfabetizadas [digitalmente] e aquelas com culturas com instituições midiáticas mais fracas provavelmente sofrerão mais impacto, já que vídeo e áudio manipulados não poderão ser neutralizados por outras formas de mídia.

P. Qual é o tamanho real da ameaça das fake news?

R. Eu acho que, quando estamos falamos de fake news, precisamos distinguir entre várias coisas diferentes. Uma delas é a habilidade de acusar de fake newsqualquer um que diga algo de que você não gosta. Esse é um problema. Há, também, o problema de pessoas dizendo coisas falsas com a finalidade de impulsionar uma agenda específica ou de simplesmente ganhar muito dinheiro.

P. Você acha que elas foram decisivas nas eleições [de 2016] dos Estados Unidos?

R. É muito, muito difícil mensurar essas coisas. Você definitivamente pode dizer que houve uma redução na confiança em veículos de notícia que estavam verdadeiramente fazendo a cobertura [das eleições] como resultado de acusações de não estarem de fato cobrindo [os fatos]. Pesquisas mostraram que houve uma redução na confiança durante e especialmente após as eleições.

Se você estiver falando muito precisamente sobre fake news, como matérias explicitamente falsas, inteiramente falsas, que estejam circulando, isso é comparativamente menor. Mas, se você estiver falando da extensão de conteúdos extremamente enganosos, hiperpartidários, tanto da esquerda quanto da direita… Isso separou as pessoas mais ainda e polarizou todo o campo de uma maneira que desestabilizou todo o campo? Essas são as coisas das quais você pode falar. Havia histórias que talvez fossem baseadas em algumas coisas falsas, algumas coisas verdadeiras, ou algumas coisas fora de contexto, mas não houve nenhum estudo de grande escala sobre isso.

É a criação de realidades alternativas que são meio possíveis, mas não verdadeiramente reais, criando aquela impressão de realidade. Há provavelmente mais prevalência disso.

P. Há muitos pedidos para que se investiguem sites produtores de fake news, e muitos legisladores apresentaram projetos de lei que criam o crime para a produção de fake news. Qual sua opinião sobre isso?

R. Seria muito difícil criar até mesmo o aparato legal que faria isso sem encontrar alguns problemas. Provavelmente causaria mais dano do que bem. Acho que você pode, em vez disso, legislar sobre outras coisas. Por exemplo, se alguém estiver criando várias e várias contas falsas, talvez haja um jeito de dizer que isso é como criar identidades falsas.

P. Queria que você, por favor, explicasse qual seu conceito de Infocalipse.

R. A ideia geral é que você não consegue manter um governo funcional, uma sociedade ou uma civilização funcionais, se você não tiver informação boa o suficiente. Você pode pensar na ideia como se, à medida que a qualidade das informações num geral diminui, a inteligência de todos os membros da sociedade e de todas as diferentes organizações que a tornam funcional, no geral, diminui, e, se você vai muito fundo nisso, sua sociedade basicamente desmorona. Esse é o conceito geral, e a ideia é evitar isso.

P. Você acha que isso vai ser mais ameaçador quando houver tecnologias que possam, por exemplo, fazer um vídeo de pessoas, como presidentes, dizendo coisas que na realidade elas nunca disseram?

R. Acho que o ponto é realmente ficar de olho na fronteira, ou no ponto-limite, e há inúmeros modos por meio dos quais chegaríamos nele. Um deles é essa nova tecnologia de falsificação de áudio e de vídeo, que felizmente não é prevalente agora, mas é muito importante que estejamos preparados para ela.

P. Você acha que será prevalente?

R. Acho que a exata linha do tempo não é clara, mas, você sabe, para os próximos anos parece bem provável que vire um grande problema.

P. Você fala também sobre polity simulation (ou simulação de política). Pode explicar o que é isso?

R. Num nível mais alto, é criar a impressão de que muita gente se importa com algo com a finalidade de impulsionar uma agenda. A versão simplificada disso é a manipulação do que é tendência no Twitter e no Facebook. Você pode mudar as tendências criando vários bots ou simplesmente colocando várias pessoas para, de uma vez só, fazer uma coisa, e aí faz parecer que se trata de um tema muito importante, muito embora ninguém saiba ou se importe com aquilo. Se você tem vídeo ou áudio, você pode ter todas essas ligações falsas para políticos: “Ah, você precisa fazer essas mudanças nessa coisa para tal político”. Então há níveis diferentes de como você pode em termos de ser capaz de mudar o que as pessoas acreditam que todos se importam, formando meio que uma população.

