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IHU On-Line: “O Judiciário usurpou o papel que era da política”, diz Luiz Werneck Vianna

Apesar das expectativas com as eleições presidenciais que irão ocorrer em outubro deste ano, “até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação aos rumos” que o país irá tomar daqui para frente, afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna à . O Brasil “irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas?”, questiona. Segundo ele, “o tema do nacional-desenvolvimentismo encontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro”, mas outra possibilidade seria “estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia política e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda”. Entretanto, adverte, “isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Viannatambém comenta o julgamento do ex-presidente Lula, que irá ocorrer na próxima quarta-feira, 24 no TRF-4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na avaliação dele, “este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”. Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão”. As possibilidades reais de concretização do processo que envolve o ex-presidente, afirma, são “a confirmação da sentença” e “o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial”. Ele diz ainda que a aposta da esquerda na eleição do ex-presidente “é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito às últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a política do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aí, dessa maneira complicada que está aí”.
Werneck destaca ainda que o “fenômeno que importa entender” na atual conjuntura brasileira é a judicialização da política.
“O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido”.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Já está claro o que podemos esperar em termos políticos para este ano de eleição presidencial?
Luiz Werneck Vianna – Uma coisa é o que devemos esperar, outra é o que podemos esperar. O que deveríamos esperar é um processo de discussão sobre a retomada de rumos da sociedade e da economia brasileira, ou seja, em que direção irá: irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas? Até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação a esses rumos. Sabe-se que o tema do nacional-desenvolvimentismoencontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro, assim como também se cogita estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia política e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda. Mas isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame.
• Uma candidatura do Lula representaria certamente uma campanha voltada para a retomada, de certo modo, do nacional-desenvolvimentismo
Uma candidatura do Lula representaria certamente uma campanha voltada para a retomada, de certo modo, do nacional-desenvolvimentismo e está dependendo de uma decisão judicial, aliás, como tudo neste país. Agora, penso que, ao contrário do que muitos meios de comunicação estejam procurando sublinhar, acentuar e enfatizar, estamos muito longe de cenas de fim do mundo. Apesar dos conflitos e das ideias contrapostas, as instituições marcham e dia a dia elas se reforçam, por incrível que pareça. O fato é que todos se referem à Carta de 88, pretendem ser os melhores interpretes dela, e ela se reforça. Não há tentativas que procurem recusar a Carta de 88. Então, não creio que estamos vivendo um clima de fim do mundo e nem de colapso. Tenho algumas indicações empíricas que sustentam essa minha percepção.
IHU On-Line – Quais?
 
Luiz Werneck Vianna – Vou tentar mostrá-las. Fala-se muito na distância entre o Estado e a sociedade, mas não é isso que está ocorrendo agora, por exemplo, no principal estado da federação com a vacinação para a febre amarela. O que está se vendo é uma demonstração de confiança da população nas agências do Estado, especialmente nas agências de saúde - que são tão criticadas -, onde se vê que as pessoas ordenadamente e disciplinadamente acorrem aos postos para fazer a vacina. Isso demonstra confiança na ação estatal dessas agências, e é um indicador forte para mim de que a crise na população não tem a mesma proporção da crise que se constata na leitura da mídia. Outro processo também muito visível em São Paulo é a busca por formação de blocos de carnaval, que deve, neste ano, superar todas as marcas com a criação de blocos novos. Eu vejo nisso indicações de que à medida que o dia do julgamento de Porto Alegre se aproxima, não caminhamos para um colapso, um conflito. Ele pode até ocorrer, mas o mais previsível é que não ocorra.
• À medida que o dia do julgamento de Porto Alegre se aproxima, não caminhamos para um colapso, um conflito
 
IHU On-Line – O senhor quer dizer que não há uma mobilização social, para além da militância petista, ao julgamento do ex-presidente Lula? Por que na sua avaliação a população não está comovida com o julgamento?
Luiz Werneck Vianna – Porque este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”. Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão. Agora, qual será a decisão? É muito previsível – digo isso sem fazer juízo de valor – que o Tribunal de Porto Alegre confirme a sentença e mantenha a condenação. Agora, depois disso, no próprio âmbito do judiciário, a questão é como a decisão será interpretada: a condenação com trânsito em julgado – porque esgotadas todas as instâncias de apelação – leva, logicamente e de maneira irrecorrível, à possibilidade de tornar a candidatura do Lula inviável, e a cassar a possibilidade dessa candidatura pela Lei da Ficha Limpa. Essa será outra batalha, mas acho difícil contornar a tendência de que Lula seja erradicado do processo eleitoral como candidato. Como personalidade política talvez terá uma força, inclusive indicando um candidato.
Agora, as possibilidades reais de concretização desse processo são: 1) a confirmação da sentença; 2) o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial; e 3) temos que esperar.
A descrença das ruas em relação às soluções dramáticas, a meu ver, está presente na organização dos blocos de carnaval em termos massivos, ou seja, as ruas serão ocupadas pelos carnavalescos.
 
• A eleição será polarizada, mas não se sabe em que direção, porque tudo está na dependência de saber se Lula será candidato ou não
Os indicadores que estou tomando são, de um lado, a mobilização para o carnaval e, de outro, a demonstração de confiança que a população vem dando para as políticas em matéria de saúde, indo aos postos em massa. Não se vê conflito nesses postos de saúde. Essa política está sendo legitimada e com isso o Estado também está. E se reconhece na ação do Estado um serviço público importante, qual seja, a luta contra a febre amarela.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a aposta da esquerda no nome do ex-presidente Lula como principal candidato à presidência? Qual é o impacto político dessa aposta?
 
Luiz Werneck Vianna – A aposta da esquerda no Lula é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito às últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a política do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aí, dessa maneira complicada que está aí.
IHU On-Line – Que cenários vislumbra para a disputa presidencial deste ano?
• Este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”
Luiz Werneck Vianna – A candidatura Alckmin é praticamente certa. Do lado do PT, fora essas especulações fantasistas do Lula ser candidato, teremos o Jaques Wagner, que é um candidato bastante palatável do PT. A candidatura de Meirelles vai depender da batalha política dele, se ele conseguir espaço. O governo, especialmente se a economia continuar a dar as respostas positivas que vem dando, vai ter um papel aí no sentido de indicar um candidato, que pode ser o Meirelles ou o Alckmin.
A hipótese da candidatura do Temer me parece muito fantasista. De outro lado, não vejo o Bolsonaro como alternativa, embora o tema dele esteja na ribalta, que é a segurança, a ordem, mas tenho a sensação de que a candidatura dele não decola. Existe a possibilidade de uma candidatura de um outsider. Ela existe, mas adivinhar quem seria não vale.
IHU On-Line – Um tema que voltou a ser discutido entre os partidos é a possibilidade de fazer alianças, e partidos como o PT e o PCdoB já declararam que poderão fazer alianças com o PMDB. Que alianças provavelmente serão feitas nesta eleição? O PMDB continuará mantendo uma influência nesse sentido?
 
