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Roberto Freire: O esperneio próprio de um condenado

A decisão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que por 5 votos a 0 rechaçou a concessão de um habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula para evitar o possível cumprimento de um pedido de prisão, impõe uma nova derrota ao petista no âmbito jurídico e deixa a sua situação ainda mais delicada. Com esse resultado, que se soma à condenação inicial imposta pelo juiz Sergio Moro em primeira instância e à manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre, corroborando a sentença também de forma unânime e, inclusive, ampliando a pena para 12 anos e 1 mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é evidente que a prisão do chefe do PT se torna iminente.

Tão logo foi encerrado o julgamento no STJ, Lula se manifestou com a habitual desfaçatez e voltou a desqualificar o Judiciário. Em suas palavras, caso inicie o cumprimento da sentença na cadeia, ele poderá ser qualificado como um “preso político” supostamente perseguido por um regime de exceção. Trata-se, evidentemente, de uma estultice, um delírio, uma afirmação desprovida de qualquer sentido. Assim como outros próceres do PT que cometeram crimes capitulados no Código Penal – e que nada têm a ver com a política –, Lula é um criminoso condenado como tantos que há pelo país. Será, portanto, não um preso político, mas, no caso, um político preso.

Em um voto lapidar que balizou os demais integrantes da Quinta Turma do STJ, o ministro Felix Fisher, relator do processo na Corte, foi categórico ao afirmar que a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância sempre foi um entendimento pacificado na Justiça brasileira desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009 – e novamente a partir de fevereiro de 2016, em consonância com uma visão mais moderna do Direito penal e de acordo com aquilo que se pratica nas legislações das democracias mais avançadas do mundo. Textualmente, apontou o ministro: “O que se denota [...] é que em diversas oportunidades antes e depois dos precedentes mencionados, as Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmaram e reafirmaram que o princípio da presunção de inocência não inibiria a execução provisória da pena imposta, ainda que pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário”. A recente decisão do STF sobre o tema, tomada há menos de dois anos, não deixa margem para dúvidas.

É evidente que se trata de uma importante discussão na seara jurídica a respeito da interpretação do texto constitucional. De qualquer forma, se a Suprema Corte do país mudar o seu entendimento neste momento, transmitirá um péssimo sinal para a sociedade, em um indisfarçável casuísmo destinado unicamente a beneficiar um criminoso condenado. Seria inadmissível. Ninguém pode estar acima da lei.

É importante lembrarmos que o Poder Judiciário não sofre nenhum tipo de controle externo, ao contrário do Executivo e do Legislativo – submetidos periodicamente ao crivo popular por meio de eleições livres e diretas. A legitimidade da Justiça está sedimentada, fundamentalmente, no respeito e na obediência da sociedade às decisões dos tribunais. Saibam os ministros do Supremo que a credibilidade de que ainda gozam será duramente comprometida caso a Corte mude uma decisão que ela própria tomou anteriormente e acabe livrando Lula da cadeia.

Como se não bastasse todo o ativismo de alguns ministros da Suprema Corte, com descabidas declarações fora dos autos que têm gerado problemas para o próprio tribunal, agora o STF se vê claramente pressionado pelas forças ligadas ao lulopetismo para que mude uma decisão tomada pela maioria do plenário. Se isso de fato ocorrer, o Judiciário pode sofrer um descrédito muito grande junto à opinião pública.

Sabemos que Lula está fora do processo eleitoral de 2018 – e esta é a única certeza possível sobre as próximas eleições – em função da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, aprovada no Congresso Nacional com o apoio enfático de todas as forças políticas e que foi sancionada, por incrível que pareça, por Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo essa legislação, em caso de condenação por um tribunal colegiado, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições. Quanto a isso, já não havia nenhuma dúvida. Agora, é preciso que Lula cumpra a pena à qual foi condenado duplamente, em primeiro e segundo graus, e comece a responder por seus crimes na prisão.

