Míriam Leitão: A firmeza da esperança

A Petrobras recebeu, dias atras, mais uma parte do dinheiro que tem sido devolvido pela Lava-Jato. Um ato concreto que reforça a esperança de que o combate à corrupção nos leve a um país melhor. Dias antes, a Polícia Federal cometera uma desastrada ação na UFMG, numa investigação que repetiu alguns dos erros da operação na UFSC, que levou à morte do reitor Luiz Cancellier.
Foto: FUP
Foto: FUP

A Petrobras recebeu, dias atras, mais uma parte do dinheiro que tem sido devolvido pela Lava-Jato. Um ato concreto que reforça a esperança de que o combate à corrupção nos leve a um país melhor. Dias antes, a Polícia Federal cometera uma desastrada ação na UFMG, numa investigação que repetiu alguns dos erros da operação na UFSC, que levou à morte do reitor Luiz Cancellier.

A Polícia Federal cometeu evidentes abusos e truculência ao executar a ordem de levar o reitor Jaime Ramirez e a vice-reitora Sandra Goulart para depor. A PF está investigando dúvidas sobre a obra do Memorial da Anistia Política. E por isso estendeu a operação a outras pessoas que estão dentro do projeto da pesquisa do acervo, além das obras físicas.

O Ministério Público foi contra o pedido de condução coercitiva, aprovando apenas a busca e apreensão de documentos. Mesmo assim, a juíza substituta Raquel Lima aprovou o pedido da Polícia Federal. A PF diz que a obra está paralisada e que gastou R$ 20 milhões. E ainda teria feito uma exposição irregular de documentos em outro lugar apenas para constar.

O fato é que a decisão, tomada na gestão anterior da direção da UFMG, foi de construir esse memorial aproveitando um antigo prédio da universidade, chamado de coleginho, porque abrigou o colégio de aplicação. A construtora JRN, contratada para fazer a obra, na qual constava também um prédio de dois andares, para a parte administrativa, cometeu um erro grave. Não avaliou se a fundação do coleginho suportava a obra. Quando colocou o novo telhado, as paredes começaram a ruir. A UFMG entrou na Justiça contra a construtora. Aí veio a mudança para o governo Temer, e o repasse dos recursos do Ministério da Justiça foram suspensos e, por isso, a obra está parada.

Nesse meio tempo, a pesquisa que havia sido contratada, de documentos para o acervo, que seria exposto no museu, já estava bem adiantada. A decisão foi montar a exposição temporária em outro lugar. A PF achou isso suspeito e disse que o Ministério da Justiça vetou a exposição temporária, mas dois representantes do Ministério estiveram na inauguração da mostra.

O nome que a Polícia Federal deu à operação é um acinte e um alerta. Parece apenas um detalhe, mas é revelador. A expressão “esperança equilibrista”, para batizar a operação, remete à música hino de uma geração na luta contra o arbítrio que se abateu por duas décadas sobre o Brasil e tem um tom inequívoco de fazer blague com questão séria. Aldir Blanc, um dos autores da música, repudiou seu uso indevido. O que quiseram dizer os policiais ao usar esse nome? Foi entendido pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, que não está ligada ao que está sendo investigado, como um “evidente ataque de setores conservadores e autoritários contra a Universidade brasileira e tudo o que essas instituições representam para o Brasil”.

O combate à corrupção está em momento decisivo. De um lado alimenta a esperança de enfrentamento de um problema que ameaça a própria democracia. Por outro lado, não pode ceder ao oportunismo de uma época em que há um fortalecimento do conservadorismo social e político do país. De um lado, tem sido atacada por poderosos que se sentem ameaçados por ela, por outro, pode perder o apoio da opinião pública se repetir erros como os que levaram à morte o reitor da UFSC.

Todos são iguais perante a lei, mas um Geddel é diferente de um Cancellier. É preciso entender isso. É legítimo que os órgãos de controle tenham dúvidas sobre o uso do dinheiro público e que as investiguem. Mas a maneira de atuar na apuração de crimes cometidos por pessoas sobre as quais pesam dúvidas sólidas e recorrentes, e que tenham poder de influir na própria investigação, é necessariamente diferente da apuração de dúvidas existentes em decisões de funcionário público sem qualquer histórico de comportamento indevido. O que houve em Belo Horizonte não é Lava-Jato. É uma investigação corriqueira que poderia ter sido feita de outra maneira. Escolhendo a truculência, a Polícia Federal começa a trilhar um caminho perigoso que pode quebrar a confiança em todo o delicado processo no qual o país se equilibra.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

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