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Bernardo Mello Franco: Governo de Witzel acabou; desafio agora é continuar solto

Ao assumir o governo do Rio, Wilson Witzel anunciou que era “chegada a hora de libertar o estado da irresponsabilidade e da corrupção”. Um ano e oito meses depois, chegou a hora de o estado se libertar dele. O ex-juiz foi afastado do cargo, acusado de comandar uma organização criminosa no Palácio Guanabara.

A decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, situou Witzel no topo de uma quadrilha que embolsava verbas da saúde. Segundo o Ministério Público, “o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia”. O ex-secretário Edmar Santos, preso em julho, delatou o chefe e os comparsas.

Os investigadores afirmam que a quadrilha fraudou compras de respiradores e contratos com organizações sociais. Os resultados foram visíveis: o governo prometeu construir sete hospitais de campanha, mas só inaugurou dois. O Rio já perdeu 16 mil vidas para o coronavírus.

Eleito com discurso moralista, o ex-juiz foi acusado de replicar o esquema que levou Sérgio Cabral para a cadeia. O procurador Eduardo El Hage, que investigou os dois governadores, disse ter se sentido num “túnel do tempo”. O enredo se repetiu em detalhes, incluindo a lavagem de dinheiro no escritório de advocacia da primeira-dama.

Witzel era um ilustre desconhecido quando deixou a magistratura para se candidatar ao governo. Permaneceu anônimo até a reta final da campanha, quando a pregação a favor das armas o ajudou a surfar a onda bolsonarista. Sem uma única sentença relevante, ele usou o título de juiz para posar de vestal. A propaganda era tão falsa quanto o diploma de Harvard que ostentava no currículo.

Megalômano, o doutor mal se instalou no Guanabara e já passou a sonhar com o Planalto. A ambição fez ruir a dobradinha com Jair Bolsonaro, que só pensa na reeleição. Agora o presidente comemora a desgraça do ex-aliado, embora seus filhos também estejam enrolados em transações com dinheiro vivo.

Preso na sexta-feira, o notório Pastor Everaldo ajudou a unir a dupla de farsantes. Em 2016, ele batizou Bolsonaro no Rio Jordão, num ritual encenado para atrair o eleitorado evangélico. Dois anos depois, abençoou a candidatura de Witzel, que buscava uma legenda de aluguel para entrar na política.

O ex-juiz já estava prestes a ser cassado pela Assembleia Legistativa. Com a posse de Cláudio Castro como governador em exercício, a conclusão do processo de impeachment tende a se tornar uma mera formalidade. O mandato de Witzel, o Breve, parece causa perdida. Agora seu desafio é permanecer solto, enquanto operadores e ex-secretários amargam os primeiros dias no xadrez.

Na sexta, o ex-juiz celebrou o fato de ainda poder dormir no Palácio Laranjeiras, onde já foi acordado duas vezes pela polícia. “Não fui despejado”, festejou. Quando for instado a mudar de endereço, ele poderá levar uma recordação: a patética faixa azul e branca que mandou confeccionar para a própria posse.


Ascânio Seleme: Não culpe o eleitor

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um  miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher. Não foi o eleitor que saqueou os cofres do Rio durante oito anos. Também não podem ser atribuídos a ele a compra de apoio de partidos com dinheiro público e o desfalque bilionário na Petrobras.

Ele cumpre sua obrigação cívica a cada dois anos e pode eventualmente errar nas suas opções eleitorais, mas não erra de propósito. De um modo geral, o eleitor tem boa intenção, vota pensando no futuro, quer que seu candidato encontre soluções para os problemas da sua cidade, do seu estado e do Brasil. Ele pode ser desatento e deixar para a última hora a decisão sobre quem votar, mas quando vota está certo de que fez a escolha certa.

O eleitor pode ser manipulado, claro que pode. Ele é objeto de uma imensa carga de informações, muitas vezes falsas ou fraudulentas nas redes sociais. É certo que a abundância de fake news pode distorcer a vontade do eleitor. Neste caso, ele também não pode ser responsabilizado pelos atos dos que foram eleitos usando armas antiéticas e ilegais.

Como um consumidor qualquer, o eleitor é bombardeado por campanhas publicitárias que tentam vender a ele o melhor candidato. E isso é bom. Ele precisa mesmo saber quem são os candidatos, qual o cardápio disponível para decidir em quem votar.

Essas propagandas de candidaturas são legais e fiscalizadas pelos tribunais eleitorais. Mentira não pode. Acusações sem prova contra adversários também não são permitidas. Há punições aos faltosos que vão da perda do espaço publicitário gratuito até a sua desqualificação para o pleito.

A imprensa também está ao lado do eleitor e pode ser uma ferramenta muito útil para ele escolher melhor. Ela esclarece em tempo real cada lance das campanhas eleitorais. Buscar informação de qualidade com certeza ajuda, mas mesmo que o eleitor não faça isso, ele não poderá ser culpado dos crimes cometidos por quem elegeu.

Ninguém vai às urnas com a determinação de votar num corrupto.

A boa vontade do eleitor é explícita. Com raras exceções, não se compra mais o voto com dinheiro ou sapatos. O que o eleitor quer é Educação, Saúde, Segurança Pública. Em alguns casos, quer água potável na sua torneira, esgotamento sanitário adequado, recolhimento regular do lixo. Quer um governo que estimule a economia de modo que ele possa manter seu emprego ou encontrar um lugar no mercado de trabalho.

Claro que há eleitores que pensam que elegendo este ou aquele governante poderão se dar bem. Mas estes não contam e sozinhos não elegem ninguém. O eleitor é honesto, tem um bom coração e ama seu país. Algumas vezes é ingênuo. E, claro, todos sabem que honestidade e bons princípios são méritos admiráveis.

Foi o mesmo eleitor de bom coração que elegeu Lula em 2002 e Bolsonaro em 2018. Nos dois casos mudou o curso da História. Essa é sua responsabilidade e por ela deve ser cobrado. Se Lula e Bolsonaro perderam depois a sua confiança, a culpa é deles, não de quem os elegeu.

Os extremistas, embora barulhentos, são minoria. Em qualquer contexto que se os coloque, serão sempre minoria. O eleitor não foi às urnas em 2018 para eleger um fascista antidemocrático. Ele queria corrigir o que viu como um erro cometido anos antes. Deu no que deu, mas a culpa não é dele, que mais cedo ou mais tarde vai acabar corrigindo também esse erro.

Por fim, o Brasil tem a cara do seu povo, do seu eleitor. Viva o Brasil.

