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RPD || Entrevista Especial: 'Não vejo riscos para a democracia no Brasil', avalia Denise Frossard

Ex-juíza e ex-deputada federal avalia que, apesar da relação conflituoso entre o Excutivo, o Judicário e o Legislativo atualmente, o Brasil ainda vive uma adolescência jurídica, política e histórica e, por isso mesmo, instável, mas que não oferece riscos à democracia

Por Caetano Araújo e Cleomar Almeida

"Julguei e decidi que havia, sim, no Brasil uma organização criminosa do tipo mafioso, numa sentença que se apoiava em jurisprudência italiana, pela ausência de precedente no Brasil", relembra a ex-juíza e ex-deputada federal pelo Rio de Janeiro Denise Frossard, sobre ampla investigação contra o crime organizado no Brasil, da qual fez parte e que a tornou conhecida nacionalmente, em 1993. Entrevistada especial desta 17a edição da Revista Política Democrática Online, Frossard aposentou-se do Judiciário em 1998 e, em 2002, foi eleita deputada federal com a maior votação para o cargo nas eleições pelo Rio de Janeiro.

Denise Frossard destaca que, né poca em que atuou contra o crime organizado,  O Congresso Nacional entendeu a importância da proposta e contribuiu ao longo de uns 20 anos com legislação absolutamente moderna, de acordo com as melhores legislações dos países mais adiantados. "Estabeleceu-se cooperação com países que combatiam a lavagem do dinheiro, o crime organizado, o tráfico de entorpecentes."

"Valeu a pena? Claro que valeu, pois foi, a partir dali, que chegamos a Lava Jato. Relembro que vi as entranhas do crime organizado não só como Juíza de Direito, mas também como parlamentar, quando participei, pelo antigo PPS, hoje Cidadania23, da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito que acabou por desvendar a tentativa de captura do Estado brasileiro pelo crime organizado, conforme é do conhecimento de todos", completa Frossard.

Sobre o momento atual que o país atravessa, com o governo de Jair Bolsonaro e os atritos entre o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, Frossard diz que não vê risco algum para a democracia, nenhum risco de golpe. "Isso não existe. Apesar de ainda adolescentes, o Povo já entendeu que, quanto à Democracia,  não há qualquer transação - é ela ou ela", destaca.

Na entrevista especial que concedeu à Revista Política Democrática Online, Denise Frossard também destaca o papel das instituições no Brasil. "Não tem outra saída além do cumprimento à lei, para todos. Com isto eu quero dizer que quando se tem um juiz que se desvia, é importante que exista um órgão que coloque o dedo nesse juiz e arranque a sua toga. Quando é o caso de um parlamentar que se desvia, da mesma forma que lhe seja retirado o mandato", alerta.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Revista Política Democrática (RPD): Tendo sido a precursora na difícil e corajosa tarefa de conduzir ampla investigação do crime organizado no Brasil, a senhora avalia que valeu a pena?
Denise Frossard: Antes de dizer se valeu a pena ou não, é importante destacar que vivemos hoje, no Brasil uma adolescência jurídica, política e histórica e, por isso mesmo, instável. Agora, você me pergunta se valeu a pena. Vejamos.

Há mais de 25 anos, veio às minhas mãos um processo que de forma inédita implicava o reconhecimento ou não da existência de uma organização criminosa no Brasil do tipo mafioso, que se constituiu, enfim, para cometer crimes – não um crime específico, mas que se constitui para ser uma empresa cuja “mercadoria” era - e é - o crime. Era uma situação sem precedentes no Brasil. Embora eu fosse muito jovem à época, não hesitei em enfrentar o desafio. Julguei e decidi que havia, sim, no Brasil uma organização criminosa do tipo mafioso, numa sentença que se apoiava em jurisprudência italiana, pela ausência de precedente no Brasil.

Aquilo foi um marco. A partir daquele momento, ficou muito claro para a sociedade que aquele grupo condenado, conhecido como “a cúpula do jogo dos bichos” (mas o processo não dizia com a atividade contravencional do “Jogo dos Bichos”) que até então eram pessoas muito bem aceitas na sociedade, recebidas e até homenageadas por políticos, dos quais recebiam as maiores comendas oficiais, frequentadores de todos os Palácios da República. De fato eram - como são - criminosos, cercados de assassinos a soldo, ligados a vários homicídios, tráfico de drogas, armas etc... A partir daquele momento, isto ficou tão claro que quem quisesse frequentar aquele grupo em seus camarotes momescos ou tribunas VIPs de jogos de futebol que o fizesse, mas não mais poderiam alegar que não soubessem de quem se tratava. Entretanto, embora a linha divisória tenha sido perfeitamente traçada, isto não tirou da cúpula o poder, que permanece, se solidifica e se moderniza, até hoje, sem, contudo, perder seu gosto pelos “acertos de contas” violentos. Os policiais, então usados por eles pelo suborno, conforme consta da Sentença, hoje são os milicianos... apenas uma mudança na nomenclatura...

Então, valeu a pena? Certa vez um brilhante advogado criminalista do Rio, Dr Virgilio Donnici, me disse : “Excelência, esse negócio de crime organizado foi a Senhora  quem inventou aqui”. Foi mais ou menos isso, mas a invenção foi do Ministério Público, sob a batuta do então Procurador Geral da Justiça, Dr Antônio Carlos Biscaia. A partir da condenação da cúpula pelo vetusto então Art. 388 do Código Penal - Formação de quadrilha ou bando -, já que até então não havia previsão legal para condená-los por lavagem de dinheiro dentre outros crimes, senti-me como devem ter-se sentido os Juízes que condenaram Al Capone: sem instrumentos legais e cercados de policiais corruptos. Então, abriu-se ampla discussão por todo o país, envolvendo não só operadores do direito, advogados, magistrados, Ministério Público, intelectuais que entenderam o risco de os Estados serem capturados pelas organizações criminosas - e já tínhamos um esboço disto na vizinha Colômbia e, mais distante, na Itália. Houve uma discussão profícua sobre como reformar nosso ordenamento jurídico. Esse debate permitiu-nos avançar, pouco a pouco, na organização de nosso ordenamento jurídico que nos habilitasse a enfrentar o crime organizado.

O Congresso Nacional entendeu a importância da proposta e contribuiu ao longo de uns 20 anos com legislação absolutamente moderna, de acordo com as melhores legislações dos países mais adiantados. Estabeleceu-se cooperação com países que combatiam a lavagem do dinheiro, o crime organizado, o tráfico de entorpecentes. Deixamos de ser aquela ilha onde, conforme eu disse em Davos no World Economic Forum de 1996, sob a presidência da Procuradora Helvética Carla Dal Ponte, no Brasil, a única penalidade para a lavagem de dinheiro seria a excomunhão, já que o Papa havia condenado essa atividade!

Valeu a pena? Claro que valeu, pois foi, a partir dali, que chegamos a Lava Jato. Relembro que vi as entranhas do crime organizado não só como Juíza de Direito, mas também como parlamentar, quando participei, pelo antigo PPS, hoje Cidadania23, da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito que acabou por desvendar a tentativa de captura do Estado brasileiro pelo crime organizado, conforme é do conhecimento de todos. Custou-me muito? Talvez a própria vida... não se pode esquecer que sofri três tentativas de assassinato (ao que eu saiba) e que a conta com o crime organizado não se fecha nunca...