Luiz Werneck Vianna – O PMDB, com o tamanho da bancada parlamentar que tem e com a sua capilaridade, que se manifesta na sua presença nas principais cidades do país de forma significativa, vai continuar com o seu papel de centro, como foi no governo Lula. Foi a Dilma quem interrompeu essa experiência exitosa, porque ela tinha horror ao PMDB. Aliás, ela veio para a política do Rio Grande do Sul, onde se acumulava ressentimentos com o PMDB a nível local e nacional. Então, todos os candidatos têm a percepção clara de que sem passar pelo PMDB não há vitória possível, nem governo possível. De qualquer forma, esse horizonte está muito turvo e não é responsável da perspectiva de agora falar nas alianças sem saber quais serão os candidatos.
Todos os candidatos têm a percepção clara de que sem passar pelo PMDB não há vitória possível, nem governo possível
Digamos que a minha análise esteja equivocada e que o Tribunal não confirme a sentença, então o Lula será candidato e aí muda tudo, mas essa hipótese, para mim, é fantasista, é um exercício sem possibilidade de se concretizar. A possibilidade de concretização é a do Tribunal confirmar a condenação e, em seguida, pela Lei da Ficha Limpa, afastar o Lula da candidatura presidencial. Haverá outras batalhas jurídicas, mas são batalhas condenadas a ter um resultado previsto, qual seja, o de não admitir a possibilidade de recursos defensáveis da candidatura Lula. E aí vamos para a eleição.
 
IHU On-Line – Na eleição deste ano deve se repetir um cenário polarizado, como o da última eleição presidencial?
 
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que a eleição será polarizada, mas não se sabe em que direção, porque tudo está na dependência de saber se Lula será candidato ou não. Estou trabalhando com a hipótese de ele não ser candidato, olhando para o comportamento do Tribunal, ou seja, como ele tem se comportado e como a condenação do Lula fortaleceria essa intervenção que o Judiciário está fazendo na vida política do país. Esse é o fenômeno que importa entender.
O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido. Assim como antes, que caminhos tivemos que descobrir para que os militares voltassem aos quartéis, agora teremos que descobrir o caminho para que os magistrados retomem seus lugares nos tribunais e fiquem por lá. Isso não vai ser fácil.
 
• O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito
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IHU On-Line – Quais são suas maiores preocupações em relação à atuação do Poder Judiciário?
 
Luiz Werneck Vianna – Temos que colocar cada macaco no seu galho. Se a Constituiçãoestá tão valorizada, ela define como questão estratégica a divisão entre os poderes, porque não existe só um poder ou um poder acima dos demais. Isso vai depender de luta política, intelectual, jurídico-política, ou seja, de uma reflexão muito grande da sociedade sobre essa patologia da judicialização da política que tomou conta da nossa vida.
 
IHU On-Line - Recentemente o senhor escreveu que estamos “deixando para trás o tempo da modernização que aqui vingou de Vargas a Dilma”. Quais são as evidências disso e quais devem ser os reflexos disso nas eleições deste ano?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma percepção que tenho da época que estamos vivendo, de que um paradigma, uma certa concepção do país, ficou para trás. A Revolução de 30 está ficando para trás, mas ainda não ficou inteiramente para trás, mas já nos afastamos muito dela e ela vem perdendo força e capacidade de persuasão. Está aí a Legislação Trabalhista que não “segurou o tranco”. Por mais que os advogados trabalhistas estejam se mobilizando em defesa da Consolidação da Lei de Trabalho - CLT, a CLT ao fim e ao cabo jamais encontrou apoio forte dentro do próprio PT, dentro do governo Lula. Só a partir de um determinado momento ele foi flexibilizando no sentido de voltar aos anos 30, de reencontro com o nacionalismo do governo Geisel. A escora dessa política agora está mais na direita do que na esquerda: é Bolsonaro que defende o populismo, o nacional-desenvolvimentismo. Isso é uma mudança importante; não é a esquerda que está valorizando essa alternativa, ao contrário, é a direita. Aliás, é o que acontece no mundo: o nacional-desenvolvimentismo ganha espaço na Europa e nos EUA, com Trump. A esquerda está afastada disso e no Brasilvemos esse afastamento se aprofundar.
• Não existe só um poder ou um poder acima dos demais
A bandeira da modernização está cedendo lugar para a bandeira do moderno. Por bandeira do moderno eu quero significar o tema da autonomia, a autonomia das organizações, a valorização da sociedade civil, novas formas de articulação da sociedade civil com o Estado. É isso que entendo pela emergência do moderno entre nós. Ao meu ver, essa é uma tendência muito poderosa. Já vitoriosa? Ainda não, mas é muito forte e penso que nessas eleições isso vai se fortalecer mais ainda.

Luiz Carlos Azedo: Ameaça de extinção

O Congresso, tão logo acabe o recesso, será transformado numa grande feira de mandatos. A janela aberta para o troca-troca partidário virou uma festa para os donos de partidos

As eleições de 2018 podem ser o canto do cisne da maioria dos pequenos partidos no Brasil, mesmo os chamados ideológicos, em razão da reforma política que aprovou o fim das coligações a partir de 2020 e vinculou o tempo de propaganda nas rádios e tevês ao tamanho das respectivas bancadas no Congresso. Sobretudo porque o fundo eleitoral e o fundo partidário desequilibraram ainda mais a disputa em favor dos grandes partidos. Não se considera, por exemplo, o desempenho eleitoral de candidaturas majoritárias a presidente, governadores e prefeitos, muito menos de deputados estaduais e vereadores, o que seria perfeitamente possível flexibilizar, considerando o desempenho nas eleições passadas.

Na verdade, o que houve foi uma contrarreforma política, feita para salvar os partidos fragilizados pela crise ética e suas principais lideranças, cujo poder aumentou ainda mais por disporem como quiserem dos recursos dos respectivos fundos eleitorais e partidários e da distribuição do tempo de televisão e rádio entre os candidatos proporcionais. Nunca os cartórios partidários e os presidentes de partidos tiveram tanto poder como agora para influenciar a eleição de candidatos e cooptar parlamentares utilizando esses meios materiais de campanha. A reforma foi feita sob medida para isso e a derrubada do veto ao uso ilimitado de recursos pessoais na campanha ainda serviu para tirar da jogada empresários que quisessem se aventurar nas disputas à margem dos grandes partidos, como outsiders.

