The New York Times

The New York Times: A morte de George Floyd reacendeu um movimento nos EUA. O que acontece com ele agora?

Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar

George Floyd estava morto havia apenas algumas horas quando o movimento começou. Impelidas por um vídeo apavorante e pelo boca a boca, muitas pessoas foram para o cruzamento na zona sul de Minneapolis onde ele foi morto, logo após o feriado do Memorial Day, para exigir o fim da violência policial contra americanos negros.

Aquele momento de dor e revolta coletiva logo deu lugar a uma reflexão nacional, feita ao longo de um ano, sobre o que significa ser negro na América.

Primeiro vieram os protestos, em cidades grandes e menores em todo o país, convertendo-se no maior movimento de protestos em massa na história dos Estados Unidos. Então, ao longo dos meses seguintes, quase 170 símbolos confederados foram rebatizados ou removidos de espaços públicos. O slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam) foi reivindicado por uma nação que se esforçava para entender a morte de Floyd.

Ao longo dos 11 meses seguintes, chamados por justiça racial alcançaram aparentemente todos os aspectos da vida americana em uma escala que, segundo historiadores, não era vista desde o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960.

Na terça-feira (20), Derek Chauvin, o policial branco que se ajoelhou sobre Floyd, foi condenado por duas acusações de homicídio e por homicídio culposo. O veredito trouxe algum alívio aos ativistas que lutam por justiça racial e que passaram as últimas semanas acompanhando cada detalhe do drama que transcorria no tribunal.

Também se veem sinais de uma reação contrária: legislação para reduzir o acesso de eleitores às urnas, proteger a polícia e, na prática, criminalizar protestos públicos vem aparecendo em Legislativos estaduais controlados pelo Partido Republicano.

O arco inteiro do caso de Floyd –desde sua morte e os protestos até o julgamento e a condenação de Derek Chauvin—se deu contra o pano de fundo da pandemia de coronavírus, que chamou ainda ainda mais a atenção para as disparidades raciais nos EUA, onde pessoas não brancas estão entre as mais duramente atingidas pelo vírus e pelas dificuldades econômicas que o acompanharam.

Para muitas pessoas, a morte de Floyd carrega o peso de outros episódios de violência policial na última década, uma lista que inclui as mortes de Eric Garner, Laquan McDonald, Michael Brown e Breonna Taylor.

Nos meses seguintes à morte de Floyd houve algumas mudanças concretas. Dezenas de leis de reforma do policiamento foram apresentadas nos estados. Grandes empresas reservaram bilhões de dólares para causas ligadas à equidade racial, e a NFL (a liga profissional de futebol americano) pediu desculpas por não ter apoiado protestos de seus jogadores negros contra a violência policial.

Mesmo as reações contrárias foram diferentes. Declarações racistas feitas por dezenas de figuras de autoridade, desde prefeitos até diretores de corpos de bombeiros, relacionadas à morte de George Floyd —o tipo de declaração que talvez fosse tolerada antes— custaram seus seus cargos e levaram alguns líderes a ser encaminhadas para aulas antirracismo.

E, pelo menos inicialmente, as opiniões americanas sobre uma série de questões ligadas à disparidade racial e ao policiamento mudaram em um grau raramente visto em sondagens de opinião. Os americanos, e em especial os americanos brancos, mostraram probabilidade muito maior que nos últimos anos de apoiar o movimento Black Lives Matter, dizer que a discriminação racial é um problema sério e que a força policial excessiva prejudica os afro-americanos de maneira desproporcional.

Em meados de 2020, a maioria dos americanos concordava que a morte de George Floyd fazia parte de um padrão maior, não constituindo um incidente isolado. Uma pesquisa do jornal The New York Times realizada em junho com eleitores registrados mostrou que mais de um em cada dez havia participado de protestos. Na época, até mesmo políticos republicanos em Washington estavam expressando apoio à reforma da polícia.

Mas a mudança de postura mostrou-se passageira no caso dos republicanos —tanto dos líderes eleitos quanto dos eleitores.

Quando alguns protestos ganharam tom destrutivo e quando a campanha de reeleição de Donald Trump começou a usar essas cenas em seus anúncios políticos, pesquisas de opinião mostraram que os republicanos brancos recuaram em relação à sua própria visão de que a discriminação é um problema.

