retrocesso

Carlos Pereira: Um controle desequilibrado

Um Ministério Público ‘incontrolável’ garante o equilíbrio entre Poderes

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

Existem vários modelos estáveis de democracia, da mais majoritária (com poucas restrições às preferências de uma maioria parlamentar) à mais consensualista (com vários pontos de veto capazes de proteger interesses minoritários). 

Não se pode dizer qual modelo é o melhor. O importante é que exista equilíbrio entre os mais variados componentes do sistema.

Os founding fathers da democracia brasileira de 1988 constituíram um sistema político essencialmente consensualista, com vários elementos de proteção, tais como separação de Poderes, federalismo, multipartidarismo e, o que aqui interessa, independência do Judiciário e do Ministério Público

Para contrabalançar e gerar governabilidade, os legisladores delegaram uma grande quantidade de poderes ao presidente para que ele tivesse condições de atrair suporte político majoritário, mesmo em um ambiente fragmentado. 

Neste desenho, cumpre papel fundamental para o equilíbrio do jogo a existência de um MP e Judiciário independentes. Um MP “incontrolável” teria condições de controlar chefes do Executivo poderosos. Naturalmente que essa escolha não é destituída de custos. A falta de controle pode levar a potenciais excessos e desvios. Mas esse foi o preço que o legislador constituinte decidiu pagar. 

Preferências podem ser alteradas, já que constituições não são “camisas de força”. Mas deve-se atentar para os custos dessa alteração.

O controle externo do MP já existe em alguns países. Mas os elementos que garantem o equilíbrio do sistema são diferentes dos daqui. Portanto, o que funciona lá não necessariamente vai funcionar aqui.

A indicação de membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do seu corregedor pelo Legislativo, bem como a possibilidade desse conselho passar a rever atos do MP, como proposta na PEC 5/21, certamente aumentará o controle sobre os membros do MP, desestimulando potenciais excessos e desvios. 

Mas não podemos esquecer o outro dado da moeda. Na medida em que um presidente constitucionalmente poderoso tem condições de montar maiorias legislativas, serão essas maiorias que terão capacidade de interferir na composição do CNMP e, por consequência, na própria atuação do MP. 

Se o problema é a falta de controle do MP, poder-se-ia criar um controle exógeno que fosse exercido pela minoria parlamentar de oposição. Um controle exercido por uma maioria parlamentar, proposto na PEC 5/21, é uma “bomba atômica” que tem o potencial de dessensibilizar o equilíbrio de todo o sistema político em prol do Executivo. 

Professor titular FGV EBAPE, Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,um-controle-desequilibrado,70003871511


Governo Bolsonaro anula anistias e suspende busca por desaparecidos políticos

BRASÍLIA - O técnico em eletrônica Edson Benigno, hoje com 72 anos, foi perseguido, preso e torturado durante a ditadura militar no Brasil. Então servindo à Marinha, Edson viu os agentes do regime, em 1975, invadirem sua casa, no Rio. Eles o algemaram, encapuzaram e apontaram uma arma para a barriga de sua mulher grávida. Levaram-no junto com o pai, José Benigno, e foram jogados dentro de dois Opalas. Apanharam. Um ano depois, ficou 50 dias preso. Foi submetido a choques elétricos e pau de arara. Teve sequelas.

Apesar da redução: Brasil ainda tem 19 mil grávidas entre 10 e 14 anos

Edson foi detido aos 26 anos pela ação política do pai, antigo militante do Partido Comunista Brasileiro. Mas mesmo com o histórico de perseguição, prisão e tortura, não conseguiu ser anistiado. Seu processo chegou a ser aprovado na Comissão de Anistia, no governo de Michel Temer, mas não teve a portaria publicada até hoje. Ao logo do governo de Jair Bolsonaro, o caso segue parado na comissão, sem previsão de aprovação da anistia e reparação econômica.

— Não tenho qualquer expectativa de que esse governo, que elogia a ditadura, irá reconhecer que fui vítima daquele período — diz Edson.

O governo revisa e reconta a história à sua moda. Nas duas comissões instituídas há mais duas décadas para tratar e julgar as violações cometidas naquele período — de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos — os conselheiros, escolhidos a dedo, ignoram os fatos, negam a perseguição política, “desanistiam” militantes já anistiados e abandonam a busca por desaparecidos.

