roda democratica

Roda Democrática promove ato do Polo Democrático e Reformista em SP nesta quinta-feira (28)

A Roda Democrática, grupo que reúne “militantes de histórico partidário variado, democratas liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas, pós-comunistas, ambientalistas e alternativos”, realiza nesta quinta-feira (28/06), em São Paulo, às 17h, no Teatro Eva Herz (Conjunto Nacional – Avenida Paulista, 2073 – Consolação) um ato do Polo Democrático e Reformista.

Diante da polarização dos extremos nas eleições presidenciais de outubro, representada pelo “nós contra eles” e por setores defensores da intervenção militar no País, os integrantes da Roda Democrática entendem, no entanto, que “ainda não há, no cenário político, uma candidatura que se possa desde já considerar unitária, arejada e competitiva, definição essa que virá no momento apropriado e como produto do consenso majoritário formado no vasto campo da democracia”.

“Comprometida com a democracia e o reformismo social”, a Roda Democrática (veja a convocação abaixo) considera necessário a união de esforços “para superar a mentalidade binária que simplifica o que é complexo e bloqueia a expansão da sociedade do conhecimento”, ao mesmo tempo em que anuncia que “não se furtará a entrar nessa batalha”, com a mobilização para o ato e a abertura de lista de adesão, no site do grupo na Internet, do “Manifesto Por um Polo Democrático e Reformista”, lançado no último dia 5 de junho, em Brasília.

O documento, que conta com o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), parlamentares e lideranças de diversos partidos, defende uma candidatura única de centro em 17 pontos (veja aqui) que “podem gerar consensos progressivos em torno da agenda nacional e dos avanços necessários, a partir de uma perspectiva democrática e reformista”.

O manifesto afirma que a eleição deste ano é mais “complexa e indecifrável” desde a redemocratização e alerta, sem citar nomes, para o risco de uma disputa polarizada entre um candidato de esquerda e o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto no cenário sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“A Roda e os artesãos da unidade

A Roda Democrática nasceu inteiramente comprometida com a democracia e o reformismo social. Em todos os nossos encontros e manifestações, assumimos o compromisso de contribuir para a aglutinação do campo democrático e reformista, tanto para gerar uma alternativa de longo prazo capaz de levar o Brasil a superar a maior crise de sua história, quanto para unir forças na disputa presidencial.

No último dia 5 de junho foi lançado em Brasília o manifesto do Polo Democrático e Reformista. A louvável iniciativa, para ser bem sucedida, não pode se limitar a uma articulação parlamentar e partidária. Tampouco pode ser entendida como correia de transmissão desta ou daquela candidatura. Ainda não há, no cenário político, uma candidatura que se possa desde já considerar unitária, arejada e competitiva, definição essa que virá no momento apropriado e como produto do consenso majoritário formado no vasto campo da democracia.

As forças vivas da sociedade e da democracia precisam convergir para esse objetivo. Os movimentos cívicos horizontais, o mundo da cultura e o mundo do trabalho estão convocados a cumprir papel ativo nessa quadra tão grave da nossa história. Devemos nos esforçar para superar a mentalidade binária que simplifica o que é complexo e bloqueia a expansão da sociedade do conhecimento.

A Roda não se furtará a entrar nessa batalha. Em sintonia com o presidente Fernando Henrique Cardoso, tomamos a iniciativa de realizar em São Paulo um grande ato do Polo Democrático e Reformista, no dia 28 de junho, às 17h, no Teatro Eva Herz, Conjunto Nacional, Av. Paulista. Nos próximos dias pretendemos anunciar a adesão de movimentos como Agora, Juntos e Acredito, entre outros, bem como de políticos, intelectuais e sindicalistas.

Ao mesmo tempo, o site da Roda Democrática hospedará uma lista de adesões ao manifesto do Polo Democrático e Reformista.

O desafio é imenso. É sempre mais fácil dividir do que agregar. É muito mais cômodo cada um ficar na sua bolha. Mas não é o que o Brasil exige de democratas como nós. Nossa cultura é da unidade. Superamos o regime militar por meio de uma grande concertação democrática. Quem disse que não poderemos fazer o mesmo para superar a diáspora que ameaça por em xeque o nosso futuro?

Contamos com todos vocês para essa empreitada. Participem do ato do dia 28 de junho, ajudem na sua divulgação. Convoquem amigos e familiares. Mantenham viva a discussão.

É o que o Brasil espera de todos nós, artesãos da unidade.”