Rindo de quê?
O presidente riu, ontem, ao comentar com um apoiador na saída do Alvorada o afastamento do governador Witzel. Achou engraçado o envolvimento da mulher do governador num denunciado esquema de corrupção no Rio. O curioso é que Bolsonaro não ri quando o assunto é o depósito de R$ 89 mil feito por Queiroz na conta da sua mulher. Pelo contrário, pergunte isso a ele e veja como fica irado. E, cuidado, o valentão pode ameaçar dar uma porrada na sua boca. Ele também não acha graça das rachadinhas criminosas feitas ao longo de anos no gabinete do seu zero mais velho na Alerj.

De Silvinho a Jair
No século passado, um Fiat Elba derrubou um presidente. Foi este o modelo do carro que o ex-presidente Fernando Collor comprou com dinheiro do seu testa de ferro Paulo César Farias, o PC. A falcatrua foi revelada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno e com ela a CPI acabou carimbando o impeachment de Collor. Neste século, o carro da onda é o Land Rover. Há pouco mais de 15 anos, Silvio Pereira (o Silvinho), um assessor do então presidente Lula, foi presenteado com um veículo desse por uma empreiteira amiga. Dançou, claro. Agora, soube-se esta semana, apareceu um novo Land Rover na História política nacional, desta vez comprado por Jair Bolsonaro da enrolada ex-mulher do encrencado advogado Frederick Wassef. É bom ficar de olho aberto.

Gore de Deus
Nenhuma dúvida que Bolsonaro mais uma vez envergonhou os brasileiros ao convidar o ex-vice-presidente americano e ambientalista Al Gore para juntos explorarem a Amazônia. Na conversa mantida entre ambos em Davos, ocorrida em janeiro do ano passado e divulgada esta semana, o presidente do Brasil também disse que durante a ditadura combateu o falecido Alfredo Sirkis, velho amigo do americano. Mas, tudo bem, esse é o presidente que temos e que todo o mundo conhece. Estranho mesmo foi o ex-vice de Bill Clinton ter procurado Bolsonaro e falado de Sirkis e da Amazônia. Em que mundo Al Gore vive, meu Deus? Não é possível que ele não soubesse com quem estava lidando. Era fácil evitar o contato, bastava não atravessar a sala. E se atravessasse, poderia dar um breve alô a Bolsonaro e seguir em frente. Ou simplesmente ignorá-lo.

Legados e sequelas
Governos normalmente deixam legados. Alguns passam em branco, como o de Dilma Rousseff, mas é raro. Até Collor deixou uma herança positiva, foi a abertura da economia fechada dos tempos da ditadura e mantida assim na gestão de José Sarney. Deste, o legado foi a tolerância em favor da redemocratização em curso naquele tempo. Itamar e Fernando Henrique deixaram o Real. Lula abriu os cofres para os mais pobres. Temer foi um reformista. Já Bolsonaro, bom, não se pode atribuir a ele a reforma da Previdência, que foi obra do Congresso. Tampouco o seu programa de inclusão social pode ser a ele atribuído, trata-se de um “copia e cola” do petismo. Governos deixam legados, o de Bolsonaro por ora só deixou sequelas.

Nelson Rodrigues
A história de Flordelis e Anderson é digna de uma novela, a começar pelo nome da principal personagem da trama. O assassinato sozinho já daria um excelente roteiro. Imagine uma mulher executando o marido a tiros, com a ajuda de sete filhos e uma neta, depois de tentar algumas vezes matá-lo por envenenamento. Mas tem um detalhe sexual na história que aumenta a sua combustão. O morto era filho da Flordelis. E namorou uma irmã, antes de se amasiar com a mãe. O incrível é que ainda tem gente que acha Nelson Rodrigues exagerado.

Efeito positivo
As lojas de eletrodomésticos, físicas ou on-line, estão vivendo um boom nos negócios desde o início da pandemia. Não se trata de aumento de compras, porque não houve o impacto semelhante na indústria do setor. A explicação, segundo especialistas, é a forte retração do contrabando. Tanto os contrabandistas profissionais como os famosos sacoleiros estão de quarentena em casa. Por isso, não estão disponíveis no mercado eletrodomésticos comprados para lá da fronteira, sobretudo no Paraguai, e internalizados no Brasil ilegalmente. O volume das compras não aumentou, foi apenas concentrado no comércio formal.

Democracia sempre
Um grupo de cidadãos suíços e brasileiros vai lançar em Genebra, no dia 6 de setembro, um manifesto pela preservação das instituições democráticas no Brasil. Um dos idealizadores, o jornalista Jean-Jacques Fontaine, convidou seus colegas Fernando Gabeira, Reinaldo Azevedo e Jamil Chade para um debate on-line no dia do lançamento do manifesto.


Míriam Leitão: Águas do Rio e conflito federal

Até as águas do Rio Jordão sabem o que está se passando no Rio de Janeiro. Há uma guerra entre os que se banharam nas mesmas águas. O que levou Wilson Witzel do traço na intenção de voto ao Palácio Guanabara foi a onda bolsonarista. O mesmo discurso anticorrupção, o uso da religião, e a apologia das armas. Bolsonaro fazia o gesto da arma na mão, Witzel dizia que daria “tiro na cabecinha”. Bolsonaro passou pelo PSC, onde lançou sua pré-candidatura e foi batizado pelo Pastor Everaldo, Witzel foi eleito pelo PSC. Hoje os dois lados se acusam mutuamente. Witzel acha que está sendo perseguido pelo presidente, através do Ministério Público Federal, Bolsonaro acha que seus filhos são perseguidos por Witzel, através do MP estadual e da Polícia Civil.

A política do Rio de Janeiro tem água turva demais. Quatro governadores passaram pela prisão, um permanece entre grades e outro está em prisão domiciliar. A PGR chegou a pedir a preventiva de Wilson Witzel, o ministro do STJ Benedito Gonçalves apenas o afastou. De tarde, o ministro Alexandre de Moraes permitiu a continuidade do processo de impeachment, o que pode afastá-lo definitivamente do cargo. Bolsonaro já disse que “o Rio é o estado mais corrupto do Brasil”, mas foi onde fez a sua carreira, na qual jamais se mobilizou contra a corrupção. Fez sua vida política defendendo bandeiras corporativas das forças de segurança e emitindo sinais de simpatia à milícia. Com essas alavancas e usando o sentimento anticorrupção, foi mais longe do que qualquer outro do estado. Jair Bolsonaro é o primeiro político do Rio a ser eleito presidente da República. Antes dele, apenas Nilo Peçanha, o vice de Afonso Pena, ocupou a presidência, de 1909 a 1910, após a morte do titular.

O Rio vive a sua tragédia de cenas repetidas. “Nós nos sentíamos num túnel do tempo”, disse o procurador federal Eduardo El Hage, sobre o que pensaram os procuradores diante dos indícios do envolvimento do escritório de advocacia da primeira-dama na passagem do dinheiro de propina. O Rio está preso no túnel de um tempo circular que repete sempre as mesmas cenas.

