Samuel Pessôa

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Samuel Pessôa: Vamos para o ajuste?

Com reformas, próximo presidente tem chance elevada de reeleição em 2022

A economia brasileira tem forte desequilíbrio fiscal. O Congresso Nacional estabeleceu atribuições para o Estado que não conversam com as fontes de receita que este mesmo Congresso definiu.

Temos um impasse. Será necessário criar impostos ou aprovar reformas que reduzam o gasto.

Desde o primeiro ano do governo Dilma, o Congresso tem se recusado a arbitrar esse conflito distributivo. Tem rejeitado propostas que reduzam o gasto público, como, por exemplo, a reforma da Previdência, e tampouco aceita criar novos impostos.

O resultado é que a dívida pública cresce e estamos nos aproximando do momento em que a política monetária deixará de ser efetiva. Corremos o risco de retornar aos anos 1980 de triste memória.

Será que o novo governo a ser eleito em 2019 fará o ajuste?

Há diversos analistas e operadores do mercado que consideram que o ajuste não ocorrerá. Parte da desvalorização do câmbio e da pressão sobre os juros domésticos que houve desde maio segue desse entendimento.

Penso que cometem um erro.

De fato, a situação política deteriorou-se muito. Se o governo Temer já era fraco, a chamada "Ponte para o Futuro", o seu programa econômico, virou pinguela (para usar a expressão de FHC) após a divulgação da gravação com Joesley Batista.

O movimento dos caminhoneiros mostrou que a pinguela ruiu.

Caímos todos no rio e estamos a nado em direção à outra margem.

Em meio à incapacidade de centralização das ações de um governo que mais parece um pato morto do que manco, abundam pautas-bomba no Congresso.

Por exemplo, está para ser aprovado na Câmara projeto de lei, já votado favoravelmente no Senado, que cria inúmeros novos municípios. Puro desperdício de recursos da União, visto que esses municípios viverão exclusivamente dos fundos de participação dos estados e municípios.

As análises mais pessimistas projetam que, para o próximo ano, o Executivo nacional terá as mesmas dificuldades de centralização das ações enfrentadas pelo atual. Não parece ser correto.

Penso que iremos para o ajuste. Pode não ser o melhor ajuste: é bem possível que o pacote de reformas aprovado não seja suficiente para colocar a economia crescendo em patamar mais elevado.

Porém, provavelmente, faremos o ajuste fiscal, o que deve ser suficiente para colocar a economia em velocidade de cruzeiro, uns 2,5% anuais, e, nos primeiros anos, um pouco mais em função da elevada ociosidade.

A pessoa que sentar na cadeira de presidente em 1º de janeiro de 2019 receberá a inflação a 4%, com Selic a 6,5%, e a economia tendo crescido 1,5% em 2018.

Se não fizer o ajuste, legará ao seu sucessor inflação acelerada, com desemprego elevado e juros também. Difícil imaginar que consiga a reeleição.

Por outro lado, se fizer o ajuste fiscal, mesmo que de baixa qualidade, conseguirá provavelmente entregar a economia em 2022 em situação bem melhor do que a atual. As chances de reeleição serão elevadas.

Ou seja, os incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente empregue todos os instrumentos ao seu alcance para ajustar a política fiscal.

Minha avaliação é que os políticos entendem perfeitamente essa lógica.

Essa é, no meu entender, a grande virtude da reeleição. Ao alongar o horizonte de cálculo do presidente, estimula boas práticas quando a situação requer forte ajuste.

*Samuel Pessôa, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Samuel Pessôa: Reforma política, falsa questão

Deixemos a política trabalhar; as reformas mais importantes já foram feitas

Em período eleitoral, é inevitável que diversos candidatos e seus assessores econômicos se pronunciem sobre a necessidade de reforma política —para muitos, "a mãe de todas as reformas"— e ataquem o presidencialismo de coalizão, ou de cooptação, ou ainda o toma-lá-dá-cá.

Infelizmente, o diagnóstico não está claro e muito menos o que exatamente fazer. Corre-se o risco de mudar tudo para ficar tudo como está.

O sistema político brasileiro tem essencialmente três problemas: excessiva fragmentação partidária, grande distância entre o representante e o representado e elevado custo de campanha.

O Congresso Nacional aprovou emenda constitucional, publicada no Diário Oficial em 4 de outubro de 2017, que produzirá nos próximos 12 anos forte queda da fragmentação partidária.

Os interessados podem ler o texto da emenda constitucional 97 no endereço aqui.

A emenda estabelece que a partir da eleição deste ano "terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que, na legislatura seguinte às eleições de 2018, obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação".

Essa cláusula de desempenho aumentará até atingir, na eleição de 2030, "3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas" ou "tiverem elegido pelo menos 15 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação".

Adicionalmente, a emenda constitucional 97 veda, a partir da eleição de 2020, a coligação partidária para o Legislativo.