Esse é o jogo que está sendo jogado na eleição. O Congresso, tão logo acabe o recesso, será transformado numa grande feira de mandatos. A janela aberta para o troca-troca partidário virou uma festa para os donos de partidos que oferecem recursos para campanha aos colegas desesperados em busca da reeleição. No último prazo de mudança de partido, às vésperas das eleições municipais, um deputado federal poderia custar, no mínimo, R$ 1,5 milhão do fundo partidário como garantia de financiamento de sua campanha de prefeito. Nos bastidores do Congresso, são conhecidos os casos em que o fundo serviu de moeda para montagem de partidos políticos, que teoricamente teriam uma vaga cativa em cada estado para oferecer em leilão. A maioria dos partidos não tem orçamento, nem planejamento financeiro, os recursos são administrados como caixa-preta, ainda que depois quase tudo apareça nas prestações de contas oficiais dos candidatos. E não estamos falando de recursos de caixa dois, nos quais ninguém fala, “pero que los hay, los hay!”

Franquias

Não foi à toa que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede a suspensão imediata de trecho de emenda que garantiu aos partidos políticos autonomia para definir livremente a duração de seus diretórios e órgãos provisórios (artigo 1º da Emenda Constitucional 97/2017). A emenda foi promulgada, no dia 4 de outubro passado, pelo Congresso, como parte da reforma política. O texto estabelece normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão para o próximo ano eleitoral, e veda as coligações partidárias nas eleições proporcionais, neste caso, em 2020.

Raquel Dodge pede a suspensão somente do artigo 1º porque, segundo ela, o dispositivo fere cláusulas pétreas da Constituição Federal e tem caráter antidemocrático, ao concentrar o poder decisório nas executivas dos diretórios nacionais e favorecer a existência de “partidos de aluguel”. O excessivo poder das cúpulas partidárias é um fato. Roberto Jefferson, que acaba de indicar a própria filha, deputada Cristiane Brasil (RJ), para o Ministério do Trabalho, e Valdemar Costa Neto, por exemplo, mesmo quando estavam presos, mantiveram férreo controle sobre o PTB e o PR, respectivamente. Para Dodge, o aval para os partidos definirem livremente o prazo de vigência dos diretórios provisórios é um obstáculo à renovação política municipal ou estadual. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já definiu que os diretórios provisórios devem ter duração máxima de 120 dias, numa resolução de 2016.

Grandes ou pequenos, os partidos mantêm por longos períodos diretórios municipais ou estaduais administrados por comissões provisórias. Dirigentes locais são nomeados a título precário e ficam sujeitos a toda sorte de imposições. As comissões provisórias tornaram-se verdadeiras franquias, oferecidas a prefeitos e governadores, que assim controlam essas legendas e, por meio delas, quem pode ou não ser candidato e em que condições. Nesse contexto, as vias de renovação da política e dos partidos acabam obstruídas, o que estimula o aumento da abstenção eleitoral e dos votos nulos e brancos, principalmente nas eleições proporcionais. A válvula de escape que ainda há, os pequenos partidos, está ameaçada de extinção. Se não houver um estouro de boiada que os favoreça, a renovação terá que se dar por dentro dos grandes partidos, o que será mais difícil ainda.


Bolívar Lamounier: Política, democracia e ética pública

Crise deve-se ao falsear do processo eleitoral, da transparência e da ‘accountability’

Os escândalos de corrupção inaugurados com o “mensalão” e elevados à enésima potência nos últimos cinco anos demonstraram que as deficiências da democracia brasileira são muito maiores do que pensávamos. Antes deles, nosso relativo otimismo se estribava em cinco pilares, cuja importância não pode ser subestimada, mas que agora se mostram claramente insuficientes.

Ao longo de várias décadas, até mesmo durante o regime militar, nosso processo eleitoral se tornou altamente inclusivo, com um eleitorado superior a 70% da população total, a mesma proporção das democracias mais desenvolvidas. Entre 1985 e 1988, restabelecemos pacificamente o regime civil e constitucional. Em 1989, a vitória de Collor sobre os partidos tradicionais e sobre a esquerda inaugurou a alternância pacífica no poder, consolidada com a vitória de Lula em 2002. Instituímos um sistema mais robusto de monitoramento e promoção da legalidade, notadamente pela autonomia institucional do Ministério Público, obra da Constituição de 1988. Por último, mas não menos importante, domamos, finalmente, uma inflação que se prolongara por três décadas e aprovamos no Congresso a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras medidas relevantes no campo econômico.

Mas as deficiências se revelaram por um conjunto de problemas intimamente ligado à corrupção, que anula, na prática, grande parte dos avanços realizados. Proclamamos, como é usual no Primeiro Mundo, que o essencial da democracia é a exigência de que o acesso de cidadãos particulares a posições de autoridade se faça por meio de um processo competitivo, ou seja, mediante eleições limpas e livres. Mas não atinamos para o fato de que, mesmo num eleitorado de grandes proporções, os procedimentos criados para garantir eleições “limpas e livres” podem ser fraudadas por práticas em princípio lícitas, mas desleais ao espírito da democracia e, portanto, imorais. Entre estas, um exemplo egrégio é o clientelismo de larga escala, infinitamente mais pernicioso que o antigo “voto de cabresto”, que se pode embutir em políticas públicas e programas sociais.

Tampouco nos demos conta de que “eleições limpas e livres” podem transformar-se em mera aclamação simbólica, sem dentes e garras, onde não haja transparência – ou seja, onde inexista acesso efetivo do cidadão, das empresas e da sociedade civil a informações referentes às ações governamentais, notadamente no tocante ao emprego dos recursos financeiros. E mesmo onde tal acesso esteja devidamente previsto e estipulado nas leis, ele não passará de letra morta onde não exista accountability – ou seja, onde os titulares da autoridade, nos três ramos do Estado, se comportem de forma acomodatícia, ou se acovardem, não aplicando com o rigor preceituado as medidas profiláticas prescritas na Constituição e nas leis.

Eleições limpas e livres, transparência e accountability – no mundo atual, essas três condições definem o espaço válido de reflexão sobre as conexões entre a ética – a busca do bem comum – e a política. De fato, a ninguém ocorrerá avaliar o status ético de países governados por celerados e genocidas como Hitler, Stalin ou Pol Pot.

O agente do juízo ético é o indivíduo, ou seja, o cidadão que trabalha, paga impostos e mata ou morre na guerra, se convocado para tal. Ele é também o destinatário do bem comum. Decorridos dois milênios de Aristóteles, não faz sentido pensar no bem comum como um todo homogêneo, unitário e consensual. O que para um é um bem, para outro pode ser um mal. O que existe é, portanto, uma grande variedade de bens comuns ou, melhor dito, de bens coletivos, aqueles que o Estado não pode prover a um cidadão se não puder provê-los nas mesmas condições a todos os demais cidadãos compreendidos na mesma categoria. O que importa, por conseguinte, é investigar a emergência ex parte de um consenso, ou da aquiescência sempre precária, de todos, ou da maioria, a uma dada distribuição de bens coletivos. O orçamento nacional é essencialmente isto: a distribuição de bens coletivos que o Estado é capaz de prover em dado momento. Esse conjunto é a resultante do embate entre os interesses que soem existir em toda sociedade, mas que só na democracia são devidamente delimitados e regulados pelas instituições. Buscar o consenso pela via da política, o entendimento por meio de uma pugna constante, eis o notável paradoxo que as democracias consagram em suas regras de jogo.