José Benigno e o filho Edson, de 72 anos, foram perseguidos presos e torturados durante a ditadura militar Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
José Benigno e o filho Edson, de 72 anos, foram perseguidos presos e torturados durante a ditadura militar Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Na gestão Bolsonaro, as comissões são formadas por muitos militares que, além de rejeitar as anistias, têm anulado reparações concedidas no passado. Entre eles, está o general da reserva Rocha Paiva, autor do prefácio do livro “A verdade sufocada”, livro de memórias do coronel reformado Brilhante Ustra, condenado pelo crime de tortura na ditadura.

Os conselheiros desses colegiados entendem que não houve perseguição do Estado a essas pessoas. Em julgamentos, é comum os perseguidos pela ditadura serem chamados de “terroristas” e “foras da lei”. Um antigo militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) teve seu pedido negado, num julgamento em maio deste ano, e o relator escreveu em seu voto: “Ser monitorado por pertencer aos quadros da luta armada ilegal e criminosa não configura perseguição política, pois assim acontecia e aconteceria, hoje, em qualquer investigação policial, máxime, militando em grupos criminosos. Ele não era um militante político em organização legal, pelo contrário, integrava organização fora da lei, que cometia crimes bárbaros e violência”.

Depoimento:'Ele começou a falar do ponto G e a manipular minhas partes íntimas, mas não entendia porque só tinha 12 anos', diz vítima de ginecologista preso em Goiás

O Ministério Público chegou a entrar com uma ação para suspender a nomeação de militares na Comissão de Anistia por terem histórico de postura “incompatíveis” com a missão de reparação das vítimas de violações cometidas nos anos de chumbo. O atual presidente da comissão, João Henrique Freitas, assessor no Palácio do Planalto, é autor de ações contra indenização a 44 camponeses, vítimas de torturas na Guerrilha do Araguaia, e também moveu ação para impedir a reparação à família do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca. O comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Dionei Tonet, também integra a comissão. A ação dos procuradores para excluí-los foi rejeitada pela Justiça.

Desde a criação da comissão, em 2001, foram julgados cerca de 75 mil pedidos. A grande maioria — 55 mil —, nos oito primeiros anos dos governos Lula, que aprovou 64,3% dos pedidos.

A comissão, no governo Bolsonaro, aprovou 6% dos casos em tramitação, percentual apenas um pouco maior do que o registrado no governo Temer, quando o índice ficou em 4%. Mas aprovou pouquíssimas reparações econômicas. A diferença principal é que, sob comando do ministério de Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a comissão tem anulado anistias aprovadas no passado e adotou medidas que dão poderes à ministra de, monocraticamente, decidir o destino dos anistiandos.

— Não há mais vontade política em conceder novas anistias. Prova disso são os mais 6.500 pedidos indeferidos na atual gestão. Nossa esperança está no Judiciário, já que os recursos na comissão são infrutíferos — diz o advogado Humberto Falrene, que defende perseguidos políticos na comissão.

Entre os casos pendentes está o da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante o regime. O caso da ex-presidente, que requer a condição de anistiada e reparação econômica, já entrou e saiu da pauta de votação três vezes. Dilma não tem feito questão que essa composição da comissão julgue a perseguição que sofreu.

Sem pedido de perdão

Na Comissão de Mortos e Desparecidos, instituída no governo tucano Fernando Henrique Cardoso, o andamento não é diferente. Além da suspensão de diligências em busca dos restos mortais de opositores de regime, como os que atuaram na Guerrilha do Araguaia, os conselheiros também já revisaram casos de pessoas consideradas mortas nas mãos do Estado. Foram suspensas e revistas as certidões de óbitos de esquerdistas constando a real causa de suas mortes: “morte não natural, violenta, perpetrada pelo Estado brasileiro no âmbito de perseguição sistemática a opositores políticos”. Esse trecho foi abolido no atual governo, assim como, na Comissão de Anistia, desapareceu o ritual do pedido de “perdão” aos familiares. Na Comissão dos Mortos, Vera Paiva, filha do desaparecido e ex-deputado Rubens Paiva, e Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana, ex-guerrilheira e desaparecida que atuou no Araguaia, são minoria e resistem aos novos entendimentos do conselho.