RPD: Justifica-se, então, sua ideia de que as boas leis sempre se originam dos maus hábitos?
DF: Sempre, por paradoxal que possa parecer. Mas não bastam as boas leis, como as que temos hoje. É preciso avançar nos ajustes para que as leis sejam mais explícitas, mais específicas. E estamos num ótimo momento para atuar neste sentido, situando-nos em meio à reconstrução do sistema político e do sistema tributário, depois de já termos iniciado o processo de reforma da previdência.

Hoje vivemos um momento de certa balbúrdia, um desacerto entre os três Poderes. Parece um casal a três... Há dúvidas sobre os limites da competência de cada um. Na raiz do embate, está o uso do dinheiro público. Quer dizer, a quem cabe decidir o destino do dinheiro do povo? Ao Presidente da República? Ao Poder Legislativo? Ou a última palavra - acertando ou errando - será do Supremo Tribunal Federal? A solução desse impasse seria fácil com a submissão de todos perante a lei. Mas o que fazer se a lei é subjetiva demais e abre espaços para todo tipo de interpretação? Esse é o problema.

Caímos, então, num dos problemas maiores da relação entre os três Poderes no Brasil, e até entre o Estado e os cidadãos. Daí o Judiciário ser chamado para interpretar a lei com larga liberdade, o que leva muita gente a supor tratar-se de invasão do Judiciário na competência do Legislativo, mas não é. É decorrência da falta de explicitação e especificação de nossas leis.

Nos Estados Unidos, por exemplo, quando um promotor faz uma denúncia, ele menciona a lei tal, o precedente qual, o fulano ou cicrano envolvido, tudo seco e objetivo, porque o ordenamento jurídico do país é explícito e específico. Já, no Brasil, não é raro uma denúncia citar Machado de Assis e outras fontes literárias. Nada contra Machado, mas qual é a denúncia? Qual a acusação?

De sua parte, o juiz usa uma linguagem que ninguém entende. Basta ir a um julgamento e perguntar-se: “Mas o que é isto, o que estão dizendo?”. E aqui eu faço um mea culpa. Eu só caí nessa realidade quando vi nos olhos dos meus acusados que eles só me entendiam quando, depois de ler e fundamentar uma sentença altamente elaborada, com fortes imagens literárias, quase uma “ sentença em compotas” (risos), que eles só entendiam e se tranquilizavam quando eu entrava na dosimetria da pena, na quantificação da penalidade, enfim, nos números!

A modernização da legislação brasileira, portanto, se impõe, e passa, a meu ver, pela tarefa de tornar as leis mais explícitas e mais específicas, isto a despeito dos enormes avanços que já tivemos nestes últimos 25 anos.

RPD: As manifestações a que a senhora se referiu não poderiam ser interpretadas como uma espécie de apropriação de bandeiras que são republicanas, de luta contra a corrupção, para uma finalidade que é um pouco, digamos assim, alheia a isso? Afinal de contas, parte-se de uma bandeira justa e louvável, para chegar à conclusão de atacar dois Poderes da República. Qual seria, então, a fronteira entre a luta pelas instituições, que são republicanas e para que elas se mantenham republicanas, e uma possível afronta à democracia.
DF: Volto à minha visão de que nós estamos em uma adolescência política, não só jurídica, e também histórica, e por isso mesmo instável. Quer dizer, essa convocação do dia 15 seria perfeitamente aceitável se fosse para protestar contra posturas destes ou daqueles nossos representantes, mas, se for para propor extinção de qualquer dos poderes da República ou propor a volta de ditaduras, é um gravíssimo atentado contra a ordem pública, podendo até ser passível de criminalização de quem fomenta tais comportamentos.

As ruas e praças são os espaços para protestarmos por melhores condições de vida e de sensibilizarmos os Poderes Constituídos de acordo com nossas propostas – nem sempre justas, nem sempre as melhores e desde que não sejam criminosas. Somos regidos pela Constituição Federal, que os dá liberdade para isto. Mas somos uma Democracia Representativa. De 4 em 4 anos, podemos trocar aqueles que sentimos que não nos representam, e é isto que vem sendo feito por nós desde o fim do movimento que se diz revolucionário. Só se aprende a andar, andando e, milagre, se anda! E isso é muito comum quando se tem essa adolescência política que nós vivemos.

Mas eu não vejo risco algum para a democracia, nenhum risco de golpe. Isso não existe. Apesar de ainda adolescentes, o Povo já entendeu que, quanto à Democracia,  não há qualquer transação - é ela ou ela. Acabo de chegar ao Brasil, vindo da Tunísia, e encontro essa convocação do Executivo de uma passeata para protestar  contra alegada ingerência do Legislativo e do Judiciário. Mas eu nunca vi isto! Um Presidente tem na mão caneta e pulso e carrega consigo os votos que obteve nas urnas,  que o legitimam. Deve dialogar com o Legislativo acerca de como governar, nos limites de cada um. É uma coisa de maluco um Executivo no exercício do poder convocar passeatas! Muitas vezes as pessoas perdem a razão pela forma como se manifestam. Isto até existiu num passado sofridamente recente, aqui mesmo, na América do Sul. Mas, alô, o Muro de Berlim já caiu há algumas décadas!

RPD: Sua expressão “adolescência jurídica, adolescência política” faz lembrar Ralf Dahrendorf, quando, em uma suposta carta a um cidadão do leste europeu, recém-egresso do totalitarismo, disse que “a democracia é uma forma de governo, não é um banho turco das vontades populares”, com o que indicava que se tem de seguir regras, respeitar princípios (cf. Reflections on Revolution in Europe, p. 12/13). E, a esse respeito, nada mais relevante do que a Constituição do país. A referida manifestação, ao questionar dois Poderes da República, não estaria sendo antidemocrática?
DF: Claro que se a manifestação é para pregar extinção de Poderes da República, como eu disse, não só é antidemocrática, mas também pode, em tese, configurar eventual conduta criminal. Perfeita a referência à Constituição. É ela que rege nosso Estado. A Constituição de 1988 é uma bela peça, que, no entanto, constitucionalizou tudo – até o exercício da locação foi constitucionalizada, de modo que permite ao Supremo se manifestar até mesmo sobre contratos de aluguel. Mas é a lei que nos rege. Podemos alterá-la, emendá-la (e já o fizemos inúmeras vezes), mas certas cláusulas não podem ser alteradas, são as chamadas Cláusulas Pétreas. É compreensível e aceitável a pressão sobre o Congresso, a partir das ruas. Mas não se pode perder de vista que nossa Democracia é Representativa. Mais atenção e cuidado na escolha de quem irá nos representar. Ao menos por 4 anos.

RPD: A gente viu nos últimos anos que a luta contra o crime organizado, depois do marco inicial ao qual a senhora se referiu, fez avanços expressivos. Mas, para quem está de fora, o ritmo desse combate parece ter esmorecido, de uns tempos para cá. Quais seriam os principais entraves existentes a essa campanha? E o que nós, cidadãos, e os nossos representantes deveríamos fazer para removê-los?
DF: Nesses 20 anos, em que nós saímos pelo Brasil falando que tínhamos de ter um parque legislativo que permitisse ao juiz atuar contra o crime organizado, ele foi concedido pelo Congresso Nacional. Mas, quando isto passou a atingir integrantes do próprio Congresso, do próprio Poder legislativo – e, por que não dizer, também do próprio Judiciário –, houve e há reação que entendo natural, esperada, de reação das corporações com muitos de seus membros envolvidos e que se julgavam ao abrigo de serem alcançados pela Lei. Foi isto exatamente o que ocorreu na Itália. E, como é ele, o Legislativo, que legisla, ele reage colocando freios, para evitar o atingimento. Mas, dentro dele mesmo, vem a reação contrária e aí está a força da Democracia, nós vamos colocando lá dentro aqueles que melhor irão entender nossa vontade. Essa é a luta que nós, cidadãos, vamos ter de travar sempre. E não pensem que vai ser fácil. Tudo em muito dependerá de quem nós colocarmos no Congresso, não é verdade?

