RPD || Editorial: Incerteza e risco

Não poderiam ser piores as expectativas criadas pelos preparativos das manifestações em favor do governo de 15 de março passado. Todas elas foram, contudo, superadas com folga pelos fatos.
Arte: FAP
Arte: FAP

Não poderiam ser piores as expectativas criadas pelos preparativos das manifestações em favor do governo de 15 de março passado. Todas elas foram, contudo, superadas com folga pelos fatos. O Presidente da República tentou negar participação na convocação de um movimento a seu favor, recurso característico de regimes autoritários. Sua participação foi comprovada. Negou-se com veemência o viés autoritário do movimento, mas as imagens mostram, sem sombra de dúvida, o foco dos manifestantes: oposição ao Congresso e ao Supremo Tribunal, dois dos Poderes da República. Ao final, a confraternização do Presidente com manifestantes, gesto de irresponsabilidade absoluta, em face das recomendações de segurança, de membros de seu próprio governo, contra a propagação da pandemia que assola o mundo.

De positivo, apenas o pequeno número de manifestantes. No entanto, a lógica aparente do ato, de compensação das perdas nos números pela radicalização do discurso e das ações, é preocupante. Vimos um grupo de manifestantes pequeno, que se apresentou nas ruas mobilizado, radicalizado e, em alguns casos, armado. Por sorte, apenas um incidente com disparos foi reportado, com o ferimento, em São Paulo, de uma jovem que manifestou sua oposição ao governo.

Temos, então, de um lado, um Presidente que acumula evidências de escassa capacidade para o diálogo e a construção de consensos nos foros políticos previstos pela Constituição, assim como forte propensão ao confronto. Recusa, na verdade, suas tarefas constitucionais de cooperação com os demais Poderes, assim como os mandamentos do bom senso na relação com os governadores, legítimos representantes das unidades da Federação. O Presidente conseguiu, em alguns meses, tornar-se alvo do protesto da grande maioria dos governadores e, ao mesmo tempo, mostrar simpatia para movimentos, ilegais, de policiais amotinados em diversos Estados.

De outro lado, temos o agravamento da crise provocada pela expansão da pandemia e colapso econômico que se avizinha, em decorrência das medidas necessárias para sua contenção. Caminhamos celeremente para um aumento sem precedentes da complexidade dos problemas que governos devem enfrentar, complexidade que, nos níveis atuais, parece já exceder em muito a capacidade governamental para sua resolução.

Ingressamos em ambiente novo, de alto risco e incertezas. O norte da atuação política das forças democráticas deve ser apenas um: unidade em torno da defesa do estado democrático de direito. Nenhuma afronta à democracia, mesmo que apenas no plano da opinião, pode ser tolerada.

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