P. Qual é a sua percepção da atual e da futura influência da polity simulation? Para você, isso tem o potencial de subverter a democracia em outro nível – não durante as eleições, mas no cotidiano, pressionando políticos durante seus mandatos ou forjando afrontas públicas sobre certas questões?

R. Exatamente. A simulação de política ou os “atores sintéticos” podem impactar continuamente a democracia – ambos pela influência nas prioridades e atenções políticas e pelo impacto no “tribunal da opinião pública”. Aconteceram significativas tentativas, tanto de atores domésticos quanto internacionais, de impactar os EUA através de contas não autenticadas, e a automatização delas é cada vez mais provável no decorrer do tempo.

P. Também há algumas pesquisas sobre tecnologias em desenvolvimento agora que, no futuro, poderão reproduzir a voz de um familiar para que possam ser usadas para aplicar golpes.

R. Até onde eu sei, isso ainda não foi criado, mas está bem próximo de ser. E é perigoso, é algo muito difícil de lidar agora.

P. Então, duas coisas: a primeira é, se isso virar uma tendência majoritária, você mencionou que pode haver algo chamado “apatia à realidade”. Você pode explicar melhor o que é isso?

Até certo ponto, nós já temos isso. Temos algo como essa apatia à realidade em ambientes em que há muito pouca confiança, e [em que], se você falar com alguém, eles ficam como que dizendo “eu nem sei o que é real, eu desisto, isso é muito complicado, vou assistir a algum programa na TV”. Acho que já vimos muito disso. E se você não pode acreditar no que você vê com seus olhos nem no que você lê, isso faz com que sua habilidade ou sua vontade de se importar simplesmente vá abaixo.

A minha aposta é que um dos problemas da confiança pública é que você já tem várias pessoas simplesmente desistindo. Eu vejo duas opções quando você vai muito longe: se você tem essa apatia à realidade, e há gráficos de realidade em que todo mundo está em seu próprio mundinho, meio que em uma bolha de filtragem, você vê qualquer coisa de outras “galeras” e as acha horríveis e não confia em nada que elas digam. É quase como se houvesse uma parede entre você e outros bullies, e acho que você acaba com um ou outro, porque é muito trabalhoso classificar todas as mentiras para encontrar alguma verdade.

P. Acho que, se você olhar para a história da humanidade, isso na verdade aconteceu em vários momentos, certo? Houve as guerras mundiais…

R. Exatamente, mas em zonas de conflito, especialmente em ambientes fracos e extremamente autoritários, isso não é um fenômeno novo. Mas é um fenômeno novo em uma democracia saudável. Então, ou você só acredita no que quer, ou você nem quer tentar descobrir em que acreditar, aí você não tem como ter democracia, porque você não pode votar, você não pode tomar uma decisão como governo.

P. Se de fato houver o que você chama de Infocalipse, em vez de uma completa apatia, não seria mais provável que as pessoas simplesmente desconfiassem de qualquer coisa proveniente das mídias sociais e se voltassem para outros meios de notícia, como TV ou rádio?

R. Primeiramente, me deixe esclarecer: a ideia do Infocalipse é de uma fronteira. A civilização e a democracia dependem de pessoas tomando decisões “boas o suficiente” – desde em quem votar e como se manter saudável até quando deve haver a necessidade de uma guerra. Essas decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e da nossa habilidade de distinguir fato de ficção. À medida que nosso ecossistema de informação se deteriora, essas decisões também se deterioram, como se todo mundo estivesse embriagado. Dá para pensar no Infocalipse como estar tão bêbado que nem a democracia nem a civilização conseguem funcionar.

Em teoria, isso pode significar um retorno da população à TV e ao rádio tradicionais, mas na verdade esses meios estão competindo com as mídias sociais. Se o conteúdo das plataformas online for mais envolvente, mais surpreendente e mais emocional, as pessoas se voltarão para elas. Isso significa que as mídias tradicionais precisarão competir e, com isso, poderão piorar muito também. Além disso, muitas dessas fontes online falarão para você não confiar nos meios tradicionais, caso sejam de oposição. Por fim, nada disso ajuda se sua TV ou seu rádio também estejam sob controle dos atores da desinformação, como tem se tornado cada vez mais frequente em alguns países.

P. O que você acha que pode ser feito para prevenir esse mundo catastrófico em que as pessoas não acreditam que haja uma verdade e só acreditam no que seu próprio grupo diz?