Em Goiás: Médico preso acusado de abusar mulheres já processou jovem que o denunciou no Facebook

— Infelizmente, isso vai aprofundando o débito que o Estado tem com essas famílias — diz a procuradora Eugênia Gonzaga, que já presidiu a Comissão de Mortos.

As ações de indiferença do governo com os que enfrentaram o regime de exceção são contínuas. O ministério de Damares fez um convênio com o Comando da Aeronáutica que prevê o uso de militares em intimações e notificações pessoais aos perseguidos políticos, em suas residências. Até agora, essa era uma incumbência dos Correios. São documentos sobre andamento e instrução dos processos, decisões, informação sobre prazo para recursos. A iniciativa incomodou militantes da esquerda, estudiosos e professores do assunto, que enxergam na ação uma nova perseguição e um processo de revitimização.

— Imagina a situação: eu entro com um requerimento dizendo que fui perseguida, torturada, barbarizada por militares e peço a declaração de anistiada política e a reparação. Aí, bate na minha porta um militar fardado para dizer que eu tenho que juntar prova disso ou daquilo, senão meu processo será indeferido. Isso é deboche. A Constituição me garante o direito de pedir reparação integral por ter sido perseguida política, e o que recebo é uma nova perseguição. Sou vítima novamente das mesmas Forças Armadas que 50 anos atrás me perseguiram e tornaram a minha vida quase insuportável — diz a historiadora e professora da UnB Eneá Stutz, que dirige um grupo de Justiça de Transição e integrou a Comissão de Anistia no passado.PUBLICIDADE

Damares ‘vira página’

A ministra Damares Alves minimiza as críticas a atuação das comissões e diz ser hora de “virar essa página”. Questionada pelo GLOBO se pretende encerrar as atividades das comissões, ela respondeu que “um dia não terá mais requerimento para analisar”. A ministra disse que baixou portarias com poderes de decisão monocrática porque havia uma “possibilidade eterna de recursos”.

Vídeos: Novas tempestades de poeira são registradas em ao menos quatro estados brasileiros

“A pessoa podia ter seu pedido indeferido dez vezes e ainda assim continuar recorrendo. Lembro que anistia significa esquecimento. A discussão do mesmo caso é uma ferida eternamente aberta. As famílias precisam de uma resposta”, disse Damares, em resposta por escrito, explicando que recebeu um passivo de 11 mil requerimentos para julgar. Hoje, restam cerca de 3 mil.

Sobre o fim das buscas dos desaparecidos, Damares afirmou lamentar que “os governos anteriores não tenham se esforçado mais para realizar essa localização enquanto era tempo, mesmo após investimento de tanto dinheiro público”.

O presidente da Comissão de Anistia, João Henrique Freitas, afirmou que em algum momento será necessário enfrentar a questão do encerramento dos trabalhos do colegiado. Ele conta que nesses 20 anos foram pagos R$ 14 bilhões em reparação, “apesar da realidade vivida pelos brasileiros”.PUBLICIDADE

“Somente este ano foram protocolizados 114 novos requerimentos de anistia solicitando indenização pecuniária. Não me parece razoável, com todo o respeito, considerando que já se passaram 42 anos desde a primeira Lei de Anistia, e a lista total de pessoas beneficiadas até agora inclui cerca de 39 mil nomes”, disse Freitas, em resposta por escrito.

O presidente afirmou que a lei que criou a Comissão de Anistia não impede a participação de militares ou de notórios defensores dos militares, mas disse que a análise dos casos é “justa”.

Leia:'Cochilei e acordei no chão', diz sobrevivente de acidente na BA com ônibus, van e bitrem

O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Marcos Vinícius Carvalho, afirmou que foram realizadas 36 expedições de busca de desaparecidos, que custaram R$ 23 milhões, “e nada se encontrou”. Ele se refere a buscas ocorridas no passado e afirma que irá transportar as ossadas que estão guardadas na Universidade de Brasília (UnB) para a Holanda, e verificar se é possível identificar o material.

Carvalho afirmou que a comissão faz esforços para manter a identificação das ossadas de Perus, um cemitério clandestino da ditadura militar, descoberto nos anos 1990.

