The New York Times: A morte de George Floyd reacendeu um movimento nos EUA. O que acontece com ele agora?

Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar.

Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar

George Floyd estava morto havia apenas algumas horas quando o movimento começou. Impelidas por um vídeo apavorante e pelo boca a boca, muitas pessoas foram para o cruzamento na zona sul de Minneapolis onde ele foi morto, logo após o feriado do Memorial Day, para exigir o fim da violência policial contra americanos negros.

Aquele momento de dor e revolta coletiva logo deu lugar a uma reflexão nacional, feita ao longo de um ano, sobre o que significa ser negro na América.

Primeiro vieram os protestos, em cidades grandes e menores em todo o país, convertendo-se no maior movimento de protestos em massa na história dos Estados Unidos. Então, ao longo dos meses seguintes, quase 170 símbolos confederados foram rebatizados ou removidos de espaços públicos. O slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam) foi reivindicado por uma nação que se esforçava para entender a morte de Floyd.

Ao longo dos 11 meses seguintes, chamados por justiça racial alcançaram aparentemente todos os aspectos da vida americana em uma escala que, segundo historiadores, não era vista desde o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960.

Na terça-feira (20), Derek Chauvin, o policial branco que se ajoelhou sobre Floyd, foi condenado por duas acusações de homicídio e por homicídio culposo. O veredito trouxe algum alívio aos ativistas que lutam por justiça racial e que passaram as últimas semanas acompanhando cada detalhe do drama que transcorria no tribunal.

Também se veem sinais de uma reação contrária: legislação para reduzir o acesso de eleitores às urnas, proteger a polícia e, na prática, criminalizar protestos públicos vem aparecendo em Legislativos estaduais controlados pelo Partido Republicano.

O arco inteiro do caso de Floyd –desde sua morte e os protestos até o julgamento e a condenação de Derek Chauvin—se deu contra o pano de fundo da pandemia de coronavírus, que chamou ainda ainda mais a atenção para as disparidades raciais nos EUA, onde pessoas não brancas estão entre as mais duramente atingidas pelo vírus e pelas dificuldades econômicas que o acompanharam.

Para muitas pessoas, a morte de Floyd carrega o peso de outros episódios de violência policial na última década, uma lista que inclui as mortes de Eric Garner, Laquan McDonald, Michael Brown e Breonna Taylor.

Nos meses seguintes à morte de Floyd houve algumas mudanças concretas. Dezenas de leis de reforma do policiamento foram apresentadas nos estados. Grandes empresas reservaram bilhões de dólares para causas ligadas à equidade racial, e a NFL (a liga profissional de futebol americano) pediu desculpas por não ter apoiado protestos de seus jogadores negros contra a violência policial.

Mesmo as reações contrárias foram diferentes. Declarações racistas feitas por dezenas de figuras de autoridade, desde prefeitos até diretores de corpos de bombeiros, relacionadas à morte de George Floyd —o tipo de declaração que talvez fosse tolerada antes— custaram seus seus cargos e levaram alguns líderes a ser encaminhadas para aulas antirracismo.

E, pelo menos inicialmente, as opiniões americanas sobre uma série de questões ligadas à disparidade racial e ao policiamento mudaram em um grau raramente visto em sondagens de opinião. Os americanos, e em especial os americanos brancos, mostraram probabilidade muito maior que nos últimos anos de apoiar o movimento Black Lives Matter, dizer que a discriminação racial é um problema sério e que a força policial excessiva prejudica os afro-americanos de maneira desproporcional.

Em meados de 2020, a maioria dos americanos concordava que a morte de George Floyd fazia parte de um padrão maior, não constituindo um incidente isolado. Uma pesquisa do jornal The New York Times realizada em junho com eleitores registrados mostrou que mais de um em cada dez havia participado de protestos. Na época, até mesmo políticos republicanos em Washington estavam expressando apoio à reforma da polícia.

Mas a mudança de postura mostrou-se passageira no caso dos republicanos —tanto dos líderes eleitos quanto dos eleitores.

Quando alguns protestos ganharam tom destrutivo e quando a campanha de reeleição de Donald Trump começou a usar essas cenas em seus anúncios políticos, pesquisas de opinião mostraram que os republicanos brancos recuaram em relação à sua própria visão de que a discriminação é um problema.

“Para quem estava do lado republicano, que é na realidade o lado de Trump nesta equação, a mensagem passou a ser: ‘Não podemos admitir que o que aconteceu foi repulsivo, porque se o fizermos vamos perder terreno’”, disse Patrick Murray, diretor do Instituto de Sondagens da Universidade Monmouth. “Nossa visão de mundo é ‘somos nós contra eles’. E quem participa dos protestos está incluindo no ‘eles’”.

Mas a morte de George Floyd levou a algumas mudanças, pelo menos por enquanto, na consciência que os americanos brancos não republicanos têm da desigualdade racial e em seu apoio a reformas. E ela ajudou a fortalecer o movimento em direção ao Partido Democrata dos eleitores suburbanos com instrução superior, já consternados com o que viam como a promoção do racismo por Trump.