“Para quem estava do lado republicano, que é na realidade o lado de Trump nesta equação, a mensagem passou a ser: ‘Não podemos admitir que o que aconteceu foi repulsivo, porque se o fizermos vamos perder terreno’”, disse Patrick Murray, diretor do Instituto de Sondagens da Universidade Monmouth. “Nossa visão de mundo é ‘somos nós contra eles’. E quem participa dos protestos está incluindo no ‘eles’”.

Mas a morte de George Floyd levou a algumas mudanças, pelo menos por enquanto, na consciência que os americanos brancos não republicanos têm da desigualdade racial e em seu apoio a reformas. E ela ajudou a fortalecer o movimento em direção ao Partido Democrata dos eleitores suburbanos com instrução superior, já consternados com o que viam como a promoção do racismo por Trump.

“O ano de 2020 vai ficar em nossa história como um tempo muito significativo, catártico”, comentou David Bailey, cuja ONG Arrabon, sediada em Richmond (no estado da Virgínia), ajuda igrejas em todo o país a trabalhar pela reconciliação racial. “As atitudes das pessoas mudaram, em algum nível. Não sabemos inteiramente ainda o que isso tudo significa. Mas eu estou esperançoso, acho que estou vendo algo diferente ganhar forma.”

Mesmo entre líderes democratas, porém, incluindo prefeitos e o presidente Joe Biden, a consternação diante da violência policial frequentemente vem acompanhada de avisos de que os manifestantes também devem evitar a violência. Essa associação entre revolta política negra e violência está profundamente entranhada nos EUA e não foi rompida no último ano, disse o cientista político Davin Phoenix, da Universidade da Califórnia em Irvine.

“Antes mesmo de terem a chance de processar seus sentimentos de trauma e dor, os negros estão ouvindo de pessoas que eles elegeram para a Casa Branca —que eles alçaram ao poder— ‘não façam isso, não façam aquilo’”, disse Phoenix. “Eu adoraria se mais políticos, pelo menos aqueles que se dizem nossos aliados, dissessem ‘não façam isso, não façam aquilo’ à polícia.”

Os protestos que se seguiram à morte de Floyd viraram parte da discussão americana sobre política, cada vez mais rancorosa. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve saques e danos a propriedades em algumas cidades, e essas imagens circularam com frequência na televisão e nas redes sociais. Os republicanos citaram os protestos como um exemplo de perda de controle da esquerda. Bandeiras com os dizeres “Blue Lives Matter” (em apoio à polícia) foram penduradas de casas no outono passado. Quando o apoio a Trump explodiu um violência no Capitólio, em 6 de janeiro, conservadores reagiram com raiva contra o que, para eles, foi um caso de dois pesos e duas medidas.

Biden tomou posse em janeiro prometendo fazer da equidade racial um aspecto fundamental de todos os elementos de sua agenda: a distribuição das vacinas contra o coronavírus, os locais de construção de infraestrutura federal, a definição das políticas climáticas. Ele efetuou rapidamente as mudanças que qualquer administração democrata provavelmente teria adotado, restaurando os decretos sobre consentimento policial e as regras habitacionais justas.

Mas, em um sinal do momento singular em que Biden foi eleito —e de sua dívida para com os eleitores negros que o promoveram—, sua administração também vem adotando medidas mais inovadoras, como declarar o racismo uma ameaça grave à saúde pública e apontar para o desemprego entre negros como uma medida para se avaliar a saúde da economia.

Algo que as pesquisas de opinião não captaram bem é se os liberais brancos vão mudar os comportamentos que reforçam a desigualdade racial, como por exemplo optar por escolas e bairros segregados. Ao mesmo tempo em que a revolta diante da morte de Floyd aumentou a consciência da desigualdade racial, outras tendências ligadas à pandemia apenas a reforçaram. Isso vem ocorrendo não apenas porque famílias e trabalhadores negros têm sido desproporcionalmente atingidos pela pandemia, mas porque estudantes brancos têm se saído melhor com o ensino à distância e proprietários brancos de imóveis vêm enriquecendo em um mercado habitacional superaquecido.