Voltando ao início, podemos, pois, afirmar que a crise ética e econômica para a qual o Brasil foi arrastado se deve ao falseamento, ainda não superado, do processo eleitoral, da transparência e da accountability. É óbvio que a democracia tem muito que ver com as condições sociais gerais de um país, daí a existência de importantes diferenças de qualidade entre elas. Desigualdades sociais extremas são negativas para a democracia e a ética pública.

Nos limites deste artigo, cabe-me concluir apenas reiterando o que tenho insistentemente afirmado: justiça social, socialismo, social-democracia e similares devem ser entendidos tão somente como ideais abstratos de sociedade. Não são indicações concretas dos meios necessários para melhorar o padrão de vida dos indivíduos reais ou de como reduzir desigualdades de renda. Em pleno século 21, o que importa investigar é qual o melhor caminho para romper “relações de produção” peremptas a fim de liberar as “forças produtivas”. No Brasil, parece-me fora de dúvida que isso significa quebrar de vez a tradição patrimonialista, irmã siamesa da corrupção, e instaurar uma verdadeira economia de mercado.

* Bolívar Lamounier é cientista político, é socio-diretor da Augurium Consultoria e autor do livro ‘Liberais e antiliberais: a luta ideológica de nosso tempo’ (Companhia das Letras, 2016)

 


Míriam Leitão: O tempo do poder

A ministra Cármen Lúcia corrige a coluna dizendo que não existe jurisprudência, nem mesmo o costume, de que ministros se aposentem após concluir o mandato de presidente do Supremo. Os que saíram da Corte o fizeram no tempo que escolheram e por razões específicas, segundo ela. A presidente do STF admite que mandato para ministros é tema que tem sido discutido em cortes constitucionais.

O problema levantado pela coluna existe: a longa permanência, o poder excessivo por tempo prolongado demais dos magistrados que chegam a tribunais superiores. No caso brasileiro, não há mandato, mas dependendo da idade em que foi escolhido, um ministro pode permanecer por 30 anos no cargo.
— Isso não faz bem para a pessoa, para o país e para o tribunal — admite a ministra Cármen Lúcia.

Ela já defendeu, no passado, o estabelecimento de um mandato, que poderia ser de dez anos. Hoje, tem algumas dúvidas diante do caso concreto.

— Os decanos cumprem um papel fundamental na Corte, como acontece com o ministro Celso de Mello — disse Cármen.

Nesse caso, sim, porque o decano atual é pessoa ponderada. Mas os intempestivos também virarão decanos um dia. Trinta anos ou mais para a permanência de alguém com tanto poder na vida brasileira é de fato excessivo e esse é um dos aperfeiçoamentos institucionais que o país deveria fazer. A própria ministra lembra que alguns países estabeleceram mandatos para os ministros das cortes constitucionais. Existem outros, como nos Estados Unidos, em que a vitaliciedade é levada a extremos: o ministro fica até morrer. No Brasil é 75 anos, e até recentemente era 70.

No passado recente, os ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa pediram aposentadoria antes de chegar à idade limite. Jobim porque pensava em ser candidato à vice na chapa do ex-presidente Lula, o que acabou não sendo. Ellen deixou o tribunal dois anos depois de ter sido presidente e Joaquim Barbosa nem terminou o mandato de presidente do Supremo. Saiu em julho de 2014, encurtando o período de dois anos no comando da Corte, que terminaria em novembro. O ministro Moreira Alves e Sidney Sanches, nomeados respectivamente pelos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, ficaram até abril de 2003, no início do governo Lula. Antes de 1946, a vitaliciedade era até a morte.

Na Alemanha, os 16 ministros da Corte Constitucional têm mandato de 12 anos, com aposentadoria automática se chegam a 68 anos, e ninguém pode ser reconduzido ao cargo. Na Suprema Corte da Espanha, o mandato é de nove anos, mesmo tempo da corte italiana. Em Portugal são seis anos, sem recondução. Na Argentina, os membros não só ficam até os 75 anos, como podem ser reconduzidos por mais cinco anos. Enfim, cada país tem uma solução.

O Judiciário tem muito a rever e aperfeiçoar, porque a cobrança sobre o Poder tem aumentado até pela presença diária na pauta brasileira. O Brasil enfrentará agora um período eleitoral com uma velha distorção ficando ainda mais perigosa. Hoje a composição do Tribunal Superior Eleitoral inclui dois integrantes que são representantes da classe dos advogados. Eles normalmente estão ainda nas suas bancas. O que significa que podem advogar até às seis da tarde e, às sete, vestem a toga e vão julgar. O potencial conflito de interesses em época turbulenta da vida política brasileira, que será julgada nesses tribunais, é enorme. O mesmo acontece, com risco ainda maior, nos tribunais regionais eleitorais.

É natural que o país olhe para o Judiciário querendo que ele se torne mais eficiente, transparente e sem privilégios. Seus ganhos acima do teto serão sempre um ponto nevrálgico na sua relação com a opinião pública. A situação dramática do Rio Grande do Norte deixa isso mais claro. O estado está falido e atrasando salários de funcionários, mas 218 juízes e desembargadores do Estado conseguiram o direito de receber o auxílio-moradoria retroativo aos últimos seis anos, no valor total de R$ 39,5 milhões. O ministro Marco Aurélio Mello considerou que o valor integra o patrimônio deles. Discutir esses assuntos é uma forma de fortalecer a relação entre o Judiciário e o país.

 


Diogo castor: O decreto do insulto

O decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite

Na última semana, causou polêmica a publicação do tradicional decreto de indulto natalino pelo presidente Temer.

A controvérsia recaiu na generosidade dos requisitos para concessão do indulto para crimes cometidos sem violência. Diferentemente dos textos publicados nos outros anos, que fixavam penas máximas para o condenado fazer jus ao benefício, o atual decreto não fixou pena máxima.

Além disso, também inovando, o perdão da pena pode ser concedido àqueles presos que cumpriram o mísero percentual de 20% da sanção aplicada na sentença, estando dispensados expressamente do pagamento de qualquer condenação pecuniária para obtenção do perdão do resto da condenação.

Segundo o ministro da Justiça, a adoção de uma postura mais liberal nos requisitos do indulto foi uma “decisão política” de Temer, que teria sido alertado que afrouxamento da punição contava com manifestações contrárias do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério Público, da força-tarefa da Lava Jato e até da Transparência Internacional.

O leitor pode pensar que a medida vai contribuir para desafogar o sistema carcerário brasileiro, que, nas últimas informações divulgadas, possui atualmente 726 mil presos para 358.663 vagas disponíveis. Ledo engano. O indulto só beneficia presos já condenados, enquanto 40% dos encarcerados no Brasil são presos provisórios.