Chega a ser bizarro ler como o governador mandou um email com o contrato do escritório de Helena Witzel com uma empresa que se comprometia a pagar valores mensais, e um grande adiantamento, à primeira-dama. “Observa-se que a primeira-dama, apesar de ser advogada e ser quem figurava como contratada, não participou diretamente do próprio contrato de prestação de serviços advocatícios”, diz a acusação. Além disso, não há sinal de serviços prestados.

Witzel tem muitas explicações a dar, mas Bolsonaro também deve respostas. Durante a campanha, o elo de ligação entre Bolsonaro e Witzel foi o senador Flávio Bolsonaro. Meses depois de ter sido eleito, o governador começou a indicar que sonhava com a cadeira de presidente. A um dirigente de empresa federal, logo no primeiro encontro, o governador contou que sua mulher falara da vontade de ter um apartamento na Zona Sul. E ele teria dito que ela deveria se acostumar a morar em palácios. Primeiro o Laranjeiras, depois o Alvorada. Histórias assim foram chegando a Brasília, até que o próprio governador admitiu que concorreria. Foi isso o que os separou.

Bolsonaro acusou Witzel de ter vazado investigações que estavam em segredo de justiça, do depoimento, depois desmentido, do porteiro do condomínio do presidente sobre o assassinato de Marielle. Acusou o governador de usar a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio contra seus filhos Flávio e Carlos. “Armaram há pouco tempo uma busca e apreensão na casa do meu filho Carlos, já com provas forjadas para jogar para cima dele, com dinheiro lá dentro, com armas, com drogas”, disse o presidente em uma transmissão ao vivo no dia 4 de janeiro, sem indicar a origem da informação.

Witzel, desde a primeira operação de busca e apreensão, culpa o presidente de o estar perseguindo; no começo, usando a Polícia Federal e ontem através da sub-procuradora Lindôra Araújo, que seria ligada a Flávio. O pastor Everaldo, que batizou Bolsonaro no Rio Jordão para atrair o eleitorado evangélico, foi ontem levado à prisão. O espetáculo exibido nesta sexta-feira pareceu ao cidadão do Estado do Rio um filme antigo. Com uma peculiaridade: é um faroeste sem mocinho.


El País: Afastamento de Witzel abre precedente contra qualquer chefe de Executivo, dizem governadores

Governista Gladson Cameli (Progressistas), do Acre, e comunista Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, afirmam que processo legal não foi respeitado com relação ao governador do Rio

Um governador bolsonarista e outro que faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro dizem que o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro pode gerar uma sequência de interrupções de mandatos em Executivos estaduais. Gladson Camelli (Progressistas), do Acre, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, entendem que a decisão monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça de afastar Witzel do cargo foi irregular e inconstitucional. Em entrevista ao EL PAÍS, ambos afirmaram que a decisão traz insegurança jurídica para todos os gestores. Nenhum dos dois analisou o mérito da questão, ou seja, se o governador fluminense cometeu ou não um crime.

Desde esta sexta-feira, Witzel está impedido de exercer o mandato para o qual foi eleito por uma decisão em caráter liminar proferida pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves. O governador é suspeito de participar de um amplo esquema de corrupção que envolveria principalmente a área da saúde, com desvios de recursos que seriam destinados ao combate à pandemia de covid-19, e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário. Em pronunciamento, ele negou as acusações e disse ser vítima de perseguição política.

O Ministério Público Federal pediu a prisão preventiva do governador, mas o ministro Gonçalves entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação. Os dois governadores consultados pela reportagem são experientes na política. Dino é ex-juiz federal, foi deputado e está em seu segundo mandato como governador. Já Cameli foi deputado por dois mandatos e senador por um. Está em sua primeira gestão no Acre.

Pergunta. Como avalia a decisão do ministro Benedito Gonçalves que retirou o ex-juiz Wilson Witzel do Governo do Rio por 180 dias?

Flávio Dino. Considero que há um procedimento específico, regrado na Constituição. Esse regramento específico diz que pode haver afastamento de um governador se houver o recebimento de uma ação penal por um colegiado do STJ ou a Assembleia Legislativa fazer processo de impeachment. Tem simetria com a situação do presidente da República. Isso ocorre em proteção ao governador, não? Em proteção ao princípio da soberania popular. Entendo que o devido processo legal não foi observado. Há um risco que implica que o princípio da soberania popular seja enfraquecido. Se um governador pode ser afastado por decisão liminar de apenas um juiz, por que não o presidente da República?

Gladson Camelli. Vejo um claro enfraquecimento da democracia. Parece-me que a Constituição Federal não tem sido cumprida em seu direito. Nós, gestores, temos de fazer um juramento, em respeito à Constituição. Temos de honrá-lo. Mas parece que outros órgãos não estão cumprindo essas regras como deveriam.

P. Qual o risco no futuro?Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados.

Dino. Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados. Esse é o problema das regras do jogo. Elas têm de ser cumpridas. Elas não são filigranas, não são enfeites, não são a cereja do bolo. As regras são o próprio bolo. Elas são a essência da democracia.

Cameli. A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar. Vivemos uma insegurança imensa. O que ocorreu com o Witzel pode ocorrer com todos nós governadores. Não estou discutindo se ele é culpado ou inocente. Mas a imagem que ficou perante a população é muito negativa.A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar.

P. Enxerga um rompimento entre a autonomia entre os poderes?

Dino. Umgovernador pode remover um juiz? Não pode. Ele pode escolher o presidente do Tribunal de Justiça? Não. Da Assembleia? Não. Pode definir quantas comissões existirão no Legislativo? Não. Porque se tem autonomia de cada poder. Se se admite essa modalidade decidida pelo ministro do STJ for admitida é como entender que o Executivo seria um subpoder, o que ele não é.

Cameli. Não quero aqui que o Executivo passe por cima do Judiciário ou de um ministro do STJ. Espero que o governador possa dar suas respostas. Mas o que tem sido feito não é adequado. Prende agora para soltar daqui um tempo. Afasta por uns dias, para depois devolver o poder. Qual imagem fica para a sociedade. A pandemia nos deu lições difíceis. Vou te dar um exemplo, cheguei em um ponto que tive de chamar os órgãos de controle para dentro do Governo do Estado. Eu não mando na iniciativa privada que fez um aumento abusivo de preços em máscaras, respiradores, equipamentos de proteção. Tive de falar para os órgãos de controle: vocês compram que eu pago.

