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Revista online | O falso moralismo do neosertanejo

Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)  

Recentemente, uma polêmica tomou as páginas dos jornais e invadiu as redes sociais. Tudo por conta do discurso autocelebrativo do cantor sertanejo Zé Neto: "Nós somos artistas que não dependemos da Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no 'toba' para mostrar se a gente está bem ou mal", disse, referindo-se a uma tatuagem da cantora Anitta. Ela retrucou, denunciando que os sertanejos recebiam cachês milionários das prefeituras. 

De fato, a frase de Zé Neto foi dita durante um show em Sorriso, cidade de Mato Grosso, com pouco mais de 90.000 habitantes, pelo qual recebeu R$ 400 mil da prefeitura. 

O desafio de um país que trata cultura com descontinuidade política

A inflamada declaração do cantor e a reação de Anitta acabaram repercutindo nas redes e chamaram a atenção do Ministério Público (MP), que puxou o fio da meada e descobriu que Zé Neto e seu parceiro de dupla, Cristiano, recebem verbas milionárias de prefeituras de pequenas e médias cidades do interior para se apresentar.  

O esquema revelou uma prática explorada com frequência pelos músicos sertanejos. Só em Mato Grosso, o MP anunciou que vai investigar outras 23 prefeituras do Estado que pagaram mais de R$ 1 milhão por shows do gênero.  

Atacar a Lei Rouanet e denunciar outros artistas que recebem dinheiro por meio de seu mecanismo é o esporte preferido de artistas bolsonaristas. No caso de Zé Neto, faltou ele dizer que o seu cachê foi pago com dinheiro público.  

A coisa funciona assim: a prefeitura decide qual cantor ou grupo quer contratar e o faz sem licitação. A dispensa ocorre porque há apenas um fornecedor do serviço, que é o artista em questão. Rastrear a origem do dinheiro e, principalmente, descobrir a planilha de gastos desses eventos é difícil, pois as prefeituras dão pouca transparência aos gastos.  E, assim, de município em município, os agraciados com a verba pública enchem o bolso.   

A comparação desse esquema com a Lei Rouanet é, no mínimo, equivocada. Ao contrário da facilidade com que a verba municipal usufruída pelos artistas sertanejos é liberada, quem pretende levantar recursos, por meio da lei federal, enfrenta uma via crucis na burocracia até ter seu projeto aprovado. No momento em que faz a proposta, é preciso detalhar todos os gastos para a realização do projeto. Tudo é checado e controlado, além de publicado em um portal. Concluído o projeto, há uma rigorosa prestação de contas.  

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Com autorização do governo, o produtor tem que correr atrás de empresas aptas a financiar o projeto, com recursos de impostos devidos, advindos de renúncia fiscal. 

A Lei Rouanet surgiu em contraposição à débâcle que foi o governo Collor para a cultura. Contra o estrangulamento do setor, lançou-se mão de uma lei de uso do imposto devido para o financiamento de projetos para a área. Há regras públicas e critérios para a seleção. A lei vinha, ao longo do tempo, sendo debatida e aperfeiçoada. Com Bolsonaro, e suas fake news, foi tudo jogado ao mar e estigmatizado. 

Se Zé Neto soubesse que atrairia os holofotes por seu comentário indelicado a respeito de Anitta, provavelmente teria ficado de boca fechada. O rebuliço acabou atingindo outros figurões desse gênero musical. Que o diga Gusttavo Lima, bolsonarista que lota shows em feiras agropecuárias, onde é comum defender Deus, pátria e família entre uma música e outra. Surpreendido com a mão na cumbuca, fez chororô nas redes ao saber que o MP investigaria suas apresentações.  

O Brasil deixou há muito de ser um país essencialmente agrário. O caipira de hoje não é mais aquele ingênuo personificado por Mazzaropi nos cinemas.  O sucesso do agronegócio moldou um novo perfil. O cowboy norte-americano moderno é agora o ícone – self made man com uma pistola na cintura, vastas terras, hipervalorização do dinheiro e valores conservadores. Preservação ambiental, para ele, é pasto para o gado. A referência é J.R. Ewing, o magnata texano da série “Dallas”, sucesso mundial dos anos de 1980.  