Dos crimes que ocupam os primeiros lugares nas estatísticas de aprisionamento no Brasil, que são tráfico de drogas (28%), roubo (25%), furto (12%) e homicídio (11%), somente os condenados por furto poderão fazer jus ao benefício. Isso porque tráfico de drogas e homicídio não admitem indulto por serem crimes hediondos, enquanto o roubo não se enquadra nos requisitos camaradas do decreto por ser cometido com violência.

Quais os principais crimes que poderão se enquadrar no decreto? Todos os crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, que, coincidentemente, são os delitos por que Temer e quase toda a sua trupe estão denunciados ou já condenados.

O referido decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite, mais ainda, ao dispensar expressamente a reparação do dano para crimes contra a administração, o que tem sido um obstáculo legal para progressão de regime dos condenados na Lava-Jato.

Ou seja, com uma “canetada”, o presidente da República perdoou 80% das penas de réus de colarinho branco no país.

O decreto de indulto natalino de 2017 viola os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da moralidade administrativa. Ademais, foi editado por um presidente da República que goza do pior índice da popularidade da história e que é diretamente interessado na norma.

Ao editar o decreto, Temer demonstrou onde é capaz de chegar para aniquilar o combate à corrupção e à impunidade no Brasil. Resta aguardar que STF declare a inconstitucionalidade do autoindulto. Do contrário, a luta contra corrupção no Brasil se tornará um mero registro nos livros de História.


Míriam Leitão: Poder ilimitado

O fim de ano foi cheio de provas de que um dos problemas a corrigir na democracia brasileira é a vitaliciedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, eles praticamente governam o Brasil e têm poder demais por tempo prolongado demais. Gilmar Mendes, para ficar no mais polêmico, tem teoricamente mais 13 anos, a menos que ele decida encurtar sua presença na Corte, antes dos 75 anos.

A vitaliciedade é uma prerrogativa dos juízes da Suprema Corte em inúmeros países, mas em democracias mais consolidadas há contenções naturais aos seus poderes. No Brasil, mais do que corte institucional, o STF é também tribunal criminal da elite política. Aqui, juízes idiossincráticos tomam decisões autocráticas e controversas, se enfrentam no plenário como se estivessem em um ringue, e são chamados a arbitrar sobre questões do cotidiano.

O ministro Alexandre de Moraes nasceu no dia da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Completará 75 anos em 2043. Foi indicado pelo presidente Temer para um mandato de 26 anos, ou seja, terá poder pelos próximos seis mandatos presidenciais. Dias Toffoli já é ministro há oito anos e tem mais 25 anos pela frente para exercer seu mandato. O decano Celso de Mello foi escolhido pelo ex-presidente José Sarney e tem sido ministro por todo o período da democracia.

Isso não era problema até um passado recente. Havia uma regra não escrita pela qual o ministro mais antigo se aposentava após atingir o ápice e ser presidente do Supremo Tribunal Federal. Isso foi seguido por alguns, como Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, mas a presença prolongada deixou de ser um constrangimento para os magistrados. O governo Collor acabou há 25 anos e o ministro que ele escolheu, Marco Aurélio Mello, ficará até 2021.

No último dia antes de sair para o recesso, o ministro Gilmar Mendes decidiu que não pode haver condução coercitiva. Deveria ser uma decisão colegiada, já que existe previsão legal, apesar da birra do ministro com o instrumento. Mas a decisão em cima do recesso mantém a soberania da sua vontade pessoal até a volta dos ministros ao trabalho. O ministro Ricardo Lewandowsky decidiu que o Executivo não pode adiar o aumento salarial concedido ao funcionalismo e o que estava no Orçamento teve que ser suspenso. A ministra Cármen Lúcia foi chamada para dizer se IPTU do Rio de Janeiro deve ou não subir. Por vontade dos ministros, ou por falhas institucionais, o STF virou mais do que o comando de um poder, ele se precipita sobre os outros.

Não faz bem para nenhuma democracia que uma pessoa detenha um poder tão grande durante, por exemplo, os 33 anos do mandato do ministro Dias Toffoli. Principalmente em época como a atual, em que há uma mistura explosiva: a exagerada extensão do privilégio de foro, ministros idiossincráticos, e a fragilidade das instituições que estimula as demandas de toda a ordem sobre a Corte.

Uma forma de resolver seria transformar em lei o que antes era costume: a saída do ministro, após exercer a presidência da Corte. A renovação das pessoas no poder é parte do exercício respiratório de qualquer democracia.

Em nenhuma República a vitaliciedade é uma boa regra. Nos Estados Unidos, tem sido objeto de muita controvérsia. Todos os demais cargos do outros poderes têm mandatos fixos. Não se justifica essa prerrogativa pouco solidária com os princípios republicanos fundadores.

O mandato não é o único problema do Supremo Tribunal. Ele exerce funções de justiça quase ordinária, quando devia ser fundamentalmente a corte constitucional e o recurso em última instância. E não para protelar sentenças passadas em julgado em outras instâncias, mas para dar a palavra final em conflitos constitucionais. Principalmente aqueles nos quais se opõem cidadãos e o Estado ou os conflitos que eventualmente ocorram entre os outros poderes da República. Este controle constitucional, sim, é um mecanismo indispensável ao equilíbrio democrático e será sempre prerrogativa do STF. Para que a Corte melhor o exerça sua composição deveria conter algum mecanismo que permita a renovação mais frequente.

 


Míriam Leitão: A firmeza da esperança

A Petrobras recebeu, dias atras, mais uma parte do dinheiro que tem sido devolvido pela Lava-Jato. Um ato concreto que reforça a esperança de que o combate à corrupção nos leve a um país melhor. Dias antes, a Polícia Federal cometera uma desastrada ação na UFMG, numa investigação que repetiu alguns dos erros da operação na UFSC, que levou à morte do reitor Luiz Cancellier.

A Polícia Federal cometeu evidentes abusos e truculência ao executar a ordem de levar o reitor Jaime Ramirez e a vice-reitora Sandra Goulart para depor. A PF está investigando dúvidas sobre a obra do Memorial da Anistia Política. E por isso estendeu a operação a outras pessoas que estão dentro do projeto da pesquisa do acervo, além das obras físicas.

O Ministério Público foi contra o pedido de condução coercitiva, aprovando apenas a busca e apreensão de documentos. Mesmo assim, a juíza substituta Raquel Lima aprovou o pedido da Polícia Federal. A PF diz que a obra está paralisada e que gastou R$ 20 milhões. E ainda teria feito uma exposição irregular de documentos em outro lugar apenas para constar.