P. Como mudar esse cenário e trazer mais segurança para os mandatários?

Dino. Para ficar claro: não estou defendendo os atos do governador Witzel. Não conheço o processo dele. O que eu defendo é que o devido processo legal tem de ser levado em conta. Temos de assegurar a proteção do pluralismo político, que está previsto em nossa constituição. Ele tem direito à ampla defesa. Temos de lembrar que são os meios que justificam os fins, não o contrário.

Cameli. Ele está só um ano e oito meses no cargo. Todos sabem que ele pegou um sistema vicioso que vem de muito tempo. Quem consegue derrubar uma situação dessas assim de um dia para o outro? Ele tem direito a se defender. E o processo legal deveria ser respeitado. Quando fui senador reclamei em várias ocasiões da falta de respeito às regras do jogo. É o que parece que vem ocorrendo agora.


El País: STJ manda afastar Witzel do Governo do Rio sob suspeita de corrupção em contratos

Operação nesta sexta-feira cumpre mandado de prisão do Pastor Everaldo, presidente do PSC, e faz buscas contra primeira-dama e presidente da Assembleia Legislativa

Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou nesta sexta-feira o afastamento do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo por 180 dias e autorizou diversos mandados de prisão e de busca e apreensão em endereços ligados às principais autoridades do Rio de Janeiro. A investigação é um desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos do Executivo fluminense na área da saúde e que mirou o governador em maio. Agora, a suspeita é a existência de um amplo esquema de corrupção que envolveria também outras áreas da administração e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário.

As medidas foram determinadas pelo ministro Benedito Gonçalves, que em decisão monocrática também proibiu o acesso de Witzel às dependências do Governo, com exceção do Palácio Laranjeiras, sua residência oficial, e vetou a comunicação dele com funcionários e a utilização dos serviços do Estado. O Ministério Público Federal chegou a pedir a prisão preventiva do governador, mas o ministro entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação.

Agentes da Polícia Federal cumprem mandados no Laranjeiras, no Palácio Guanabara, na residência do vice-governador e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, além de outros endereços no Estado. Entre os alvos das ordens de busca e apreensão estão a primeira-dama, Helena Witzel, o vice-governador, Cláudio Castro (PSC), e o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT). Há também 17 mandados de prisão, sendo seis preventivas (sem prazo) e 11 temporárias. Um dos alvos é Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido de Witzel, que foi detido nesta manhã.

A operação desta-sexta foi chamada de Tris in Idem, uma referência ao fato de se tratar do terceiro governador do Rio que se “utiliza de esquemas ilícitos para obter vantagens indevidas”, nas palavras dos procuradores. Os ex-mandatários Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB, estão presos em decorrência de investigações da Operação Lava Jato.

Witzel, que é ex-juiz, foi eleito em 2018 com um discurso anticorrupção e aliado ao bolsonarismo. Segundo a Procuradoria, porém, desde a sua vitória no pleito organizou-se no Governo um esquema criminoso dividido em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos. “Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais —a exemplo da Secretaria de Saúde— para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas”, dizem os investigadores em nota.

Em maio, Witzel foi alvo de uma operação que investigava um contrato emergencial assinado entre o Governo e a organização social Iabas no valor de 835 milhões de reais para construir e gerir sete hospitais de campanha para pacientes infectados com o coronavírus. De acordo com a Procuradoria, esse esquema de direcionamento de licitações era o principal mecanismo de atuação do grupo. Os investigadores apontam a existência de uma “caixinha de propina” abastecida pelas organizações e a cobrança de um percentual sobre pagamentos que abastecia mensalmente agentes políticos e servidores públicos da Secretaria da Saúde.

“O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”, destacou o ministro do STJ na sua decisão.

O esquema de desvios não se limitava ao Poder Executivo, segundo a investigação. Na Assembleia Legislativa, deputados estaduais são suspeitos de repassar sobras de duodécimos, percentuais recebidos por lei do Governo, para o tesouro estadual. “Dessa conta única, os valores dos duodécimos ’doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde eram repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”, detalha a Procuradoria.

No Judiciário, as organizações atuariam por meio do pagamento de dívidas trabalhistas judicializadas. Com a ajuda de um desembargador, segundo aponta a investigação, entidades pagavam honorários a uma advogada que, após obter as decisões favoráveis, repassava os valores para os participantes do esquema.

Denúncia

Em uma das frentes de investigação, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Witzel, a primeira-dama e outras sete pessoas, incluindo advogados e empresários. O objeto da investigação são os pagamentos de empresas ao escritório de advocacia de Helena Witzel, realizados supostamente a partir de contratos simulados para permitir a transferência de valores à família do governador. Foram denunciados os empresários Mário Peixoto, Alessandro Duarte, Cassiano Luiz; Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Witzel; João Marcos Borges Mattos, ex-subsecretário executivo de Educação; Gothardo Lopes Netto, ex-prefeito de Volta Redonda (RJ); e o contador Juan Elias Neves de Paula.

Outro lado

Em nota, a defesa do governador Wilson Witzel afirmou receber “com grande surpresa a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade”. Os advogados dizem que aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis.

Também em nota, o PSC declarou que o Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades, assim como o governador Wilson Witzel. Com a prisão de Everaldo, o ex-senador e ex-deputado Marcondes Gadelha, vice-presidente nacional, assume provisoriamente a presidência da legenda. O partido afirma ainda que o calendário eleitoral do partido nos municípios segue sem alteração.


El País: Fabrício Queiroz vai voltar para a cadeia, decide STJ

Ministro Félix Fischer revoga benefício concedido por presidente do Superior Tribunal de Justiça e determina retorno de ex-assessor do clã presidencial à prisão. Ordem também para mulher do ex-PM

A história do policial aposentado Fabrício Queiroz e dos constrangimentos que traz à família Bolsonaro parece cada vez mais longe de acabar. Detido em junho no âmbito das investigações sobre a prática de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Queiroz recebeu o benefício da prisão domiciliar no mês seguinte, quando o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, decidiu em liminar, durante o recesso judiciário, que a pandemia de coronavírus colocava em risco o aposentado. De quebra, estendeu o benefício também à sua mulher, Márcia Aguiar, então foragida. Nesta quinta-feira, contudo, o ex-assessor do clã presidencial ficou sabendo que deverá voltar para a cadeia, por determinação do ministro Félix Fischer ―a decisão também vale para Márcia Aguiar.

