senado

Murillo de Aragão: Ainda vai levar um tempo

A Operação Lava-Jato parece o Rock in Rio. Ocorre simultaneamente em vários palcos. Oferece espetáculos para todos os gostos. Alguns palcos agradam o mais radical ativista jurídico, em especial aqueles que querem que tudo acabe logo em uma cena com um político na cadeia.

Outros shows, bem menos numerosos, empolgam aos garantistas. Garantistas são aqueles que seguem os ritos e as normas. Reconhecem o benefício da dúvida e que todo mundo é inocente até prova em contrário. Os ativistas não gostam disso. Acham que os garantistas usam as leis para proteger os cretinos.

O populacho, que gosta de drama e novela, torce o nariz para os garantistas. Eles são tachados de coniventes com “tudo isso de ruim que está por aí". Talvez para a maioria a vida política deveria ser jogada como um jogo de futebol, no qual com o cartão vermelho expulsaríamos todos os ladrões e desleais. De preferência, do time do adversário.

Para piorar, temos duas heranças perversas. O regime militar nos legou o desprezo pela autoridade. Que, lamentavelmente, confundimos com autoritarismo. Terminamos repelindo os dois. Já a redemocratização nos trouxe uma profunda ojeriza à política. Em geral, achamos que ela não presta, é coisa de corruptos. Também repelimos os dois.

A tendência à generalização ofusca nossa visão de mundo, desconsidera a importância daquilo que outras sociedades construiram, deixa de levar em conta as boas experiências. Ou seja, nega o próprio modelo de país que pusemos em prática num passado bem recente.

Eis o caminho do fracasso para um país: não acreditar nas leis, nos direitos, nas garantias, na autoridade e na política. Sobretudo, não participar conscientemente da política.

Lamentavelmente, trilhamos esse caminho sem perceber que ora a maré está a favor de nossos interesses e ora está contra. Não dá para ser a favor do foro privilegiado quando o STF condena José Dirceu e ser contra quando o tribunal alivia alguém de quem não gostamos.

Viver de torcida, em todos os sentidos, não é um bom caminho a seguir. Torcer faz parte, mas não deve ditar o ritmo das coisas. Deturpar os argumentos e estressar a lei para fazer justiça a qualquer preço, tampouco é uma alternativa.

O caminho do fracasso tem que ser evitado a partir de uma postura menos eloquente e mais racional, com base no legado que a humanidade nos deixou: ordem, autoridade, respeito às leis e honestidade.

Idealmente, caberia à sociedade buscar tais caminhos a partir de princípios e não de preferências nem de interesses. Porém, como disse, Lulu Santos, “ainda vai levar um tempo, para curar o que feriu por dentro".

* Murillo de Aragão é cientista político

- Blog do Noblat

 


Eliane Cantanhêde: Aécio, uma batata quente

Aécio não está livre, Senado não resolveu problema, e Supremo tem muito o que julgar

O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.

A manobra para transformar a votação no plenário do Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus eleitores fiquem sabendo como votam?

Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares investigados.

O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem eles julgam que deva ser punido. No caso de Aécio, o atalho é o artigo 319 do Código de Processo Penal.

Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.

É uma discussão importante, num País que efetivamente vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um. Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.

A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição e nas leis, “quando necessário”.

Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.

 


Eliane Cantanhêde: Corte evita crise com Senado, mas atrai raios e trovões  

Aécio Neves é o grande vitorioso do 'voto médio' da presidente Cármen Lúcia e do julgamento confuso do Supremo Tribunal Federal

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) é o grande vitorioso do “voto médio” da presidente Cármen Lúcia e do julgamento confuso do Supremo Tribunal Federal, que põe panos quentes, pelo menos por ora, na crise entre o Senado e a Corte. O grande derrotado foi o relator Edson Fachin, acompanhado por Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e, no final, pelo decano Celso de Mello.

Ao decidir que pode aplicar medidas cautelares contra deputados e senadores, mas admitindo que os plenários da Câmara e do Senado têm de dar o aval quando há ameaça ao mandato, o Supremo deu sobrevida a Aécio. Na próxima terça-feira, 17, o plenário do Senado negará o afastamento do senador e o seu recolhimento noturno, em nome da “independência entre os Poderes”.