Sobre a intimação às vítimas da ditadura, o Comando da Aeronáutica informou que se trata do cumprimento da lei que regula a administração pública, que tem unidades em todo o país para acessar os anistiando e que detém os dados cadastrais dos anistiandos.PUBLICIDADE

“O emprego dos recursos humanos da Força Aérea Brasileira (FAB) para prover as intimações e notificações pessoais que devem ser expedidas no âmbito dos referidos processos em curso na Comissão de Anistia representa importante economia para a Fazenda Nacional, em atenção ao princípio constitucional da eficiência da administração pública. A FAB possui unidades em todo o território nacional, bem como os dados cadastrais dos interessados e dos beneficiários submetidos a processo na Comissão”, informou o Comando da Aeronáutica.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/direitos-humanos/governo-bolsonaro-defensor-da-ditadura-anula-anistias-suspende-busca-por-desaparecidos-politicos-25221959


Governo Bolsonaro anula anistias e suspende busca por desaparecidos políticos

Comissões são formadas por militares que têm anulado reparações concedidas no passado e rejeitado novos pedidos

Evandro Éboli / O Globo

BRASÍLIA - O técnico em eletrônica Edson Benigno, hoje com 72 anos, foi perseguido, preso e torturado durante a ditadura militar no Brasil. Então servindo à Marinha, Edson viu os agentes do regime, em 1975, invadirem sua casa, no Rio. Eles o algemaram, encapuzaram e apontaram uma arma para a barriga de sua mulher grávida. Levaram-no junto com o pai, José Benigno, e foram jogados dentro de dois Opalas. Apanharam. Um ano depois, ficou 50 dias preso. Foi submetido a choques elétricos e pau de arara. Teve sequelas.

Apesar da redução: Brasil ainda tem 19 mil grávidas entre 10 e 14 anos

Edson foi detido aos 26 anos pela ação política do pai, antigo militante do Partido Comunista Brasileiro. Mas mesmo com o histórico de perseguição, prisão e tortura, não conseguiu ser anistiado. Seu processo chegou a ser aprovado na Comissão de Anistia, no governo de Michel Temer, mas não teve a portaria publicada até hoje. Ao logo do governo de Jair Bolsonaro, o caso segue parado na comissão, sem previsão de aprovação da anistia e reparação econômica.

— Não tenho qualquer expectativa de que esse governo, que elogia a ditadura, irá reconhecer que fui vítima daquele período — diz Edson.

O governo revisa e reconta a história à sua moda. Nas duas comissões instituídas há mais duas décadas para tratar e julgar as violações cometidas naquele período — de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos — os conselheiros, escolhidos a dedo, ignoram os fatos, negam a perseguição política, “desanistiam” militantes já anistiados e abandonam a busca por desaparecidos.

José Benigno e o filho Edson, de 72 anos, foram perseguidos presos e torturados durante a ditadura militar Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
José Benigno e o filho Edson, de 72 anos, foram perseguidos presos e torturados durante a ditadura militar Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Na gestão Bolsonaro, as comissões são formadas por muitos militares que, além de rejeitar as anistias, têm anulado reparações concedidas no passado. Entre eles, está o general da reserva Rocha Paiva, autor do prefácio do livro “A verdade sufocada”, livro de memórias do coronel reformado Brilhante Ustra, condenado pelo crime de tortura na ditadura.

Os conselheiros desses colegiados entendem que não houve perseguição do Estado a essas pessoas. Em julgamentos, é comum os perseguidos pela ditadura serem chamados de “terroristas” e “foras da lei”. Um antigo militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) teve seu pedido negado, num julgamento em maio deste ano, e o relator escreveu em seu voto: “Ser monitorado por pertencer aos quadros da luta armada ilegal e criminosa não configura perseguição política, pois assim acontecia e aconteceria, hoje, em qualquer investigação policial, máxime, militando em grupos criminosos. Ele não era um militante político em organização legal, pelo contrário, integrava organização fora da lei, que cometia crimes bárbaros e violência”.