ATO POLO DEMOCRÁTICO E REFORMISTA
Dia: 28 de junho
Horário: 17h
Local: Teatro Eva Herz – Conjunto Nacional (Avenida Paulista, 2073 – Consolação) – São Paulo (SP)


Sérgio Fausto: Presos ao passado, ficaremos sem futuro

 

A expansão do universo digital não muda apenas as formas de comunicação, o que já não seria pouco. Muda também as formas de produzir e trabalhar. A automação vem de longe, mas entra agora em novo território: máquinas inteligentes conectadas em redes que desconhecem fronteiras físicas. Fábricas altamente produtivas onde não se vê viva alma, veículos sem motoristas e uma crescente gama de serviços desempenhados por softwares que “pensam” e falam não são mais figuras de um mundo futuro. Estão aí, em número crescente. Atividades que se mantiveram ao abrigo da automação tornam-se vulneráveis à substituição do trabalho humano, muitas delas “profissões liberais”, frequentes entre classes médias assentadas.

Os pesquisadores ainda tateiam o terreno. As estimativas a respeito da proporção de ocupações vulneráveis à automação variam. Carl Benedickt Frey e Michael Osborne, em The Future of Employment: How susceptible jobs are to computarisation, publicado em 2013, dizem que 47% dos empregos nos Estados Unidos têm alto risco de ser suprimidos pela automação. Recente trabalho publicado pela OCDE (The Future of Work) afirma que 14% dos empregos nos países-membro são altamente suscetíveis à substituição por máquinas e 32%, à significativa alteração. Também há divergência sobre o quanto a nova onda de “destruição criativa” produzirá de destruição ou criação líquida de oportunidades de trabalho. Tampouco há concordância sobre os ganhos de produtividade resultantes da introdução das novas tecnologias. Sinais claros de que estamos em território que apenas começa a ser conhecido. Num ponto, pelo menos, há convergência: as novas tecnologias favorecem os trabalhadores com mais alto nível de instrução.

Na mais recente edição do World Economic Outlook, abril de 2018, o FMI calcula que a vulnerabilidade à automação de um trabalhador com diploma universitário nos países avançados é duas vezes menor do que a dos que não o têm. A mesma publicação mostra que a automação já é um fator importante da queda da taxa de participação dos homens na força de trabalho nos países desenvolvidos (alguma surpresa que Trump tenha recebido significativamente mais votos dos homens que das mulheres?).

Em suma, a nova onda de progresso técnico empurra as sociedades na direção de maior desigualdade e exclusão. Se isso é um problema para os países desenvolvidos, o que dizer para o Brasil, um dos países mais desiguais do planeta, onde 43% da população economicamente ativa ainda não têm o ensino médio completo e 27% sequer o ensino fundamental completo? Isso a despeito de a escolarização média da população ter aumentado de 3,8 anos para 7,4 anos nos últimos trinta anos.

A redução da desigualdade e da exclusão social nos países desenvolvidos ao longo do século XX foi produto da ação política e sindical, de duas guerras mundiais devastadoras e do fantasma da “revolução comunista”, corporificado, depois de 1917, na União Soviética e sua influência sobre partidos comunistas no Ocidente. Ao contrário do que Marx havia previsto ao final do século XIX, o desenvolvimento do capitalismo não resultou na pauperização da grande massa dos trabalhadores e na concentração da propriedade e da renda em poucas mãos burguesas. Ao invés da revolução, os partidos socialdemocratas europeus abraçaram programas de reformas do capitalismo legitimados pelo voto. A solidariedade social forjada na guerra e o medo da convulsão social espontânea ou dirigida pelos comunistas moveu os “partidos burgueses” em direção ao grande acordo social representado pelo Welfare State.

O que se vislumbra do horizonte do século XXI é bem distinto. A China não exporta revolução (nem está interessada em construir um capitalismo democrático). Quer vencer a competição capitalista global e por isso está engajada na corrida, contra os Estados Unidos, pelo domínio das tecnologias de ponta. Dessa corrida dificilmente resultará uma guerra entre as grandes potências, felizmente. E, se resultar, será travada por supermáquinas comandadas a distância sem o envolvimento de grandes contingentes populacionais. Pode haver uma hecatombe nuclear, mas aí é outra história. Não estão no horizonte nem a solidariedade social provocada pela tragédia da guerra nem o receio da revolução a favorecer por vias tortas pactos sociais produtores de maior inclusão social e melhor distribuição da renda.

Onde ancorar a esperança de um mundo melhor, que o progresso técnico ao mesmo tempo viabiliza e nega à parte importante das sociedades? Na democracia. Com todos os seus defeitos, cada vez mais aparentes, e portanto corrigíveis, é o único regime que obriga quem tem poder a levar em consideração os perdedores e lhes dá meios não violentos para se fazer ouvir.