Foram dois times em campo no Supremo. O de Fachin, baseado no refrão de que “imunidade não pode significar impunidade”, defendeu que as medidas previstas no artigo 319 do Código do Processo Penal, como as de Aécio, são aplicáveis a parlamentares e dispensam o aval do Congresso.

O outro, que estreou com o voto do ministro Alexandre de Moraes, se pautou no “estado de direito” e no artigo 53 da Constituição, que prevê prisão de políticos só com mandato em caso de flagrante delito de crime inafiançável. Votaram assim Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Toffoli, porém, abriu uma janela para o “voto médio” de Cármen Lúcia, ao propor que não cabem medidas cautelares que interfiram no exercício do mandato... a não ser em casos de “superlativa excepcionalidade”. Essa solução carrega um alto grau de subjetividade, mas foi uma forma de deixar o Supremo bem, pois mantém a aplicação das medidas a Aécio, e o Senado igualmente bem, porque vai votar contra as punições ao tucano sem estar confrontando a alta Corte do País.

O Supremo está dividido exatamente ao meio e a presidente Cármen Lúcia, ao comandar uma solução salomônica, atraiu para si os raios e trovões, tanto de quem apoia o afastamento de Aécio quanto dos que defendem o contrário. Mas ela sabia exatamente o preço a pagar.

 

 


José Roberto de Toledo: República magistral  

O Supremo Tribunal Federal cansou de ver juízes de primeira instância monopolizarem os holofotes. Em dois dias, autorizou ensino religioso em escola pública, desafiou o Senado e rachou em público. Só não se manifestou sobre conflito de interesse evolvendo seus integrantes. Chega de perder manchetes para juízos de primeira, como o que decidiu mandar a julgamento um adolescente que ousou levar câmera fotográfica a protesto.

Tucanaram a prisão do senador? A blague é óbvia, mas imprecisa. A decisão de três ministros da Primeira Turma do Supremo de afastar Aécio Neves (PSDB) do Senado e mandá-lo não sair de casa à noite é – pelo Código do Processo Penal (CPP) – medida cautelar diversa da prisão. Segundo juiz de carreira consultado pela coluna, é sentença “meio sem sentido para o caso em questão, mas não é invenção”. Está tudo lá no CPP.

No inciso 2º do artigo 319: “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (...) para evitar o risco de novas infrações”. No caso, o local de onde Aécio deve permanecer distante não é um estádio de futebol, mas aquele para o qual foi eleito, o Congresso. Afinal, também é prevista a “suspensão de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (inciso 6º).

Parlamentares – e os ministros mais loquazes do próprio tribunal – veem nisso uma usurpação de prerrogativas do Legislativo. Qual seria, então, a alternativa? O Supremo decretar a prisão do tucano? Mesmo irritados, os senadores devem levar o precedente em conta, não só pensando no destino de Aécio, mas na dúzia de colegas alvo de investigações por procuradores da República. Cutucar o STF e descumprir sua decisão pode iniciar uma batalha de represálias da qual muito senador haverá de se arrepender.

Ficar proibido de falar com outros acusados ou suspeitos – para assim não atrapalhar as investigações – também está previsto no artigo 319, inciso 3º (“proibição de manter contato com pessoa determinada”). Bem como entregar o passaporte (artigo 320).

Até a medida que mais provocou piadas na internet – “o que será dos bares do Leblon?” – consta no inciso 5º: “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos”. E se ele foi afastado do trabalho pela mesma decisão e está, portanto, de folga? Deve ficar recolhido durante o dia também?

Todo comentarista de Facebook tem seu parecer sobre direito constitucional, todo tuiteiro tem sentença a respeito – agora, com o dobro de caracteres. Na magistral república brasileira, todo cidadão foi promovido de técnico de futebol a juiz. As mídias sociais se transformaram em um tribunal permanente – do que não escapam nem os próprios magistrados.