Não tem outra saída além do cumprimento à lei, para todos. Com isto eu quero dizer que quando se tem um juiz que se desvia, é importante que exista um órgão que coloque o dedo nesse juiz e arranque a sua toga. Quando é o caso de um parlamentar que se desvia, da mesma forma que lhe seja retirado o mandato. Estes instrumentos nós temos, mas volto a dizer, é preciso que sejam mais claros, mais específicos, mais explícitos. E o principal: o combate à impunidade. Enfim, precisamos passar à maturidade política, jurídica e histórica, mas parodiando Shakespeare, é preciso cuidado, pois deve ser triste envelhecer antes de se tornar sábio. Avante!

 


RPD || Editorial: Incerteza e risco

Não poderiam ser piores as expectativas criadas pelos preparativos das manifestações em favor do governo de 15 de março passado. Todas elas foram, contudo, superadas com folga pelos fatos. O Presidente da República tentou negar participação na convocação de um movimento a seu favor, recurso característico de regimes autoritários. Sua participação foi comprovada. Negou-se com veemência o viés autoritário do movimento, mas as imagens mostram, sem sombra de dúvida, o foco dos manifestantes: oposição ao Congresso e ao Supremo Tribunal, dois dos Poderes da República. Ao final, a confraternização do Presidente com manifestantes, gesto de irresponsabilidade absoluta, em face das recomendações de segurança, de membros de seu próprio governo, contra a propagação da pandemia que assola o mundo.

De positivo, apenas o pequeno número de manifestantes. No entanto, a lógica aparente do ato, de compensação das perdas nos números pela radicalização do discurso e das ações, é preocupante. Vimos um grupo de manifestantes pequeno, que se apresentou nas ruas mobilizado, radicalizado e, em alguns casos, armado. Por sorte, apenas um incidente com disparos foi reportado, com o ferimento, em São Paulo, de uma jovem que manifestou sua oposição ao governo.

Temos, então, de um lado, um Presidente que acumula evidências de escassa capacidade para o diálogo e a construção de consensos nos foros políticos previstos pela Constituição, assim como forte propensão ao confronto. Recusa, na verdade, suas tarefas constitucionais de cooperação com os demais Poderes, assim como os mandamentos do bom senso na relação com os governadores, legítimos representantes das unidades da Federação. O Presidente conseguiu, em alguns meses, tornar-se alvo do protesto da grande maioria dos governadores e, ao mesmo tempo, mostrar simpatia para movimentos, ilegais, de policiais amotinados em diversos Estados.

De outro lado, temos o agravamento da crise provocada pela expansão da pandemia e colapso econômico que se avizinha, em decorrência das medidas necessárias para sua contenção. Caminhamos celeremente para um aumento sem precedentes da complexidade dos problemas que governos devem enfrentar, complexidade que, nos níveis atuais, parece já exceder em muito a capacidade governamental para sua resolução.

Ingressamos em ambiente novo, de alto risco e incertezas. O norte da atuação política das forças democráticas deve ser apenas um: unidade em torno da defesa do estado democrático de direito. Nenhuma afronta à democracia, mesmo que apenas no plano da opinião, pode ser tolerada.


RPD || Erdna Odama: Que mundo teremos depois do Covid-19?

Contaminação pelo coronavírus se generalizou, desestruturando a política, a economia, as relações sociais e a cultura dos países afetados. A grande questão é o que acontecerá quando o mundo voltar à normalidade

Não pretendo – nem teria estofo crítico-acadêmico para tanto – explicar, dimensionar e arriscar uma previsão da extensão da crise em que o novo coronavírus nos chafurdou. No espaço de poucos meses, uma onda de infecção vitimou homens e mulheres de todas faixas etárias, mas particularmente os idosos, não tardando a gerar óbitos em escala alarmante. Da China para o mundo, a contaminação se generalizou, desestruturando a política, a economia, as relações sociais e a cultura dos países afetados.

A hesitação dos primeiros momentos rápido cedeu o passo a medidas extremas, que, mesmo assim, não conseguiram impedir outras determinações ainda mais drásticas. Sem vacinas conhecidas para proteger as populações, para não mencionar informações confiáveis sobre as características da doença mortífera, optou-se pelo isolamento – das pessoas de seus locais de trabalho; de suas áreas de lazer, praias incluídas; de visitas ao shopping e a lojas em geral; de projetos de viagem, dentro e, sobretudo for, do país; até mesmo da caminhada vagabunda pelas ruas das cidades. As cenas apavorantes de centros urbanos livres das habituais multidões viralizaram e aproximaram a ciência ficção da vida dos cidadãos.

O fenômeno distinguiu-se de tantos outros do pós-guerra, quando, após o choque inicial da calamidade (os sacos plásticos no Vietnã, a crise em Biafra, o surto do ébola, a disseminação da Aids, os ataques aéreos “cirúrgicos” no Iraque, o fratricídio na ex-Iugoslávia, o tsunami no Sudeste asiático etc.), as pessoas apenas mudavam o canal da televisão e retomavam sua zona de conforto. O pavor agora é quando – e não mais se - a ameaça vier a bater em nossas portas, pondo em risco nossa vida, a de nossos familiares, amigos e conterrâneos; quando os remédios – de momento paliativos – e os alimentos e produtos de higiene sumirem das prateleiras; quando o tão temido caos tomar conta da vida em sociedade.

Por sorte, não cabem argumentações simplistas, alimentadas por ódios de origem religiosa, étnica, ideológica, de gênero ou coisa parecida, que possam explicar ou imputar culpas pela infecção. O coronavírus:

- não é obra de laboratório; podendo-se, assim, excluir a ação do homem ou de governos;

- atinge todas as classes sociais, sem distinção;

- não é de direita nem de esquerda e, tampouco, de extremistas de um lado e de outro; e

- não mira grupo étnico algum, menos ainda militâncias de direitos humanos, feministas, LGBTQ+, ecologistas, seitas islâmicas, terraplanistas e similares.

A grande questão é o que acontecerá quando – e já não mais se – o mundo voltar à dita normalidade. Claro, não seremos os mesmos, a começar pela confiança arranhada em nossos governantes, que, como regra, demoraram a tomar as medidas responsáveis e ainda batem cabeça sobre como preparar-se para os desafios de recuperar a economia, a política e a cultura, gravemente conturbadas pela pandemia. Uma primeira possível mudança pode dizer respeito às relações entre o Estado e os cidadãos. O monopólio da racionalidade esfumou-se. As ações individuais e espontâneas de pessoas anteciparam-se em grande medida às dos governos, em que a solidariedade humana se sobrepôs aos ditames da ordem pública. Esse povo guerreiro, que não hesitou em arriscar a vida para ajudar o próximo, deverá resistir a retornar ao mero papel de coadjuvante na condução da ordem pública, a cargo exclusivo dos gabinetes do poder.