Depoimento:'Ele começou a falar do ponto G e a manipular minhas partes íntimas, mas não entendia porque só tinha 12 anos', diz vítima de ginecologista preso em Goiás

O Ministério Público chegou a entrar com uma ação para suspender a nomeação de militares na Comissão de Anistia por terem histórico de postura “incompatíveis” com a missão de reparação das vítimas de violações cometidas nos anos de chumbo. O atual presidente da comissão, João Henrique Freitas, assessor no Palácio do Planalto, é autor de ações contra indenização a 44 camponeses, vítimas de torturas na Guerrilha do Araguaia, e também moveu ação para impedir a reparação à família do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca. O comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Dionei Tonet, também integra a comissão. A ação dos procuradores para excluí-los foi rejeitada pela Justiça.

Desde a criação da comissão, em 2001, foram julgados cerca de 75 mil pedidos. A grande maioria — 55 mil —, nos oito primeiros anos dos governos Lula, que aprovou 64,3% dos pedidos.

A comissão, no governo Bolsonaro, aprovou 6% dos casos em tramitação, percentual apenas um pouco maior do que o registrado no governo Temer, quando o índice ficou em 4%. Mas aprovou pouquíssimas reparações econômicas. A diferença principal é que, sob comando do ministério de Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a comissão tem anulado anistias aprovadas no passado e adotou medidas que dão poderes à ministra de, monocraticamente, decidir o destino dos anistiandos.

— Não há mais vontade política em conceder novas anistias. Prova disso são os mais 6.500 pedidos indeferidos na atual gestão. Nossa esperança está no Judiciário, já que os recursos na comissão são infrutíferos — diz o advogado Humberto Falrene, que defende perseguidos políticos na comissão.

Entre os casos pendentes está o da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante o regime. O caso da ex-presidente, que requer a condição de anistiada e reparação econômica, já entrou e saiu da pauta de votação três vezes. Dilma não tem feito questão que essa composição da comissão julgue a perseguição que sofreu.

Sem pedido de perdão

Na Comissão de Mortos e Desparecidos, instituída no governo tucano Fernando Henrique Cardoso, o andamento não é diferente. Além da suspensão de diligências em busca dos restos mortais de opositores de regime, como os que atuaram na Guerrilha do Araguaia, os conselheiros também já revisaram casos de pessoas consideradas mortas nas mãos do Estado. Foram suspensas e revistas as certidões de óbitos de esquerdistas constando a real causa de suas mortes: “morte não natural, violenta, perpetrada pelo Estado brasileiro no âmbito de perseguição sistemática a opositores políticos”. Esse trecho foi abolido no atual governo, assim como, na Comissão de Anistia, desapareceu o ritual do pedido de “perdão” aos familiares. Na Comissão dos Mortos, Vera Paiva, filha do desaparecido e ex-deputado Rubens Paiva, e Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana, ex-guerrilheira e desaparecida que atuou no Araguaia, são minoria e resistem aos novos entendimentos do conselho.

Em Goiás: Médico preso acusado de abusar mulheres já processou jovem que o denunciou no Facebook

— Infelizmente, isso vai aprofundando o débito que o Estado tem com essas famílias — diz a procuradora Eugênia Gonzaga, que já presidiu a Comissão de Mortos.

As ações de indiferença do governo com os que enfrentaram o regime de exceção são contínuas. O ministério de Damares fez um convênio com o Comando da Aeronáutica que prevê o uso de militares em intimações e notificações pessoais aos perseguidos políticos, em suas residências. Até agora, essa era uma incumbência dos Correios. São documentos sobre andamento e instrução dos processos, decisões, informação sobre prazo para recursos. A iniciativa incomodou militantes da esquerda, estudiosos e professores do assunto, que enxergam na ação uma nova perseguição e um processo de revitimização.

— Imagina a situação: eu entro com um requerimento dizendo que fui perseguida, torturada, barbarizada por militares e peço a declaração de anistiada política e a reparação. Aí, bate na minha porta um militar fardado para dizer que eu tenho que juntar prova disso ou daquilo, senão meu processo será indeferido. Isso é deboche. A Constituição me garante o direito de pedir reparação integral por ter sido perseguida política, e o que recebo é uma nova perseguição. Sou vítima novamente das mesmas Forças Armadas que 50 anos atrás me perseguiram e tornaram a minha vida quase insuportável — diz a historiadora e professora da UnB Eneá Stutz, que dirige um grupo de Justiça de Transição e integrou a Comissão de Anistia no passado.PUBLICIDADE

Damares ‘vira página’

A ministra Damares Alves minimiza as críticas a atuação das comissões e diz ser hora de “virar essa página”. Questionada pelo GLOBO se pretende encerrar as atividades das comissões, ela respondeu que “um dia não terá mais requerimento para analisar”. A ministra disse que baixou portarias com poderes de decisão monocrática porque havia uma “possibilidade eterna de recursos”.