O fato é que a decisão, tomada na gestão anterior da direção da UFMG, foi de construir esse memorial aproveitando um antigo prédio da universidade, chamado de coleginho, porque abrigou o colégio de aplicação. A construtora JRN, contratada para fazer a obra, na qual constava também um prédio de dois andares, para a parte administrativa, cometeu um erro grave. Não avaliou se a fundação do coleginho suportava a obra. Quando colocou o novo telhado, as paredes começaram a ruir. A UFMG entrou na Justiça contra a construtora. Aí veio a mudança para o governo Temer, e o repasse dos recursos do Ministério da Justiça foram suspensos e, por isso, a obra está parada.

Nesse meio tempo, a pesquisa que havia sido contratada, de documentos para o acervo, que seria exposto no museu, já estava bem adiantada. A decisão foi montar a exposição temporária em outro lugar. A PF achou isso suspeito e disse que o Ministério da Justiça vetou a exposição temporária, mas dois representantes do Ministério estiveram na inauguração da mostra.

O nome que a Polícia Federal deu à operação é um acinte e um alerta. Parece apenas um detalhe, mas é revelador. A expressão “esperança equilibrista”, para batizar a operação, remete à música hino de uma geração na luta contra o arbítrio que se abateu por duas décadas sobre o Brasil e tem um tom inequívoco de fazer blague com questão séria. Aldir Blanc, um dos autores da música, repudiou seu uso indevido. O que quiseram dizer os policiais ao usar esse nome? Foi entendido pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, que não está ligada ao que está sendo investigado, como um “evidente ataque de setores conservadores e autoritários contra a Universidade brasileira e tudo o que essas instituições representam para o Brasil".

O combate à corrupção está em momento decisivo. De um lado alimenta a esperança de enfrentamento de um problema que ameaça a própria democracia. Por outro lado, não pode ceder ao oportunismo de uma época em que há um fortalecimento do conservadorismo social e político do país. De um lado, tem sido atacada por poderosos que se sentem ameaçados por ela, por outro, pode perder o apoio da opinião pública se repetir erros como os que levaram à morte o reitor da UFSC.

Todos são iguais perante a lei, mas um Geddel é diferente de um Cancellier. É preciso entender isso. É legítimo que os órgãos de controle tenham dúvidas sobre o uso do dinheiro público e que as investiguem. Mas a maneira de atuar na apuração de crimes cometidos por pessoas sobre as quais pesam dúvidas sólidas e recorrentes, e que tenham poder de influir na própria investigação, é necessariamente diferente da apuração de dúvidas existentes em decisões de funcionário público sem qualquer histórico de comportamento indevido. O que houve em Belo Horizonte não é Lava-Jato. É uma investigação corriqueira que poderia ter sido feita de outra maneira. Escolhendo a truculência, a Polícia Federal começa a trilhar um caminho perigoso que pode quebrar a confiança em todo o delicado processo no qual o país se equilibra.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


Merval Pereira: Democracia em crise

O economista Eduardo Giannetti da Fonseca defendeu ontem, em palestra na Academia Brasileira de Letras (ABL), que o patrimonialismo que domina o Estado brasileiro é a principal causa da disfunção de nossa democracia e, por isso, a Operação Lava-Jato tem importância como a principal ação corretiva de uma situação que predomina desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses.

O painel de que ele participou, dentro do ciclo “Brasil, brasis” da ABL, tinha o título genérico de “Crise e metamorfose da democracia” e foi coordenado pela escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Ao apresentar os participantes, Giannetti e o ex-presidente do Supremo Ayres Britto, Rosiska ressaltou a atualidade do tema do debate, já que a democracia estava em xeque em várias partes do mundo, devido à falta de credibilidade dos políticos e à sensação de que eles não representam os cidadãos.

Ela lembrou que nas últimas eleições pelo mundo a radicalização política foi a tônica, levando à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e ao aumento de votação em partidos extremistas, à esquerda e à direita, em diversos países da Europa. Outro aspecto ressaltado por Rosiska é o fenômeno, disseminado pelo mundo, do voto de protesto, que se reflete no aumento dos votos brancos e nulos e o não voto, com o aumento das abstenções.

São tendências já sentidas no Brasil com o aumento gradativo dos votos brancos e nulos nas últimas eleições, inclusive a mais recente, para governador do Amazonas, quando votos brancos, nulos e abstenções registraram quase 50%.

Para Giannetti da Fonseca, o patrimonialismo brasileiro tem sua origem na formação de nosso país. Ao contrário dos Estados Unidos, país que foi organizado pelos e para os imigrantes que lá chegaram, o Brasil, segundo Giannetti, foi criado para abrigar a Coroa portuguesa, e até hoje o Estado serve aos governantes. Ele vê essa tensão entre o governo e a sociedade num ponto à beira de uma ruptura e disse que não se espantará se chegarmos num momento revolucionário desencadeado por uma fagulha qualquer, como em 2013, quando uma campanha contra o aumento do preço dos ônibus desencadeou um movimento popular que encurralou o governo Dilma.

Outro ponto de quase ruptura, na sua análise, foi a campanha de 2014, quando Marina Silva, a quem apoiava, tornou-se candidata devido à tragédia que matou o ex-governador Eduardo Campos, e quase teve condições de desbancar a polarização entre PT e PSDB, cujos candidatos afinal foram para o segundo turno.

Esse rompimento só não se deu, segundo Eduardo Giannetti, devido a uma campanha de violência inaudita contra Marina, cuja presença na disputa teria uma característica disruptiva, interrompendo uma situação política tradicional que dominava a disputa eleitoral brasileira há 23 anos.

Segundo Giannetti, a Operação Lava-Jato, por si só, não tem condições de alterar essa cultura patrimonialista, mas as eleições de 2018 têm condições para isso, caso a sociedade as utilize para forçar uma mudança de paradigma, que seria consolidada com uma reforma política.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, outro palestrante do painel, mostrou-se mais otimista na manutenção de nossa democracia, que, segundo ele, está em crise, mas em metamorfose, parafraseando o título geral do debate, que era “Crise e metamorfose da democracia”.

Para Ayres Britto, o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu no Supremo. A partir dali, teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei. O ex-presidente do Supremo utilizou-se da Constituição de 1988 para defender uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia.

 

 


Fernando Gabeira: O choro privilegiado

Se a maioria não consegue impor uma decisão, desperta uma certa compaixão...

Há coisas na democracia brasileiro que não entendo bem. Uma delas é essa possibilidade que o Supremo dá ao ministro com voto vencido de pedir vista e adiar a decisão da maioria. Talvez essa dificuldade se explique pelo fato de ter uma experiência parlamentar, na qual defendi causas minoritárias.

No Parlamento, depois que a maioria se manifesta, o resultado é proclamado e só resta ao perdedor fazer uma declaração de votos, o direito de espernear, como dizíamos no plenário. Daí não entendo por que o ministro Dias Toffoli pode adiar a proclamação de um resultado indiscutível numericamente. Tenho a impressão de que, se me fosse dada a chance de bloquear uma decisão majoritária, hesitaria.