Quando partidos ideologicamente distintos concorrem para o Legislativo —seja municipal, estadual ou federal— coligados, como ocorre hoje, frequentemente o eleitor vota em um deputado de esquerda e esse voto contribui para a eleição de um candidato de direita e vice-versa. Turva demais o processo eleitoral, enfraquece muito a opção partidária do voto para o Legislativo e concorre para elevar a fragmentação partidária.

A manutenção das novas regras reduzirá muito, ao longo da próxima década, a fragmentação partidária.

Adicionalmente, foram aprovados um fundo público de R$ 1,7 bilhão e o fim da contribuição empresarial. A contribuição de pessoas físicas é permitida até certo limite.

Ou seja, nossas novas regras atacam dois dos três principais problemas de nosso sistema político. Apesar de aparentemente pouco ambiciosa, a reforma política de outubro passado é consensual entre os estudiosos do assunto, os cientistas políticos, e foi aprovada pelos profissionais do tema, os políticos, além de ser muito positiva.

Parece melhor deixar em paz o sistema político e que a passagem do tempo melhore seu funcionamento. Deixemos a política trabalhar. As reformas mais importantes já foram feitas.

Os assessores econômicos dos candidatos à Presidência precisam se debruçar sobre os alarmantes números fiscais e desenhar o ajuste fiscal que vão propor à sociedade.

Futebol é um jogo que imita a vida. Ou será o contrário? Por isso gostamos tanto.

* Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Foto: Beto Barata\PR

Samuel Pessôa: O consenso possível

Atacar a desigualdade e fazer o ajuste fiscal estão entre os consensos para a eleição

O processo eleitoral ganha corpo. Apesar de certo sentimento de que há muita polarização, é possível enxergar na conversa certos consensos.

Há quatro áreas em que parece haver acordo ao menos nos termos gerais. Primeiro, a necessidade de que a política pública em geral e a política econômica em particular enfrentem o problema da baixa produtividade e do fraco crescimento brasileiro, males que nos atingem desde a primeira metade dos anos 1980.

Segundo, a necessidade de que se ataque a desigualdade.

Terceiro, a importância do ajuste fiscal, ou seja, o reconhecimento de que, se o setor público não consegue pagar suas contas, mais cedo ou mais tarde cairemos no abismo inflacionário, tão conhecido dos mais velhos.

O quarto item do consenso é a necessidade de maior profissionalização do setor público e a melhoria da qualidade dos seus serviços, principalmente nas áreas de educação, saúde e segurança.

No primeiro item parece haver consenso de que temos de reduzir o custo administrativo das empresas brasileiras ao pagar impostos. O custo de observância da legislação tributária —dos impostos indiretos, nomeadamente, PIS-Cofins, IPI, ICMS e ISS— é exorbitante.

Há várias propostas na praça, sendo a melhor delas a do Centro de Cidadania Fiscal, para trocar esses tributos por um imposto sobre o valor adicionado (IVA) que seja compartilhado entre a União, estados e municípios. Fácil de escrever, difícil de fazer, parece que a medida tem amadurecido.

A maior abertura da economia, item importante em qualquer agenda de crescimento, parece ser bem menos consensual.

Nossa sociedade é muito desigual. É comum culpar os 350 anos de escravidão como a origem da má distribuição. No entanto, é provável que o fator que isoladamente mais explique nossa desigualdade pornográfica atual tenha sido a decisão tomada nos anos 1930, e que mantivemos até a redemocratização, nos anos 1980, de enfrentar uma transição demográfica com investimentos muito deficientes em educação.

Nos anos 1950, quando o crescimento populacional era da ordem de 3% ao ano, o investimento público em educação fundamental não ultrapassava 1% do PIB.

Hoje, não há subinvestimento em educação: gastamos 6% do PIB.

A agenda de redução da desigualdade passa também pela melhoria dos serviços públicos, pela elevação da progressividade dos impostos e pela redução dos privilégios, principalmente os previdenciários dos servidores públicos --que muito oneram o Tesouro e estão totalmente fora do razoável em termos comparativos internacionais.

O terceiro item do consenso é a necessidade de arrumarmos as contas públicas. Será necessário aumentar impostos e/ou reduzir gastos —com reformas, como a previdenciária. Não há consenso no desenho, e é atribuição do processo eleitoral que os candidatos explicitem à sociedade como pretendem atacar o problema fiscal e qual peso darão a corte de gastos e elevação de receitas.

Finalmente, resta o tema da elevação da eficiência do setor público. Será importante que os candidatos se pronunciem, por exemplo, em relação aos seus diagnósticos sobre os motivos de gastarmos 6% do PIB com educação —o governo sul-coreano nunca gastou mais do que 3,5%, mesmo quando a Coreia do sul era mais pobre do que o Brasil— e a qualidade ser tão ruim nessa área essencial.

Essa é a agenda, penso eu, do consenso possível. As divergências serão mais de meio do que de objetivo.

*Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Economia política do teto dos gastos

Sem o teto e se não aceitarmos a volta da inflação, será necessário elevar a carga tributária

Têm sido correntes entre os candidatos críticas à emenda que estabeleceu que o gasto primário da União não pode, por dez anos a se iniciarem em 2017, crescer a velocidade superior à alta da inflação.