Numa pesquisa nacional com americanos brancos feita este ano, a cientista política Jennifer Chudy, do Wellesley College, constatou que mesmo os mais antirracistas têm tendência maior a endossar ações particulares e limitadas.

Estas incluem educar-se sobre o racismo ou ouvir pessoas não brancas, e não tanto, por exemplo, optar por viver em uma comunidade racialmente diversa ou levar questões raciais à atenção de autoridades eleitas.

Mesmo assim, dizem historiadores, seria difícil exagerar o efeito dinamizador que a morte de George Floyd teve sobre o discurso público, não apenas no que diz respeito à ação da polícia mas também a como o racismo está entranhado nas políticas das instituições públicas e privadas.

Alguns empresários negros vêm dando depoimentos públicos, falando em termos incomumente pessoais, sobre suas próprias experiências de racismo. Alguns deles criticaram o mundo empresarial por fazer muito pouco contra o racismo ao longo dos anos. “A América corporativa abandonou a América negra à própria sorte”, disse Darren Walker, presidente da Fundação Ford e membro do conselho da PepsiCo, Ralph Lauren e Square. Dezenas de empresas se comprometeram a diversificar sua força de trabalho.

Manifestações públicas contra o racismo nos Estados Unidos explodiram em todo o mundo, levando a protestos nas ruas de Berlim, Londres, Paris e Vancouver (Colúmbia Britânica) e em capitais da África, América Latina e Oriente Médio. Americanos brancos não familiarizados com o conceito de racismo estrutural empurraram os livros sobre esse tema para o topo das listas dos mais vendidos.

Audra D.S. Burch , Amy Harmon , Sabrina Tavernise e Emily Badger


Thomas L. Friedman: Nunca se esqueçam dos republicanos que tentaram um golpe de Estado

Para que os Estados Unidos voltem a ser um país saudável, os republicanos decentes precisam romper com este Partido Republicano atrelado ao culto de Trump

O Novo Testamento nos pede no Evangelho de São Marcos 8:36: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”.

Os senadores Josh Hawley, Ted CruzRon Johnson e todos os seus colegas do Partido Republicano que tramaram o golpe claramente esqueceram deste versículo – se é que o conheciam – pois estão dispostos a sacrificar as próprias almas, a alma do seu partido e a alma dos Estados Unidos – nossa tradição de eleições livres e justas como o meio para a transferência do poder – a fim de que Donald Trump continue presidente e um destes sacanas possa eventualmente substituí-lo. 

A “filosofia” em que se baseiam estes republicanos sem princípios que cultuam Trump é incontestavelmente clara: “A democracia é boa para nós enquanto mecanismo que nos permita estar no controle. Se não detivermos no poder, para o inferno com as normas e para o inferno com o sistema. O poder não emana da vontade do povo – ele emana da nossa vontade e da vontade do nosso líder’.

Para que os Estados Unidos voltem a ser um país saudável, os republicanos decentes – no governo e nos negócios -  precisam romper com este Partido Republicano atrelado ao culto de Trump e fundar o seu próprio partido. É uma tarefa urgente.

Mesmo que apenas um pequeno grupo de legisladores de centro-direita que se pautam por princípios – e os grandes empresários que os financiam – rompessem e formassem sua própria coalizão conservadora, eles se tornariam tremendamente influentes no Senado, hoje tão dividido. Eles seriam uma facção crucial na mudança que ajudaria a decidir se uma legislação aprovada por Biden seria moderada ou fracassaria. 

Ao mesmo tempo, o Partido Republicano do culto a Trump se tornaria o que é imprescindível para o país voltar a crescer – uma minoria desacreditada de malucos sem nenhum poder, esperando o último tuíte de Trump para dizer-lhes o que fazer, dizer e em que acreditar.

Eu sei que desmantelar um partido estabelecido não é fácil (presumivelmente). Mas os republicanos dotados de princípios, os que defenderam corajosamente e honestamente a vitória eleitoral de Biden, precisam perguntar a si mesmos: “Dentro de alguns dias, quando tudo isto estiver acabado, voltaremos simplesmente para os nossos negócios usuais, com pessoas que, na realidade, estão tentando o primeiro golpe de Estado legislativo na história do país?