De certa forma, eu me sentiria numa brincadeira que perdeu a graça. Se a maioria não consegue impor uma decisão majoritária, acaba despertando certa compaixão pela sua fragilidade.

Os defensores do foro privilegiado já perderam a batalha. Deveriam contentar-se com o choro e abrir mão de manobras protelatórias. Adiar a decisão apenas atrasa uma experiência que já foi decidida, no debate pela imprensa, nas redes sociais, nos movimentos cívicos e nas pesquisas de opinião.

Um grupo minoritário de ministros do Supremo não pode decidir o que é melhor para nossa experiência democrática. No Brasil, o atraso é tão entranhado nos costumes que se consagra até o direito de atrasar, que agora está sendo exercido pelo ministro Toffoli.

Mas não é só desejo de voto mais pensado. Ele tem algo articulado com os políticos, os principais interessados em manter o foro privilegiado.
Enquanto o STF pisa no freio, a Câmara se apressa a votar um projeto no mesmo sentido, restringindo o foro privilegiado.

Aí pode entrar um gato: a extensão do foro privilegiado aos ex-presidentes, algo que favorece Temer, Lula e Dilma, até Collor, quando deixar o mandato de senador. É realmente algo inédito no mundo: o País que derrubou dois presidentes no período de democratização conclui que devem ser protegidos também depois do mandato.

Durante o mandato presidencial, já são de certa forma blindados. Só podem ser processados por crimes posteriores à sua posse. Assim mesmo, quando são acusados por crimes cometidos durante o mandato, a investigação é submetida à Câmara, onde a maioria é hostil à Lava Jato.

Estamos todos atentos, embora a atenção nem sempre baste para inibir os políticos desesperados. Eles nem se importam mais com as consequências para a democracia.

As coisas podem não ser tão simples como se pensa. Num programa de televisão, Gustavo Franco, ao lançar seu livro sobre a história monetária no Brasil, afirmou que o mercado acha que qualquer dos candidatos favoritos no momento continuará a reconstruir o País.

No caso do PT, o mercado tem esperanças de que, vitoriosa, a esquerda volte a se encontrar com a classe média e abrande sua linha. Não tem sido esse o discurso do PT. Lula afirmou várias vezes que vai estabelecer o controle social da imprensa. Em quase todas as análises, a esquerda conclui que foi derrubada porque não soube radicalizar.

Pelo menos no discurso, o caminho aponta para a Venezuela. Além do mais, tenho minhas dúvidas quanto à reconciliação com a classe média. Acho, sinceramente, muito improvável, mesmo com a ampla admissão dos erros e das trapaças.

No caso de Bolsonaro, tudo indica que caminha para uma visão liberal na economia, dura na repressão ao crime e conservadora nos costumes. É formula que tenta conciliar o avanço do capitalismo com as tradições que ele, naturalmente, dissolve na sua expansão global.

Tanto para os eleitores de Trump como para os de Bolsonaro, há uma força nostálgica em movimento. Voltar atrás, no caso americano, explorando carvão, tentando ressuscitar áreas industriais arruinadas. No caso brasileiro, voltar aos tempos do regime militar, durante o qual não houve escândalos de corrupção nem a violência urbana.

O Brasil de hoje é muito diferente do País dos anos 1960. E também não é o mesmo dos anos 1990, quando o PT chegou ao poder.

O economista Paulo Guedes, que deverá ser o homem da economia na campanha Bolsonaro, afirmou que, ao se encontrarem os dois, uniram-se ordem e progresso. Se entendemos por ordem o combate à corrupção e uma política de segurança eficaz, tudo bem. Mas a eficácia não se mede pelo número de mortos, e sim pelas mortes evitadas. E o progresso? Assim como está no lema da Bandeira, é bastante vago. Muitos o associam ao crescimento econômico.

Mas tanto os marxistas como os liberais tendem a uma visão religiosa do mundo, abstraem a limitação dos recursos naturais, algo que envolve todas as espécies. Num contexto de campanha radicalizada, qualquer das hipóteses terá muita dificuldade em governar um País dividido. E no processo de reconstrução será preciso encontrar alguns pontos que unam a Nação para além de sua clivagem ideológica.

Na sua entrevista ao Roda Viva, Gustavo Franco deu uma pista que me pareceu interessante: ao invés de falarmos tanto em reformas, sempre empurradas com a barriga, por que não buscar uma sociedade de inovação? Essa história de deixar as coisas apodrecendo, mas só mexer nelas em reformas, tem de ser substituída por uma ideia de inovação permanente.

É esse o mundo em que vivemos. Se não nos adaptamos a ele, seremos, de certa forma, engolidos.

A campanha eleitoral ainda nem começou. Fala-se num candidato de centro. De fato, suas chances serão boas. No entanto, na política não se trabalha apenas com chances, mas também com a encarnação da proposta, o candidato.

O PSDB, com Alckmin, fala em choque de capitalismo, algo que vi e ouvi em 98. De choque em choque, vai acabar a energia. Um mesmo empresário alemão levou 56 dias para abrir uma empresa em São Paulo e apenas 24 horas para abrir outra nos EUA. Que tal segurar os fios e experimentar o choque antes de aplicá-lo no País?

 


Merval Pereira: Lava-Jato acelera

Todos os indícios levam a crer que o ano eleitoral de 2018 será também o ano em que a Operação Lava-Jato terá mais agilidade nas investigações e, sobretudo, nas decisões sobre novos processos contra políticos. Além do anúncio de que os procuradores de Curitiba, Rio e São Paulo trabalharão em conjunto a partir do próximo ano, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, colocou à disposição dos ministros da Corte mais 36 funcionários e dez juízes, para acelerar o andamento dos processos decorrentes da Lava-Jato.

Cada um dos dez integrantes da Corte (exceção da presidente, que não recebe processos) deve receber a ajuda de ao menos mais três funcionários, entre servidores concursados e pessoas de livre nomeação. Cada gabinete também poderá receber mais um magistrado para integrar a equipe.

Como são muitos os processos criminais contra parlamentares, seria impossível fazer o que foi feito no mensalão, parar o Supremo por cerca de 5 meses para tratar apenas daquele processo criminal. Nele havia 40 denunciados pela Procuradoria-Geral da República, que foram julgados todos em conjunto.

Desta vez, todos os casos ligados à Lava-Jato que não dizem respeito diretamente à Petrobras foram distribuídos por sorteio para outros ministros do Supremo, e praticamente todos estão com vários processos acrescentados ao acervo que já acumulavam.

Em levantamento recente, O GLOBO mostrou que o Supremo Tribunal Federal começou 2016 com menos processos do que no ano anterior: 53.931 ações estão aguardando julgamento, quando em 2015 eram 56.230, devido ao aumento de produtividade dos ministros. Em 2015, os dez integrantes do STF deram 75.112 decisões, sendo 68.870 em caráter final — média de 20 decisões diárias por ministro, contando férias, feriados e fins de semana. O aumento da produtividade deve-se também à atuação das duas Turmas em que o plenário foi dividido.