Considera-se que, se o gasto suplantar o teto constitucional estabelecido, a emenda terá fracassado.

Esse entendimento está errado. A força da emenda constitucional que estabelece um limite ao crescimento do gasto primário vem da elevadíssima probabilidade de o teto ser rompido, caso não sejam feitas reformas importantes nas regras que determinam o crescimento da despesa obrigatória. Se não houvesse possibilidade de rompimento, a emenda não seria necessária.

Explico-me: a função da chamada emenda do teto é levar a uma profunda discussão do Orçamento com a redução gradual da despesa primária (em percentual do PIB) para que o país consiga fazer o ajuste fiscal.

Adicionalmente, a própria emenda estabelece regras de ajuste compulsório da despesa pública caso o gasto público ultrapasse o limite.

Nesse caso, não será possível aumentar salários de servidores públicos, elevar o salário mínimo real, contratar novos servidores além do necessário para repor os que se aposentam, renovar ou ampliar programas de isenção de impostos (como atualizar a tabela do Imposto de Renda ou elevar o nível para enquadramento de uma empresa no regime tributário especial do Simples), criar despesas obrigatórias etc.

Estamos no meio de fortíssimo conflito distributivo. A dívida pública de mais de 70% do PIB e a carga tributária de 33% do PIB são elevadas para um mercado emergente. Por outro lado, tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que reduzam o gasto público, como a reforma da Previdência. Também tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que elevem a carga tributária.

O equilíbrio desse jogo, se não for resolvido com as reformas necessárias para o cumprimento da emenda do teto dos gastos, será retornarmos ao abismo inflacionário dos anos 1980 e da primeira metade dos anos 1990.

O diagnóstico que produziu a emenda constitucional é explicitar o conflito distributivo antes que ele se transforme em inflação. É uma muleta para facilitar uma solução civilizada.

Como sempre afirmo, pior do que inflação, como solução para o conflito distributivo, somente guerra civil.

Nossa experiência é abundante em demonstrar que inflação no longo prazo impede o crescimento econômico e atinge desproporcionalmente os mais pobres.

Não há futuro com inflação: os pobres perdem, e a economia não cresce.

Uma possível flexibilização da emenda do teto seria excluir do limite alguns investimentos em logística em que a taxa de retorno fosse muito elevada a curto prazo —em razão de seus efeitos sobre o crescimento—, como ocorreu com o PPI (Programa-Piloto de Investimentos) em relação ao acordo de dívida do Brasil com o FMI nos anos 2000.

A emenda do teto é a âncora que temos para que o conflito distributivo brasileiro seja tratado antes que se transforme em inflação. Sem o teto e sem um forte aumento da carga tributária, teríamos de aceitar a volta da inflação. Argentina e Venezuela aceitaram.

Qualquer crítica ao teto precisa entender a sua natureza. As propostas de substitui-lo ou alterá-lo têm de se preocupar em saber se o que será colocado no lugar atende aos verdadeiros objetivos do teto.

Nunca é demais lembrar, ajuste fiscal é sempre corte de despesa e/ou aumento de receita (aumento de carga tributária).

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Piora a conversa

Ajuste fiscal que não quer aumentar receita e não quer cortar despesa é enganar o eleitor

Na quinta da semana passada (14), o jornal Valor Econômico publicou entrevista de André Lara Resende e Eduardo Giannetti da Fonseca, assessores econômicos da candidatura de Marina Silva à Presidência.

O tom da entrevista foi ruim. Não há por parte deles noção da gravidade do problema fiscal e falta sentido de urgência.

A emenda do teto já é um ajuste fiscal muito gradual. Com ela, teremos déficit primário de 2014 a 2020, pelo menos. O cenário mais otimista é que o resultado primário positivo volte entre 2021/2022, mas em um nível que não estabilizará a relação dívida/PIB.

Sem a emenda do teto dos gastos ou com um teto mais brando, parte do ajuste terá de vir de uma maior carga tributária.

Ser contra a emenda do teto e o aumento da carga tributária, e a favor de um ajuste fiscal supergradual, é algo difícil de entender. Se o teto já significa um ajuste gradual, o que seria mais gradual ainda? Esperar a dívida pública chegar a 100% do PIB?

Talvez maior gradualismo fosse possível com forte reestruturação da dívida da União por meio de um rápido processo de privatização. Mas um processo de privatização veloz, mesmo em um governo forte, leva em média dois anos.

Há diversas formas de fazer ajuste fiscal: ou aumento de receita e/ou corte de despesa. Ajuste fiscal que não aumenta a receita e não corta a despesa é enganar o eleitor.

A despesa primária do governo central neste ano será de R$ 1,375 trilhão. A despesa discricionária total é de R$ 125 bilhões, mas a despesa realmente discricionária, que exclui gastos de outros Poderes e gastos obrigatórios definidos pela LDO, é de R$ 80 bilhões.