O inquérito sobre as suspeitas de que o hoje senador Flávio Bolsonaro recolhia parte do salário de funcionários fantasmas de seu gabinete na Alerj entre 2007 e 2018 corre em sigilo, mas os detalhes da trama protagonizada por Fabrício Queiroz não param de salpicar no noticiário. Na semana passada, a revista Crusoé revelou que uma conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu 27 cheques depositados pelo ex-assessor, num total de 89.000 reais. A informação contradiz versão apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro, segundo quem Queiroz havia feito apenas 10 depósitos de 4.000 reais cada para quitar uma dívida.PUBLICIDADE

Queiroz foi assessor do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, que aparece como “líder” de suposta organização criminosa no inquérito que leva o policial aposentado de volta para a cadeia. Nesta quinta-feira, o jornal O Globo trouxe mais detalhes sobre depoimento de Flávio ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), no qual o senador disse não se lembrar se fez pagamentos em espécie ao comprar dois apartamentos em Copacabana, em 2012. Para o MP-RJ, o dinheiro usado para as compras teria origem no esquema de rachadinha. O próprio O Globo já tinha revelado que usou 86.700 reais em dinheiro vivo na compra de 12 salas comerciais em 2008 ―quantia que ele diz ter pegado emprestado com seu pai e com um dos irmãos.

Desde a prisão do ex-assessor de seu filho, o presidente da República conteve sua atitude provocadora, que abastecia o noticiário diariamente com ofensas e ultrajes e mantinha o clima político do país em constante tensão. Bolsonaro tem evitado o assunto e, desde a primeira prisão de Queiroz, se limitou a dizer, durante uma de suas lives no Facebook, que a detenção do ex-assessor de seu filho foi “espetaculosa”, que “parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra”. O faz-tudo da família Bolsonaro foi detido em junho durante a Operação Anjo em um imóvel de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro, em Atibaia, no interior de São Paulo.

Próximos passos

A defesa de Queiroz disse receber “com surpresa” a decisão de Fischer, “sobretudo diante da desnecessidade da prisão de seus constituintes”. Em nota, os advogados disseram que já têm “adotado todas as medidas legais para a urgente reforma da decisão, mormente diante do risco concreto e real de dano à saúde, por pertencerem ambos [Queiroz e sua mulher] a grupo de risco agravado diante da pandemia.” A defesa do ex-assessor dos Bolsonaro também tem um pedido de habeas corpus pendente no Supremo Tribunal Federal (STF), onde pede a anulação das ordens restritivas. Quem vai julgar o recurso será o ministro Gilmar Mendes.

A determinação de Fischer pressiona a família Queiroz, especialmente porque agora Márcia Aguiar deve ir também para a cadeia. Há semanas se especula que, à diferença do ex-PM, que repete lealdade à família Bolsonaro, a mulher ou a filha, Nathália, também implicada nos repasses, poderiam decidir colaborar com a Justiça ou conceder entrevistas sobre o tema. O caso da rachadinha se arrasta desde 2018. Queiroz ainda não foi denunciado pela promotoria fluminense e há um debate jurídico em curso para decidir quem deve julgar Flávio Bolsonaro, se a primeira instância ou o segunda, já que o senador argumentar ter direito a foro privilegiado.


Miguel Reale Júnior: Os súditos do presidente

Há nexo de causalidade entre o mau exemplo de cima e a prepotência sobre o uso de máscara

A pandemia faz aflorar a sensação plena de nossas contingências e fragilidades. Integramos agora, independentemente de nossa origem, cor, condição social, sexo, religião ou time de futebol, uma mesma categoria: potenciais vítimas da covid-19.

Tal importa em visitar e praticar o valor solidariedade social, fruto da consciência viva de dependermos cada qual do outro. Assim, cooperamos com o nosso próximo, esperando que ele também colabore conosco, para, em irmandade, juntos, superarmos o inimigo comum.

A noção de planetário pertencimento à nova categoria de potenciais vítimas do vírus desfaz eventual sensação de ser o outro um inimigo, uma fonte de desgraça, pois todos somos, sem o querer, concomitantemente, destinatários ou transmissores do mal. Esta recém-experimentada condição, que nos retira de nossas atividades habituais, impõe a humildade de reconhecer que se deve aos demais a atenção de cuidados para protegê-los.

O pertencimento a uma situação geral perigosa deve unir, e não confrontar, fazendo surgir espírito comunitário, a ser vivido na rua, no prédio de moradia, no supermercado, nos ônibus, consistente no respeito à vida de todos, mesmo porque a proteção dos circunstantes também significa a defesa de si mesmo.

Todavia não é o que se está a verificar em parcela da nossa sociedade, ao negar o valor da solidariedade e se arvorar imune à peste, para por comodidade ou arrogância desrespeitar a vida alheia e não colaborar com o bem comum.

Já Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras, José Olympio editor, 1949, pág. 132 e seguinte), estudando a formação cultural do Brasil, anotava ser absolutamente nula a solidariedade social entre nós, havendo apenas pequenos traços de solidarismo local sem nenhuma significação geral, concluindo: “O brasileiro é fundamentalmente individualista”.

Há na rejeição ao uso da máscara recusa a se submeter a qualquer regulamentação, configurando uma regressão ao estado da natureza, em termos de Hobbes, ao se impor a própria vontade sem responsabilidade social e sem controle de si mesmo, a ponto de se permitir lesionar quem exige respeito às normas sanitárias.

Causa indignação um ex-presidente do Tribunal de Justiça e outro desembargador, do alto de sua prepotência, afrontarem a legítima regulamentação por decreto autorizado por lei federal, para se negar a usar máscara como o comum dos mortais. O que mais espanta, todavia, é a violência da reação ao se ser cobrado a cumprir a regulamentação e a regra moral da solidariedade. O desembargador, ao rasgar e jogar no chão a multa, ultrapassou a linha da contestação para atuar com agressividade.

Esta violência assusta ainda mais quando se verifica que pessoas comuns, sem nenhum desvio pregresso de conduta, reagem violentamente quando questionadas por estar sem máscara.

Podem ser colhidos diversos exemplos de norte a sul do País. Em Belo Horizonte, motorista de ônibus negou-se a transportar três pessoas sem máscara, que é obrigatória na capital mineira. Ainda tentou explicar não dever pôr em risco a vida de todos os passageiros, mas foi inútil: a mulher, ao descer, o estapeou-o no rosto (www.g1.globo.com/minas-gerais/noticia/20/07/20). .

Em Alagoas um cidadão repreendeu policial militar aposentado por não usar máscara. O policial derrubou-o, chutou-o e agrediu-o, mesmo deitado, gritando: “Usa máscara quem quer!”
(diariodopoder.com.br.brasil-e-regioes/alagoas/policial). Na cidade de Catalão, em Goiás, dono de bar idoso foi agredido e teve a perna quebrada por um cliente ao ser-lhe pedido que usasse máscara (www.noticias.uol.com.br/cotidiano/2020/06/29).

Mais outra: homem entrou sem máscara em supermercado em Vacaria (RS) e ao ser advertido pelo gerente, na discussão, esfaqueou-o (Estado, 21/6). Também na cidade de Registro, sul do Estado de São Paulo, policial foi agredido por empregados de loja após solicitar que usassem máscara. O policial lesionado disse ter sido “degradante a situação, pois queria a proteção deles e dos demais e por cobrar essa preocupação” foi agredido” (www.jornaldebrasilia.com.br/nahorah/policial). .