Porque quando este episódio estiver encerrado, Trump fará ou dirá alguma outra coisa ultrajante para prejudicar Biden e tornar a colaboração impossível, e os cachorrinhos de Trump, como Cruz, Hawley, e o líder da Minoria da Câmara Kevin McCarthy, exigirão que o partido continue servindo aos seus interesses políticos, colocando diariamente em dificuldade os republicanos dotados de princípios. Todas as semanas haverá um novo teste de lealdade. 

Simplesmente não há nenhuma equivalência agora entre os nossos dois principais partidos Nas primárias, uma maioria esmagadora de democratas, liderados por afro-americanos moderados, optou por seguir Biden, de centro-esquerda, e não a ala socialista-democrática de extrema esquerda que defende uma polícia sem recursos.

Do outro lado, o partido de Trump tornou-se um culto a ponto de decidir na sua convenção que não ofereceria uma plataforma de partido. Sua plataforma seria tudo o que o seu Amado Líder quisesse a qualquer momento. Quando um partido deixa de pensar – e de traçar uma linha vermelha ao redor de um líder antiético como Trump – ele continuará a arrastá-lo cada vez mais para o abismo, para as portas do Inferno. 

Onde acaba de chegar. 

Vimos neste fim de semana o esforço mafioso de Trump de obrigar o secretário de estado da Geórgia a “encontrar” somente 11.780 votos para ele e declará-lo o vencedor do estado por um voto a mais do que Biden.

E o veremos em uma versão ainda mais feia na sessão de quarta-feira no Congresso. Os que cultuam Trump tentarão transformar uma cerimônia destinada explicitamente a confirmar os votos do Colégio Eleitoral apresentados por cada estado – Biden 306 e Trump 232 - em uma tentativa de levar o Congresso a anular os votos do colégio eleitoral dos estados decisivos que Trump perdeu. 

Se eu fosse o diretor deste jornal, estamparia todas as suas fotos em página inteira sob a manchete “Nunca esqueçam destes rostos: Estes legisladores podiam escolher entre a lealdade à nossa Constituição e a Trump e eles escolheram Trump”. 

Se vocês tinham alguma dúvida de que estas pessoas estão envolvidas em um comportamento sedicioso, seus colegas republicanos mais baseados em princípios não estão. Falando do plano de Hawley de contestar a contagem dos votos, Lisa Murkowski, a senadora republicana do Alaska, declarou: “Eu vou sustentar o meu juramento à Constituição. Este é o teste de lealdade”. O senador Ben Sasse, de Nebraska, acrescentou: “Adultos não apontam uma arma carregada para o coração do auto-governo legítimo”. E o senador Rob Portman de Ohio: “Não posso concordar que se permita que o Congresso modifique a vontade dos eleitores”.

Então, o caucus dos que montaram o complô fracassará. Mas perguntem a vocês mesmos:  E se os aliados de Trump controlassem a Câmara, o Senado e a Suprema Corte e conseguissem o que pretendem – eles usariam algumas das manobras legislativas de última horas e anulariam a vitória de Biden?

Eu sei exatamente o que teria acontecido. Muitos dos 81.283.485 americanos que votaram em Biden teriam ido para as ruas – e eu seria um deles – e provavelmente invadido a Casa Branca, o Capitólio e a Suprema Corte. Trump teria chamado o Exército; a Guarda Nacional, chefiada pelos governadores, teria se dividido e nós mergulharíamos na guerra civil.

Este é o fogo com que estas pessoas estão brincando.

Evidentemente, elas sabem disto – o que torna os esforços de Hawley, Cruz, Johnson e os da mesma laia ainda mais desprezíveis. Eles têm tão pouco respeito próprio que estão dispostos a lamber as botas de Donald Trump até o seu último segundo no cargo, na esperança de herdar os seus seguidores – se ele não voltar a concorrer em 2024. E eles estão contando com uma maioria dos seus colegas mais dotados de princípios que votam para confirmar a eleição de Biden – a fim de garantir que os seus esforços fracassem.