Construir base partidária de apoio no Congresso para aprovar projetos em um Congresso com mais de 28 partidos políticos requer atender políticas das diversas legendas. Isso significa execução de políticas públicas a partir da demanda dos partidos da base. Algo normal em qualquer democracia. O Congresso não vota baseado nos belos olhos do presidente.

O maior incentivo à votação da reforma da Previdência não está ligado ao envelhecimento da população brasileira. O maior incentivo é que a despesa da Previdência está “expulsando” —isto é, tornando cada vez mais inviáveis— as demais despesas. Para um gasto programado neste ano de R$ 1,375 trilhão, todo o debate orçamentário está em um subgrupo de R$ 80 bilhões.

Falar que “não é fiscalista”, que é contra o teto e que não quer aumento de imposto não promove o bom debate político de que necessitamos. É necessário um posicionamento mais claro ou estaremos alimentando a ideia de que é possível fazer ajuste fiscal apenas com combate à corrupção.

Ainda o tema dos caminhões. Laura Carvalho, na sua coluna de 7 de junho nesta Folha, repercutiu post de Bráulio Borges no Blog do Ibre. Bráulio argumenta que os subsídios do BNDES elevaram a oferta de fretes. Todo o problema do setor é fruto da queda da demanda por fretes.

Se a tese de Bráulio está correta, há duas consequências.

A primeira é que a demanda por aquisição de caminhões é insensível a preços. Seria legal Bráulio documentar esse fato pouco usual.

A segunda, que a inutilidade do BNDES é ainda maior do que diversos estudos têm apontado. Subsídio não consegue nem elevar a demanda por caminhões!

Ou seja, a quantidade de dinheiro do contribuinte que foi jogada no lixo quando o governo petista decidiu direcionar R$ 400 bilhões ao banco é ainda maior do que eu imaginava.

* Samuel Pessôa é Físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Não estamos nos anos 1990

O mercado opera como se estivéssemos no passado; hoje, o Estado é credor em dólar

Até algumas semanas atrás os investidores acreditavam que a sociedade elegeria um presidente centrista e estariam dadas as condições para a aprovação da reforma previdenciária e outras medidas necessárias para reconstrução do equilíbrio fiscal. Aparentemente, o mercado não acredita mais nessa tese.

Os investidores têm produzido forte processo de desvalorização da moeda e a aposta de que o Banco Central terá de subir os juros. Gestores do mercado entendem que os juros estão muito baixos, o que produz pressão pela saída de recursos.

A lógica dos gestores é que o regime cambial vigente no Brasil é de câmbio fixo ou administrado, e, portanto, a política monetária deve ser empregada para defender a moeda.

Diferentemente, operamos no regime de metas de inflação.

A taxa de juros é o instrumento regulador da demanda agregada. Se há excesso de demanda e, portanto, pressão inflacionária, os juros devem ser elevados. Se há carência de demanda agregada e, portanto, pressão desinflacionária, os juros devem ser reduzidos. Caso contrário, os juros devem ser mantidos.

A taxa de câmbio é livremente determinada pelo mercado. O papel do Banco Central é reduzir a variabilidade da cotação do câmbio. Em ano eleitoral, em que é natural maior incerteza quanto aos rumos futuros da política econômica, a necessidade de suavizar esses movimentos é maior.

O processo inflacionário está bem-comportado. Há dois choques externos, desvalorização de todas as moedas com relação ao dólar e elevação do preço internacional do petróleo, e o choque doméstico produzido pelo movimento dos caminhoneiros. Esses três choques adicionarão, provavelmente, um ponto percentual na inflação de 2018. Em vez de o IPCA fechar o ano na casa de 3%, fechará em torno de 4%.

No regime de metas de inflação, há a meta, no nosso caso de 4,5% no ano-calendário de 2018 e de 4,25% no de 2019, e há uma banda, de 1,5 ponto percentual, para a absorção de choques de oferta. Assim, se os choques colocarem a inflação, segundo as estimativas do Banco Central, em até 5,75% em um horizonte de uns 18 meses, não há motivos para a subida dos juros se o processo da inflação, excluindo os choques, continuar a ser desinflacionário.

Dado que a economia opera com grande ociosidade e dado que as últimas revisões da atividade econômica foram para baixo, não há sinais de que o processo inflacionário esteja mudando.

De fato, na sexta-feira (8), foi divulgado o IPCA de maio: 0,4%, um pouco acima do 0,3% que se projetava. Toda a diferença está nos preços que foram sensibilizados pela greve.

Os serviços continuam em sua trajetória de desinflação. Em maio, apresentaram deflação de 0,09%. Em 12 meses, a inflação de serviços encontra-se em 3,4%, e o núcleo dos serviços, em 3,3%. Não há, portanto, sinal de excesso de demanda que sugira a necessidade de subida de juros.

Por que, então, toda essa preocupação? Meu entendimento é que o mercado financeiro opera hoje como se estivéssemos nos anos 1990 ou em 2002.