Vídeos: Novas tempestades de poeira são registradas em ao menos quatro estados brasileiros

“A pessoa podia ter seu pedido indeferido dez vezes e ainda assim continuar recorrendo. Lembro que anistia significa esquecimento. A discussão do mesmo caso é uma ferida eternamente aberta. As famílias precisam de uma resposta”, disse Damares, em resposta por escrito, explicando que recebeu um passivo de 11 mil requerimentos para julgar. Hoje, restam cerca de 3 mil.

Sobre o fim das buscas dos desaparecidos, Damares afirmou lamentar que “os governos anteriores não tenham se esforçado mais para realizar essa localização enquanto era tempo, mesmo após investimento de tanto dinheiro público”.

O presidente da Comissão de Anistia, João Henrique Freitas, afirmou que em algum momento será necessário enfrentar a questão do encerramento dos trabalhos do colegiado. Ele conta que nesses 20 anos foram pagos R$ 14 bilhões em reparação, “apesar da realidade vivida pelos brasileiros”.PUBLICIDADE

“Somente este ano foram protocolizados 114 novos requerimentos de anistia solicitando indenização pecuniária. Não me parece razoável, com todo o respeito, considerando que já se passaram 42 anos desde a primeira Lei de Anistia, e a lista total de pessoas beneficiadas até agora inclui cerca de 39 mil nomes”, disse Freitas, em resposta por escrito.

O presidente afirmou que a lei que criou a Comissão de Anistia não impede a participação de militares ou de notórios defensores dos militares, mas disse que a análise dos casos é “justa”.

Leia:'Cochilei e acordei no chão', diz sobrevivente de acidente na BA com ônibus, van e bitrem

O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Marcos Vinícius Carvalho, afirmou que foram realizadas 36 expedições de busca de desaparecidos, que custaram R$ 23 milhões, “e nada se encontrou”. Ele se refere a buscas ocorridas no passado e afirma que irá transportar as ossadas que estão guardadas na Universidade de Brasília (UnB) para a Holanda, e verificar se é possível identificar o material.

Carvalho afirmou que a comissão faz esforços para manter a identificação das ossadas de Perus, um cemitério clandestino da ditadura militar, descoberto nos anos 1990.

Sobre a intimação às vítimas da ditadura, o Comando da Aeronáutica informou que se trata do cumprimento da lei que regula a administração pública, que tem unidades em todo o país para acessar os anistiando e que detém os dados cadastrais dos anistiandos.PUBLICIDADE

“O emprego dos recursos humanos da Força Aérea Brasileira (FAB) para prover as intimações e notificações pessoais que devem ser expedidas no âmbito dos referidos processos em curso na Comissão de Anistia representa importante economia para a Fazenda Nacional, em atenção ao princípio constitucional da eficiência da administração pública. A FAB possui unidades em todo o território nacional, bem como os dados cadastrais dos interessados e dos beneficiários submetidos a processo na Comissão”, informou o Comando da Aeronáutica.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/direitos-humanos/governo-bolsonaro-defensor-da-ditadura-anula-anistias-suspende-busca-por-desaparecidos-politicos-25221959


Querem nos segregar, diz jovem com deficiência sobre decreto de Bolsonaro

Quando Manu Aguiar nasceu com paralisia cerebral, em 1993, o médico disse à mãe da menina que ela não iria falar e não ia andar

Letícia Mori / BBC News Brasil

Hoje aos 28 anos, Manu não só fala e anda como faz faculdade na Universidade Federal do Paraná. A jovem de Ranchinhos, no litoral paranaense, diz que estudar em escola comum, ao lado de todas as outras crianças (com ou sem deficiência), foi essencial para chegar onde chegou.

Antes de ser matriculada no ensino regular, no entanto, ela estudou em uma escola especial para pessoas com deficiência, na infância.