O que desencadeia essa violência de pessoas normais em face de simples pedido de respeito às normas sanitárias durante uma pandemia, obrigação óbvia como medida de solidariedade social?

Além do insolidarismo vigente em nossa cultura, “se farinha pouca, meu pirão primeiro” (Bezerra da Silva), há evidente nexo de causalidade entre o mau exemplo que vem de cima e o exercício prepotente e agressivo da população ao ser cobrada pelo não uso de máscara (oglobo//globo.com/sociedade/especialistas-explicam). Se o presidente da República profere o insolidário “E daí?” e vai a bar, barraca de cachorro quente, aglomeração contra o Congresso e o Supremo, sem máscara, cujo uso ridiculariza, com que autoridade se exige esse uso com ares de reprovação?

É uma vertente do “sabe com quem está falando?”. Está falando com um súdito do presidente.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


Ricardo Noblat: Se Queiroz foi solto pra evitar o vírus, outros presos também deveriam ser

Salvo engano, a lei é para todos

Sabe, a Justiça tem lá suas esquisitices. E os juízes, um elenco sempre renovado de motivos para, com base em leis existentes e levando-se em conta as circunstâncias, justificarem suas decisões por mais contraditórias que possam soar aos ouvidos dos cidadãos. Esses, no mais das vezes, a tudo assistem petrificados.

Antes de conceder habeas corpus a Fabrício Queiroz, parceiro de Flávio Bolsonaro em desvio de dinheiro público, porque na prisão ele correria o risco de contrair o coronavírus, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, pelo mesmo motivo, negou 7 outros pedidos de habeas corpus.

Um deles beneficiaria presos do Ceará que estão no grupo de risco da pandemia. Outro, um homem em São Paulo que teria apontado um canivete a um funcionário de uma padaria e saído do local com um energético que custava R$ 5,25. A polícia não encontrou o canivete. O tal homem não tem antecedentes criminais.

Noronha negou-se também a livrar da cadeia um homem acusado de roubo, outro acusado de receptação, um suspeito de tráfico de drogas, um homem acusado de traficar drogas e outro acusado de estupro. Ora, se Estado tem condições de promover o isolamento de presos do grupo de risco, faltou razão para libertar Queiroz.

A concessão do benefício a Queiroz se deu por meio de uma sentença considerada sigilosa, o que é raro. E o mais bizarro: o benefício alcançou Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz, que para escapar da prisão fugiu com a ajuda de milicianos do Rio. Noronha aguarda que ela apareça para cuidar do marido.

Um pedido de habeas corpus coletivo foi impetrado, ontem, no STJ em favor de todas as pessoas que apresentam um risco maior de contrair coronavírus e estejam em prisão preventiva. É assinado por 14 advogados do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. E diz assim a certa altura:

– Os fundamentos da concessão da ordem [que beneficiou Queiroz] assentam quase que exclusivamente na questão humanitária: o pertencimento a grupo de risco na pandemia de covid-19. […] Negar a presos em idêntica situação a mesma ordem é violar o direito à igualdade.

Como Noronha é o plantonista do STJ porque os demais ministros estão de férias, caberá a ele julgar o pedido. Se preferir, poderá esperar a volta dos seus pares e livrar-se de descascar sozinho o abacaxi. Afinal, sua missão foi cumprida e deixou feliz o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos.


Bernardo Mello Franco: Um amor correspondido

Em cerimônia no Planalto, Jair Bolsonaro abriu o coração para o ministro João Otávio de Noronha. “Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista”, desmanchou-se. O flerte foi correspondido. Fisgado pelo capitão, o presidente do STJ se tornou seu fiel escudeiro no Judiciário.

Noronha não nega fogo. Em fevereiro, ele derrubou decisões de duas instâncias que barravam a posse do chefe da Fundação Palmares. Em maio, repetiu o expediente para livrar Bolsonaro de apresentar exames médicos à imprensa.

Em junho, o jornal “O Estado de S. Paulo” informou que o ministro atendeu aos desejos do presidente em 87,5% dos pedidos ao tribunal. Ele prestou muitos favores, mas nenhum se compara ao de ontem: um habeas corpus salvador para Fabrício Queiroz.

Numa canetada no plantão judiciário, Noronha mandou soltar o faz-tudo da família Bolsonaro. Com isso, removeu a principal ameaça à sobrevivência política do governo. Preso, o ex-PM era pressionado pela família a negociar uma delação. Solto, manterá o silêncio que protege o clã presidencial.

Ao libertar Queiroz, o ministro citou a pandemia e o fato de o amigo do presidente ter operado um câncer. Deixou de mencionar vídeos e fotos que mostram o ex-PM dançando, tomando cerveja e fazendo churrasco enquanto se escondia da polícia.

A alegação de que Queiroz sofria ameaças de morte também foi providencialmente esquecida. Agora ele trocará um presídio de segurança máxima por um bairro dominado pelas milícias.

Noronha também concedeu prisão domiciliar à mulher do ex-PM. Márcia Aguiar está foragida desde o mês passado. Premiá-la com um habeas corpus é uma “aberração jurídica” que “envergonha” e “desmoraliza” o STJ, nas palavras de dois integrantes do tribunal.

Os galanteios de Bolsonaro podem ter seduzido o ministro, mas não explicam tanto carinho com o governo. Noronha é candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Como atingirá a idade-limite em 2021, depende do amor presidencial para chegar lá.


El País: Lula faz um ano na cadeia à espera do STJ e empenhado em controlar o PT

Recurso de ex-presidente deve ser analisado pelo tribunal em breve, com poucas possibilidades de soltura. Partido tenta reavivar o "Lula Livre" e adia eleição do comando da legenda para o segundo semestre

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa um ano neste domingo, 7 de abril, com o PT tentando reanimar a militância com atos pelo "Lula Livre" e adiando apenas para o segundo semestre a troca de poder na legenda, que ainda disputa espaço para se firmar como protagonista na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). O consenso no partido é o de que as condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos envolvendo o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia — 12 anos e 11 meses em ambos os casos — foram injustas e de que a prisão do ex-presidente é política. Na sigla, os atos pelo ex-presidente são uma forma não só de manter a pressão sobre o Judiciário como também de manter petistas e os movimentos sociais mais próximos unidos sob um rara bandeira comum.