O ministro Celso de Mello, apesar de ser o decano, isto é, o ministro com mais tempo de Corte, é o que tem menos processos, “apenas” 3.110. Já o ministro Marco Aurélio, o segundo mais antigo, é o que tem mais: 7.345.

O balanço das sentenças colegiadas, porém, registrou queda: foram 1.063 decisões tomadas em julgamentos no plenário, ano passado, contra 1.572 em 2014, e 1.500 em 2015. O fato de o tribunal decidir mais de forma individual do que em colegiado é uma anomalia que provoca muitas críticas.

Os ministros decidiriam monocraticamente, transformando um órgão colegiado em individualizado. Mas há uma explicação mais técnica: chegam ao Supremo mais recursos do que a capacidade de julgamento do colegiado, que se reúne duas vezes por semana.

É provável que, com mais auxiliares, os ministros possam acelerar a análise dos processos contra parlamentares, e esse procedimento vai também interferir na campanha eleitoral, podendo inviabilizar candidaturas.

Já os procuradores da Lava-Jato, que anunciaram que a eleição de 2018 será fundamental para o futuro da Operação, pretendem com o trabalho conjunto de Curitiba, Rio e São Paulo aprofundar as investigações numa clara mensagem de que não pouparão esforços para impedir, ou pelo menos atrapalhar, as candidaturas de pessoas envolvidas em denúncias de corrupção.

Essa atitude de confrontação recebeu muitas críticas dos políticos, que viram nas declarações a prova de que o trabalho dos procuradores é politizado. Os procuradores consideram que a renovação do Congresso em 2018 será fundamental para garantir a continuidade da Operação Lava-Jato.

Ao mesmo tempo, surgem movimentos na sociedade civil para denunciar os parlamentares que não deveriam ser reconduzidos pelos eleitores, e outros que se propõem a financiar cursos para potenciais novos candidatos que representem uma nova postura de fazer política.

São movimentos que vão de encontro às máquinas partidárias tradicionais, que se preparam para as eleições sabendo que a disputa desta vez será também contra a desilusão dos eleitores, que pode produzir uma avalanche de votos em branco, nulos e abstenções.

 


Merval Pereira: Proteção especial

Além da discussão própria do tema polêmico, a restrição do foro privilegiado terá um capítulo especial que certamente ganhará destaque: a definição sobre o alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), se e quando houver um desfecho consequente do caso. Pela visão do relator, o ministro Luís Roberto Barroso, a decisão abrange todos os cargos que têm hoje foro privilegiado, que passaria a valer apenas para crimes acontecidos durante o mandato e em consequência dele.

O ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo, já anunciou que não devolverá os autos até o início do ano que vem, isto é, depois do recesso do Judiciário. Como alegou que sua obstrução tem como objetivo permitir que o Congresso decida sobre o caso, já que entende que cabe a ele alterar a legislação em vigor, o mais provável é que, enquanto a Proposta de Emenda Constitucional estiver tramitando na Câmara, o ministro Toffoli nada fará.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, já marcou um encontro com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, para combinar uma ação conjunta que não provoque um choque entre Poderes, como explicou Maia. Tudo leva a crer que o assunto morrerá em alguma gaveta até que o panorama político esteja desanuviado, pois é impossível antever a Câmara empenhada em acabar com o foro privilegiado para seus componentes e também para os senadores.

O que pode acontecer, isso sim, é que na Comissão Especial da Câmara que analisará a questão sejam feitas tantas alterações quantas sejam necessárias para acomodar todos os interesses, até mesmo, no limite, a ampliação do foro privilegiado para os expresidentes, que poderiam ser transformados em senadores vitalícios, como acontece em outros países.

Essa seria, inclusive, uma saída para Lula desistir de se candidatar à Presidência, única instância, no momento, para que ele escape das consequências de uma condenação definitiva. A decisão do STF que já tem a maioria, mas foi esterilizada pelo pedido de vista obstrutivo de Toffoli, não terá, ao que tudo indica, consequência prática, já que ou a Câmara engavetará o tema, ou fará uma emenda constitucional que a tornará inócua.

Ainda mais que o ministro Luís Roberto Barroso, após a sessão, tomou a iniciativa de anunciar que a decisão, que já tem a maioria de sete votos, tem validade para todos os casos de foro privilegiado, e não apenas para deputados e senadores, como previsto.

O próprio Barroso, durante o julgamento, ao ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, disse que a decisão que estava sendo tomada só se referia a parlamentares federais, pois estava em julgamento o caso de um ex-prefeito que se elegera deputado federal, levando seu processo para o STF depois de ter passado pela primeira instância e pelo STJ, no que a Justiça está chamando de gangorra judiciária.

Depois da sessão, porém, Barroso alegou que naquele momento não pensara no assunto, mas que uma análise mais apurada indica que a decisão deve valer para todos os milhares de servidores que têm foro privilegiado. Barroso lembrou que o ministro Celso de Mello e a própria presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em um aparte ao voto do decano, falaram sobre a possibilidade de juízes do Supremo serem julgados pela primeira instância da Justiça.

Cármen Lúcia chegou a dizer que essa seria uma maneira de demonstrar que o STF valorizava o sistema judiciário brasileiro. Essa ampliação da abrangência da decisão do Supremo certamente ajudará a paralisar o processo, até que a Câmara tome a sua decisão. Ou fará com que ministros mudem seus votos.

Mas tudo só acontecerá, ao que tudo indica, com o novo Congresso, já que, se a Câmara alterar a PEC, ela terá que retornar ao Senado, onde já foi aprovada em termos bastante radicais, que acabam com o foro privilegiado de todos, com exceção do presidente da República e seu vice, e presidentes da Câmara, Senado e do STF.

Correção
A votação do STF sobre restrição do foro privilegiado na quinta-feira estava em 6 a 0 quando o ministro Toffoli pediu vista, e não 6 a 1 como escrevi na coluna de ontem. O ministro Celso de Mello deu seu voto mesmo depois do pedido de vista, fazendo o placar de 7 a 0. O 7 a 1 metafórico ficou por conta de Toffoli que, embora não tenha votado, interrompeu o julgamento, fazendo com que sua posição isolada até aquele momento prevalecesse sobre a maioria de sete votos.

 


Eliane Cantanhêde: Estouro da boiada

 

Revisão do foro vai livrar o Supremo do peso e jogar 90% na primeira instância

Vem aí um grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se vale mesmo a pena disputar a reeleição.

Os advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de cada juiz.

Em tese, um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática.

Antes de pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo na Câmara?

Hoje, há um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião pública.

Note-se que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.

A decisão é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional.

O que move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.

Já era previsto um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes.

Eles foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.

O presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?