Suponhamos que um juiz, de forma isolada, em determinado momento possa até se equivocar e cometer uma injustiça na sentença. Entretanto, o que se tem até o momento no caso de Lula é um placar agregado de 9 a 0 contra o petista – contando as decisões do juiz Moro, dos três desembargadores do TRF-4 e dos cinco ministros da Quinta Turma do STJ. Todos se manifestaram contra as alegações apresentadas pelo ex-presidente.

Como todo cidadão brasileiro, Lula tem o direito ao esperneio e pode reclamar da decisão imposta pela Justiça. O que não se pode admitir é o Judiciário optar pelo tortuoso caminho do casuísmo para beneficiar o petista, como se ele merecesse um tratamento diferenciado. Estamos falando sobre um corrupto condenado. Um criminoso comum que deve responder por seus crimes. Que se cumpra a lei.

 


Merval Pereira: A responsabilidade de cada um

O ex-presidente Lula, ao gravar um vídeo após a derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmando que os que o levarem à prisão terão que assumir a responsabilidade de condenar um inocente, que passaria a ser um preso político, definiu com clareza o espaço em que os diversos atores envolvidos nesta trama se movimentam.

Trata-se de cada um assumir sua responsabilidade, a começar por ele próprio, que, como a maioria esmagadora dos condenados, alega inocência mesmo depois de ter sido condenado duas vezes e quer tirar proveito político da situação.
Também os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm diante de si a responsabilidade de levar a mais alta Corte do país a mudar sua jurisprudência apenas um ano depois de tê-lo feito em sentido inverso. Após a unanimidade do STJ, quando foi destacado que a tese da prisão em segunda instância torna nosso sistema penal mais eficaz, evitando a impunidade, uma mudança de jurisprudência para atender a um caso específico do ex-presidente Lula transformaria o Supremo em um tribunal sujeito a injunções da política do momento.
Por isso, já existe um entendimento tácito no Supremo Tribunal Federal de que a decisão da presidente, ministra Cármen Lúcia, de não colocar na pauta processos relativos à prisão após condenação em segunda instância não será confrontada pelos ministros que têm condições de levar o tema à pauta.

Um deles seria o ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) liberadas para pauta por ele desde dezembro: uma do Partido Ecológico Nacional (PEN), outra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedem a suspensão da execução antecipada da pena após decisão em segunda instância.
O Supremo ainda não analisou o mérito dessas ações, mas o ministro já anunciou que não constrangerá a presidente com pedido para colocar o assunto em pauta. O outro é o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, que já negou liminar a um habeas corpus preventivo a favor de Lula e encaminhou o caso ao plenário para análise do mérito.
Ontem, Fachin esteve com a ministra Cármen Lúcia e também não se dispõe a pressioná-la. Além do mais, mesmo os ministros que são a favor da mudança da jurisprudência para considerar a prisão apenas depois de uma decisão do STJ, não querem tratar do caso específico de Lula.
Mas se as ADCs forem pautadas, a tendência do Supremo seria alterar mais uma vez a jurisprudência, mas tratando da tese em abstrato, o que deixaria em posição menos incômoda ministros que não querem ser identificados como movidos pelo objetivo de não deixar Lula ser preso.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que manteve a condenação do ex-presidente pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, julgará ainda este mês os últimos recursos. O ministro Victor Laus, que entrou em férias em 21 de fevereiro, já estará de volta para completar o quadro de desembargadores que analisará os embargos de declaração. Depois disso, não havendo mudança na posição oficial do STF, a execução antecipada da pena será decretada.
Caberá à defesa do ex-presidente impetrar no STF um novo habeas corpus para tentar livrar Lula da cadeia, mas como a regra em vigor é essa, apenas uma decisão liminar monocrática de um ministro poderá beneficiar Lula. Essa será outra responsabilidade que o ministro Edson Fachin terá de assumir, mas ele, até agora, negou sistematicamente habeas corpus contra a prisão em segunda instância.
O máximo que pode acontecer é que, definida a prisão e recusada a liminar, a Segunda Turma, conhecida como “Jardim do Éden” por sua benevolência e formada pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, dê o habeas corpus a Lula, possivelmente com restrições como prisão domiciliar ou tornozeleira eletrônica.