Dessa maneira, eles terão o melhor de todos os mundos – crédito junto aos eleitores de Trump por perseguirem a sua Grande Mentira - a sua alegação fraudulenta de que as eleições foram fraudadas – sem nos mergulhar em uma guerra civil Mas o preço a longo prazo será ainda maior - a redução da confiança de muitos americanos na integridade das nossas eleições livres e honestas, a base de uma transferência pacífica do poder. 

Podem imaginar algo mais cínico?

Como os americanos decentes revidarão, além de pedir aos republicanos de princípios para formarem o seu próprio partido? Tenhamos a certeza de que cobraremos um preço tangível de cada legislador que vota com Trump e contra a Constituição. 

Os acionistas de todas as principais corporações americanas deveriam assegurar-se de que os comitês de ação política destas companhias fossem impedidos de fazer contribuições de campanha para quem quer que seja que participar da tentativa de golpe da quarta-feira. 

Ao mesmo tempo, “nós o povo” precisamos lutar contra a Grande Mentira do culto  de Trump com a Grande Verdade. Espero que cada grande emissora e jornal e todos os cidadãos se refiram a Hawley, Cruz, Johnson e seus amigos agora e cada vez mais como os “conspiradores do golpe”.

Façamos com que todos os que propagaram esta Grande Mentira a respeito das eleições fraudadas para justificar o seu voto em Trump e contra a nossa Constituição carregue o título – “conspirador” – para sempre. Se vocês os virem na rua, em um restaurante, no campus universitário, perguntem educadamente: “Você era um dos conspiradores do golpe, não? Vergonha”. 

Adotemos o método de Trump: Repitamos seguidamente a Grande Verdade até que estas pessoas nunca possam se livrar dela.

Não bastará para sanar tudo o que nos aflige – para isto ainda precisaremos de um novo partido conservador – mas seguramente é necessário dar aos outros uma pausa para tentar isto outra vez. / 

Tradução de Anna Capovilla  


Jorge Castañeda: Bolsonaro versus Maduro

As características pessoais e políticas desses dois líderes recém-empossados são uma receita para o desastre

Jair Bolsonaro foi investido como novo presidente do Brasil na semana passada. Nicolás Maduro, que assumiu a presidência da Venezuela em 2013 após a morte de Hugo Chávez, tomou posse para um segundo mandato na quinta-feira. As duas investiduras ilustram as ameaças enfrentadas pela democracia, pelos alinhamentos internacionais e a unidade da América Latina.

Bolsonaro é um ex-militar de direita com um histórico de declarações incendiárias sobre todos os assuntos, desde os direitos dos gays às mulheres, aos afro-brasileiros e Donald Trump.

Ele foi eleito numa onda de sentimento antissistema e anticorrupção no Brasil, e também por causa do desalento dos cidadãos com o número recorde de crimes (embora sua família já tenha sido acusada de corrupção). Ele de imediato entrou em atrito com outros líderes latino-americanos – cancelando os convites a Maduro e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, para participar de sua posse – e praticamente rompeu relações diplomáticas com Venezuela.

O ministro venezuelano do Exterior, Jorge Arreaza, afirmou que Maduro jamais pensou em ir à posse de Bolsonaro. Por outro lado, poucos convidados participaram da investidura de Maduro. O Grupo de Lima, a União Europeia e vários países rejeitaram reconhecer a legitimidade de sua reeleição. Somente cubanos, bolivianos, nicaraguenses e salvadorenhos estiveram presentes, entre os convidados latino-americanos.

Além de sua eleição fraudulenta, Maduro violou flagrantemente os direitos humanos, levou a economia venezuelana ao colapso e criou uma crise humana que obrigou quase 3 milhões dos seus compatriotas a buscar o exílio. Com os preços em queda do petróleo, única fonte de exportação da Venezuela, o país mergulhará ainda mais no caos.

As características pessoais e políticas desses dois líderes, investidos no cargo com diferença de dias, são uma receita para o desastre.

Bolsonaro, embora democraticamente eleito, tem demonstrado inclinações autoritárias. Prometeu que tornará mais fácil para policiais e soldados atirarem contra suspeitos armados e defende a restauração da pena de morte. E afirmou que assinará decreto permitindo que todos os que o desejarem no Brasil comprem uma arma, incluindo as automáticas. O que basicamente armará toda a população.