“O ano de 2020 vai ficar em nossa história como um tempo muito significativo, catártico”, comentou David Bailey, cuja ONG Arrabon, sediada em Richmond (no estado da Virgínia), ajuda igrejas em todo o país a trabalhar pela reconciliação racial. “As atitudes das pessoas mudaram, em algum nível. Não sabemos inteiramente ainda o que isso tudo significa. Mas eu estou esperançoso, acho que estou vendo algo diferente ganhar forma.”

Mesmo entre líderes democratas, porém, incluindo prefeitos e o presidente Joe Biden, a consternação diante da violência policial frequentemente vem acompanhada de avisos de que os manifestantes também devem evitar a violência. Essa associação entre revolta política negra e violência está profundamente entranhada nos EUA e não foi rompida no último ano, disse o cientista político Davin Phoenix, da Universidade da Califórnia em Irvine.

“Antes mesmo de terem a chance de processar seus sentimentos de trauma e dor, os negros estão ouvindo de pessoas que eles elegeram para a Casa Branca —que eles alçaram ao poder— ‘não façam isso, não façam aquilo’”, disse Phoenix. “Eu adoraria se mais políticos, pelo menos aqueles que se dizem nossos aliados, dissessem ‘não façam isso, não façam aquilo’ à polícia.”

Os protestos que se seguiram à morte de Floyd viraram parte da discussão americana sobre política, cada vez mais rancorosa. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve saques e danos a propriedades em algumas cidades, e essas imagens circularam com frequência na televisão e nas redes sociais. Os republicanos citaram os protestos como um exemplo de perda de controle da esquerda. Bandeiras com os dizeres “Blue Lives Matter” (em apoio à polícia) foram penduradas de casas no outono passado. Quando o apoio a Trump explodiu um violência no Capitólio, em 6 de janeiro, conservadores reagiram com raiva contra o que, para eles, foi um caso de dois pesos e duas medidas.

Biden tomou posse em janeiro prometendo fazer da equidade racial um aspecto fundamental de todos os elementos de sua agenda: a distribuição das vacinas contra o coronavírus, os locais de construção de infraestrutura federal, a definição das políticas climáticas. Ele efetuou rapidamente as mudanças que qualquer administração democrata provavelmente teria adotado, restaurando os decretos sobre consentimento policial e as regras habitacionais justas.

Mas, em um sinal do momento singular em que Biden foi eleito —e de sua dívida para com os eleitores negros que o promoveram—, sua administração também vem adotando medidas mais inovadoras, como declarar o racismo uma ameaça grave à saúde pública e apontar para o desemprego entre negros como uma medida para se avaliar a saúde da economia.

Algo que as pesquisas de opinião não captaram bem é se os liberais brancos vão mudar os comportamentos que reforçam a desigualdade racial, como por exemplo optar por escolas e bairros segregados. Ao mesmo tempo em que a revolta diante da morte de Floyd aumentou a consciência da desigualdade racial, outras tendências ligadas à pandemia apenas a reforçaram. Isso vem ocorrendo não apenas porque famílias e trabalhadores negros têm sido desproporcionalmente atingidos pela pandemia, mas porque estudantes brancos têm se saído melhor com o ensino à distância e proprietários brancos de imóveis vêm enriquecendo em um mercado habitacional superaquecido.

Numa pesquisa nacional com americanos brancos feita este ano, a cientista política Jennifer Chudy, do Wellesley College, constatou que mesmo os mais antirracistas têm tendência maior a endossar ações particulares e limitadas.

Estas incluem educar-se sobre o racismo ou ouvir pessoas não brancas, e não tanto, por exemplo, optar por viver em uma comunidade racialmente diversa ou levar questões raciais à atenção de autoridades eleitas.

Mesmo assim, dizem historiadores, seria difícil exagerar o efeito dinamizador que a morte de George Floyd teve sobre o discurso público, não apenas no que diz respeito à ação da polícia mas também a como o racismo está entranhado nas políticas das instituições públicas e privadas.

Alguns empresários negros vêm dando depoimentos públicos, falando em termos incomumente pessoais, sobre suas próprias experiências de racismo. Alguns deles criticaram o mundo empresarial por fazer muito pouco contra o racismo ao longo dos anos. “A América corporativa abandonou a América negra à própria sorte”, disse Darren Walker, presidente da Fundação Ford e membro do conselho da PepsiCo, Ralph Lauren e Square. Dezenas de empresas se comprometeram a diversificar sua força de trabalho.

Manifestações públicas contra o racismo nos Estados Unidos explodiram em todo o mundo, levando a protestos nas ruas de Berlim, Londres, Paris e Vancouver (Colúmbia Britânica) e em capitais da África, América Latina e Oriente Médio. Americanos brancos não familiarizados com o conceito de racismo estrutural empurraram os livros sobre esse tema para o topo das listas dos mais vendidos.

Audra D.S. Burch , Amy Harmon , Sabrina Tavernise e Emily Badger

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