Essa atitude se estenderá, decerto, às relações entre os países. O globalismo espera-se possa enterrar de vez a oposição à integração entre os países. Não só o surto epidemiológico desconheceu fronteiras, mas também as providências adotadas em país, revelando-se bem-sucedidas, foram rápida e acertadamente copiadas pelos demais, em benefício de milhões de vidas. Não será isso suficiente para desarmar o conflito entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global? Tanto mais porque, no dia seguinte à sanha assassina desse novo vírus, todos terão de trabalhar juntos para, entre outros, reestruturar seus sistemas de saúde, evitar a falência de grandes e, sobretudo, pequenos empresários – estes responsáveis por grande parte do PIB dos países centrais –, reabilitar o funcionamento das companhias de transporte aéreo, compartir pesquisas científicas e oferecer ajuda (médica, alimentar e financeira) aos países mais debilitados.

O historiador da moda, o israelense Yuval Noah Harari, acaba de publicar artigo no Financial Times, em que, além de cobrar muitas das ações mencionadas no parágrafo anterior, destaca a necessidade de se reexaminarem medidas que foram ditadas pela emergência médica. A esse respeito, o exemplo a ser citado para reforçar o argumento é o uso de remédios contra a malária que se revelaram efetivos no combate ao novo coronavírus. De início, a cobertura jornalística informou que o continente africano era  o que menos infecções revelara, possivelmente como resultado dos medicamentos antimalária que amplos segmentos da população costumavam tomar. Notícia mais recente, no entanto, dá conta de são passam de 900 os infectados na região. Além disso, sem orientação médica, os tais remédios podem levar o paciente à morte. É verdade que em momentos de crise, quando a inação pode matar mais do que medidas arriscadas, viva a solução médica africana. Em seu momento, porém, este seria outro motivo de urgência na tarefa de descobrir remédio efetivo, sem os referidos efeitos paralelos letais.

Harari concentra-se em alertar para o reexame de tecnologias que foram aperfeiçoadas durante a crise e resultaram muito úteis, mas que poderão representar preocupante invasão das liberdades individuais. Trata-se das câmaras de rua que monitoraram, com êxito, a movimentação dos que desrespeitavam as determinações das autoridades públicas de isolamento. Segundo Harari, nem a KGB nem as grandes multinacionais de bens de consumo ousaram dispor de equipamentos tão eficientes de vigilância, só que, superada a crise, poderão prestar-se para determinar o comportamento e as preferências da população monitorada. Não há dúvida de que foram avanços emergenciais, mas quem já ouviu falar de boas soluções sendo abandonadas, tão se desmobilizem as justificativas de exceção? É sem dúvida um sistema aterrorizante de vigilância, uma nova versão mais moderna e assustadora do Big Brother.

Não são poucos, portanto, os desafios, mesmo depois que essa praga deixar de ceifar vidas. A grande questão que se impõe é: o que queremos ser, ilhas preocupadas com nossa sobrevivência exclusiva, ou seres humanos que aprendemos a lição de que, na prática da solidariedade, do compartilhamento, da generosidade, estaremos construindo um mundo melhor?

 


RPD || Alberto Aggio: Um ano que se anuncia difícil

Cenário do pibinho de 1,1% da “nova política econômica” de Paulo Guedes, aliado ao corona vírus, projeta graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo

2020 começa mal para os brasileiros, e, pelo andar da carruagem, seguiremos assim o ano todo. Após a divulgação do raquítico PIB de 2019 (1,1%), as expectativas de crescimento se esvaneceram. O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras. Já não há mais “herança maldita” a ser condenada: o desastre dos anos Dilma ficou para trás; o breve período Temer, de frágil recuperação, agora se perde inapelavelmente. Bastou pouco mais de um ano para os brasileiros conhecerem os resultados da “nova política econômica” de Paulo Guedes, cujos números atestam prepotência e fracasso.

Esse cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo corona vírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da “oficina do mundo”, nosso principal parceiro comercial. As estatísticas relativas ao último trimestre são dramáticas para um país acostumado a índices invejáveis. Podem-se projetar, portanto, graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo, especialmente em um ano eleitoral.

Imaginar que o governo de turno poderia nos salvar seria um exercício de autoengano, levando-se em conta o personagem que os brasileiros escolheram para dirigir a Nação. Não bastasse o show de horrores patrocinado durante 2019, Jair Bolsonaro parece esmerar-se em fazer com que as projeções para o ano em curso se afigurem cada vez mais temerárias.

O lamentável affaire dos vídeos convocando as manifestações contra o Congresso e o STF em 15 de março – que, por fim, resultaram pífias –, evidenciou um presidente mitômano que extrapola o decoro do mandato. Sua insistência na convocatória, como vais-e-vens retóricos, e, por fim, sua participação nas manifestações, contrariando as orientações sanitárias do próprio governo, expressam apenas a reiteração de sua já conhecida visão conspiratória contra as instituições da Carta Constitucional de 1988. Em seu conjunto, o episódio ascendeu todas as luzes em defesa da democracia, elevando a sensação de ameaça.

O nível de contraposição entre Executivo e Legislativo que Bolsonaro impõe é bastante nocivo ao país. E isso só ocorre pela recusa do presidente em compor uma base de apoio no Congresso Nacional para, dentre outros assuntos legislativos, negociar politicamente o orçamento da República e sua implementação. O presidente parece imaginar que a vitória eleitoral de 2018 lhe garante discricionariedade absoluta na aplicação dos recursos públicos sem o contrapeso do Congresso, eleito de forma tão legitima quanto ele. Como observou o editorial de O Estado de S. Paulo (08/03), “quando um governante se limita a enviar projetos ao Congresso, sem se dar ao trabalho de explicá-los nem de defendê-los, menospreza o Parlamento”. E mais, caso o Congresso os rejeite, estará, de acordo com Bolsonaro, “se opondo não ao governo, mas ao próprio país – o que é um absurdo”. Os riscos presentes nessa estratégia costumam ser devastadores, com aumento progressivo de tensões que podem levar a relação entre Executivo e Parlamento ao colapso, iniciando um processo de ruptura institucional tendente à supressão da representação e consequentemente da democracia.

Bolsonaro mira em 2022 visando atingir o ponto ótimo para esse empreendimento. Dizer que as oposições devem construir uma coalizão político-eleitoral contra isso é tão óbvio quanto raso ou até ingênuo. Unir as forças democráticas deve significar, antes de tudo, ultrapassar a chantagem bolsonarista que tem a cartada do retorno do PT, como ameaça de última instância. É um argumento poderoso, uma vez que a sociedade, com razão, não esquece nem a corrupção sistêmica nem a débâcle econômica petista. Por isso, demandar autocrítica do PT não é um capricho ou uma ausência de lógica formal, como pensam alguns intelectuais, fazendo coro com Lula. Ao contrário, é algo necessário, uma vez que está na base das razões que possibilitaram a vitória eleitoral de Bolsonaro.

Ao contrário de Bolsonaro, o horizonte da oposição começa hoje e deve se colocar contra esse governo de facção que aí está. A demanda por reformas que tornem o Estado mais eficiente e justo, assim como a defesa das instituições democráticas, não são dele; são da sociedade. É isso que o Congresso representa, e a isso que vem tentando responder, a despeito de Bolsonaro.

2020 é um ano que se anuncia difícil, mas é um ano de eleições. Responder plebiscitariamente ao bolsonarismo nas urnas deve ser um ato de legítima defesa do povo e da Nação brasileira.