Pode um juiz ser avalista de empresa da qual é sócio em um empréstimo bancário? A questão é pertinente porque a lei da magistratura proíbe quem julga de exercer o comércio – pelas óbvias chances de ele se meter em um conflito de interesses. Por exemplo: cometeria o banco – que, por acaso, é parte em ações na corte onde o avalista atua – a imprudência de executar o aval?

Ou ainda: deve um juiz julgar réu que patrocinou empresa da qual o togado é potencial beneficiário de lucros e dividendos?

Tais questões provocam rebuliço apenas na corte digital. É mais fácil o Supremo comprar uma briga com outro Poder da República do que se debruçar sobre o próprio umbigo. Ministros intrigam-se na imprensa, trocam pescoções verbais em plenário, mas raramente julgam-se uns aos outros. E a condenação do Judiciário pela opinião pública? É pena genérica e coletiva. Não estão nem aí.

 

 


Merval Pereira: No último lugar 

O que está em jogo é a classe política como um todo. É uma triste coincidência, e ao mesmo tempo uma explicação, que no mesmo dia em que o Brasil ficou em último lugar entre 137 países na confiança do público nos políticos, esses mesmos políticos se vejam às voltas com acusações de corrupção de todos os tipos, tendo chegado ao Palácio do Planalto formalmente a segunda denúncia contra o próprio presidente da República e seus principais assessores.

Também ontem, o Senado estava em polvorosa com a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, que afastou novamente o senador Aécio Neves de suas funções e proibiu-o de sair à noite. O PT, inimigo figadal do PSDB, já anunciou que votará a favor do senador tucano se o Senado se pronunciar sobre a decisão do Supremo. E soltou uma nota que, a pretexto de preservar a Constituição, critica duramente Aécio mas defende que ele não seja afastado do cargo.

Da primeira vez em que o senador Aécio Neves foi punido com o afastamento de seu mandato pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, o Senado aquietou-se diante das imagens de malas cheias de dinheiro sendo distribuídas, e a voz do senador foi ouvida por todo o país num diálogo nada civilizado com o empresário Joesley Batista.

O choque das imagens e dos diálogos calou o Senado. Mas hoje todos parecem dispostos a se defender, defendendo mesmo que seja um adversário político. A discussão técnica sobre a diferença entre recolhimento domiciliar e prisão é o de menos a esta altura, pois o que está em jogo não é mais uma tecnicalidade para evitar punições dos que têm foro privilegiado, mas sim a classe política como um todo.

Mesmo na discussão técnica, a decisão da primeira turma do Supremo tem respaldo do Código de Processo Penal, que no seu artigo 319 classifica como “medidas cautelares diversas da prisão” o recolhimento domiciliar noturno e em feriados, e o afastamento de função pública quando o acusado pode fazer uso dela para prejudicar as investigações. Não houve nenhuma invenção jurídica no caso, mas a aplicação rigorosa da lei.

O que tem sido revelado nesses mais de três anos de investigação engloba todos os partidos políticos, dos mais importantes aos nanicos, e não há ninguém preocupado em acertar regras políticas de transição que deem uma pequena esperança de solução para o cidadão.

No momento, os políticos estão preocupados em armar uma reforma política que evite atingir seus interesses maiores, e todos se acertam entre si para, unidos, enfrentarem o inimigo comum, que é a Justiça.

O resultado da pesquisa do Fórum Econômico Mundial de Davos faz parte do Índice de Competitividade Global, justamente porque o combate à corrupção e a segurança jurídica quanto às decisões das autoridades políticas são itens fundamentais para medir a capacidade de competição dos países no mercado internacional.

O que as investigações da Lava-Jato estão revelando é que leis são literalmente compradas dentro do Congresso, e vantagens fiscais são negociadas em medidas provisórias que valem milhões de reais, e até de dólares. A questão é tão importante para os negócios que um dos convidados do Fórum de Davos em janeiro foi o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que defendeu a tese de que o combate à corrupção no Brasil vai ajudar a fortalecer a economia.

O contraponto desses movimentos corporativistas que voltam a tentar conter o ímpeto das investigações é a força-tarefa de Curitiba, reconhecida internacionalmente por seu trabalho. Hoje, os procuradores, representados por Deltan Dallagnol, estão no Canadá, pois seu trabalho está entre os três finalistas do prestigioso Allard Prize, que será entregue na Universidade da Colúmbia Britânica.