O maior mérito da socialdemocracia europeia no século XX foi compreender que a democracia não era um meio para tomar o Estado de assalto e sim um projeto político civilizatório que permite reduzir assimetrias de poder e ampliar os níveis de bem-estar geral viabilizados pelo desenvolvimento das forças produtivas. A socialdemocracia rompeu com o marxismo ao optar pelo reforma do capitalismo, mas dele preservou a convicção de que o desenvolvimento tecnológico não apenas não pode como não deve ser bloqueado.

O grande desafio contemporâneo é colocar as novas tecnologias a serviço de uma agenda de aumento geral dos níveis de bem-estar social e da transição para uma economia movida pelo uso sustentável dos recursos naturais. A universalização de programas de renda mínima para proteger os trabalhadores dos efeitos do desemprego estrutural, sem estigmatizá-los, é uma resposta provavelmente necessária, mas insuficiente. Trabalho não é apenas fonte de renda, é fonte de inserção social, autoestima e desenvolvimento pessoal.

O mais importante direito social frente às transformações tecnológicas em curso é o direito à aquisição das habilidades necessárias ao desempenho de funções socialmente valorizadas. Educação e trabalho deixaram de ser duas fases sequenciais da vida. O trabalhador precisa estar preparado para navegar o mar revolto das mudanças tecnológicas. Isso requer aprendizado constante. Mais do que habilidades técnicas específicas, são necessárias habilidades gerais tanto cognitivas quanto sócio-emocionais, cujo desenvolvimento, ao longo da vida, será tanto maior quanto mais cedo forem trabalhadas.

Uma sociedade do conhecimento para todos, desde a primeira infância, que valorize as habilidades técnicas de programação, operação e manutenção de sistemas inteligentes e análise dos dados gerados por eles, mas também as habilidades voltadas aos cuidados do corpo e da mente, ao entretenimento, à fruição artística, à compreensão dos fenômenos sociais e da natureza, e da interação entre ambos.

Bela utopia, da qual o Brasil precisa para se mover e construir seu futuro. Onde buscar inspiração, ou melhor, ideias, experiências, tentativas? A esquerda estatista e retrógrada e os liberais crentes do livre mercado e do Estado mínimo (não são todos) decretaram a morte da socialdemocracia. De fato, ela não goza de boa saúde eleitoral na Europa. Não significa que o pensamento socialdemocrata nos países avançados tenha definhado e que a reinvenção do Welfare State seja uma batalha perdida.

Bons sistemas públicos de saúde e educação, creches e escolas de ensino infantil de qualidade, adequação dos currículos do ensino básico com vistas a facilitar a transição escola-trabalho, reformas dos sistemas previdenciários para ajustá-los a mudanças demográficas, flexibilização das legislações trabalhistas combinadas com políticas ativas de emprego (não apenas proteções temporárias contra o desemprego, mas treinamento e capacitação permanente dos trabalhadores, com participação de empresas, governos, sociedade civil e sindicatos), serviços de apoio ao empreendedorismo, incentivo à economia de baixo carbono, etc.

O fato de que essa agenda combine elementos socialdemocratas, liberais e ambientalistas não é mera coincidência, e mostra que o debate público no Brasil está preso ao passado. Corremos o risco de ficar sem futuro.

* Sérgio Fausto é superintendente Executivo da Fundação FHC. Colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University. Membro do GACINT-USP.


Antonio Risério: Da aceitação das diferenças ao paredón identitário

Segue a conversa em torno dos movimentos identitários e do livro de Francisco Bosco 

Quero falar da abolição da história, das classes sociais (isto é, do sociológico) e da variabilidade antropológica da humanidade, nesse ambiente mental identitário… Quero chegar também a uns lances mais duros… Mas, a essa altura da conversa, talvez seja bom (mas talvez seja apenas supérfluo) fazer um intermezzo, uma breve colagem, para dar uma situada geral do assunto no âmbito da esquerda (ou de quem se diz “progressista”): o que degenerou de maio 68/new left para multiculturalismo/cultural studies… Espero que Francisco Bosco tenha alguma paciência.