Naquelas oportunidades, parte da dívida interna era denominada em dólares. Adicionalmente, a dívida externa era elevada. Quando o câmbio se desvalorizava, a posição patrimonial do Estado piorava muito.

Hoje, o Estado brasileiro é credor em dólares. Desde o começo do ano, a dívida líquida tem caído em razão dos movimentos do câmbio.

Não faz sentido fazermos política monetária com a cabeça dos anos 1990.

* Samuel Pessôa, físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Comédia de erros

Crédito barato para comprar caminhão provocou excesso de oferta e reduziu frete

Logo após a crise de 2009, os formuladores de política econômica passaram a estimular a compra de caminhões com empréstimos subsidiados do BNDES.

Achava-se que seria política contracíclica eficaz para ajudar a economia a sair da crise iniciada em 2008.

O programa de crédito muito barato persistiu até o primeiro mandato da presidente Dilma. De 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%. A economia, no mesmo período, cresceu 11%.

Não havia necessidade de tanto caminhão.

Evidentemente, o excesso de oferta de caminhões pressiona o frete para baixo.

A situação é especialmente difícil para o motorista autônomo. Os grandes operadores expandiram muito a oferta e podem contratar outros motoristas. Mesmo porque o mercado de trabalho muito fraco, com elevado desemprego, facilita as coisas para os grandes operadores.

A movimentação de veículos pesados nas estradas pedagiadas encontra-se quase 12% abaixo do pico de fevereiro de 2014.

As montadoras, por sua vez, trabalharam anos a plena carga para, em seguida, ficar anos com elevada ociosidade.

Em que pesem todos os estímulos para a compra de caminhões entre novembro de 2008 e novembro de 2013, a produção de caminhões excedeu os licenciamentos domésticos e a exportação em 40 mil unidades.

É claro que a reversão de cenário foi brutal. Para as montadoras e para os caminhoneiros.

O governo, na tentativa de amenizar a situação para os caminhoneiros, reduziu o pedágio em 2015, quebrando contrato com as concessionárias de rodovias. Tudo está na Justiça.

Entrementes as economias centrais vão se recuperando do estrago da crise de 2008, e os juros de dez anos pagos pelos títulos do Tesouro americano sobem e ultrapassam a marca fatídica de 3% ao ano. O real e demais moedas das economias emergentes perdem valor.

Simultaneamente, os problemas da Venezuela e as "trumpices" com o Irã pressionam o preço do petróleo em um momento de real fraco. O preço do petróleo em reais explode. Não há muito espaço para que a Petrobras não repasse os aumentos, pois ela foi muito machucada no período das vacas gordas para a economia brasileira, durante o qual foi instrumentalizada e mal gerida. Precisa reduzir seu endividamento.

A péssima situação fiscal e a incapacidade de Temer em aprovar a reforma da Previdência após o evento Joesley obrigam o governo a procurar receita onde dá. Eleva-se a tributação dos impostos federais sobre gasolina e óleo diesel.

Em meio a uma recuperação frustrada da economia, os fretes, pressionados pelos custos do diesel, nas rotas agrícolas, subiram de janeiro até abril algo como 40% em termos reais. Em geral, nessa época do ano, os fretes agrícolas sobem uns 20%. Caminhões perdem espaço para ferrovias, o que não é ruim. Mas com tanto caminhão...

Um conjunto incrível de intervenções totalmente desastradas explica movimento grevista muito rápido e que desorganizou a vida das pessoas como poucas vezes ocorreu.

Bom momento para nós voltarmos à agenda que estava posta em 2002: construirmos as condições para que a regulação do setor de comercialização dos subprodutos do petróleo ocorra de forma competitiva por empresas privadas.

Será necessário privatizar com sabedoria o setor de refino. Melhorar o marco regulatório e criar condições para que o comércio internacional ajude a disciplinar o mercado.

Para esse setor, no Brasil, as falhas de governo ultrapassam as falhas de mercado por larga margem.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Populismo de Pochmann

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 29 de abril, afirmou: "O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento".

Certa feita, o presidente da Argentina Juan Perón escreveu em carta ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez: "Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende".

Para os populistas, a economia é elástica e a crise fiscal se resolve apertando o pé no acelerador e colocando a economia para crescer. Na América Latina o populismo produziu décadas de inflação e estagnação. A Argentina regride há sete décadas.

É compreensível que políticos escolham a estratégia populista. Dá resultados eleitorais. É péssimo para o país e para a sociedade e, principalmente, para os pobres --populismo sempre leva à crise e ao desemprego--, mas traz bônus eleitorais no curto prazo.

Quando técnicos ou intelectuais prometem o Paraíso, eles escondem dos cidadãos as reais limitações da economia e os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Pior ainda, dão munição à pior forma de política: a que procura manipular a opinião pública em busca de votos, evitando uma discussão civilizada e adulta de nossos problemas.

O desequilíbrio fiscal representa um genuíno conflito distributivo. Se no século 19 esse embate se dava prioritariamente no âmbito do confronto entre o capital e o trabalho, hoje seus principais campos de batalha são o Tesouro Nacional e o Congresso, que é a instância que arbitra o conflito.

