RPD || Dora Kaufman: Transformação digital liderada pela Inteligência Artificial – impactos sobre o mercado de trabalho

As próximas décadas podem ser marcadas pelas tecnologias inteligentes, que estarão presentes em sistemas globais de produção com modelos de negócios integrados e conectados.
Foto: Getty Images
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As próximas décadas podem ser marcadas pelas tecnologias inteligentes, que estarão presentes em sistemas globais de produção com modelos de negócios integrados e conectados

A combinação de avanços nas tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e robótica, por um lado, acelera a produtividade com economia de custos e aumento da eficiência e, por outro, tem fortes impactos sociais, particularmente no mercado de trabalho. Nas próximas décadas, as tecnologias inteligentes estarão presentes em sistemas globais de produção com modelos de negócios integrados e conectados, caracterizados por precisão nos parâmetros de eficiência, personalização de processos e produtos.

Observa-se crescente automação inteligente das tarefas rotineiras, repetitivas e previsíveis, que são as funções predominantes no mercado de trabalho. O trabalhador humano está competindo com a tecnologia inteligente, que é mais barata de empregar com a vantagem adicional de evoluir continuamente; apenas parte dos trabalhadores será realocada para tarefas não suscetíveis à mecanização, tarefas que exigem habilidades humanas que requerem formação adequada (e não simples treinamento).

Vale observar que, historicamente, desde a Revolução Industrial, no século XVIII, o progresso tecnológico priorizou a mecanização das tarefas manuais (trabalho físico); o progresso tecnológico do século XXI, no entanto, engloba igualmente tarefas cognitivas tradicionalmente sob domínio humano, dentre outros atributos, pela maior capacidade e velocidade de processar enormes bases de dados. Ademais, a disrupção tecnológica da IA distingue-se das anteriores pela aceleração e por novos modelos de negócio não intensivos em mão de obra (logo, não gera oferta massiva de empregos).

Os estudos sobre o futuro do trabalho divergem nos números, reflexo das respectivas percepções sobre a ingerênciados arcabouços sociais, legais e regulatórios; e das distintas metodologias. Existe consenso, contudo, de que o resultado entre vagas eliminadas e vagas criadas tende a ser negativo, privilegiando os trabalhadores qualificados. Na competição entre o trabalhador humano e o “trabalhador máquina”, os humanos estão em desvantagem: (a) a manutenção é mais barata, as máquinas trabalham quase que em moto contínuo (sem descanso, sem férias, sem doenças), com um custo médio menor por hora trabalhada (US$ 49 dos humanos na Alemanha e US$ 36 nos EUA, contra US$ 4 do “robô”); (b) as máquinas inteligentes se aperfeiçoam automática e continuamente (processo de machine learning/deep learning); e (c) o custo de reproduzi-las é significativamente menor do que o custo de treinar profissionais humanos para as mesmas funções.

Em paralelo, a substituição do trabalhador humano pelos sistemas inteligentes gera efeito negativo sobre a renda ao aumentar a competição pelos empregos remanescentes. Há fortes indícios de que, em qualquer cenário, a automação inteligente favorece o crescimento econômico, mas gera mais desigualdade (predominantemente, serão extintas as funções de menor qualificação, em geral exercidas pela população de baixa e média renda). Ou seja, a automação inteligente é positiva para o crescimento e negativa para a igualdade.

No Brasil, o processo de transformação digital está relativamente atrasado, mas com impactos perceptíveis sobre o emprego: (a) na indústria, as tecnologias de automação digital, têm ainda baixa penetração, prevalecendo a digitalização de processos internos e a automação básica; (b) no varejo, particularmente o setor bancário, o foco da adoção da IA são os processos internos (redução de custo/aumento de eficiência) e a experiência do cliente (assistentes virtuais/chatbots); (c) no agronegócio, talvez o setor no país mais avançado nesse processo, observa-se a aplicação de tecnologias de IA nas várias etapas de produção, com consequente redução da oferta de trabalho; (d) no setor público, estamos na 51ª posição em GovTech (Governo Tecnológico), mas à medida que avança a digitalização, diminui o número de vagas de trabalho: o alistamento militar on-line, por exemplo, representa atualmente 47% do total – 1,7 milhão de candidatos/ano –, já tendo reduzido de 2.307 para 829 os servidores diretamente envolvidos.

O debate entre se a automação vai substituir os trabalhadores humanos ou vai ampliar sua capacidade aparentemente está superado. A realidade em todos os países e setores de atividade econômica mostra que ambos os processos estão acontecendo simultaneamente. Existe nova forma de relacionamento homem-máquina, que, em algumas situações, empodera os humanos e, em outras, os substitui. Precisamos de políticas públicas com três urgências a serem equacionadas: (a) como lidar com a massa de trabalhadores que tendem ao desemprego pela substituição do trabalhador humano por máquinas/sistemas inteligentes; (b) como requalificar e reciclar a força de trabalho (revisão do ensino em todos os níveis e dos programas de treinamento in company); e (c) como requalificar os trabalhadores nas funções remanescentes para atender à nova interação humano-tecnologia.

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