Merval Pereira: Justiça eficiente

Trata-se de tornar a aplicação da lei penal efetiva, encerrando ciclo de impunidade. A recusa por unanimidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em conceder habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, além de todas as implicações colaterais, tem um significado fundamental para a nossa ordem jurídica, que foi muito bem abordado pelo ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas em seu voto.

Os cinco ministros que votaram contra a pretensão da defesa do ex-presidente destacaram que a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância deve ser a regra, pois decisões pessoais de ministros contrários à orientação não têm poder vinculante.

Os aspectos técnicos da questão foram muito bem analisados em seus diversos matizes, e vários deles salientaram a necessidade de se ter uma jurisprudência que permita segurança jurídica, que não seja alterada ao sabor dos acontecimentos. Mas o ministro Ribeiro Dantas foi o que mais se dedicou a ressaltar a importância da prisão em segunda instância para a efetividade de nosso sistema penal, tratando a decisão do Supremo Tribunal Federal como um ponto fundamental para dar eficácia ao nosso sistema jurídico.

Retornando à interpretação que sempre dera ao tema até 2009, salientou o ministro, “a Corte Suprema, certa ou erradamente, pretendeu equilibrar o princípio constitucional da amplitude da defesa e do devido processo legal, num sistema judicial como o nosso — de até quatro instâncias! —, com os da eficácia da aplicação da lei penal e da razoabilidade da duração do processo, que decerto não pode considerar só seus aspectos de conhecimento, mas também abrange sua execução”.

Na verdade, é disso que se trata neste momento crucial da vida nacional: tornar a aplicação da lei penal efetiva, encerrando um longo ciclo de impunidade dos crimes de corrupção de colarinho-branco que prevaleceu com as possibilidades recursais infinitas.

A tentativa de revisão da decisão do STF sobre prisão em segunda instância tem uma consequência imediata sobre a Operação Lava-Jato, aqui entendida em todos os seus desdobramentos pelo país. Foi a partir da retomada da jurisprudência anterior a 2009, acatada até mesmo pela Constituição de 1988, que se abriu caminho para a efetividade das delações premiadas, que mudaram o panorama das investigações criminais no país.

Para o ministro do STJ, ao dizer que não se faz necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória para que se pudesse começar a executar a pena privativa de liberdade, o Supremo descolou a presunção constitucional da inocência (ou não culpabilidade, como preferem alguns) da problemática da execução penal.

Referindo-se indiretamente ao caso concreto do ex-presidente Lula, o ministro Ribeiro Dantas ponderou que questões metajurídicas e metaprocessuais relevantes não são suficientes para promover “um tratamento diferenciado afrontoso à cidadania”. Ele relembrou que, em sua sabatina para entrar no STJ, defendeu que a prisão, após a condenação em segunda instância, é razoável como uma forma de cumprir a Constituição e, ao mesmo tempo, dar eficácia à aplicação do Direito Penal.

A interpretação literal que o Supremo Tribunal Federal não fazia antes e começou a fazer em 2009 “estava deixando o Direito Penal no Brasil praticamente sem efetividade para todos aqueles que conseguissem trazer as causas para as instâncias superiores, porque o trânsito em julgado se daria em um prazo tão delongado que, em muitas situações, ocorreria a prescrição ou a nunca aplicação da pena. Há muitos casos de réus que foram processadas durante décadas e morreram sem ter sofrido as sanções que mereciam”.

E é uma interpretação razoável, porque o cumprimento da prisão é daquele que tem responsabilidade, o que, em princípio, prova-se nas instâncias onde a prova é analisada, na primeira e na segunda instâncias, nas instâncias ordinárias. Ademais, salientou o ministro Ribeiro Dantas, os recursos especial e extraordinário não se destinam precipuamente a proteger o direito subjetivo da parte, eles se destinam a proteger o direito objetivo: no caso do recurso especial, a lei federal; no caso do recurso extraordinário, a norma constitucional.
O ministro do STJ definiu assim a missão dos que compõem o sistema judicial brasileiro: “tentar o difícil ou o quase impossível equilíbrio entre garantir os direitos do réu e também os da sociedade, porque esse cumprimento provisório da pena é duro, é difícil, porém necessário para reverter a situação de impunidade que vivíamos.”