Sempre haverá temas técnicos. Por exemplo, qual será o efeito desta ou daquela forma de tributação sobre o crescimento? E sobre a desigualdade e pobreza? Estes e outros temas demandam o debate sério informado com o melhor aporte da academia. Mas a decisão final é política.

A teoria demonstra, e nossa história já provou,que a política preconizada por Pochmann sempre nos levou à inflação e ao desemprego. Não há nenhum indício ou estudo acadêmico sério que indique que seria diferente desta vez. E, como já disse, das formas de tentar gerir o conflito distributivo, a única pior que a inflação é a guerra civil.

Pochmann, em artigo na Folha na quinta feira (17), chamou-me de paladino do governo para ricos. Mostrou os números dos lucros dos bancos no governo Temer. Se tivesse se dado ao trabalho de averiguar a lucratividade dos bancos nos anos Lula e Dilma, notaria que foi ainda maior do que no último biênio.

No início do governo Lula, Pochmann também foi contrário à focalização das políticas públicas nos mais pobres, princípio que está na base do programa Bolsa Família.

Uma das raízes da atual crise política foi uma campanha eleitoral em que se esconderam da sociedade seus limites, escolhas e conflitos. Repetir a estratégia, fugir a um debate civilizado e adulto, levará ao aprofundamento da crise.

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega. Na Argentina de Perón, na Argentina hoje e no futuro que Pochmann propõe.
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Samuel Pessôa, físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Argentina, de volta aos anos 1990

O exemplo argentino indica que acertamos na estratégia de choque contra a inflação

A Argentina vai ao Fundo Monetário Internacional. A economia apresenta um déficit de transações com o exterior --contando comércio de bens e serviços e pagamento de juros, lucros e dividendos-- de 5% do PIB, ou uns US$ 30 bilhões.

A dívida pública, somente do governo central, é da ordem de 50% do PIB, sendo que 70% dela é denominada em moeda externa. Quando o câmbio se desvaloriza, a dívida pública aumenta.

Vale entender como chegamos aqui.

Algum tempo depois da grande crise na Argentina entre o fim de 2001 e o início de 2002, quando o país decretou moratória da dívida externa e acabou com a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano, registrou-se, já no período Kirchner, forte ritmo de crescimento.

Entre 2002 e 2011, a economia cresceu a uma média anual de 6,3%, ou 74% em nove anos.

Três motivos explicam o crescimento: o ponto inicial com elevada ociosidade, em seguida à crise fortíssima; os efeitos benéficos do longo ciclo de commodities; e a colheita das reformas institucionais do governo Menem. Da mesma forma pela qual Lula colheu parte dos benefícios das políticas liberalizantes de FHC.

Evidentemente, o boom de commodities passou, a ociosidade terminou e os efeitos benéficos das reformas institucionais do período Cavallo passaram. Como ocorreu por aqui.

Tanto lá quanto cá, quando o crescimento fraquejou, optou-se por manter a política de pé embaixo. Até esse ponto o paralelismo surpreende.

Por aqui, entretanto, por alguma razão a tolerância do eleitor à inflação e à bagunça fiscal é, em geral, mais baixa. Dilma no segundo mandato começou a arrumar a casa, tanto com Joaquim Levy quanto com Nelson Barbosa. Temer, com Meirelles, continuou.

Muito há a ser feito. No entanto, estamos no caminho certo. Falta a sociedade se pronunciar nas eleições e negociar os detalhes do ajuste fiscal estrutural.

Na Argentina, Cristina Kirchner dobrou a aposta e passou para a oposição a economia estagnada há muitos anos, com inflação na casa de 30% anuais, além do atraso tarifário e do elevado desequilíbrio fiscal.

Chegou um momento em que os desequilíbrios macroeconômicos teriam de ser enfrentados. A arrumação da casa caiu no colo do governo Mauricio Macri.

O desastre com a inflação é que, uma vez ela tendo início, é muito difícil derrubá-la --e impossível sem custo social. A desorganização representada pela elevação sistemática dos preços demanda aumento do desemprego e da ociosidade. É o doloroso mecanismo disciplinador para impedir aumentos excessivos dos salários e dos preços.

Macri calculou que era mais viável politicamente uma estratégia gradual de enfrentamento da inflação. Talvez a existência por lá de eleição de meio de mandato, que encurta de quatro anos para dois anos o prazo para que o Executivo colha os efeitos benéficos dos ajustes inicialmente implantados, tenha pesado na escolha da estratégia gradual.

O gradualismo tinha como uma de suas hipóteses juro zero mundo afora a perder de vista. Os títulos do Tesouro americano de dez anos rodando a 3% ao ano abortaram o gradualismo.

O exemplo argentino indica que acertamos em termos adotado estratégia de choque no combate à inflação.

HETERODOXIA
A ótima coluna de Nelson Barbosa de sexta-feira (11) neste espaço mostrou que não necessariamente heterodoxia é incompatível com responsabilidade fiscal.