RPD || Martin Cezar Feijó: Era uma vez no Planalto - Regina Duarte na Secretaria Nacional da Cultura

"Namoradinha do Brasil", Regina Duarte é a quarta pessoa a comandar a Secretária de Cultura em 14 meses de governo Bolsonaro e diz que vai buscar o diálogo e a pacificação com o setor cultural 

Era uma vez no Planalto. A namoradinha do Brasil resolveu se casar. Pensava ser a Bela que transformaria a Fera através do Amor e da Pacificação, mas descobriu, logo depois do casamento, que havia se casado com Gastón, o bonitão que se transforma em um implacável vilão; o que havia prometido “carta branca”, mas que preferia mesmo eram “porteiras fechadas”. O Mito mostrava a face bruta da realidade e o afeto parecia se encerrar, deixando a então princesa deprimida.

Tudo parecia um conto de fadas, mas se anunciava uma história de terror de uma das mais importantes atrizes da teledramaturgia brasileira: Regina Duarte. E é da realidade que se trata aqui, dos caminhos e descaminhos da política cultural do governo eleito em 2018. Nem é para menos: um governo eleito com um discurso baseado na guerra ideológica e cultural não poderia ser diferente.  E, mais ainda, se utilizando de redes sociais inundadas de fake news.

A própria demissão de um secretário da Cultura com mania de Goebbels é a demonstração da complexidade que envolve uma política cultural em um regime democrático, por mais ameaçado que esteja.

Vejamos o que disse um figurão da República: “Nenhum governo democrático impõe cultura. Só o Estado totalitário. No Brasil, durante o Estado Novo, houve tentativas nesse sentido, mas a própria força de nossa cultura repeliu esse projeto. Lembremo-nos do papel de Gilberto Freyre, nosso intelectual de maior prestígio internacional, na resistência à ditadura de Getúlio. Um governo democrático promove, não impõe cultura”. E não é qualquer funcionário não, até porque não pode ser demitido, mas sim o vice-presidente eleito, General Hamilton Mourão, em entrevista à Revista Istoé (nº 2612, 5/2/2020, p.22).

A repercussão, nacional e internacional, da demissão do obscuro funcionário da Cultura obrigou o governo de Jair Messias Bolsonaro a procurar alternativa mais palatável para ocupar a função de quem iria desempenhar a parte mais visível – e por que não dizer a mais sensível –, da política cultural de sua gestão.

Regina Duarte
O nome da atriz Regina Duarte, conhecida como a “namoradinha do Brasil” desde 1971, quando interpretou na Rede Globo de Televisão Minha Doce Namorada, com pouco mais de vinte anos. Mas a carreira da atriz começou bem antes, aos 18 anos, na TV Excelsior, em 1965, na trama escrita por Ivani Ribeiro A Deusa Vencida, como demonstra Patrícia Kogut em seu livro 101 atrações que sintonizaram o Brasil (Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2017).

A partir daí, uma carreira de sucessos, em várias telenovelas, não só no Brasil, mas no mundo, na América Latina, sendo admirada até em Cuba, onde foi recebida com honras por Fidel Castro. Uma carreira artística de sucessos, da televisão ao teatro. E admiração do público. Teve participações políticas decisivas – e corajosas –, na campanha pelas Diretas Já. Também protagonizou, ao lado de Lima Duarte e José Wilker, a mais importante telenovela da Globo no fim da ditadura militar, Roque Santeiro, de Dias Gomes, em 1985, na qual interpretou a viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido. Era a história de um herói tido como morto que havia se tornado um mito na cidade.

A origem desta narrativa era uma peça de teatro proibida pela ditadura logo após o golpe de 1964: Berço de Herói, do próprio Dias Gomes. Sobre um mito construído por interesses políticos, depois, claro, desmascarado. Um texto premonitório do genial Dias Gomes, perseguido em toda sua trajetória, como demonstra Laura Mattos em seu brilhante estudo de jornalismo investigativo: Herói mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura (São Paulo, Companhia das Letras, 2019).

Em seu discurso de posse, no dia 4 de março de 2020, Regina Duarte exaltou a cultura diversificada, com exemplos, talvez para agradar o chefe, até pueris em suas metáforas de “puns de palhaços”, mas com uma clara demonstração de que defende uma cultura plural e livre. Até relativista, do ponto de vista antropológico. Por isso, vem sofrendo ataques do que chamou de “facção de terrorismo digital”, associada ao guru Olavo de Carvalho, que mora nos EUA, onde também forma fiéis seguidores, mas que está sendo acusado pela própria filha, Heloísa de Carvalho, em livro recém-publicado (Meu pai, o guru do presidente. Curitiba, Kotter Editorial, 2020).

É neste quadro tenebroso, de inseguranças e temores, de promessas de censuras e vetos, que a atriz Regina Duarte, de uma carreira artística plena de sucessos, na televisão e teatro, renova seu compromisso de uma vida com a arte e a cultura, da qual ninguém pode duvidar. Apesar das opções ideológicas, que nunca escondeu, resolveu se meter em uma história de um “casamento” que só o futuro vai esclarecer, não só para si própria, mas também, principalmente, para um público que se mobiliza para ver a mocinha vencer uma realidade bem mais complexa.

“Há algo mais entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”, como dizia o bardo inglês. Das telas ficcionais, da namoradinha do Brasil à viúva que foi sem nunca ter sido, ao enfrentamento da realidade da política em um quadro de definições rígidas; mas aparentemente disposta a enfrentar milícias digitais; apesar de tantas expectativas negativas – e preconceituosas (neste caso, não exclusivamente por parte da direita mais extrema) –, restando aos que defendem a democracia como valor universal torcer para que o final desta novela seja feliz. E a diversidade da cultura seja preservada mais uma vez, mesmo nas mais obscuras condições.

 


RPD || Luiz Paulo Vellozo Lucas: Segura na mão de Deus e vai 

Otimismo com o desempenho da economia despenca e governo Bolsonaro patina sem recuperar a confiança no Estado e em políticas públicas eficientes que possam atrair o investimento privado

Na segunda feira, dia 9 de março, pela manhã, depois de a bolsa já ter sido paralisada pela queda vertiginosa dos preços das ações, recebi um meme pelo WhatsApp, assim: “Aqui é o consultor financeiro VIP da sua corretora. Segue um áudio com minhas orientações para este momento de dificuldades do mercado.” Fui ouvir o áudio e era o hino religioso: segura na mão de Deus e vai, muito cantado nos enterros.

O Ibovespa caiu de seu pico histórico de 119 mil pontos, em 23 de janeiro, para 66 mil, no dia 18 de março, sinalizando desvalorização de 44%, equivalente a R$1,7 trilhão nos ativos listados em mercado aberto (Valor de 19/03).

Num mundo em que existe liquidez mais de dez vezes maior que ativos reais medidos pela métrica do PIB e o valor destes flutua de acordo com a confiança da população, o pânico da bolsa e a alta do dólar são apenas a ponta do iceberg. A crise deflagrada pela pandemia do corona vírus está apenas começando e pode evoluir na direção de um colapso das instituições internacionais de tal proporção que exija novo Bretton Woods.

Não é certo que a ação coordenada dos principais Bancos Centrais do mundo, liderados pelo Fed, possa conter o pânico dos mercados, como ocorreu com a crise de 2008, detonada pelo mercado imobiliário subprime americano. Até porque Trump é um líder que surfa, se elege e governa na onda de desconfiança nas instituições causada pela interferência das fake news na política e na economia, que também atingiu o Brasil na eleição de Bolsonaro.