É isso que está em jogo neste momento, não permitir a volta de um sistema penal que favorece a impunidade dos que têm poder aquisitivo para prolongar os processos nos tribunais superiores.

 


Merval Pereira: Justiça em xeque

O que está em jogo nos vários julgamentos que se seguirão ao de hoje no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que têm como pano de fundo a possibilidade de início do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância, é a lógica interna do nosso sistema judicial, que está sendo confrontada pela defesa do ex-presidente Lula. O STF mudar o entendimento sobre essa matéria, forçado pela situação política atual, é declarar que nosso sistema de Justiça não resiste a pressões externas.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, resiste em colocar o tema em pauta, pois não vê razão para revisitar o assunto apenas um ano depois da última decisão. O habeas corpus que está no Supremo ficará superado hoje, depois do julgamento do STJ. A defesa do ex-presidente terá que enviar novo pedido, ao mesmo tempo em que os prazos do TRF-4 correm para a decretação da prisão do ex-presidente Lula.

Pela votação de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a jurisprudência que vigorava até 2009, quando os recursos especiais ao STJ e os recursos extraordinários ao STF não tinham efeito suspensivo. Ao julgar o habeas corpus 84.078 em 2009, seguindo o voto do então ministro Eros Grau, a maioria decidiu, porém, que a Constituição não autorizava a execução da pena antes do trânsito em julgado do processo, pois violaria o princípio da não culpabilidade. Com a mudança na composição e a revisão de voto do ministro Gilmar Mendes, em 2016, a maioria no plenário votou pela retomada da jurisprudência anterior a 2009. Agora, quer-se mudar novamente o entendimento, talvez criando uma estação intermediária no STJ para o início do cumprimento da pena.

A posição mais coerente, além da daqueles ministros que mantiveram seus votos durante todo esse período, de um lado e de outro, é a da ministra Rosa Weber, que não integrava o STF em 2009. Ela chamou a atenção de que a jurisprudência da Corte mudaria em razão da alteração na sua composição, e votou pela manutenção da jurisprudência recente do Supremo, a favor do trânsito em julgado. Mesmo derrotada, ela tem votado sistematicamente pela prisão em segunda instância, seguindo a maioria formada contra sua posição.

Já o ministro aposentado Eros Grau, que liderou a mudança a favor do trânsito em julgado em 2009, recentemente deu uma declaração que tem seu peso político justamente por ser ele o autor: disse que, do jeito que as coisas estão se revelando, hoje ele seria a favor da prisão depois da condenação já em primeira instância, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

Mesmo não interferindo diretamente na votação do plenário, a opinião de Eros Grau mostra como a questão é controversa e, mais que isso, como é perigoso o STF mudar de posição ao sabor dos acontecimentos políticos. O julgamento de hoje do STJ deve confirmar a decisão liminar de recusar o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, pois o STJ tem seguido a orientação do Supremo desde que a maioria a favor da prisão em segunda instância foi formada.

O ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, advogado de Lula, defenderá a tese de que a prisão em segunda instância foi autorizada, mas não é obrigatória, o que é verdade. A votação ocorreu na análise de um “Agravo em Recurso Extraordinário” (ARE), que tem “repercussão geral”, mas não “efeito vinculante”, que tornaria a decisão obrigatória. Mas como orientação a todas as instâncias da Justiça, a prisão em segunda instância hoje é a regra, e conceder o habeas corpus contra ela é que se tornou a exceção, tanto que a vasta maioria dos habeas corpus tem sido negada.