Recentemente Maria Cecília Manso me perguntou: isso tem a ver com o “politicamente correto”? E Marília Mattos, fazendo um esforço de síntese genealógica, respondeu:

“A origem, por assim dizer, ‘epistemológica’ é a mesma: os estudos culturais, que têm a ver com Gramsci e com uma revisão do marxismo (a partir de Althusser e sua concepção de “interpelação ideológica”) a qual, para resumir, fez com que a esquerda (ou melhor, a new left), praticamente constrangida pelas feministas americanas, estendesse seu foco – até aí, no proletariado – às chamadas “identidades minoritárias” (ou periféricas). Expansão esta que, a meu ver, acabou por afastá-la totalmente do proletariado (mais precisamente, fez este afastar-se dela) ao ignorar e, muitas vezes, atacar seus valores reacionários, concentrando-se (quase obsessivamente) nessas identidades “oprimidas” (mulher, negro, gay, etc) – o que, graças à excessiva patrulha ideológica, deu nessa overdose de ‘politicamente correto’. Lugar de fala, simplificando, diz respeito aos discursos com os quais vc se identifica, que (re)produzem as identidades, que não são únicas, nem essenciais ou fixas – como demonstrou, emblematicamente, Michael Jackson, um herético transgressor das ‘sacrossantas’ fronteiras identitárias. Mas esse caráter fluido da identidade é frequentemente desconsiderado, o que é lamentável”.

O próprio Bosco fala, em seu livro A Vítima Tem Sempre Razão? , que a “erosão da centralidade do conceito de classe (ou das respostas propostas a ele) foi um dos fatores a produzir a emergência de uma nova esquerda, baseada em outras referências”. Acrescenta: “Já no período de 1968 se estabeleceu uma crítica ao trabalho alienado, de regime taylorista, hierarquizado, que era a base da perspectiva revolucionária marxista… Em oposição a essa forma de trabalho, deu-se uma valorização das atividades mais flexíveis e arriscadas, cujo sentido era o da autorrealização… No lugar da crítica clássica à exploração da força de trabalho, há uma crítica à inautenticidade do trabalho tradicional… É no contexto dessa crítica ao trabalho, considerado em sua dimensão impessoal, que emergem os pleitos por reconhecimento de formas de vida particulares: os movimentos identitários”.

E isso tomou conta das “humanidades”, no sistema universitário estadunidense, sendo prontamente retransmitida por nossos copistas de plantão…

Bruna Frascolla, também no Facebook: “A fórmula é a seguinte: sempre que vocês virem um jovem que se pretenda progressista afirmando alguma coisa digna do kkk ou das mulheres de Aristófanes, isso vem de modismos acadêmicos dos Estados Unidos. São os estudos de questões sociais feitos em departamentos de literatura (sim!), sem qualquer compromisso com análise concreta e rigorosa de dados. Os ‘gender studies’, os ‘postcolonial studies’ e a caçula ‘queer theory’. Tudo consiste em pegar o antagonismo de classes do marxismo, a dinâmica opressor-oprimido, e transferir para etnia e sexo”.

Quanto ao “multiculturalismo”, sempre o defini como um apartheid de esquerda. Lembro entrevista que dei ao escritor José Castello, há exatos 11 anos atrás:

“Existem países multiculturais e países sincréticos. O Brasil é um país essencialmente sincrético. Não temos aqui nada de parecido com o bilinguismo paraguaio, com as divisões que detonaram a antiga Iugoslávia, com os cinagaleses e tâmeis que fragmentaram o Sri Lanka, com o que acontece na Nigéria e na Indonésia. Aqui, apesar das crueldades da escravidão, as coisas se mesclaram em profundidade… Mas há, ainda, outra distinção. Uma coisa é a realidade multicultural de um país, outra é a ideologia multiculturalista. O multiculturalismo se opõe às interpenetrações culturais, defendendo o desenvolvimento separado de cada ‘comunidade’, de modo que esta possa permanecer sempre idêntica a si mesma, numa espécie qualquer de autismo antropológico. Ora, nem o Brasil é multicultural, nem há lugar aqui para o multiculturalismo, a não ser que, como dizia Adam Smith, neguemos a evidência dos sentidos em nome da coerência de nossas ficções mentais”.

Democrata é quem concorda comigo. Quem discorda é fascista
Retomando o fio da meada… Como disse anteriormente, os movimentos identitários nasceram de nossas lutas em favor do outro e hoje para eles o inimigo principal é justamente o outro. Desfecharam um combate feroz e sem tréguas à diferença, à outridade. Para dizer em poucas palavras: a aceitação das diferenças, as “apropriações culturais” planetárias e o “voyeurismo cognitivo” (Gellner) da antropologia e da contracultura foram substituídos pelo paredón identitário.

Tudo brota na (ou descamba para a) intolerância. Do plano específico, na base do quem não concorda comigo é machista/racista, ao plano geral: “democrata” é quem professa adesão integral ao meu discurso; quem discorda, é fascista. Estamos aqui bem longe da “prática política da escuta” (Barthes). Do gosto enriquecedor pelo convívio democrático. Em vez do cultivo da multiplicidade, do respeito à diferença – que os fez nascer, crescer e se fortalecer –, vigora o apartheid, o fechamento do horizonte.