Ameaçou também retirar o Brasil do Mercosul – bloco comercial que inclui também Argentina, Uruguai e Paraguai e do Acordo do Clima assinado em Paris. Deixou o plano de migração votado em Marrakesh. O seu chefe de gabinete, Onyx Lorenzoni, prometeu limpar o governo de todos os funcionários “com ideias comunistas e socialistas”, referindo-se a membros do Partido dos Trabalhadores dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

E, pior ainda, o novo presidente extinguiu todas as agências que tratam de matérias ligadas à comunidade LGBT, que não mais figura entre as protegidas pelo Ministério de Direitos Humanos.

Maduro, por seu lado, militarizou todas as instituições da Venezuela. Distribuiu armas automáticas a suas milícias e grupos paramilitares conhecidos como “colectivos”. Continua a sustentar Cuba, Bolívia e Nicarágua com dinheiro do petróleo e novamente fez aumentar as tensões com a Colômbia: o novo presidente colombiano, Iván Duque, acusou a Venezuela de “enviar assassinos para matá-lo”.

Originalmente, Maduro foi eleito mais ou menos democraticamente. Mas hoje faz parte de um grupo cada vez maior de líderes autoritários na América Latina que exercem o poder antidemocraticamente.

Embora Maduro seja da esquerda radical e Bolsonaro da extrema direita, ambos compartilham um viés autoritário. O confronto entre esses dois líderes pressagia um conflito. Há centenas de milhares de venezuelanos atravessando a fronteira do Brasil e da Colômbia. Bolsonaro e Duque detestam Maduro. Ambos nutrem simpatias por Trump e este simpatiza com ambos.

Um movimento de pinça (tática militar em que o Exército do oponente é atacado dos dois flancos) pelos Exércitos dos dois países, com apoio mais ou menos discreto dos EUA, é cada vez mais concebível, particularmente à medida que a região se inclina para a direita.

A Aliança do Pacífico, formada por Colômbia, Chile, Peru e México, hoje é liderada por três dirigentes de centro-direita. A Argentina, em meio à sua enésima crise financeira, pode, apesar de tudo, reeleger o conservador Mauricio Macri.

Somente Uruguai, Nicarágua e Bolívia são sobreviventes dos regimes da chamada “onda rosa” (da guinada à esquerda) que remonta ao início do século até 2015. O novo governo de esquerda no México se verá cada vez mais isolado na região, tendo de administrar por seus meios os vários conflitos com os EUA.

Nada disso é de bom augúrio para a América Latina. De 2003 a 2012, a região registrou um longo período de forte crescimento, amplamente financiado pelos altos preços das commodities. Após 2013 começou a desaceleração econômica, quando os preços despencaram e escândalos de corrupção irromperam por todo os lados. Mas as instituições se mantiveram firmes na maior parte do tempo e em muitos países; a democracia foi ameaçada somente por um número crescente de líderes que desejavam se perpetuar no poder por meios eleitorais, porém escusos.

Isso começa a mudar. Os sinais de alerta são óbvios: regimes autoritários de esquerda na Nicarágua e Venezuela; um presidente de direita no Brasil com ideias neofascistas que começou a legislar com rapidez surpreendente; um presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, reticente em defender os direitos humanos e a democracia na região e também com predisposição autoritária; na Bolívia o presidente Evo Morales, que planeja se candidatar este ano a um quarto mandato – o que o manterá no poder por 20 anos. Um colapso das instituições democráticas e do respeito aos direitos humanos na América Latina não é mais algo inimaginável.

A grande ausência, para o melhor ou pior, é de Washington. Os EUA certamente não assumirão nenhum papel nas crises potenciais ou em curso, exceto talvez incentivando Colômbia e Brasil a derrubar Maduro pela força. Mas certamente isso não afastará o hemisfério dessas tentações autoritárias, nem o conduzirá a uma maior responsabilidade coletiva.

Diante da inclinação de Trump a piorar as coisas por todo o lado, a ausência americana pode não ser ruim. Mas a passividade dos EUA significa um contrapeso a menos numa região que precisa de tantos quanto conseguir encontrar. / Tradução de Terezinha Martino

*É ex-chanceler do México


Quem somos nós?