R. Então, o mais importante é realmente encontrar formas de recompensar aqueles que o ajudam a decifrar o verdadeiro do falso, de recompensar basicamente – e aqui é onde acho que concordamos que as plataformas devem ajudar.

Elas não criaram, mas amplificaram esse mundo em que é mais provável que você receba atenção se o que você está dizendo é mais extremo, e nós precisamos nos direcionar a um mundo em que seja mais provável ser escutado se o que você está dizendo é bem pensado e coerente, e isso é algo muito difícil de fazer. Há inúmeros modos de impulsionar as coisas que recompensam em termos de interações nas plataformas, ou o que faz com que algumas coisas apareçam mais no feed em comparação a outras, mas também há coisas que podemos fazer fora delas, até mesmo para prevenir [que] a próxima onda de desinformação, essa de vídeo e áudio, fique muito ruim muito rápido.

P. Como o quê?

R. Algo válido é poder verificar se uma imagem realmente veio de um lugar em específico, se um vídeo realmente veio de tempo e lugar específicos. Há tecnologia que podemos usar para isso, mas se requer potencialmente criar muitas novas infraestruturas e basicamente modificar a maneira como telefones funcionam, adicionando potencialmente chips a telefones se você realmente quiser provar que [aquilo] é real. Há meios através dos quais podemos mudar o jeito ou melhorar a reflexão sobre a pesquisa em si, que é criando essa tecnologia para retardar os impactos negativos.

P. Você não acredita em regulação das empresas de tecnologia e redes sociais como Google, Facebook e Twitter? Se você olha para as outras indústrias, por exemplo, a automobilística, ela também está em todos os lugares do mundo e se tem regulações específicas em cada país, e há países em que carros podem poluir mais e outros em que podem poluir menos.

R. Acho que o desafio aqui é diferente. O desafio aqui é, se você faz muito, a democracia morre, e, se você faz pouco, a democracia morre. Se você quer regulamentar carros, a democracia continua bem. Com isso dito, acho que ainda precisamos de regulamentação. Eu só acho que é muito complicado acertar, e não houve propostas muito atraentes sobre desinformação e sua regulamentação que se equilibrem bem. Há coisas específicas que são muito válidas sobre transparência, é preciso haver regulamentação, mas elas não abordam diretamente a desinformação.

P. Você quer dizer transparência sobre algoritmos, número de usuários etc.?

R. Sim, ou até mesmo ter uma auditoria de terceiros ou algum mecanismo de auditoria, quando você tem uma organização de certo tamanho, para se certificar de que estão seguindo certas práticas.

P. Quais são as novas tecnologias de deep fake que poderão ser utilizadas nas eleições deste ano no Estados Unidos?

R. Essas tecnologias transpassam fronteiras e ainda não são fáceis de utilizar ou de serem transformadas em armas, por isso esperamos que não sejam implementadas a tempo para as eleições.


Luiz Carlos Azedo: A fraude e o golpe

“Com as urnas eletrônicas, ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional”

Se tem uma coisa pela qual o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, deveria agradecer é a existência de urnas eletrônicas. Essa é a maior garantia de que poderá vir a assumir a Presidência da República se essa for a vontade da maioria dos eleitores. Graças a elas, a eleição nos mapas de apuração das seções eleitorais controladas por oligarquias políticas, que era mais comum do que se imagina, inclusive durante o regime militar, acabou definitivamente. E o Brasil se tornou a democracia de massas com o sistema eleitoral mais eficiente que se conhece no mundo. Critica-se o Congresso, os partidos, o voto proporcional, o abuso do poder econômico, a manipulação midiática, os cambaus. Mas ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional, principalmente para o Executivo.

No domingo, o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, em transmissão ao vivo pelo Facebook, disse que as eleições 2018 podem resultar em uma “fraude” por causa da ausência do voto impresso. Questionou o Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho deste ano, por oito a dois, derrubou a adoção do voto impresso nas próximas eleições, que havia sido aprovado na minirreforma eleitoral de 2015, pelo Congresso Nacional. Ontem, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, defendeu a confiabilidade das urnas eletrônicas: “Temos 22 anos de utilização de urnas eletrônicas. Não há nenhum caso de fraude comprovado. As pessoas são livres para expressar a própria opinião, mas quando essa opinião é desconectada da realidade, nós temos que buscar os dados da realidade. Para mim, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, as urnas são absolutamente confiáveis.”