Tanto que penso o seguinte. Bosco esclareceu aqui o que entende por “reconhecimento” e “déficit de reconhecimento”: “trata-se do olhar social para o outro, e o ‘déficit’ de que falo é um conjunto de modos de excluir, rebaixar, governar os subalternos, ou seja, o reconhecimento pelo qual têm lutado os movimentos identitários contemporâneos é irredutível às formas jurídicas. Por isso não considero que essa agenda difusa seja, em si, irrelevante, ou de menor importância que a agenda concreta, pontual, em instância institucional”.

Houve avanço nos dois campos, na verdade. Tanto no plano estritamente jurídico quanto no do “olhar social para o outro”. Mas não acredito que isso vá avançar muito, nesse último caso – e graças aos próprios identitários, com suas agressões brutais, obscurantistas, desvairadas e incansáveis. Bosco cita Axel Honneth falando de três instâncias sociais capazes de produzir reconhecimento: o amor, o direito e a solidariedade. Deixemos de parte “o amor”, que se planta em terreno muito particular, e fiquemos no social “propriamente dito”. Do jeito que os identitários estão levando o barco, quase numa busca patológica por rejeições, penso que a única espécie de “reconhecimento” que terão se limitará à esfera do direito. O conjunto da sociedade pode chegar a um consenso até mais amplo que o dos tribunais: “eles têm direito”… Mas não estaremos no plano genuíno da solidariedade. Porque os identitários estão escorraçando o “conjunto da sociedade”, a começar pelo “cordon sanitaire” dessa excrescência prática que é o “lugar de fala”. E cansa ficar sob a mira da superficialidade agressiva dos fanáticos, num país onde mestiçagens e sincretismos começaram antes da existência do Estado e de classes sociais.

Volta e meia, em tantas rodas de conversa e também no Facebook, aparece mais alguém para dizer que desistiu de dizer publicamente o que pensa sobre questões relativas a tópicos de “justiça e igualdade”, para evitar a baixaria das agressões dessas caricaturas de revolucionários, desses “comissários” raivosos-espumejantes, caso contrariem algum de seus dogmas sagrados.

Temos posturas e temperamentos diversos diante disso… Bosco tende ao generoso, digamos assim, colocando-se mais como analista e mesmo se declarando “aliado” dessa turma, ao tempo em que critica suas ações. Acredita, explicitamente, que stalinifascistas sejam recuperáveis. Não é bem o meu caso. Penso que eles não ouvem palavras “dissidentes”: só se repensam quando finalmente soterrados por fatos. E tendo muito mais para o embate, quando querem me silenciar à base de agressões. Para mim, não é só uma questão de considerar inaceitável essa atitude religiosa de sacralização do próprio discurso e menos aceitável ainda a recusa total do discurso do outro… Trata-se também de combatê-las.

Num resumo, meu problema com os identitários é simples. Eles partem de uma base que sempre foi legítima e justa. Combater o racismo, combater a opressão sexual, etc. O problema, como disse, é a condução das coisas. Porque, ao se postar contra o outro, ao acionar a fuzilaria pesada contra quem não pensa exatamente do mesmo jeito, o suposto “revolucionário” está se plantando no caminho nazistalinista. No caso do neonegrismo, racifascista. E o que é lamentável: o vocabulário bélico, que sempre foi acionado com referência a militâncias, de há muito deixou de ser meramente metafórico.

Feliz ou infelizmente, vivo num país, numa sociedade, onde, para muito além de grupelhos e associações (excludentes) neofeministas-neonegras, vivem milhões e milhões de homens e mulheres que configuram o conjunto da sociedade. Aqui é meu lugar, aqui é onde vivo, aqui está o que posso transformar. Logo, afirmo e reafirmo duas coisas. Primeiro: para mim, não existe propriedade privada no mundo dos signos e discursos políticos e culturais. Segundo: sou brasileiro – discuto e vou continuar discutindo tudo que disser respeito ao Brasil. Este é um dos meus lugares de fala.

* Antonio Risério é antropólogo, poeta, escritor e historiador.


Polarização política é tema de seminário da Roda Democrática, dia 28, em Salvador (BA)

Roda Democrática, que começou a ser articulada em maio de 2017 por antigos militantes de histórico partidário variado, está realizando diversos debates em todo país

Por Germano Martiniano

A Roda Democrática promove mais encontro onde busca conectar pessoas interessadas no debate público e em contribuir para que se avance na formulação de uma agenda democrática nacional que possa mobilizar os cidadãos do país. O debate, programado para o próximo dia 28, será realizado no Auditório do Centro Empresarial Iguatemi, em Salvador, a partir das 8h30. O objetivo será  o de discutir a polarização do debate político extremista que atualmente domina o cenário nacional.