Todos achávamos que viria uma recuperação cíclica até porque a agenda das reformas liberais possui apoio e uma torcida ativa bem mais ampla que os fanáticos seguidores do presidente. Em meados do ano passado, algumas vozes já se ouviam alertando para a crença excessiva no ímpeto dinâmico do setor privado, que haveria de investir pesado, confiante na solvência fiscal do pais, empurrado por juros baixos e o compromisso fiscalista do governo e da equipe econômica de Paulo Guedes.

André Lara Resende, sempre advertindo para os erros e os perigos da miopia fiscalista, convergência teórica e política que prevaleceu com força depois do impeachment de Dilma, lançou livro novo consolidando suas ideias em uma proposta de política econômica alternativa àquela atualmente conduzida por Paulo Guedes, impossível de ser confundida com a nova matriz petista ou com qualquer versão de revival nacional desenvolvimentista.

O ponto central de Lara Resende é que, sem recuperar a confiança no Estado e em políticas públicas eficientes, o investimento privado não vai deslanchar. Pior, quanto mais cortes de gastos cegos e austeridade fiscal linear numa conjuntura de estagnação, o próprio equilíbrio fiscal passa a ser ameaçado. “Se o Estado é caro, corrupto e incompetente, a solução não é asfixiá-lo”, diz André.

A crise do orçamento impositivo mostra como o debate sobre a reforma do Estado está interditado. A disputa política se resume a uma briga de rua pela captura de espaços de poder na máquina pública, cargos e controle de órgãos e, principalmente, pelo dinheiro do orçamento. A agenda das reformas, sempre apresentada setorialmente em “caixinhas”, fica como uma fraca luz no fim do túnel selvagem da operação no dia a dia da economia e da política, sem projeto nacional.

Rodrigo Maia esteve na França e falou sobre os 36 mil municípios que existem naquele país do tamanho da Bahia, que tem 470. O orçamento de investimento na França é feito por grupos de cidades, communautés des communes, e é pactuado entre deputados e senadores nacionais com os prefeitos e lideranças locais, coordenado por um representante do Poder Executivo nacional. Bem que podíamos nos inspirar e fazer o orçamento de investimento pelas 600 microrregiões do IBGE, com participação dos deputados e senadores e dos governos subnacionais. A disputa pelos R$ 30 bilhões poderia ser feita com critérios de racionalidade qualificando a pactuação política e a priorização do gasto público.

Como se sabe, o “toma-lá-dá-cá” da governabilidade brasileira continua a pleno vapor na clandestinidade, longe dos olhos do grande público. Como o inesperado sempre acontece para piorar as coisas, a pandemia do corona vírus derrubou os mercados e a economia mundial, e a vida primitiva em uma economia estagnada, sem perspectivas reformistas de verdade e sem projeto nacional, vai sendo tocada “costeando o alambrado” da crise institucional. A partir de março de 2020, essa conjuntura se desenrola em meio a uma crise mundial sem precedentes.

Delfim Netto dizia que inflação aleija, mas o que mata é crise de balanço de pagamentos. No Brasil de hoje, sem inflação, a estagnação é a doença que aleija, mas não mata. Em 2019, tivemos uma piora acentuada nas contas externas que continham erros de cálculo, mas não vejo em 2020 possibilidade mais acentuada de retorno da agenda de crise externa. Não vamos nos curar, mas também acho que não vamos morrer.

Como não jogo na loteria, minhas esperanças estão, em primeiro lugar, na vitória de Joe Biden nas eleições norte-americanas. A derrota de Trump pode ser um primeiro indicador de que a opinião pública voltou a valorizar a racionalidade, o bom senso e o equilíbrio. Aposto, também no enfraquecimento gradual da miopia fiscalista e anacrônica de Paulo Guedes até 2022. Se Rodrigo Maia aproveitar a eleição municipal para reestruturar a agenda de reformas “fora das caixinhas” pela ótica das cidades, prometo ficar mais otimista.

 

 


RPD || Lilia Lustosa: (Que) Viva o cinema brasileiro!

Com documentários indicados ao Oscar e ao Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, o ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro, avalia Lilia Lustosa

O ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro. Primeiro, foi a indicação do Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, ao Oscar de melhor documentário. Em seguida, foi a vez de Meu Nome é Bagdá (2020), de Caru Alves de Souza, levar o Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, dedicada a produções sobre a juventude.

A verdade é que a Berlinale – o mais politizado dos grandes eventos internacionais de cinema – esteve bem verde e amarela neste ano.  A começar pelo júri, que teve Kleber Mendonça Filho como membro, seguido da participação recorde de 19 filmes brasileiros (algumas coproduções), competindo em diversas categorias, incluindo a principal (Urso de Ouro) com Todos os Mortos (2020), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que integram o coletivo paulista Filmes do Caixote. Sinais do prestígio e do excelente nível que nossa cinematografia atingiu.

Desde aquele longínquo 1898, quando Afonso Segreto registrou as primeiras cenas brasileiras a bordo do navio Brésil, até os dias de hoje, o caminho não tem sido fácil. Problemas de falta de regulamentação e de orçamentos escassos, somados à dificuldade para inserir filmes no circuito comercial, vêm desde sempre obstruindo as veredas de nossa cinematografia. Apesar disso, podemos dizer sem medo que a qualidade do cinema brasileiro melhora a cada ano. Não que já não fizéssemos bons filmes! Desde os anos 30, produzimos obras belíssimas, como Limite (1931), de Mário Peixoto, infelizmente pouco conhecido entre nós, apesar de ter sido eleito pela Associação de Críticos Brasileiros como o maior filme nacional de todos os tempos. Ou ainda Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro, que impressionou tanto o historiador de cinema francês Georges Sadoul, que este tratou logo de incluí-lo entre os maiores cineastas do mundo.

Acontece que, por muitos anos, as produções de sucesso eram oriundas quase que exclusivamente do eixo Rio-São Paulo, com algumas exceções brotando aqui e ali em outras regiões do país, o que acabava por gerar certo engessamento de temas e modelos. De uns tempos para cá, o que se nota é uma mudança neste panorama graças a aumento significativo no número de cursos superiores em cinema e audiovisual (87, em 2016; e 184, em 2020 – Fonte: Sistema e-MEC), e ao aparecimento de pequenas produtoras, coletivos de cinema espalhados pelas periferias de nossas capitais, e distribuidoras comprometidas com o cinema nacional em todos seus formatos. Assim, Distrito Federal, Pernambuco, Ceará, Minas, Rio Grande do Sul e outros Estados começam a fortalecer-se e a ganhar espaço no cenário cinematográfico nacional, somando esforços e diversificando nosso cardápio fílmico.

O veterano Cacá Diegues, já em 2013, quando homenageado no Festival do Cinema Brasileiro de Paris, declarou que o Brasil estava vivendo uma das épocas mais férteis de sua história, atribuindo esse boom justamente à descentralização das produções nacionais. Nomes como Gabriel Mascaro (PE), Adilson Queiroz (DF), Gabriel Martins (MG), Marília Rocha (MG), entre tantos outros, passaram a figurar na lista dos indicados em diversos festivais. Um grupo que alguns críticos vêm chamando de “Novíssimo Cinema Brasileiro”, em função de suas produções de baixo custo, com equipes reduzidas, sem depender do Estado ou com pouca participação dele. Alusão direta ao Cinema Novo, claro, que nos anos 60 se valia justamente desse modo de produção. Soma-se ainda a esse grupo uma geração já legitimada dentro e fora do país, que hoje produz filmes com orçamentos mais robustos, no modelo clássico, muitas vezes valendo-se do financiamento estatal, e da qual fazem parte o pernambucano Kleber Mendonça Filho e o cearense Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, no ano passado.