Há um forte trabalho de grupos de ativistas, brasileiros e internacionais, contra a entrega do prêmio aos procuradores de Curitiba, e os organizadores do prêmio estão impressionados com o movimento. Afirmam que os selecionados passam por comitês avaliadores, e que o teor das mensagens, boa parte em termos agressivos, está preocupando pela radicalização política.

Anteriormente, no ano passado, a força-tarefa da Lava-Jato já havia sido premiada, entre outros, pela Transparência Internacional, que a classificou como exemplo de investigação contra a corrupção estatal no Brasil.

Os últimos dias têm sido pródigos em revelar mais detalhes sobre a corrupção generalizada, e até mesmo recibos de aluguel apresentados à Justiça são suspeitos de manipulação. A carta de Antonio Palocci, ex-homem forte de Lula e Dilma, desligando-se do PT e acusando Lula de ter sucumbido ao que há de pior na política, é o retrato fiel desses tempos.

 


O Globo: Senadores reagem ao afastamento de Aécio e ministro de STF é acusado de ‘debochar’ do tucano

Senadores da base e oposição acusaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que votaram pelo afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato e pelo seu recolhimento domiciliar noturno de “ativismo judicial”, interferência em outro Poder, de ter extrapolado da Constituição e de ter “debochado” do parlamentar ao fazer piada no voto, como no caso do ministro Luiz Fux.

O senador Jorge Viana (PT-AC), da tribuna do Senado, disse que os ministros estão sendo vencidos pela vaidade da transmissão direta das sessões do Supremo pela TV Justiça. A Executiva nacional do PT se reuniu e vai divulgar uma nota se posicionando sobre o caso.

Os senadores cobram que a decisão seja deliberada pelo plenário do Senado, mas negam que seja uma “operação” para salvar Aécio.

— Não estou preocupado em salvar o Aécio, estou preocupado é em salvar a Constituição. Não estou querendo esconder nada — cobrou Jorge Viana, criticando a fraqueza humana dos ministros expostos a transmissão direta das sessões do STF.

Em aparte, o senador José Medeiros (Podemos-MT) acusou o ministro Fux de ter “debochado” de Aécio em seu voto, ao dizer que ele deveria ter se afastado por conta própria e como não o fez, o STF iria dar uma forcinha. Medeiros disse que o Senado tem que se posicionar imediatamente como Poder independente, “nem extrapolando nem diminuindo suas prerrogativas”.

— Não compete ao juiz tripudiar, fazer escárnio, ser debochado. Não é seu papel ser hilário. A lei já é dura o bastante — criticou Medeiros.

O líder da Oposição, Humberto Costa (PT-PE), disse que se houve extrapolação das prerrogativas do Supremo, o plenário do Senado deve se manifestar principalmente se houve descumprimento da Constituição.

— Imagina se nós do Senado decidimos pelo afastamento de alguém do Supremo? Se algum ministro praticar algum crime, pode ser alvo de processo de impeachment no Senado. Do mesmo modo, se um senador cometer um equívoco, ele responderá por isso, mas a lei não fala em afastamento do mandato — cobrou o senador Humberto Costa.

Senadores do PT e do PPS argumentam, entretanto, que se o processo de investigação de Aécio não fosse barrado no Conselho de Ética do Senado, o Supremo não precisaria tomar essa atitude agora.

— Se isso está acontecendo agora é porque o Senado tem sido omisso. Se o Conselho não tivesse barrado o processo contra Aécio, o Senado teria dado uma resposta e o Supremo não precisava de tomar essa atitude agora — disse Humberto Costa.

— Foi um erro o Senado não ter aberto o processo no Conselho. Agora estamos nessa situação — completou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).

Membros da bancada do PSDB no Senado participam de uma reunião na tarde desta quarta-feira para avaliar qual será o posicionamento da legenda sobre a decisão do Supremo.

Ao GLOBO, o senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) afirmou que a decisão da Primeira Turma é "decepcionante".