Os encontros da Roda Democrática, que já foram realizados em São Paulo, Brasília, Recife e Rio de Janeiro, com nomes expressivos da política e intelectualidade brasileira como, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Gabeira e o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), visam a debater a realidade política brasileira em busca de um reformismo social amplo, democrático e sustentável.

“Queremos criar alternativas democráticas aos extremos de polarização da cena política brasileira”, avalia o secretário executivo do evento, George Gurgel de Oliveira. Jornalista e engenheiro, “velho” militante do PCB, um dos fundadores e dirigentes do PPS e presidente do Conselho Consultivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Gurgel também falou da importância da Roda Democrática neste ano de eleições presidenciais, como interlocutora do debate democrático. “Esperamos encontrar candidaturas que se identifiquem com as idéias, conteúdos e princípios democráticos que têm sido debatidos em nossos seminários”, destacou o engenheiro e jornalista.

Confira, a seguir alguns trechos da entrevista:

FAP - Qual o objetivo do encontro do Grupo Roda Democrática na Bahia, tem algum assunto especifico a ser tratado ou será discutida toda conjuntura política brasileira atual? 

George Gurgel - Colaborar, atuar na articulação das forcas democráticas, como vem acontecendo em outros encontros ja realizados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Recife, no sentido de criarmos uma alternativa democrática aos extremos de polarização da cena política brasileira.

A FAP organizou nos últimos meses três seminários que serviram de base para a Conferência Nacional, "A Nova Agenda do Brasil", os temas discutidos nestes eventos servirão de base para o debate?
Sim. A FAP tem sido uma importante colaboradora neste processo. Tem se firmado nos seus eventos, nas suas publicações, particularmente, na revista política democrática, como importante interlocutora desse debate com essas forcas democráticas.

No Congresso do PPS o partido apontou que poderá apoiar Alckmin para presidência. Você acredita que o chamado "centro" político começa a se fechar, com Marina e Alckmin como opções ou ainda pode vir novidades? E como avalia os nomes até agora lançadas à presidência?
As candidaturas de Alckmin e de Marina estão colocadas nesse contexto, podem ser apoiadas por essas forcas do campo democrático, assim como a de Álvaro Dias. O importante é que esse campo democrático construa uma agenda de reformas que comprometa essas forcas políticas mencionadas, na perspectiva de superação dessa grave crise política, econômica e de valores que vive a sociedade brasileira. Impõe-se a necessidade de outra perspectiva de desenvolvimento, uma nova economia de baixo carbono, com inclusão social e a preservação do meio ambiente. Precisamos considerar a nossa historia, diversidade, cultura e espiritualidade nas relações estabelecidas entre nós e a própria natureza. Podemos perseguir esses objetivos. Porque não? Seremos capazes? Depende de nós. A educação, a ciência, a tecnologia e a inovação são fundamentais nessa perspectiva de desenvolvimento.

O grupo Roda Democrática terá algum diálogo com algum candidato?
A Roda Democrática é um espaço democrático que tem discutido mais conteúdos, idéias e princípios, que estão sendo formatados e enriquecidos em nossos seminários (ou debates). Tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno, esperamos e, estamos trabalhando para isso, encontrar candidaturas que se identifiquem com essas reformas democráticas almejadas pela sociedade brasileira.

Qual sua visão do atual panorama político brasileiro?
Vivemos um daqueles momentos de importantes decisões a serem tomadas pela sociedade brasileira. A república e a democracia brasileira estão sendo desafiadas. O que queremos como nação? Em um ano eleitoral, esse desafio está colocado para a cidadania. Cada voto, expressando a nossa vontade política, econômica e social, tem um valor extraordinário. As forças políticas democráticas que são a razão de ser da Roda serão capazes de serem vitoriosas? Esse é o desafio de cada um de nós, de toda a sociedade brasileira.  A roda de Salvador está convocada para colaborar nesse processo. Venham! Participem! Junte-se a nós.

Mais informações:


#ProgramaDiferente apresenta o encontro de FHC com a Roda Democrática

#ProgramaDiferente acompanhou com exclusividade um encontro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com cerca de cem integrantes da Roda Democrática, que se define como um grupo nacional de discussão suprapartidária em defesa da democracia e dos princípios republicanos, e que reuniu na Fundação FHC, em São Paulo, desde cidadãos sem filiação partidária até antigos militantes das lutas contra a ditadura militar, oriundos das mais variadas regiões do país.