Mas o melhor dessa história é que a descentralização não enfraqueceu o eixo Rio-São Paulo, que continua a produzir excelentes filmes, seja de arte, seja comercial, feitos por pequenas e grandes produtoras ou pelos tais coletivos formados nas comunidades. Produções como o encantador Turma da Mônica - Laços (2019), de Daniel Rezende (RJ), ou o engajado Um dia com Jerusa (2019), de Viviane Ferreira (SP), estão aí como prova. Sinais de que nosso cinema cresceu, se diversificou e amadureceu, apesar de todas as ameaças de boicote, vindas do governo ou do próprio público brasileiro, que parece ainda não acreditar que fazemos bons filmes em nosso país.

Mesmo assim, a fase é boa! Resta, claro, um longo caminho para que as produções menores cheguem até o grande público. Por enquanto, elas ficam restritas aos festivais. Situação que ainda precisa da participação do Estado para mudar. E é aí que mora o problema! Desde o início do governo Bolsonaro, paira uma espécie de nuvem cinza sobre o terreno cinematográfico brasileiro, ameaçando constantemente seu futuro e a continuidade de sua evolução: cortes nos orçamentos e nas leis de incentivo à cultura, redução nas linhas de financiamento, ameaças de fechamento de instituições, como a ANCINE, e de criação de “filtros” nos conteúdos dos filmes, funcionários de alto escalão plagiando discursos nazistas, demissões e admissões infelizes… Tempos sombrios que contrastam fortemente com o colorido de nosso cinema neste 2020.

 


RPD || Ivan Alves Filho: A mão e o mistério

Considerada Patrimônio Mundial da Unesco, a Gruta de Lascaux possui pinturas rupestres com cerca de 20 mil anos, acreditam alguns cientistas. Ela foi descoberta em 12 de setembro de 1940 por quatro adolescentes 

O que significa, exatamente, aquela mão impressa numa gruta de Lascaux, no interior da França? Será que alguém sabe dizer ao certo? Estamos diante de mais um daqueles mistérios insondáveis da Humanidade?

Em todo caso, a questão sempre me fascinou. Penso em várias hipóteses. Primeiro, o homem teria percebido que a mão o diferenciava dos animais. Daí o destaque dado a ela. Afinal, ele era o único ser a ficar de pé, com as mãos liberadas, portanto. E o raio de visão consideravelmente ampliado. As datas calculadas pelos arqueólogos para a idade das pinturas rupestres de Lascaux se aproximam dos 30 mil anos, época em que o homem já era perfeitamente homo sapiens erectus. Faz certo sentido.

Vamos prosseguindo. Outra hipótese implicaria aceitar que o homem quis legar para a posteridade um testemunho de sua passagem por esse vasto mundo de Deus. Como se, subitamente tomado de uma consciência de indivíduo, ele se dispusesse a comunicar, transmitir, registrar sua humanidade àqueles que fatalmente lhe sucederiam. Por que não? A consciência humana em gestação revelava, assim, que o homem não era imortal. E a pintura o teria auxiliado a expressar isso, a deixar sua marca para o futuro. Ou seja, nós. É razoável pensar assim. Nascia o mundo do simbólico, que também nos diferencia dos animais. Karl Marx chegou a dizer que o pior dos arquitetos é superior à melhor das abelhas por fazer uso de sua imaginação.

Mais uma hipótese seria buscar no gesto do homem que estampava sua mão nas paredes de uma rocha a necessidade de compreender, ainda que de forma confusa ou embrionária, sua exterioridade em relação ao meio. O homem e sua imagem ganhavam então o mundo. Razoável também, não é?    É possível imaginar ainda que, com seu gesto, o homem pretendesse fazer arte, isto é, embelezar o ambiente que o cercava. A coisa também faz algum sentido.

Ou, então, descartaríamos todas essas possibilidades. Nesse caso, poderíamos imaginar que a mão de Lascaux era simplesmente a mão de Lascaux. E nada mais.

Confesso que essa última hipótese é a que mais me atrai – mesmo que não seja, forçosamente, a mais consistente. Ainda que não faça lá muito sentido.

Mas será que o mistério faz?

 

 


RPD || Dora Kaufman: Transformação digital liderada pela Inteligência Artificial - impactos sobre o mercado de trabalho

As próximas décadas podem ser marcadas pelas tecnologias inteligentes, que estarão presentes em sistemas globais de produção com modelos de negócios integrados e conectados

A combinação de avanços nas tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e robótica, por um lado, acelera a produtividade com economia de custos e aumento da eficiência e, por outro, tem fortes impactos sociais, particularmente no mercado de trabalho. Nas próximas décadas, as tecnologias inteligentes estarão presentes em sistemas globais de produção com modelos de negócios integrados e conectados, caracterizados por precisão nos parâmetros de eficiência, personalização de processos e produtos.

Observa-se crescente automação inteligente das tarefas rotineiras, repetitivas e previsíveis, que são as funções predominantes no mercado de trabalho. O trabalhador humano está competindo com a tecnologia inteligente, que é mais barata de empregar com a vantagem adicional de evoluir continuamente; apenas parte dos trabalhadores será realocada para tarefas não suscetíveis à mecanização, tarefas que exigem habilidades humanas que requerem formação adequada (e não simples treinamento).

Vale observar que, historicamente, desde a Revolução Industrial, no século XVIII, o progresso tecnológico priorizou a mecanização das tarefas manuais (trabalho físico); o progresso tecnológico do século XXI, no entanto, engloba igualmente tarefas cognitivas tradicionalmente sob domínio humano, dentre outros atributos, pela maior capacidade e velocidade de processar enormes bases de dados. Ademais, a disrupção tecnológica da IA distingue-se das anteriores pela aceleração e por novos modelos de negócio não intensivos em mão de obra (logo, não gera oferta massiva de empregos).

Os estudos sobre o futuro do trabalho divergem nos números, reflexo das respectivas percepções sobre a ingerênciados arcabouços sociais, legais e regulatórios; e das distintas metodologias. Existe consenso, contudo, de que o resultado entre vagas eliminadas e vagas criadas tende a ser negativo, privilegiando os trabalhadores qualificados. Na competição entre o trabalhador humano e o “trabalhador máquina”, os humanos estão em desvantagem: (a) a manutenção é mais barata, as máquinas trabalham quase que em moto contínuo (sem descanso, sem férias, sem doenças), com um custo médio menor por hora trabalhada (US$ 49 dos humanos na Alemanha e US$ 36 nos EUA, contra US$ 4 do “robô”); (b) as máquinas inteligentes se aperfeiçoam automática e continuamente (processo de machine learning/deep learning); e (c) o custo de reproduzi-las é significativamente menor do que o custo de treinar profissionais humanos para as mesmas funções.

Em paralelo, a substituição do trabalhador humano pelos sistemas inteligentes gera efeito negativo sobre a renda ao aumentar a competição pelos empregos remanescentes. Há fortes indícios de que, em qualquer cenário, a automação inteligente favorece o crescimento econômico, mas gera mais desigualdade (predominantemente, serão extintas as funções de menor qualificação, em geral exercidas pela população de baixa e média renda). Ou seja, a automação inteligente é positiva para o crescimento e negativa para a igualdade.