Rosa Weber lembrou que, em 2014, foi feita uma auditoria requerida pelo PSDB, que não identificou nenhuma irregularidade. “Nós abrimos para possibilidade de auditagem de maneira geral (…) Nas últimas eleições presidenciais houve uma desconfiança, o partido que no caso não saiu vencedor, expressou, requereu e o TSE abriu todos os dados e depois de um ano se constatou que de fato não havia nada”, garante. O questionamento feito pelos tucanos serviu para demonstrar duas coisas: primeiro, que não houve fraude na reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff; segundo, que as urnas eletrônicas são auditáveis, ou seja, é possível conferir se o resultado divulgado corresponde à votação.

A coversa de Bolsonaro lembra a trajetória de levantes militares e tentativas de impedir a posse de presidentes eleitos que marcaram a história do Brasil no século passado. A maior virada de mesa foi na Revolução de 1930. A chamada política café com leite, pela qual mineiros e paulistas se revezavam no poder, foi rompida nas eleições de 1930 pelo presidente Washington Luiz, que indicou o governador de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato à Presidência. Líderes do partido Republicano Mineiro se uniram ao Partido Republicano e ao Partido Libertador do Rio Grande do Sul, ao Partido Democrático de São Paulo e ao Partido Republicano da Paraíba para criarem a Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas, o então governador gaúcho.

Radicalismo
Júlio Prestes venceu as eleições com quase 1 milhão de votos contra 737 mil de Getúlio. Entretanto, em 26 de julho, antes da posse do presidente eleito, o governador da Paraíba, João Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio, foi assassinado no Recife. Embora o crime tenha sido passional e não político, ao contrário da narrativa difundida na época, esse foi o estopim para a Revolução de 1930. Getúlio ficou 15 anos no poder, graças ao “autogolpe” de 1937, quando implantou o Estado Novo e uma nova Constituição de inspiração fascista, conhecida como “Polaca”.

Atualmente, vivemos o maior período de estabilidade política da história republicana, apesar dos impeachments de Collor de Mello, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016. Nesse aspecto, a narrativa do golpe que embala a campanha do PT é das mais nefastas, porque fragiliza as instituições democráticas e abre espaço, aí assim, para um golpe de Estado de verdade.

O que está acontecendo nas eleições brasileiras, no momento, é uma radicalização do processo político direita versus esquerda, protagonizada pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que da cadeia conseguiu catapultar seu substituto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, para o segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto. Se não houver mudança de cenário nas próximas semanas, os dois disputarão o segundo turno no dia 28 de outubro. As declarações de Bolsonaro, ao aventar a possibilidade de fraude nas eleições, têm duas possibilidades: a primeira, é aprofundar a polarização política na esperança de decidir a eleição no primeiro turno, forçando uma espécie de “voto útil” antipetista, ou seja, uma típica jogada eleitoral; a segunda é mais grave, seria a construção de uma narrativa para impedir a posse do seu adversário, caso perca a eleição no eventual segundo turno, em razão do seu isolamento político, mesmo sendo o mais votado no primeiro.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-fraude-e-o-golpe/


El País: Com impugnações e denúncias, Justiça disputa protagonismo na eleição

Após TSE barrar candidatura de Lula, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad viram alvo de processos. Reformas mal calculadas e ativismo judicial alimentam destaque assumido por juízes e promotores

Por Rodolfo Borges, do El País

A Operação Lava Jato dá as cartas na política nacional desde 2014. E não será nas eleições deste ano que a Justiça brasileira recuará para contemplar o jogo político. O Ministério Público estadual de São Paulo (MP-SP) apresentou na semana que passou uma ação por improbidade administrativa contra o ex-governador e candidato à presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB). Dois dias antes, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que deve assumir a candidatura do PT ao Palácio do Planalto após o Tribunal Superior eleitoral (TSE) barrar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, foi denunciado pelo mesmo MP-SP por corrupção. Essas são apenas algumas das candidaturas que sofrem influência por decisões de juízes e promotores durante um processo eleitoral cheio de incertezas legais — as dúvidas levaram até ao adiamento e cancelamento de pesquisas dos dois maiores institutos do país.

"A percepção dos juízes e procuradores é de que a política brasileira está em situação de putrefação e de que cabe a eles a missão de salvação. A judicialização vem aumentando nos últimos 33 anos, desde 1985. O que aconteceu neste último período, mais intenso em matéria de escândalos, levou a esse momento em que se denuncia dois candidatos com estardalhaço no meio da eleição", analisa  Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito São Paulo.