O evento tinha o seguinte roteiro inicial para orientar os debates:

1) Tendo em vista as eleições e a crise política, que energia deve ser investida na construção de uma alternativa aglutinadora de um centro, capaz de combinar o liberalismo político com a generosidade reformista e democrática da esquerda renovadora?


2) Que perfil deverá ter essa alternativa, levando em conta as dificuldades inerentes a uma campanha eleitoral de massas num país territorial como o Brasil? 


3) Seria possível e necessário condicionar tal alternativa, desde logo, a uma agenda programática mínima e, se sim, que pontos deveriam integrá-la?


4) Como viabilizar os anseios de renovação da sociedade em um processo engessado em virtude do monopólio da política pelos partidos formais?

O resultado obtido, porém, superou todas as expectativas ao mostrar uma conversa em tom informal, fraternal e bem humorado, com pessoas vividas e antenadas com as profundas mudanças pelas quais o Brasil e o mundo estão passando, desde o desenvolvimento de novas tecnologias até a crise de representação política. Assista aqui a íntegra do encontro.


Roda Democrática: O que queremos e para onde caminhamos

Acentuou-se, em 2017, o quadro de incerteza na política brasileira, com a afirmação de tendências preocupantes, do ponto de vista da consolidação da democracia.

Por Caetano Pereira de Araújo

No aspecto econômico, a progressão da crise foi contida, num primeiro momento, e depois revertida, com a guinada na política econômica que o governo Temer promoveu. No entanto, a recuperação, além de frágil, está hoje sob risco, em razão da vulnerabilidade política crescente do governo.

No plano estrito da política, as investigações conduzidas no âmbito da operação Lava-Jato passaram a atingir, metodicamente, as principais lideranças do PMDB, grandes nomes do PSDB, além do próprio Presidente da República. Em decorrência desse fato, cada um dos grandes partidos brasileiros vive sua própria crise, e é difícil discernir agora o impacto que essas denúncias poderão ter nas eleições de 2018.

No âmbito dos movimentos sociais, organizados nas redes e nas ruas, o movimento mais visível é a emergência de uma forte onda conservadora, sustentada, de um lado, na incapacidade de o Estado garantir a segurança do cidadão, exibida todos os dias pelo noticiário; e, de outro, no apelo a uma pauta conservadora nos costumes. Nos dois casos, mobilização pelo medo: medo concreto da violência e medo de ameaças imaginárias a identidades definidas em termos tradicionais.

Foto: Ricardo Stuckert

O CENÁRIO ELEITORAL

Por fim, ao longo do desdobramento da crise, o cenário eleitoral parece incapaz, até o momento, de gestar alternativas democráticas e renovadoras, com potencial para superar efetivamente a crise, em todos os seus aspectos. As pesquisas sinalizavam, como sinalizam até agora, a liderança de Lula e Bolsonaro, ou seja, um cenário de escolha entre o campo responsável por grande parte da crise política e econômica que vivemos e o candidato da direita antiliberal, conservadora e autoritária.

A confirmação desse cenário depende, contudo, de diversos fatores, entre eles o desfecho dos julgamentos de Lula. O ritmo da Justiça Federal da 4ª Região praticamente inviabilizou a estratégia procrastinadora. e vão-se frustrando suas esperanças de ser anistiado pelo voto.

Os dois polos que lideram hoje as pesquisas eleitorais são uma resposta regressista à crise, por isso mesmo incapazes de superá-la e de conduzir o país na direção de uma nação desenvolvida e socialmente justa.

O amplo campo democrático não está contemplado nessas duas alternativas nem se sente representado por elas. O desafio dos democratas que vão da esquerda democrática à centro-direita liberal é construir uma alternativa agregadora capaz de combinar o ideário liberal com a generosidade democrática e reformista da esquerda renovadora.

Apenas com a combinação da democracia liberal com um projeto de refundação do estado e com o reformismo permanente no plano social que o Brasil poderá superará a maior crise de sua história. Por enquanto essa perspectiva não se expressa em uma candidatura agregadora, pois prevalece a pulverização no campo do centro democrático. Mas essa realidade pode vir a ser superada nos próximos meses.

 

O QUE FIZEMOS

Nessa conjuntura difícil começou a ser articulada, em maio de 2017, por antigos militantes de histórico partidário variado, a Roda Democrática. Tinham por objetivo reunir aqueles que partilhavam de suas preocupações, avançar na formulação de uma agenda para enfrentar a crise, mobilizar os cidadãos em torno dessa agenda e, por fim, influir no cenário eleitoral, oferecendo propostas e apoiando candidatos, sem perder sua autonomia em relação aos partidos políticos.