— É difícil, não sou nenhum constitucionalista, mas é preciso ver se é isso mesmo — avaliou. — A bancada vai se reunir e ver qual posicionamento vai seguir. E acredito que não só a bancada, mas o Senado, através do presidente e talvez até da CCJ, deve tomar uma atitude — comentou o parlamentar tucano.

 


Folha de S. Paulo: Eunício diz que Senado pode agir 'se Constituição for ferida'

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), indicou nesta quarta-feira (27) que pode submeter ao plenário da Casa a decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de impor ao tucano Aécio Neves (MG) recolhimento noturno e afastamento de seu mandato.

Embora tenha repetido o que disse na véspera, que só se pronunciará sobre o tema após ser notificado pela Justiça, ele abriu caminho para uma análise dos senadores.

"Se a Constituição foi ferida por uma decisão, e cabe ao Senado tomar decisão baseada na Constituição, obviamente que o Senado vai tomar as providências", afirmou.

Eunício disse ainda que a Constituição é "bastante clara" sobre os mandatos de deputados e senadores. "A Constituição determina o que deve ser feito. Não é o presidente do Senado que toma a iniciativa, não é o presidente do Congresso que toma a decisão. Quem tomou a decisão nesses casos foram os constituintes de 1988, que colocaram isso com muita clareza", afirmou.

O presidente do Senado disse que ainda não foi oficialmente comunicado pelo Supremo sobre a decisão tomada na terça-feira (26) pela primeira turma.

"Primeiro, o Senado precisa ser notificado sobre o teor da decisão tomada pela Suprema Corte para saber de que forma o Senado vai agir, se vai ou se não vai agir. Eu não sei qual o teor da decisão, e tenho o ato de dizer pra vocês aqui que não falo sobre hipótese", disse.

Questionado sobre o assunto, o peemedebista afirmou ainda que a Constituição não prevê afastamento de parlamentares de seus mandatos.

ARTICULAÇÕES
A decisão tomada pelo STF na terça gerou reações imediatas dos senadores. Enquanto o plenário da Casa votava um projeto que cria um fundo para financiar eleições, o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) se manifestou a favor do tucano.

"Acabamos de saber que a segunda turma do STF prendeu o senador Aécio Neves, embora domiciliarmente. Não há previsão constitucional de afastamento do senador do mandato. Não podemos permitir que o STF, contra o voto do relator, rasgue a Constituição e afaste o senador. Então o Senado tem que se posicionar o mais rápido possível", disse Renan.

A fala do peemedebista foi corroborada pelo líder da oposição, Humberto Costa (PT-PE), que pediu que a mesa diretora do Senado se reunisse para decidir "o mais rapidamente possível" o que deve ser feito.

Eunício vem sendo pressionado por senadores dos mais diversos partidos a enfrentar a decisão tomada pelo Supremo. Parlamentares fazem uma analogia ao caso do ex-senador Delcídio do Amaral, que teve sua prisão decretada pela Justiça em novembro de 2015 e confirmada pelo Senado em seguida.

 


Alon Feuerwerker: As perguntas, respostas e probabilidades para projetar o essencial do futuro próximo do Brasil

1) Michel Temer terminará o mandato em 31 de dezembro de 2018 ou antes?

A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.

A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.

O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.

Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.

2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?

Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.

3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?

Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.

4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?

O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.

Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.

5) Qual é a margem de segurança destas projeções?

É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.

Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


FHC: Uma candidatura agregadora

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro

Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu então éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.

Na formação do PSDB, nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não esquecíamos, tampouco, as classes médias, de onde provínhamos.

O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal.

A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público.

O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.

O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.

Esse sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, degenerou-se no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas).

No modelo de coalizão, a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo.

No presidencialismo de cooptação, o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos. Esse novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.

Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repudio à corrupção.

O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.

É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem” . Fundamental também é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras já na eleição municipal de 2020.

A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados bem como a criação de novos fundos eleitorais.

O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, da habitação e da infraestrutura, assim como na política externa.

Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, baseia-se em uma tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral.

O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor.

É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar em mais e melhor educação, saúde e segurança.

A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.