A negação da prisão em segunda instância espelha bem a posição escolhida pela defesa do ex-presidente Lula de confrontar as decisões estabelecidas pelo sistema de Justiça. Nos embargos de declaração, por exemplo, em vez de esclarecer pontos específicos (apenas em dois casos fez isso, e o Ministério Público acatou), a defesa apontou 38 omissões, 16 contradições e cinco obscuridades que, segundo o Ministério Público, já foram analisadas profundamente no acórdão, o que retrataria mais o inconformismo com a decisão dos desembargadores do TRF-4, que não pode ser mudada por meio dos embargos declaratórios.

O procurador Maurício Gerun ressaltou que o acórdão dos desembargadores é claro ao analisar a posição política que Lula ocupava, e as provas foram consideradas em conjunto e ganharam credibilidade pela harmonia entre elas. O procurador disse ainda que o projeto de poder passou ao largo da normalidade democrática, com “obtenção de um Parlamento servil a partir dos valores milionários distribuídos”, o que justificou o agravamento da pena.

O próprio Lula vocalizou essa posição de confronto ao afirmar em entrevista a Mônica Bergamo, da “Folha de S. Paulo”: “Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça. E acredito que essas pessoas, o juiz Sergio Moro e os desembargadores, mereciam ser exoneradas a bem do serviço público”. Tais declarações expressam claramente uma tentativa de perturbar a instrução processual, e podem ser motivo para a decretação da prisão preventiva do ex-presidente pelo TRF-4.

 


Gaudêncio Torquato: A vitimização de Lula

Lula vai vestir por inteiro a fantasia de perseguido por um juiz que, para ele, deveria “ser exonerado a bem do serviço público”.

A taxa de racionalidade no processo decisório da sociedade tem se expandido na esteira da contrariedade contra os políticos. Pesquisas mostram uma expressão dura – chegando ao baixo calão – por parte de grupos de todas as idades e classes. Impressiona o alto índice de votos em “nenhum” candidato nos pleitos estaduais. A indignação até pode indicar “emoção” nas respostas, mas o fato é que o voto sai cada vez mais do coração para subir à cabeça. O eleitor quer decidir de maneira autônoma, livre de ondas emotivas.

Vejamos o caso de Lula. Em entrevista ao jornal FSP (01/03/2017), diz que sua condenação pelo juiz Sérgio Moro e pela 2ª Instância produzirá uma vítima “desnecessária”. Lula vai vestir por inteiro a fantasia de perseguido por um juiz que, para ele, deveria “ser exonerado a bem do serviço público”. O cenário com o petista condenado está desenhado. O povo não foi chamado a ir às ruas, disse, mas poderá fazê-lo, o que criaria imensa balbúrdia pelo fato de que pode “ganhar até no primeiro turno”.

Luiz Inácio é, sem dúvida, um líder carismático. Escolhe o discurso adequado aos momentos, usa o timbre rouco de voz, movimenta-se no palanque como nenhum outro para gerar empatia com plateias. Essa é a síntese do que se tem dito sobre as qualidades de Lula, também conhecido por “esponja” e “teflon”, pois absorve tudo (números, informações, contexto) sem deixar que nada negativo cole nele. Há, porém, uma dúvida a ser respondida ao longo do ano: essa é a moldura atual ou uma fotografia antiga?

A verdade é que o PT e seus líderes não são mais pregoeiros da verdade. Desde o mensalão, descem a ladeira do precipício. José Dirceu, preso, vê seus bens indo a leilão; João Vaccari, ex-tesoureiro, continua preso; o ex-poderoso ministro Palocci está preso e, segundo Lula, “quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo que se apoderou” (sobre seu ex-braço direito). O próprio ex-presidente tem seu nome envolvido diariamente na fogueira da Lava Jato. Será que nada cola nele? Ou será que o petismo ainda acredita ser o partido ético, revolucionário e distante da roubalheira na Petrobrás? Seria uma conspiração norte-americana para se apropriar do nosso petróleo? É o que garante Lula, quando diz que interessa a eles “o fim da lei que regula o petróleo”.