A Roda desenvolveu na prática seus instrumentos de trabalho.

Discussão nas redes sociais, sucessivas reuniões presenciais em diferentes capitais, articulação com movimentos de objetivos semelhantes, reuniões com candidatos. Em poucos meses, a trajetória é de sucesso: mais de mil participantes em grupo criado no facebook;

reuniões expressivas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife; relações estabelecidas com movimentos sociais como o Vem pra Rua, Acredito, Ética e Democracia, entre outros; além de contatos agendados com candidatos de diversos partidos.

NOSSAS PREMISSAS

Nesse percurso, a Roda Democrática conseguiu avançar na definição de uma agenda mínima de propostas, a partir de três premissas básicas.

Em primeiro lugar, o repúdio a qualquer solução autoritária e o compromisso com a democracia representativa. É evidente que há uma crise mundial da representação política, agravada no Brasil pelas peculiaridades da regra eleitoral aqui praticada. Também é evidente que há uma demanda crescente do cidadão por novos mecanismos de fiscalização, controle e participação direta nas decisões.

No entanto, seria ilusório pensar que esses mecanismos tem o condão de substituir a representação política. O caminho correto é a reforma, o aperfeiçoamento permanente das regras que regulam a representação e sua articulação com instrumentos de participação direta do cidadão.

Em segundo lugar, a urgência na reformatação ou refundação do Estado. Novos tempos exigem um Estado de novo tipo, focado na manutenção da estabilidade econômica, no avanço no caminho da sustentabilidade e na provisão a todos os cidadãos de saúde, educação, segurança pública e mobilidade urbana. Não um Estado que se entenda como carro-chefe do desenvolvimento, como direcionador das ações da iniciativa privada, mas sim um Estado preocupado em criar as condições ótimas para que indivíduos e empresas exerçam sua liberdade de iniciativa da forma mais eficiente possível.

A refundação do Estado pressupõe que o Estado interventor na economia na condição de produtor e financiador dê lugar a um Estado regulador do mercado, no sentido de, ao memso tempo, proteger os consumidores e a sociedade e dar segurança jurídica aos investidores. Além de regulador, esse estado deverá ter a missão de provedor dos direitos sociais básicos do cidadão por meio de serviços públicos de qualidade; condição indispensável para a promoção da equidade.

Finalmente, o fim de todas as barreiras à integração plena do Brasil na economia mundial. Cada vez mais, como mostram os exemplos bem-sucedidos da Ásia, o caminho do desenvolvimento passa pela inserção nas cadeias produtivas mundiais de bens e serviços que o processo de globalização molda continuamente.

Recusamos, portanto, a pretensão à autarquia, característica do nacionalismo dos anos cinquenta, do projeto de Brasil potência desenvolvido pela ditadura militar e, no campo da esquerda, da estratégia fundada numa revolução nacional anti-imperialista.

A AGENDA DEMOCRÁTICA

Com fundamento nessas três premissas, a Roda Democrática considera que uma agenda mínima do campo democrático para o país deve contemplar ao menos os seguintes tópicos.

1 – Todo apoio às investigações em curso, no âmbito de diversas operações com foco no financiamento das campanhas e nas relações espúrias entre os eleitos e seus financiadores, respeitados os limites que o estado democrático de direito impõe.

2 – Compromisso com a responsabilização política de todos aqueles que se revelarem culpados, inclusive aqueles que integram hoje a coalizão governista.

3 – Reforma política profunda, com centro na mudança do sistema eleitoral, de maneira a maximizar a representatividade dos eleitos, a fiscalização e o controle sobre seus atos, bem como sua responsabilização, perante partidos e eleitores.

4 – Apoio às diretrizes de política econômica do governo Temer, que retoma o norte definido nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em paralelo à crítica permanente a seu governo, nos casos de implementação parcial ou vacilante dessa política.

5 – Apoio à agenda das reformas, em particular à continuidade da reforma da previdência e ao início da deliberação a respeito da reforma tributária, a partir, nesse caso, dos princípios de simplificação, transparência, descentralização e progressividade dos impostos.

6 – Combate aos privilégios das corporações de servidores públicos, o que inclui, além de uma regra universal de previdência, a regulação única do teto de remuneração e políticas de pessoal articuladas entre os três Poderes, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

7– Implantação de uma política eficaz de equidade, que contemple a um só tempo políticas de renda, políticas de igualdade de oportunidades (educação, saúde, segurança, justiça e mobilidade, entre outras questões) e políticas de combate à discriminação e ao preconceito.