O país necessita uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação das LOAS, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.

 

 

 


José Aníbal: A flechada contra a agenda de recuperação do Brasil

O Brasil é ainda jovem quando se pensa na comunidade internacional: neste 7 de setembro, completamos 195 anos como nação independente, sendo 128 como República, e o atual período democrático soma pouco mais de três décadas.

O regime constitucional em vigor chegará aos 30 anos no ano que vem, quando elegeremos o presidente que levará o país ao bicentenário de 2022.

Nesse curso da história, o quanto aprendemos a viver como nação? Quais as experiências e práticas institucionais que já estão consolidadas, e quais são as que ainda precisamos aprimorar?

São perguntas que naturalmente exigem reflexão e ganham mais densidade no mundo contemporâneo, quando estão em debate questões como as funções, a eficiência e musculatura do estado e o papel de suas instituições, a crise da representatividade política, os avanços e as limitações que a própria democracia propicia às sociedades.

No caso brasileiro, a complexidade torna-se maior, exigindo ainda mais discernimento, compromisso e responsabilidade dos agentes públicos.

Nesse sentido, causa assombro e indignação ver a repetição de distorções dos papéis a serem cumpridos pelos que abraçam a causa pública. Como bem disse nesta semana o governador Geraldo Alckmin, as novidades de que o Brasil precisa são a verdade e a defesa do interesse coletivo, para que este se sobreponha aos objetivos das corporações que tomaram conta tanto de setores estatais como privados.

A política no dia a dia do governo e do Congresso obviamente precisa ser exercida com mais responsabilidade, mais conectada com os anseios e exigências da sociedade. Mas também é preciso avançar – e muito – nos outros pilares fundamentais do estado: o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Quando regras são desrespeitadas, interesses pessoais e corporativistas são colocados à frente dos deveres institucionais, joga-se o país em aventuras e incertezas. Coloca-se em xeque a credibilidade não só deste ou daquele agente público, mas da própria ideia de república e de nação civilizada e democrática.

O ímpeto com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se lançou nos últimos meses a disparar denúncias e acusações aos cântaros com base numa delação premiada bastante questionável, promovendo uma tempestade institucional sem precedentes, revelou-se agora açodado, inconsistente e movido por motivações ainda a serem explicadas.

Sob o pretexto de combater a corrupção e defender os interesses coletivos, deixou livres a dupla de empresários enriquecida pelo mais nocivo “capitalismo de compadrio” do lulopetismo e provocou um abalo que trouxe prejuízos intangíveis e incalculáveis. Foi uma verdadeira flechada na agenda para a retomada do crescimento econômico e da reorganização do estado brasileiro.

Quando Janot apresentou pedido para investigar o presidente da República durante o exercício do mandato, uma situação inédita e grave na história republicana, o Congresso estava prestes a aprovar a mais fundamental das medidas de ajuste das contas públicas.

A reforma da Previdência vai colocar um ponto final definitivo nas benesses previdenciárias da elite da burocracia – da qual fazem parte políticos e assessores legislativos, mas principalmente juízes, desembargadores, promotores e procuradores – e garantiria a sustentabilidade das aposentadorias e pensões da imensa maioria dos brasileiros. Por isso despertam tão forte reação das corporações, auxiliadas pela turma do “quanto pior melhor” de sempre.

Coincidentemente, no mesmo dia em que o procurador-geral admitiu falhas na delação dos irmãos Batista, o Conselho Nacional de Justiça atualizou as estatísticas de um problema bastante conhecido: o Judiciário brasileiro resolve menos de 1 em cada 4 processos em tramitação e custa mais caro do que os equivalentes de países europeus ou dos Estados Unidos. Em média, um magistrado brasileiro custa quase R$ 48 mil mensais. O salário mínimo é R$ 937,00. O salário médio dos trabalhadores brasileiros gira em torno de R$ 2.000,00.

A eficiência da Justiça é tão importante quanto a do Congresso e do governo. Todos os poderes devem prestar um bom serviço ao cidadão, cumprir com suas tarefas e ter o interesse coletivo como prioritário. É assim que se tornarão fortes, e não com arroubos de justiçamento ou voluntarismo. É assim que, perto de seus 200 anos de independência, o Brasil poderá ser um país com instituições sólidas e um povo orgulhoso de sua República.