* Samuel Pessôa, é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Samuel Pessôa: Novo estelionato em construção

Dizer que aumento do gasto público é autofinanciável é populismo explícito

O professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, “meca” do pensamento heterodoxo brasileiro) Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no domingo passado (29), afirmou: “O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento”.

É tanta bobagem que tenho dificuldade de acreditar que Pochmann de fato acredita no que falou. O crescimento já voltou —no ano passado, crescemos 1%, e, neste ano, a expansão será próxima de 2,6%—, além de sabermos que a economia não atende as condições do moto-perpétuo. Isto é, impulso fiscal não gera crescimento suficientemente forte para reduzir a dívida como proporção da renda nacional.

A política do pé na máquina foi empregada inúmeras vezes no Brasil. Antonio Delfim Netto no fim dos anos 1970, Dilson Funaro em 1985 e, mais recentemente, Dilma Rousseff em seu primeiro mandato. Sempre com resultados desastrosos.

Donald Trump aparentemente concordaria com cada palavra de Pochmann. Também o governo de Cristina Kirchner aplicou a ideia do moto-perpétuo. Mauricio Macri luta até hoje, sem grande sucesso, para reduzir inflação que insiste em rodar a 25% ao ano. Sem falar do caso da Venezuela.

Por outro lado, Pochmann foi contra o ajuste fiscal promovido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, que está na raiz do bom desempenho dos oito anos daquela administração.

Ou seja, Pochmann está simplesmente errado. A estultice contida na fala dele não está associada a proposições que tipicamente polarizam esquerda e direita. Pode-se defender maior progressividade dos impostos para combater a desigualdade. Seria uma proposição de esquerda, segundo Norberto Bobbio.

Pode-se argumentar que a maior progressividade teria efeitos perversos sobre a eficiência e, consequentemente, o crescimento. Seria proposição de direita, segundo Norberto Bobbio.

Ambas as proposições são defensáveis, e um economista, além de medir os custos e os benefícios de cada uma delas, nada teria mais a dizer sobre elas. São temas eminentemente políticos. É necessário um juízo de valor subjetivo para decidir. Somente a política tem essa delegação.

Já a proposição de que o aumento do gasto público é automaticamente autofinanciável é simplesmente errada.

Não estamos no terreno do debate de ideias esquerda versus direita. Trata-se de populismo explícito. Há profissionais de economia que se prestam a esse serviço. Tanto na esquerda quanto na direita.

Assim, minha interpretação é que o grupo político ao qual Pochmann está associado tem a avaliação de que é de seu interesse embarcar em uma campanha eleitoral escondendo da população, como fizera em 2014, os reais desafios do país. Um novo estelionato eleitoral encontra-se em gestação.

Tudo o que um político deseja é um profissional de economia, com alguma credencial acadêmica, que diga que os problemas se resolvem estimulando o crescimento. Nos meus 55 anos de vida, já vi esse discurso, pela direita e pela esquerda, inúmeras vezes. Nunca terminou bem.

Vale lembrar que Pochmann foi também contrário à focalização do gasto social nas famílias de menor renda, embrião do programa Bolsa Família. Era política pública dos neoliberais do Banco Mundial.

* Samuel Pessôa, físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


dólar

Samuel Pessôa: O câmbio andou

Provavelmente a alta do dólar desde o início do ano veio para ficar

Desde 26 de janeiro o real desvalorizou-se, relativamente, à moeda americana, em 10%. Passou de R$ 3,15 por dólar para R$ 3,47. O câmbio andou pouco mais de R$ 0,3.

Sempre que olhamos andadas do câmbio, nos perguntamos: quais fatores motivaram sua variação? Fatores domésticos ou fatores externos? Será que o calendário eleitoral e todas as incertezas associadas ao processo eleitoral passaram a entrar no radar dos investidores?

Meu colega do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Lívio Ribeiro produziu estudo que separa os movimentos do câmbio em seus componentes externos e domésticos. Rigorosamente os componentes domésticos constituem o resíduo da parcela dos movimentos do câmbio que não são descritos pelos componentes externos.

O resultado que Lívio obteve foi que aproximadamente 45% da desvalorização do câmbio, ou R$ 0,135, resultou de fatores externos. Eles foram: a valorização da moeda americana ante as divisas fortes, o aumento do custo internacional de capital, medido pela elevação da remuneração do título do Tesouro americano de dez anos, e o impacto dessas variáveis sobre o risco Brasil.

Do movimento de alta, 5%, ou R$ 0,015, deveram-se a fatores domésticos que pressionaram o risco Brasil –as incertezas eleitorais entram aí–, e os demais 50%, ou R$ 0,15, provêm da redução do diferencial de juro entre o Brasil, fruto da queda da Selic, e o juro americano de um ano. Somando as três parcelas, temos a desvalorização total de R$ 0,3.

Toda essa análise não consegue tratar de causalidade. É possível somente estabelecer correlações entre as variáveis.