É fato que o ex-metalúrgico é líder nas pesquisas. A campanha nem começou, mas ele e Bolsonaro já iniciaram sua perambulação eleitoral. Pouco provável que mantenham os bons índices ante o bombardeio que virá. Mas as ruas poderão ser inundadas com bandeiras vermelhas se houver barreira à candidatura de seu ícone. Que poderá tentar acender o pavio de fogueiras nos Estados. Atenção: o carisma não é uma fonte inesgotável. Pode ser corroído pela rotina de escândalos.

O Brasil está mudando.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 


Merval Pereira: Semana decisiva

A próxima semana será um marco na definição de parâmetros jurídicos do julgamento do ex-presidente Lula. Na terça-feira, dia 6, o TRF-4 receberá a resposta do Ministério Público sobre os embargos de declaração da defesa de Lula, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará o pedido de habeas corpus para impedir que o ex-presidente seja preso se confirmada a condenação em segunda instância.

Como o STJ segue à risca a orientação do STF de que execução provisória da pena deve começar depois de a prisão em segunda instância, é improvável que a Turma não siga a decisão do relator Felix Fischer de negar o habeas corpus. No mesmo processo, a defesa de Lula pede que o STJ anule sua inelegibilidade em decorrência da Lei da Ficha Limpa.

Como o momento de recorrer da inelegibilidade é apenas depois que os embargos de declaração estejam terminados no TRF-4, é provável que o STJ nem examine esse aspecto da questão. Dificilmente o tema da prisão depois de condenação em segunda instância voltará ao plenário do Supremo Tribunal Federal, antes da decisão final do TRF-4 sobre os embargos declaratórios da defesa do ex-presidente Lula à sentença condenatória.

A não ser que algum ministro leve o tema “à mesa”, no jargão do STF, o que torna automático o exame do assunto. Mas, mesmo que alguns ministros deem declarações a favor do julgamento da questão pela quarta vez em poucos anos, não apareceu quem queira assumir a responsabilidade de colocar o assunto na pauta.

A presidente Cármen Lúcia continua na disposição de não pautá-lo, e nessa batida a decisão final sobre o recurso de Lula deve ser tomada neste mês de março, provavelmente ainda na primeira quinzena. Confirmada a condenação, a execução provisória da pena será determinada ao Juiz Sergio Moro pelo TRF-4, levando o expresidente Lula à cadeia.

Se, no entanto, o Supremo retomar o assunto e, como parece provável, mais uma vez mudar a jurisprudência para permitir a execução provisória da pena só depois de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já existe uma alternativa sendo examinada pela nova minoria que se formaria, com provavelmente cinco ministros derrotados pela mudança.

Há quem entenda que, a partir da condenação em segunda instância, estão dadas as condições da prisão preventiva do condenado, para evitar que tente fugir do país, perturbe a ordem pública ou atue atrapalhando a instrução processual.

Uma questão de ordem pode ser levantada após o resultado final para que o STF acate a tese de que, embora a prisão para execução provisória da pena não seja possível antes de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prisão preventiva nesses casos passa a ser a regra, sujeita a restrições que serão especificadas.

Essa seria uma saída para alguns ministros, que se encontram eventualmente constrangidos com a situação que envolve a questão pessoal do ex-presidente Lula. Toda a trama jurídica envolvendo recursos e apelações pode fazer com que o ex-presidente Lula esteja na cadeia quando o tema, afinal, chegar novamente ao Supremo, por meio de um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, desta vez não preventivo.

Pode acontecer que o ex-presidente Lula se beneficie de uma nova interpretação e fique livre até uma decisão final do STJ, mas ganhará pouco tempo, pois o processo já estará na reta final. E, antes disso, é provável que o STJ também já tenha analisado o recurso contra a inelegibilidade provocada pela Lei da Ficha Limpa. Lula poderá estar inelegível e preso antes do prazo para o registro das candidaturas, que termina em 15 de agosto.