Tudo isso trouxe à baila uma estética também nova: saem Pena Branca e Xavantinho, já falecidos; adeus Milionário e Zé Rico, com um Brasil cantado em moda de viola. Foram substituídos por um sertanejo anódino, que cresce que nem mato ruim. 

Mas, curiosamente, hoje existe um Brasil caipira que é um contraponto às duplas sertanejas.  Ele é consumido na tela de TV, na novela “Pantanal”. Começa pela trilha sonora, repleta de Almir Sater, Renato Teixeira e outros poetas do sertão. A natureza aparece em todo seu esplendor, valorizada.  

O que vemos na telinha não é um Jardim do Éden, longe disso, nem tampouco um retrato realista do país.  Se tivesse que escolher, no entanto, arriscaria dizer que é melhor para a saúde do brasileiro assistir a um capítulo de “Pantanal” do que ter que encarar um show do neosertanejo, com suas consoantes repetidas e a hipocrisia do falso discurso moralista,

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e escritor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Dívidas públicas podem custar 270 bilhões de reais, diz economista da UnB

José Luis Oreiro lembra que a taxa Selic alcançou patamar de 2% ao ano

João Vitor*, da equipe FAP

O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro alerta para as consequências da alta taxa de juros para a inflação do Brasil. “A política de juros altos é ineficaz no que se refere a manter a inflação dentro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional”, afirma, em artigo na revista Política Democrática online de novembro (37ª edição).

A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo para o público, por meio da versão flip, gratuitamente. No artigo, o professor, constata que a morte do rentismo no Brasil foi uma notícia bastante exagerada.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de novembro

Oreiro diz que o Tesouro Nacional terá um gasto adicional de R$ 270 bilhões com o pagamento de juros sobre a dívida pública. Isso, segundo ele, caso a taxa Selic, básica de juros da economia, chegue a 11% ao ano.

No artigo, ele critica a “expectativa incorreta do fim do rentismo no Brasil durante a grande recessão de 2014-2016”, com a estagnação do crescimento no período 2017-2019 e a pandemia da covid-19.

“Pela primeira vez em 25 anos, a taxa Selic alcançou um patamar de 2% ao ano, o que obrigaria os ricos a aplicar sua riqueza em atividades produtivas”, afirma. Porém, ele lamenta que isso não tenha ocorrido em função do pior regime de chuvas nos últimos 90 anos no Brasil e da pandemia no mundo.

O autor do artigo afirma que a justificativa que os economistas convencionais davam para o elevado patamar da taxa Selic era a de que o regime de câmbio impedia o ajuste na conta de transações correntes do balanço de pagamentos.

De acordo com o professor, a situação exigia a entrada de capitais externos para financiar o balanço de pagamentos e a manutenção da Selic em patamares elevados para atrair a “poupança externa” necessária para “financiar” o crescimento da economia brasileira.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de novembro

A íntegra do artigo de Oreiro pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A nova edição da revista da FAP também tem reportagem especial sobre as novas composições familiares e entrevista especial com o economista Bernard Appy, além de artigos sobre economia, cultura e política.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida

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Alexandre Saraiva: “É preciso destruir maquinários de garimpeiro e desmatador"

Em podcast publicado na manhã desta sexta-feira (21), ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas fala sobre o comércio ilegal de madeira na Amazônia

João Rodrigues, da equipe da FAP

 A extração ilegal de madeira na Amazônia é o tema principal da edição número 36 da revista Política Democrática Online, lançada na última semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

O episódio 33 do podcast da Rádio FAP analisa o comércio ilegal de madeira na Amazônia, destacando os principais pontos da matéria de capa da RPD Online deste mês de outubro com o ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas Alexandre Saraiva.

Confira um trecho da entrevista, disponível na íntegra neste link.




Nomadland encanta pelas contradições e se consagra como vencedor do Oscar 2021

Análise é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), a crítica de cinema Lilia Lustosa acredita que o ano de 2021 pode representar um grande avanço para a conquista feminina no cinema.

“Ao que tudo indica, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina”, afirma Lilia, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição).

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.

Dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos, Nomadland vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada, na avaliação de Lilia Lustosa. O filme se tornou o segundo dirigido por uma mulher a receber a estatueta maior da grande premiação hollywoodiana (Melhor Filme) – e Chloé Zhao também repetiu o feito no prêmio de direção (Melhor Diretor).

Roadmovie

“Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand”, conta a crítica de cinema, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online.