No Brasil, o processo de transformação digital está relativamente atrasado, mas com impactos perceptíveis sobre o emprego: (a) na indústria, as tecnologias de automação digital, têm ainda baixa penetração, prevalecendo a digitalização de processos internos e a automação básica; (b) no varejo, particularmente o setor bancário, o foco da adoção da IA são os processos internos (redução de custo/aumento de eficiência) e a experiência do cliente (assistentes virtuais/chatbots); (c) no agronegócio, talvez o setor no país mais avançado nesse processo, observa-se a aplicação de tecnologias de IA nas várias etapas de produção, com consequente redução da oferta de trabalho; (d) no setor público, estamos na 51ª posição em GovTech (Governo Tecnológico), mas à medida que avança a digitalização, diminui o número de vagas de trabalho: o alistamento militar on-line, por exemplo, representa atualmente 47% do total – 1,7 milhão de candidatos/ano –, já tendo reduzido de 2.307 para 829 os servidores diretamente envolvidos.

O debate entre se a automação vai substituir os trabalhadores humanos ou vai ampliar sua capacidade aparentemente está superado. A realidade em todos os países e setores de atividade econômica mostra que ambos os processos estão acontecendo simultaneamente. Existe nova forma de relacionamento homem-máquina, que, em algumas situações, empodera os humanos e, em outras, os substitui. Precisamos de políticas públicas com três urgências a serem equacionadas: (a) como lidar com a massa de trabalhadores que tendem ao desemprego pela substituição do trabalhador humano por máquinas/sistemas inteligentes; (b) como requalificar e reciclar a força de trabalho (revisão do ensino em todos os níveis e dos programas de treinamento in company); e (c) como requalificar os trabalhadores nas funções remanescentes para atender à nova interação humano-tecnologia.


Oscar 2020: O que o Parasita mostra sobre Hollywood? Veja crítica de Lilia Lustosa

Em artigo na revista Política Democrática Online, crítica de cinema aponta ínfima participação de negros

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Apesar da ausência de ausência de mulheres e negros indicados nas categorias principais do Oscar 2020, Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo e começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda. A avaliação é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que ela produziu para a 16ª edição da revista Política Democrática Online. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza, gratuitamente, todos os conteúdos em seu site.

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No artigo exclusivo publicado na revista da FAP, Lilia critica o que chama de “participação ínfima” de negros na premiação deste ano. “Marca evidente de retrocesso em um campo já tantas vezes discutido e que, por algum tempo, tivemos a ilusão de ter avançado”, lamenta. Na opinião dela, foi surpreendente o número de mulheres que subiram ao palco, como Hildur Guonadóttir, trilha sonora; Jacqueline Durran, figurino; Nancy Haigh e Barbara Ling, direção de arte; Karen Rupert Toliver, curta de animação; Carol Dysinger e Elena Andreicheva, curta documentário.

A crítica de cinema observa que, diante do grande vencedor do Oscar 2020 – Parasita, do coreano Bong Joon-hoo –, a cerimônia de premiação lhe deixou a impressão de que Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo. “Ou, como disse o próprio Joon-hoo no Globo de Ouro mês passado, começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda!”, ironiza ela.

A mudança vem sendo sutil, segundo a crítica de cinema, no artigo publicado na revista Política Democrática Online. Ela lembra que, no ano passado, Roma (2018), do mexicano Alfonso Cuarón, falado em espanhol, já havia surpreendido ao ser indicado em 10 categorias, entre elas melhor filme estrangeiro e melhor filme, o que gerou certa polêmica. Spielberg chegou a se pronunciar, alegando que produções feitas para plataformas de streaming (no caso, a Netflix) não deveriam concorrer ao Oscar.

Mas, conforme escreve Lilia, Roma acabou ficando com 3 prêmios importantes: melhor filme estrangeiro, melhor fotografia e melhor diretor, perdendo, porém, o prêmio maior da noite. “Neste ano, a façanha se repetiu com o coreano Parasita que, indicado em 6 categorias, acabou sendo o grande vencedor, levando merecidamente 4 estatuetas – melhor roteiro original, melhor diretor, melhor filme internacional e melhor filme –, derrubando o favorito 1917, do inglês Sam Mendes, que, diga-se de passagem, é o clichê, do clichê, do clichê do filme de guerra hollywoodiano. 1917 foi premiado no que tinha de bom: diretor de fotografia, mixagem de som e efeitos visuais. Justo!”.

De acordo com Lilia, outro sinal de mudança na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana foi a sutil troca de nomes na categoria de filmes falados em língua estrangeira, que passou a se chamar “Melhor filme internacional”, e não mais “Melhor filme estrangeiro”. “’estrangeiro’, além significar ‘cidadão de outra nação’, também pode ser entendido como alguém ou algo que não pertence, algo estranho àquele lugar”, escreve, para continuar: “O que até então parecia ser de fato a norma em Hollywood. O que estaria por trás de tal mudança? Algum conluio político? Lobby empresarial? Uma mensagem para Trump em ano de eleições? Pode ser. Mas, independentemente disso, Parasita ganhou porque merecia, porque reunia todas as qualidades de uma grande obra cinematográfica (roteiro original, bela fotografia, primorosas montagem, direção, atuação, etc.)”.

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Leonardo Padura coleciona prêmios, destaca André Amado na Política Democrática Online

 Em artigo publicado na revista da FAP, embaixador aposentado analisa trabalho de jornalista cubano

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Leonardo Padura é um escritor e jornalista cubano que coleciona prêmios literários, só lhe faltando o Nobel, e ganha espaço na análise do embaixador aposentado André Amado, em artigo produzido para a 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Padura ganhou projeção internacional com o lançamento de O homem que amava os cachorros (2008) e Hereges (2013). Como autor, centrou seus romances policiais na figura do tenente do departamento de polícia, Mario Conde.

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“Em O homem que amava os cachorrosPadura fabula a vida e morte de Leon Trotski, a partir de conversas entre um aspirante a escritor e um homem que costumava levar seus dois galgos a passear na praia em Havana’, afirma Amado, que é diretor da revista Política Democrática Online. “Em Hereges, o gancho é a viagem de um navio que transportava judeus evadidos do nazismo, em busca desesperada de acolhimento no porto que fosse, às vésperas da Segunda Guerra”, acrescenta.

Na obra de 2008, de acordo com o artigo publicado na revista, o talento e arte do escritor cubano logram transformar a história em ficção, e a ficção em história. “A trajetória de Trotski destaca grandeza e traições, em meio a enfrentamentos abertos, primeiro, com Lenine pela fundação do regime bolchevique, e, depois, com Stalin, que tudo faria para eliminar talvez seu último virtual competidor pelo poder no Kremlim, objetivo que, por fim, logra êxito”, escreve Amado, em um trecho.

Segundo o autor do artigo, o livro de Padura cobre também a visão idealista de Trotski do movimento comunista, suas relações com líderes revolucionários, que teriam sorte igualmente trágica, seu exílio pela Europa e México, e até suas experiências amorosas, incluindo seu romance com Frida Kahlo.

“Em Hereges, a pretexto de acompanhar a sorte dos judeus por alguns destinos forçados na Europa, Padura traça a influência marcante deles, em particular na Holanda, não resistindo a tornar Rembrandt um personagem natural da trama, tanto mais porque era dele a tela, que desapareceria por décadas”, destaca o diretor da revista Política Democrática Online.

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