 

 

 


Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro

Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.

Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.

Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.

O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.

A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.

Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.

Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.

Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.

Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.

Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.

No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.

Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.

Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.

Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.

Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.

Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.

Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.

 


Helena Chagas: As privatizações do PMDB

Nada como não ter votos. Só mesmo um presidente que não foi eleito, sabe que não tem a menor chance de sê-lo no futuro e não tem qualquer compromisso com programas aprovados nas urnas para fazer tudo o que Michel Temer está fazendo. Sob o argumento do rombo estratosférico nas contas públicas, vamos vender a Eletrobras, a Casa da Moeda, os aeroportos - incluindo a jóia da coroa, Congonhas - e até abrir parte do setor de tráfego e segurança aéreos ao capital privado.

Nada a observar sobre o cavalo-de-pau privatista do Executivo peemedebista se, em algum momento, esse programa tivesse sido apresentado e discutido com o país - como normalmente se faz em campanhas eleitorais, debates, entrevistas, programas de TV. Há sentido, do ponto de vista fiscal e da própria eficiência do Estado, na privatização de algumas empresas. Há fartas razões a justificar a concessão de certos serviços à iniciativa privada.

Só que o distinto público não pode ir dormir um dia num país cheio de estatais, ainda que ineficientes, e acordar no outro com todas elas na prateleira do supermercado. É preciso ter um modelo pronto, detalhado e amplamente discutido. É necessário haver regras que dêem segurança aos compradores e novos investidores - que, obviamente, querem o lucro - mas, sobretudo, garantam ao consumidor que ele será beneficiado com serviços melhores e não terá que pagar mais.

É o mínimo que se espera para assegurar que não haverá privatização feita na bacia das almas, enchendo o bolso de todo mundo, menos daqueles que pagam as contas. É na forma como essas coisas são feitas que mora o perigo.

Há muitos e muitos anos não se falava em privatizar a Eletrobras, e o anúncio da decisão de vender a combalida empresa pegou todo mundo no susto. Não ficou bem explicado nem quando e nem como as coisas vão acontecer. Políticos desconfiados de Minas e do Nordeste correram para tirar do pacote Furnas e Chesf. Então para elas não vale?

A oposição, meio apática, pouco reagiu - a não ser pela ex-presidente Dilma Rousseff, que virou alvo por causa da mudança de regras que promoveu no setor e apanhou sozinha.

Mas mercado e investidores, ávidos pelos novos negócios em meio ao deserto em que vivem hoje, entraram em estado de euforia, mesmo sem dados mais concretos sobre a privatização da gigante do setor elétrico. As ações da empresa subiram 49% e o valor da estatal na Bolsa cresceu R$ 9 bilhões num dia.

Sucesso total!, festejaram os peemedebistas. E resolveram repetir a dose no dia seguinte, botando aeroportos, Casa da Moeda e mais cinco dezenas de ativos estatais no balaio das privatizações. Na mesma pressa, no mesmo improviso, no mesmo açodamento. Sem a perspectiva de que os processos estarão concluídos daqui a um ano e cinco meses, quando, na melhor das hipóteses, Temer descerá a rampa do Planalto.

Vai deixar, em janeiro de 2019, alguma dessas privatizações concluída com sucesso, revertendo em benefícios para o país e sua população?

Aí é que está: isso pouco importa para o grupo de peemedebistas que está hoje no governo. Seus objetivos parecem ser bem mais imediatos: passar a idéia de que vão tapar o rombo no caixa e dar assunto para a platéia se distrair. Quem sabe, discutindo essa ou aquela venda, ela se esquece de assuntos mais explosivos que devem pipocar nos próximos dias, como o conteúdo da delação do operador Lúcio Funaro e a nova denúncia do PGR Rodrigo Janot?

Depois, seja o que Deus quiser. Sobretudo se, nesse depois, os peemedebistas tiverem tido, no limite da irresponsabilidade, oportunidade de tratar de outras razões e interesses que cercam os processos de privatização no Brasil.