A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que, conforme ressalta Lilia, a sociedade está assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra pessoas nascidas naquela região, “a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus”.

“Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta!”, critica Lilia. “Mas, enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo”, destaca o artigo da revista online da FAP.

Globo de Ouro

Em fevereiro último, como lembra Lilia, Cloé Zhao se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito.

“No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filme foi laureado mais uma vez como o melhor do ano”, diz.

Para saber todos os detalhes da crítica de cinema produzida por Lilia, acesse diretamente a versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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RPD || Lilia Lustosa: Cinema feminino e plural

Apesar da tragédia da pandemia do novo coronavírus,  2021 marca positivamente a história do cinema ao destacar a presença feminina, com duas mulheres concorrendo à categoria de Melhor Direção

Quantas diretoras de cinema você conhece? Dá para encher uma mão? E diretores? Muito mais fácil de lembrar, não? Eles são tantos! 

A verdade é que a indústria cinematográfica sempre foi dominada pelos homens, embora as mulheres tenham tido participação fundamental em sua consolidação. No entanto, como costuma acontecer em outras áreas, muitas dessas personagens femininas foram apagadas, esquecidas, editadas ou simplesmente cortadas da História. Ora, todos já ouvimos falar dos Irmãos Lumière, de Méliès, de Edison, certo? Mas quem conhece Alice Guy ou Lois Weber? Mulheres que, desde os primórdios do cinema, já atuavam por detrás das câmeras, mas cuja passagem pelos estúdios e salas escuras ficou perdida lá no passado! 

No Brasil, também foram muitas as que atuaram na construção do nosso cinema, como Carmem Santos, atriz, roteirista, diretora e produtora, que, já nos anos 20, criou a Film Artistico Brasileiro (F.A.B.) e, nos anos 30, com a chegada do sonoro, a Brasil Vita Filmes. Ou ainda Cléo de Verberena, atriz e produtora, primeira mulher a dirigir um longa de ficção no país, o desaparecido O Mistério do Dominó Preto (1931).  Isso sem falar de Adélia Sampaio, Helena Solberg, Helena Ignez… Tantas, mas das quais sabemos tão pouco! 

Ao que tudo indica, porém, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina! Isso porque o filme que vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada é Nomadland, dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos. Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand. 

A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que estamos assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra essa gente, a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus. Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta! Mas enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo. Em fevereiro último, ela se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito. No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filmefoi laureado mais uma vez como o melhor do ano.  



Resta agora o prêmio mais badalado da terra do tio Sam: o Oscar. No dia 25 deste mês, Nomadland concorrerá ali em seis categorias: melhor longa, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia e atriz. Dessas indicações, quatro levam a assinatura de Zhao. Uma proeza e tanto para tempos em que a desigualdade de gênero ainda é a regra do mercado! 

E o melhor de tudo é que a diretora nascida em Pequim não está sozinha nessa empreitada, já que a britânica Emerald Fennell também concorre ao prêmio de direção por seu inusitado Bela Vingança (2020), sendo este o primeiro Oscar a ter duas mulheres disputando essa categoria. Até então, em suas 93 edições, apenas cinco haviam sido indicadas por direção, mas nunca duas ao mesmo tempo. Fennell concorre ainda por roteiro original, e Bela Vingança, que tem a violência contra mulher como tema central, por melhor filme e montagem. Uma trama cheia de dores, cores e dissabores, e que traz uma Carey Mulligan esbanjando talento no papel da vingativa Cassandra, o que lhe rendeu, aliás, a indicação ao Oscar de melhor atriz. 

Fora Zhao e Fennell, outras tantas profissionais estão concorrendo nas mais diversas categorias. Sem dúvida, um grande passo para a tão almejada igualdade, mas que não deixa de sublinhar o triste fato de que, em pleno século 21, ainda tenhamos que aplaudir de pé a indicação de duas mulheres às categorias principais do Oscar. Pergunto-me então o que teria gerado essa “evolução”? A luta de tantos anos? Mudanças na composição dos boards dos prêmios? Ou será que o confinamento levou à reflexão, fazendo-nos entender de uma vez por todas que há espaço para talentos de todos os gêneros e raças nos sets de filmagem?  

Que venham as estatuetas! 

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).

  • ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
  • *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.