Da cadeia em Curitiba, Lula acompanha as discussões no partido, cuja eleição interna adiada tem potencial para, pela primeira vez, não corresponder com a vontade do ex-presidente, que já demonstrou seu desejo em manter a deputada federal Gleisi Hoffman na liderança. Com Gleisi na presidência, a influência de Lula nas decisões do partido estariam garantidas. Ao EL PAÍS, a deputada diz que o ex-presidente recebe informes das reuniões do partido. "Ele é o nosso presidente de honra. É natural e importante que ele receba as informações.Quando eu posso, escrevo cartas, porque essas ele pode receber. Trato das reuniões dos diretórios, das reuniões que fazemos, das decisões que tomamos", contou Gleisi.

No plano legal, as esperanças de uma absolvição e soltura do petista são escassas. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Antonio Dias Toffoli, decidiu adiar o julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, que estava marcada para a quarta-feira dia 10 e teria repercussão no caso. Agora, residem no recurso levado pela defesa ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro tribunal superior que analisará a sentença em segunda instância do caso Triplex — o caso do sítio Atibaia só foi julgado em primeira instância. Tanto o STJ como o STF só analisaram até o momento pedidos de soltura do ex-presidente, mas não a condenação em si. Ainda não há uma data marcada para que a 5ª turma do STJ se reúna, mas a defesa espera que isso ocorra em breve. Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa pede e enfatiza no recurso a anulação do processo nas instâncias inferiores ou uma absolvição. Também apresenta argumentos auxiliares que poderiam levar a uma revisão do tamanho da pena — o que pode resultar, por exemplo, em prisão domiciliar — ou a prescrição do caso.

A defesa contesta as acusações e considera que não há provas suficientes de que a OAS presenteou o ex-presidente com um triplex no Guarujá como pagamento de propina por contratos na Petrobras. Apresenta ainda um leque de argumentos, como uma suposta falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro — hoje ministro da Justiça de Bolsonaro — ou a negativa de que uma prova pericial no processo fosse produzida. Segundo Zanin, a defesa também contesta a competência da Justiça Federal para tratar do caso com base em suas decisões do Supremo. A primeira, de 2015, resultou no fatiamento da Lava Jato e deixou nas mãos da força tarefa de Curitiba apenas os casos relativos a corrupção na Petrobras. A defesa acredita que o caso não tem relação com o escândalo envolvendo a petroleira, embora a sentença condenatória estabeleça uma relação entre os contratos entre empreitas e a Petrobras com o triplex reformado que a OAS teria repassado para Lula. A segunda e mais recente decisão do STF, por seis votos a cinco, determinou que cabe a Justiça Eleitoral julgar crimes comuns, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, conexos com delitos eleitorais de caixa 2.

"A jurisprudência do STJ é incompatível com a condenação do ex-presidente. Então, estamos pedindo que a Corte reafirme sua própria jurisprudência", explica Zanin ao EL PAÍS. O problema é que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Corte com base nos julgamentos de 69.000 recursos entre 2015 e 2017, apenas 0,62% dos casos julgados no STJ reverteram totalmente as decisões das instâncias inferiores e resultaram na absolvição do réu. A mesma pesquisa indicou que em 1,02% dos casos os ministros da 5ª e 6ª turma reverteram a pena de prisão por uma pena “restritiva de direitos”, como a prestação de serviços comunitários. Em 0,76% dos casos foi reconhecida a prescrição. Para Zanin, contudo, o caso do ex-presidente é peculiar. "Estamos vendo ao longo do tempo a ocorrência de diversas ilegalidades e abusos que precisam ser coibidos", diz ele, no momento que a o entorno de Lula se queixa da falta de recursos para tocar a própria defesa. Há bens e contas bancárias do ex-presidente bloqueados por ordem de Moro e, por isso, há ações que buscam arrecadar dinheiro para a causa. Nesta semana, um grupo de fotógrafos anunciou ter arrecadado mais de 600.000 reais leiloando fotos históricas do petista.

Um PT em busca de protagonismo

No campo político os obstáculos não são menores. O PT tem a maior bancada na Câmara, com 55 deputados — um a mais que o PSL de Bolsonaro —, e é a maior força de oposição ao Governo. Mas, por ora, continua apostando suas energias na campanha pelo "Lula Livre" enquanto que as pesquisas indicam uma cristalização do apoio popular à prisão do ex-presidente — segundo o Atlas Político, cerca de 57,9% do eleitorado. "O partido ficou muito preso a isso. Não sei se dentro do partido existe consenso sobre o que fazer. Enquanto isso, o 'Lula Livre' dá certa unidade de ação para a máquina partidária. É algo que mantém todos unidos", explica o sociólogo Celso Rocha de Barros.

Para ele, a "atualização" do PT ainda depende de como o Governo Bolsonaro, que completa cem dias nesta semana com a popularidade em queda, vai se sair. Ainda assim, ele chama atenção para o fato de que, embora numericamente maior, é mais comum ver lideranças de outros partidos progressistas, como os deputados Alessandro Molon (PSB), Tabata Amaral (PDT) ou Marcelo Freixo (PSOL), na linha de frente da oposição. "O partido ainda não assumiu uma liderança lá dentro, porque está preso a essas questões", explica. Em jogo está também uma disputa também no campo progressista pela hegemonia, ocupada pelo PT há 30 anos.  "Se eles querem substituir o PT, precisam atrair as pessoas que gostam o PT. O Ciro Gomes, por exemplo, pela suas declarações e posturas, acaba sendo antipático para os eleitores PT. Além disso, essas pessoas foram coadjuvantes durante muito tempo e não precisaram se posicionar sobre questões econômicas e políticas de governo. Isso ficava na conta do PT", pondera Rocha de Barros. "No mínimo", explica ele, "a competição vai fazer bem e vai obrigar os petistas a se mexerem".

Essa renovação depende também da liderança do partido, hoje nas mãos de Gleisi Hoffmann, apesar das ressalvas de alguns petistas. A política paranaense é considerada uma das responsáveis por manter como prioridade do partido a pauta do "Lula Livre", enquanto há pouco debate sobre renovação partidária e outras questões programáticas a um ano e meio das eleições municipais. "Nós consideramos o Lula um preso político. Lula é a grande liderança política e popular desse Brasil. Depois dele não surgiu mais ninguém com essa envergadura, com essa grandeza, com esse poder de mobilização", reafirma Gleisi.


Plantonista não poderia ter decidido o caso de Lula, diz STJ

Ao negar HC em favor do ex-presidente, Laurita Vaz, presidente da Corte, diz que decisão de Rogério Favreto causa ‘perplexidade e intolerável insegurança jurídica’

Amanda Pupo, do O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - Em resposta à confusão jurídica de domingo, a presidente do STJ, Laurita Vaz, decidiu que o desembargador Rogério Favreto, plantonista do TRF-4, não é competente para julgar o caso do ex-presidente Lula. Favreto concedeu liberdade ao petista. A decisão foi revogada pelo presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores.