 


Luiz Carlos Azedo: O medo de Lula

A quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adiou de hoje para terça-feira o julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pleiteia que o tribunal impeça a prisão do petista. O recurso é contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, que condenou o ex-presidente a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado. Uma liminar já havia sido negada pelo vice-presidente do STJ, Humberto Martins, em 30 de janeiro, mas agora será julgado o mérito da ação.
Desta vez, a defesa de Lula, sob comando do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, que pediu o adiamento por motivos de saúde, opera como é da tradição das bancas de advocacia: no terreno do direito e no corpo e corpo com os ministros que vão decidir a questão. Não há ameaças da CUT no sentido de parar o Brasil, o MST não promete invadir a capital do país, o PT não organizou caravanas de militantes nem atos de protestos com artistas. Não se faz campanha para desmoralizar os ministros do STJ que vão julgar os recursos. Agora, Lula trabalha nos bastidores de um tribunal onde muitos foram nomeados pela sua caneta. Mas está com medo de ser preso. “É possível a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, mesmo que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não havendo se falar em violação do princípio constitucional da presunção de inocência”, essa foi a afirmação de Martins ao negar a liminar que tirou o sono do ex-presidente da República.
Lula sabe que a condenação pelo TRF-4 já inviabilizou a candidatura à Presidência da República, o PT insiste em mantê-la apenas para ganhar tempo. A Operação Cartão Vermelho, da Polícia Federal, que investiga a suspeita de envolvimento do ex-governador da Bahia Jaques Wagner na Lava-Jato, liquidou o plano B da legenda para disputar o palácio do Planalto. O ex-presidente solto, porém, pode fazer campanha para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que foi o seu ministro da Educação, outro nome cogitado. Na cadeia, Lula perde muita capacidade de transferência de votos na disputa eleitoral, seu poder de mobilização popular ficará praticamente anulado. Daí a mudança de tática de sua defesa, que trocou a agitação política pela advocacia verdadeira. Hoje, veremos se vai funcionar. Mas, mesmo que a Quinta Turma do STJ decida favoravelmente a Lula, o assunto acabará mesmo na alçada do Supremo, porque haverá recurso do Ministério Público Federal.

Generais
O general do Exército Antônio Hamilton Martins Mourão se despediu ontem do quadro da ativa das Forças Armadas, em cerimônia no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, no Rio de Janeiro, onde o militar serviu. Em setembro do ano passado, havia defendido a possibilidade de intervenção militar diante da crise das instituições no país. “Os poderes terão que buscar uma solução, se não conseguirem, chegará a hora em que teremos que impor uma solução… E essa imposição não será fácil, ela trará problemas”, disse.
Mourão chorou na despedida, ao chamar de “herói” o coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), ex-chefe do Doi-Codi do II Exército, um dos principais órgãos da repressão durante a ditadura militar e acusado de inúmeros crimes pela Comissão Nacional da Verdade. “Combateu o terrorismo e a guerrilha, por isso ele é um herói”, justificou. Criticou a intervenção federal no Rio de Janeiro e chamou o general Braga Netto, comandante militar do Leste e interventor federal, de “um cachorro acuado”. Mourão se candidatou ao Clube Militar e disse que vai apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) a presidente da República. “A intervenção no Rio de Janeiro é uma intervenção meia-sola. Vamos lembrar do século 19, houve várias intervenções nas províncias. O interventor era o ‘Caxias’. Assumia o quê? O poder político e o poder militar.”
Nos bastidores da saída de Mourão, o comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas, na última reunião do Alto Comando, liderou a renovação e a movimentação do quadro de generais pelos próximos anos. Foram indicados a general de Exército: Marco Antônio Amaro dos Santos, que assumirá a secretaria de Economia e Finanças; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, novo comandante militar do Norte; e Laerte de Sousa Santos, designado para chefiar a Logística e Mobilização do Ministério da Defesa. A blindagem contra a indisciplina e o saudosismo do regime militar veio nas promoções de 14 generais de Brigada a general de Divisão. Apesar da doença degenerativa que reduz sua mobilidade, o comandante do Exército foi prestigiado com a substituição de Raul Jungmann pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna no Ministério da Defesa, pasta que pela primeira vez será comandada por um militar. Villas-Bôas deve permanecer no comando da Força até o fim do governo.