Se causa enorme impacto no noticiário, a agenda da Justiça tem reflexos discrepantes na preferência eleitoral. Muitos analistas atribuem à exposição da corrupção, especialmente pela Lava Jato nos últimos anos, um sentimento de rejeição à classe política em geral e a busca por outsiders e isso afeta o quadro geral da corrida. Por outro lado, as condenações, se podem tirar um nome das urnas por causa da Lei da Ficha Limpa, não são testamento de decadência política nas pesquisas. O caso mais evidente é a liderança na corrida ao Planalto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e impedido de concorrer de fato ao cargo. Salvo Lula e o ex-governador Anthony Garotinho (PRP), que corre o risco de sair da corrida para reassumir o Governo do Rio de Janeiro após ser condenado em segunda instância pelo crime de formação de quadrilha, outros acusados e até réus em casos de corrupção e na Lava Jato não tem maiores constrangimentos em candidaturas. O senador Renan Calheiros, por exemplo, responde no Supremo Tribunal Federal a 14 inquéritos ligados a investigações da Lava Jato e Zelotes. Ele também é réu em uma ação penal em que é acusado de verbas de sua cota parlamentar. Renan afirma, no entanto, que é inocente e tentará, neste ano, a reeleição ao Senado.

Os casos de Alckmin e Haddad, por exemplo, não têm potencial tão drástico, mas são munição para arranhar a imagem dos candidatos nesta eleição, assim como o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a acusação de racismo contra o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), interrompido pelo ministro Alexandre de Moraes e que deve ser retomado nesta terça. Outro que passou por constrangimento por questões judiciais é o ex-prefeito de São Paulo João Doria (PSDB), que teve os direitos políticos suspensos no fim de agosto pela 11ª Vara da Fazenda Pública da Justiça, em São Paulo. A decisão não impede Doria de disputar o Governo de São Paulo, já que ele pode recorrer à segunda instância, mas o obrigou a se explicar. “Sem dúvida, temos uma eleição especial, com esse protagonismo judicial. Mas isso transcende o fenômeno eleitoral. O protagonismo judicial é muito grande em todas as áreas, principalmente na política”, diz o advogado Ricardo Penteado, responsável pela coordenação jurídica das campanhas de Alckmin e do governador de São Paulo, Márcio França (PTB), à reeleição. Segundo Penteado, que atua em pleitos desde 1989, o país tem “concedido uma licença muito grande ao Judiciário para que proveja desejos nacionais que deveriam ser atendidos pelos processos políticos”.

Crítico da Lei da Ficha Limpa, que ele considera "uma interdição da vontade do eleitor", o advogado diz que o Brasil vem emendando a lei eleitoral de forma incoerente. A última mudança foi o encurtamento do período de campanha, que não levou em consideração o prazo para o julgamento das candidaturas. Antes, o pedido de registro era feito em julho. Neste ano, os candidatos tiveram até 15 de agosto para se inscrever, uma dia antes do início da campanha. "Só isso já causa uma judicialização, mas ainda se soma a uma cultura do Judiciário de implementar projetos políticos", critica Penteado.

Denúncias

Na semana passada, após a convocação de uma entrevista coletiva pelo promotor Ricardo Manuel Castro, a campanha de Alckmin divulgou uma nota para criticar a "reprovável manifestação que o promotor pretendia fazer, a um mês das eleições, no anúncio da abertura da ação ‘contando com a presença do maior número de colegas". O MP-SP dizia no convite para a entrevista — posteriormente cancelada sem explicação — que seria "a primeira e última vez que o promotor vai se manifestar sobre o caso, que está sob sigilo". Na ação, Castro acusa Alckmin de ter recebido 7,8 milhões de reais da Odebrecht por meio de caixa 2 para campanhas. A campanha tucana reagiu: "Para além do barulho almejado pelo promotor, não há fato novo, apenas uma conclusão equivocada e um comportamento inusual. O promotor, inexplicavelmente, sugere algo que não existe e que jamais alguém tenha sequer cogitado, nem mesmo os ditos delatores".