A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, deu ontem uma resposta à confusão jurídica no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e decidiu que o desembargador Rogério Favreto não é competente para julgar o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato. No plantão no TRF-4, Favreto concedeu no domingo liberdade ao petista, decisão que, após 10 horas e meia de impasse, foi derrubada pelo presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores.

Para Laurita, o despacho do desembargador plantonista causa “perplexidade e intolerável insegurança jurídica” e foi dado por alguém “manifestamente incompetente, em situação precária de plantão Judiciário”. O entendimento foi firmado em decisão na qual a ministra negou um dos vários pedidos de habeas corpus apresentados ao STJ por advogados – que não fazem parte da defesa do petista – contra a determinação de Thompson Flores.

A presidente da Corte classifica como “tumulto processual sem precedentes na história do direito brasileiro” a decisão de Favreto, que foi filiado ao PT por 20 anos e é crítico à atuação da Lava Jato. O desembargador recebeu o pedido de habeas corpus em favor de Lula às 19h32 da sexta-feira passada e concedeu a liminar por volta das 9h do domingo. O desembargador teve a decisão contestada pelo juiz da 1.ª instância Sérgio Moro e pelo relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto.

Segundo Laurita, a determinação de Favreto “forçou” a reabertura de discussão encerrada em instâncias superiores. O caso já passou pelo TRF-4 e pelas Cortes Superiores. Em março, a Quinta Turma do STJ rejeitou por unanimidade um habeas corpus do petista. No mês seguinte, o plenário do Supremo Tribunal Federal negou, por 6 votos a 5, um pedido preventivo de liberdade de Lula.

A presidente do STJ destacou ainda que o desembargador plantonista “insistiu em manter sua decisão”. “Diante dessa esdrúxula situação processual, coube ao juízo federal de primeira instância, com oportuna precaução, consultar o presidente do seu Tribunal se cumpriria a anterior ordem de prisão ou se acataria a superveniente decisão teratológica de soltura”, diz Laurita no despacho.

Para conceder a liberdade a Lula, Favreto usou como argumento a “notória condição” do petista como pré-candidato à Presidência da República. O pedido foi assinado pelos deputados petistas Wadih Damous (RJ), Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS), e não pelos advogados de defesa.

“É óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário”, afirmou a presidente do STJ.

Ao observar que o pedido de liberdade feito à Corte foi apresentado por pessoas que não constituem a defesa técnica de Lula, Laurita ainda pede que os advogados do ex-presidente se manifestem, em cinco dias. Até a conclusão desta edição, a ministra não havia analisado o pedido da Procuradoria-Geral da República para que o STJ declare sua competência para decidir sobre os pedidos de liberdade do petista.

A assessoria do TRF-4 informou ontem que Favreto não se manifestou sobre a decisão da presidente do STJ.

Supremo. O conflito de decisões entre os desembargadores do TRF-4 também intensificou a pressão no Supremo para que o plenário julgue definitivamente as ações que tratam da prisão após condenação em segunda instância. O episódio no TRF-4 foi visto como um reflexo da divisão interna da Corte sobre o tema. A revisão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, como é o caso de Lula, é encarada como uma das saídas para o petista conseguir sua liberdade.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, resiste a pautar os processos. Com isso, integrantes da Corte desfavoráveis à prisão após condenação em segunda instância esperam que o ministro Dias Toffoli marque a data de julgamento quando assumir a presidência do STF, em setembro.
Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo à


Ruy Fabiano: A institucionalização do crime

Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes
Há uma conexão mais que simbólica entre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), esta semana, no Rio, e o assédio implacável (e imoral) do PT ao Supremo Tribunal Federal, para garantir a impunidade de Lula. O elo é a institucionalização do crime.
Mais que organizado, está institucionalizado. Capturou o Estado brasileiro – e o Rio não é fato isolado, senão regra geral.
Esse é o fenômeno que marca – e desfigura – a política brasileira dos últimos anos, sobretudo após a Era PT (embora a preceda). A legislação penal foi sendo, ao longo das duas últimas décadas, gradual e continuamente abrandada, a ponto de se tornar uma garantia para o infrator – e um obstáculo a quem o combate.
E é essa retaguarda jurídica às avessas que dificulta (ou mesmo impede) a ação repressora à criminalidade.
O crime está no comando e age com desenvoltura – tanto em sua versão selvagem, que vitimou Marielle e seu motorista, como em sua versão engravatada, exposta pela Lava Jato.
Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes (os poucos que ousam enfrentá-los), desafiam a lei, ameaçam a ordem pública com suas milícias (o “exército do Stédile”), na certeza de que não serão molestados.
E não são: parte da Justiça se intimida e outra (mais restrita, mas mais influente) se alia à causa.
Até a ONU está sendo envolvida na manobra. Quarta-feira passada, 20 ONGs, brasileiras e estrangeiras, falando em nome do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alertaram para o “risco” da exclusão de Lula das próximas eleições. Risco para quem? Para os juízes que cumpriram a lei? Não ficou claro.
Lula foi condenado por crimes comuns – lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ocultação de patrimônio – e é réu em mais seis processos equivalentes, um dos quais trata do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002.
Mas as tais ONGs postulam para o ex-presidente o Código Eleitoral e não o Penal; deveria, segundo elas, ser julgado pelas urnas (que, a propósito, estão também sob suspeita).
A presidente do STF, Carmem Lúcia sofre assédio de colegas e ex-colegas para que revogue a jurisprudência da prisão em segundo grau, já confirmada por três vezes por aquela Corte.
Carmem se recusa a reabrir o tema para “não apequenar” a instituição. Mas quem está preocupado com isso? O crime institucionalizado quer resultados. Sentindo-se acuado – e o destino de Lula pode determinar o seu -, parte para o jogo bruto.
Há dias, um grupo de parlamentares petistas, sem autorização, invadiu o gabinete de Carmem Lúcia para pressioná-la a ceder. Como não cedeu, teve o troco: no site do partido, foi acusada de ter adquirido sua casa de um doleiro investigado. Jogo pesado.
Com a desenvoltura que adquiriu, o lobby do crime institucionalizado perdeu a compostura. Se age assim no tapetão, nas ruas há o adicional da pólvora, que impõe suas teses a bala.
A vereadora Marielle não foi a única vítima dos criminosos naquela quarta-feira; muitos outros, dentro do cotidiano macabro da cidade, tiveram o mesmo destino.
Mas, por ser um símbolo ideológico da tragédia carioca, teve sua morte reverberada internacionalmente e seu velório transfigurado em comício, cujos oradores, indignados, defenderam (como ela própria o fazia) a manutenção do status quo que a vitimou.
* Ruy Fabiano é jornalista