Essa é a maior limitação da macroeconomia. Em geral os modelos macroeconômicos consideram correlações entre as variáveis, mas não conseguem estabelecer a causalidade entre elas. Esta segue da hipótese ou da visão de mundo do pesquisador.

A hipótese no estudo de Lívio é que o real não afeta diretamente o retorno do título do Tesouro americano de dez anos e a cotação do dólar ante as divisas das demais economias desenvolvidas, mas é afetado por esses fatores.

Vale lembrar que desde o início do ano o custo de capital de longo prazo no mercado internacional, medido pelo retorno dos títulos do Tesouro americano de dez anos, subiu de 2,65% para 3% e que o diferencial de juros para um ano entre o Brasil e a economia americana reduziu-se em um ponto percentual (de 4,7% para 3,7%).

A conclusão é que provavelmente a valorização do dólar desde o início do ano veio para ficar e está associada a fenômenos mais estruturais. Evidentemente, se a inflação brasileira pressionar e, em razão da ação do Banco Central, o juro real por aqui subir, o diferencial de juros da economia brasileira com relação à economia americana elevar-se-á. No entanto, não parece haver espaço para subidas de juros no curto prazo. Ainda temos visto surpresas desinflacionárias no Brasil.

Juntando tudo, a impressão que se tem é que muito lentamente a economia internacional, em particular a economia americana, se normaliza.

Rodando há mais de um ano a pleno emprego e a uma velocidade um ponto percentual acima da taxa de expansão potencial, os Estados Unidos crescem 2,5%, ante crescimento potencial de 1,5%, aproximadamente. Assim, o cenário de que o custo real internacional de capital será eternamente negativo –hipótese conhecida por estagnação secular– vai ficando para trás.

O tempo que temos para arrumar nossas inconsistências fiscais se reduz.
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Samuel Pessôa, físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Sérgio Pessôa: A lógica da ação coletiva

Em 19 de junho, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Gianpaolo Smanio, argumentou que o ajuste fiscal não pode ser feito no orçamento da Justiça. Smanio considera que o gasto com Justiça é investimento, e não despesa.

O fato de nosso Judiciário custar, como proporção do PIB, de quatro a seis vezes mais do que o Judiciário de qualquer país da OCDE não sensibiliza o procurador.

Transcorrido exato um mês, em 19 de julho, no mesmo espaço da Folha, o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, argumentou que a contribuição compulsória de 2,5% sobre a folha de salários que financia boa parcela da atividade das instituições do Sistema S se justifica em razão dos elevados retornos sociais das atividades empreendidas por essas instituições.

Em ambos os casos, não há preocupação com o custo e o benefício. Basta haver algum benefício. Ajuste fiscal bom é ajuste fiscal sobre os outros.

Recentemente, a Defensoria Pública da União requereu no STF a sua inclusão como colaboradora nos diversos processos de inconstitucionalidade da emenda constitucional que estabeleceu um teto para o crescimento do gasto primário da União. A justificativa é que, para melhor servir a população, a Defensoria Pública precisa de mais recursos.

Temos visto -por parte dos funcionários do BNDES e das associações empresariais- fortíssima reação contrária à criação da TLP (Taxa de Longo Prazo), iniciativa que trará transparência às operações do BNDES. A TLP retira do banco o poder de emprestar com subsídios sem que estes tenham sido avaliados e aprovados pelo Congresso Nacional.

A retórica das corporações é travestir o seu interesse particular no interesse da sociedade.

Além disso, as corporações demonstram inconsistência. Se é para manter todos esses gastos, como fazer campanha pela queda da carga tributária? Como a Fiesp pode colocar um pato na frente de seu prédio e simultaneamente ser contra o fim da contribuição compulsória de 2,5% para financiar o Sistema S e ser contra a criação da TLP?

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) foi contrária à PEC dos gastos. Agora, no dia 18, divulgou nota contrária à subida do imposto sobre a gasolina de R$ 0,41 por litro. Subtende-se que, para todas essas corporações, há despesas que podem ser cortadas e receitas que podem ser levantadas de forma muito fácil, com fortíssimo impacto positivo sobre o Orçamento.

Os candidatos óbvios são: os juros pagos aos banqueiros, a corrupção e a isenção de lucros e dividendos no Imposto de Renda da Pessoa Física.

Já escrevi diversas vezes sobre juros. Apesar de bem salgada, essa conta é bem menor do que se imagina. Se considerarmos juros reais pagos excluindo o IR que incide sobre a correção monetária da dívida, trata-se de uma conta de 2% a 3% do PIB.

O combate à corrupção é necessário, mas longe de ser a panaceia de R$ 200 bilhões por ano alardeada pela procuradora da República Thaméa Danelon no mais recente programa "Roda Viva", da TV Cultura.

Finalmente, a isenção da distribuição de lucros e dividendos do IRPF é função da elevada alíquota que praticamos no Brasil na pessoa jurídica. Há algum espaço para aumentar a tributação, mas certamente muito menos do que se imagina.

Teremos que atuar em todas as margens. Não há saída simples, ao contrário do que pensam as corporações.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.