Merval Pereira: Congresso X STF

Congresso escolhe quais decisões do STF acatar. Estamos vivendo um momento de tamanha desorganização social, que o Congresso decide que decisões do Supremo Tribunal Federal acatar, de acordo com a conveniência de seus grupos de pressão. As que beneficiam os parlamentares de maneira geral, como a que, equivocadamente a meu ver, deu às Casas Legislativas a última palavra em qualquer punição de seus pares, são elogiadas e cumpridas com rapidez nada comum.

Por todo o país, e não só em Brasília, parlamentares estão saindo das cadeias ou prisões domiciliares para retomar seus mandatos. E as que atingem os parlamentares, como a recente ampliação do alcance da inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, estão sendo revistas em Brasília, neste caso para tornar sem efeito a decisão do STF, em benefício de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais.

A alegação de que a decisão do Supremo faz a lei retroagir em prejuízo do condenado foi recusada pela maioria do plenário do Supremo, pois a inelegibilidade de oito anos existe na lei a partir de 2010, não importando em que ano o crime foi cometido. É uma exigência que todos devem cumprir ao se inscrever para concorrerem às eleições.

A lei retroagirá se, por exemplo, o Supremo decidir, em outro julgamento, que os mandatos já em curso devem ser cassados, o que não deve acontecer. Há outros grupos de pressão dentro do Congresso querendo se aproveitar desse momento de fraqueza do governo federal para impor suas agendas regressivas, como a chamada “bancada da bala” que quer rever o Estatuto do Desarmamento.

O projeto, de autoria do senador Wilder Morais do PP de Goiás, revoga o atual Estatuto do Desarmamento, liberando o porte de armas para qualquer pessoa a partir dos 18 anos de idade, desde que o adquirente seja considerado apto psicologicamente, tenha bons antecedentes e demonstre capacidade técnica. Uma tentativa canhestra de copiar os Estados Unidos, que a cada dia enfrenta mais tragédias devido à leniência com o porte de armas no país.

Em outra ação regressiva, uma comissão especial da Câmara dos Deputados quer aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para alterar artigo da Constituição que trata do direito à vida, para incluir a expressão “desde a concepção”, o que, na opinião deles, daria segurança aos fetos.

Com a alteração, todas as possibilidades de aborto estariam vedadas, inclusive nos casos de estupro, mesmo com risco de vida à gestante ou em que o feto é diagnosticado com anencefalia, atualmente autorizados por decisão do Supremo Tribunal Federal. A Comissão é dominada pela bancada evangélica, que tem 22 dos 33 membros.

Seria uma ofensiva contra outra decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja Primeira Turma descriminalizou o aborto antes do terceiro mês de gestação num julgamento de médicos e funcionários de uma clínica clandestina, em Duque de Caxias (RJ), que estavam presos pelo que até então era considerado crime.

Para a Turma, que seguiu voto do ministro Luís Roberto Barroso, os artigos do Código Penal são inconstitucionais. A decisão é válida apenas para esse caso específico, mas os que são contra o aborto temem que possa abrir o caminho para a ampliação da legalização. Querem, então, fechar todos os caminhos já existentes.

Outro exemplo de grupos parlamentares de pressão atuando sobre o governo é a portaria sobre trabalho escravo, que a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu por liminar. A portaria tornou elásticos e subjetivos conceitos para identificar casos de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de criar barreiras burocráticas que dificultam a ação da fiscalização.

Para caracterização do trabalho escravo, por exemplo, seria preciso constatar a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação. A portaria tem sido alvo de críticas dentro e fora do país por entidades defensoras dos direitos dos trabalhadores.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Ministério do Trabalho para revogar a medida, que taxou de “retrocesso”. O governo promete rever pontos da portaria, mas não pretende revogá-la.

Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/congresso-x-stf.html