A nota de Alckmin diz ainda que "causa preocupação que o promotor responsável pela peça, conforme noticiado pela imprensa, tenha buscado engajar colegas da instituição em uma espécie de desagravo público". O tom é parecido com o da assessoria de imprensa de Fernando Haddad (PT) em relação à denúncia de corrupção feita pelo promotor Marcelo Mendroni na segunda-feira. "Surpreende que, no período eleitoral, uma narrativa do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sem qualquer prova, fundamente três ações propostas pelo Ministério Público de São Paulo, contra o ex-prefeito e candidato a vice-presidente da República, Fernando Haddad", diz a nota. O promotor acusa Haddad de receber 2,6 milhões de reais em propina da empreiteira UTC — o dinheiro seria usado para pagar dívidas da campanha de 2012 à prefeitura de São Paulo e, segundo a denúncia, foi pago pelo doleiro Alberto Youssef por meio de contratos firmados com três gráficas.

Outro que é acompanhando de perto pela Justiça durante a campanha é o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Nesta quarta-feira, a força-tarefa da Lava Jato denunciou seu ex-chefe de gabinete Deonilson Roldo, entre outras 10 pessoas, por desvios na exploração e duplicação de uma rodovia. O juiz Sergio Moro já aceitou a denúncia. O Ministério Público Eleitoral no Paraná pediu a cassação da candidatura de Richa ao Senado, além de outras 41 candidaturas. No caso do ex-governador, o problema é uma condenação por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça do Paraná por conta de verba usada irregularmente durante viagem a Paris em 2015. No tumultuado clima eleitoral, circulam ainda rumores sobre novidades em relação à delação do ex-ministro Antonio Palocci, homologada pelo TRF-4 em junho.

Reformas

Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), uma das vozes mais contundentes entre os petistas na defesa de Lula, os poderes Executivo e Legislativo se desmoralizaram, o que permitiu o crescimento do Judiciário, "que aparece para a população como isento e imparcial e acaba por usurpar funções da política na base da chantagem e da intimidação". Candidato à reeleição, Damous diz que a aprovação da Lei da Ficha Limpa — que tem o poder de bloquear uma candidatura antes do último recurso no STF — mostrou o despreparo do Congresso Nacional. Ele defende a imposição de uma "contenção ao abuso do poder Judiciário e do Ministério Público" por meio da aprovação de uma lei de abuso de autoridade e da readequação do papel do sistema de Justiça, que teria adquirido uma autonomia exacerbada.

É por isso que Sundfeld, da FGV, prevê "enorme tensão" na matéria para o próximo Governo, independentemente de quem vença o pleito para o Planalto. A postura do Judiciário e do Ministério Público nos últimos anos fez que os políticos e o mundo da gestão pública e empresarial formassem um consenso de que estamos no limite de um processo de ruptura com o mundo jurídico brasileiro”. Para Sundfeld, o próximo Governo não escapa de propor algo mais equilibrado do que a proposta de lei de abuso de autoridade, que "era mais um desaforo do que um processo de reforma". "O tema estará entre as pautas centrais do próximo Governo", aposta.


Roberto Freire: O TSE cumpre com o seu papel ao indeferir a candidatura de Lula

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cumpriu com o seu papel ao decidir, “de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa”, barrar por 6 votos a 1 o registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O dirigente criticou as manobras adotadas pelo petista e seus advogados e disse que o indeferimento só não ocorreu antes por conta de chicanas.

“O TSE decidiu de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa. O criminoso Lula não será candidato. Era algo o que mais ou menos dia iria acontecer. Só não ocorreu antes por conta da chicana promovida pela defesa de Lula e toda uma campanha liderada pelo prisioneiro na tentativa de desmoralizar as instituições democráticas e republicanas do País”, disse.

“Voto patético”
Freire lamentou o voto do ministro Edson Fachin pelo deferimento da candidatura de Lula baseado em um parecer de dois membros de Comitê de Direitos Humanos da ONU. Para ele, o magistrado agiu de “forma patética”.

“O TSE cumpriu com o seu papel. Lamento apenas esse voto do ministro, de forma patética, que se submeteu a um mero parecer de dois membros de um Comitê composto por 16 outros e que não tinha nenhum valor vinculante a coisa nenhuma, nem mesmo a decisão do próprio comitê da ONU. É patético”, criticou.

Início da campanha
Roberto Freire disse ainda que a decisão do TSE resolve o imbróglio criado pela tática lulopetista e permite o início efetivo da campanha à Presidência da República.

“Seja o que foi feito pelo PT não prejudica o que se pode dizer do rigor com que o TSE julgou o pedido de impugnação [da candidatura] de Lula. Agora que o PT cuide e se liberte de Curitiba e indique o seu candidato para que se inicie efetivamente a campanha no País”, disse.