Este artigo é uma boa reflexão sobre a corrida para presidência norte americana. Sob o olhar de um cidadão norte americano, Thomas L. Friedman, especialista em negócios estrangeiros, globalização e tecnologia, podemos observar as varias facetas de alguns candidatos a Casa Branca. Não dividimos a opinião do autor, que enaltece a posição norte-americana de país mais forte e mais rico do mundo através do capitalismo. Entretanto, ele acentua algumas questões imprescindíveis quando analisamos a eleição para presidência nos EUA e também o quadro político internacional: a questão imigratória, empreendedorismo e o respeito às instituições.

Quem somos nós?

Penso que a eleição norte americana para presidência tem sido bizarra, se me fosse dada uma folha de papel em branco e me pedissem que escrevesse as três maiores fontes de força dos EUA eu escreveria: “ética do pluralismo”, “cultura do empreendedorismo” e “qualidade das nossas instituições que governam”.  No entanto, até agora ouvi todos os candidatos destruindo todas essas premissas.

Donald Trump está correndo contra o pluralismo. Bernie Sanders mostra o menor interesse em empreendedorismo e diz que os bancos de Wall Street que fornecem capital para tomadores de risco estão envolvidos em "fraude", e Ted Cruz fala de nosso governo, da mesma forma como o fanático anti-imposto Grover Norquist, que nos diz que deve encolher o governo de tal forma que seja  possível arrastá-lo para o banheiro e afogá-lo na banheira."

Não me lembro de uma eleição em que os pilares de força dos EUA eram tão atacados e que ganhava tamanha notoriedade entre os mais jovens.

O famoso slogan do republicano Trump diz: "Faça América grande novamente”.  Este slogan se baseia em um ataque constante aos imigrantes, que segundo o candidato têm ocupado postos de trabalho que pertencem aos norte americanos. Entretanto, como fazer América grandiosa novamente dizendo aos imigrantes: “saia ou fique longe”? Ou acusando os mesmos de estupradores ou terroristas?

Não podemos aceitas políticas segregacionistas, a sociedade norte America é pluralista com o pluralismo. Síria e Iraque, por sua vez, são sociedades pluralistas sem pluralismo. São países comandados por punho de ferro.

Só para lembrar mais uma vez: temos duas vezes eleito um negro cujo avô era um muçulmano. Quem faz isso? Isso é como uma fonte de força como um ímã para os melhores talentos do mundo. No entanto Trump, ao realizar sua “caça” aos imigrantes, tem procurado minar essa singularidade ao invés de celebrá-la.

Sobre o democrata Sanders, tenho ouvido apenas o candidato “berrar” sobre quebrar os grandes bancos, porém não tenho escutado-o dizer sobre de onde vêm os empregos. Se você quer estimular o emprego, você precisa de mais empregadores, e não apenas de estimulo do governo.

A Comissão Milstein sobre Empreendedorismo e Trabalhos de Classe Média 2015, relatório produzido pela Universidade de Virginia observa: "A identidade da América é intrinsecamente empresarial [consagrados] pelos fundadores, popularizado por Horatio Alger, encarnado por Henry Ford... Com o suficiente trabalho duro qualquer um pode usar o empreendedorismo para pavimentar o seu próprio caminho para a prosperidade e fortalecer suas comunidades através da criação de postos de trabalho e crescimento da economia local”.

Em suma, não somos socialistas! E o relatório citado acima serve como material para promover o empreendedorismo nos EUA através, basicamente, do aumento da desregulamentação estatal, que permitiria o aumento do empreendedorismo.

Ao contrário de Sanders, Ted Cruz, outro candidato republicano, não tem uma boa alma e denigre cada vez mais a imagem das instituições americanas. O perigo desse candidato é a situação atual mundial, pois enquanto o mundo fica mais rápido e mais interdependentes, a qualidade das instituições é imprescindível. Cruz envolve-se em uma bandeira americana e cospe em todas as instituições que a representa.

Os EUA não se tornaram o país mais rico do mundo, praticando o socialismo, ou o país mais forte, denegrindo seus órgãos de decisão, ou o país mais cheio de talento, alimentando o medo dos imigrantes.

Fonte: www.nytimes.com

Edição e tradução de texto: Germano Martiniano