"Eu tinha 5 anos quando a professora disse para mim mãe que eu tinha 'possibilidade de progredir' e a aconselhou a me matricular em uma escola regular", contra Manu. "Ela disse que se eu ficasse na escola especial, não iria avançar."

Manu considera importante mostrar sua perspectiva em um momento em que um decreto presidencial sobre educação especial está prestes a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF).

A jovem Manu Aguiar
Manu Aguiar diz que estudar em escola regular foi essencial para sua formação. Foto: Arquivo pessoal

O decreto de Jair Bolsonaro, que institui a política nacional de educação para alunos com deficiência, entrou em vigor em outubro do ano passado, mas foi questionado na Justiça por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ou seja, uma ação que argumenta que o decreto é inconstitucional.

No fim de agosto, o STF fez uma audiência pública para ouvir a sociedade sobre a questão, mas ainda não há data marcada para a votação em plenário. O decreto é considerado um retrocesso por grupos de pessoas com deficiência e por especialistas em educação.

Ele promove a criação de escolas especiais para pessoas com deficiência que "não se beneficiam" da educação regular, ou seja, um local onde elas não teriam convivência com alunos sem deficiência, que frequentam as escolas regulares.

"O decreto vai na contramão de todo um esforço nacional que é feito há 20 anos no Brasil para garantir o direito de crianças com deficiência à inclusão. A gente precisa que as crianças e adolescentes sejam incluídos em todos os ambientes, especialmente as escolas", afirma Pedro Hartung, presidente do Instituto Alana, entidade de defesa dos direitos das crianças que é amicus curiae na ação do STF.

Na semana passada, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que estudantes com deficiência "atrapalham o aprendizado de outros alunos". Ao se defender de inúmeras críticas que recebeu após a fala, Ribeiro disse à rádio Jovem Pan que foi "infeliz na escolha do termo", mas não recuou na sua posição.

Incentivar as escolas especiais seria voltar às normas instituídas em 1994 e que vigoraram até 2008, quando uma nova política passou a estabelecer como norma a integração de pessoas com deficiência no ambiente escolar comum.

O decreto de Bolsonaro não proíbe a matrícula em escolas regulares, mas na prática, é isso que vai acabar acontecendo, argumenta Manu. "Vai chegar um estudante com deficiência na escola e vão dizer que não dá para incluir, vão mandar para a especial."

Hartung afirma também que a criação de instituições especiais, além de segregar, retira recursos para adaptação de escolas regulares. "O orçamento para isso é limitado. É preciso que no próprio ambiente escolar a criança possa ter acesso a políticas inclusivas, aulas no contraturno, apoio. Se todo o recurso vai para a criação de escolas especiais, as escolas regulares param de receber melhorias."

Jonatan Silva
Jonatan estudou em escolas regulares e diz que experiência foi essencial. Foto: Arquivo pessoal

Matrículas negadas

Manu Aguiar teme que aconteça com os alunos com deficiência o que aconteceu com ela quando criança: teve a matrícula negada em diversas escolas regulares.

"Teve muita negação de matrícula aqui na época, diziam para colocar na escola especial. Minha mãe insistiu muito, foi de escola em escola pedindo, até que teve uma diretora que falou 'faz a matrícula e a gente vê o que faz depois'", conta Manu, que estudou a vida toda em escolas públicas.

A jovem é totalmente contra o decreto de Bolsonaro, e diz que é preciso investir na preparação das escolas regulares para receber alunos com deficiência, não promover a separação.

"Não temos menos valor para sermos segregados assim", diz Manu. "É preciso preparar o ensino regular, dar meios para os professores promoverem a inclusão e combater o preconceito", afirma.

Crescendo em uma época em que havia pouca conscientização sobre preconceito contra pessoas com deficiência (o chamado capacitismo), Manu conta que sofreu muito preconceito na escola comum, especialmente na adolescência, quando a escola a separou da turma onde ela tinha amigos e a menina sofreu bullying agressivo.

Inclusão é benéfica para todas as crianças, com ou sem deficiência, dizem educadores. Foto: UNICEF/BRZ/Ratão Diniz

"Eu recebia ameaças no MSN (antigo aplicativo de troca de mensagens), virei chacota. As pessoas falavam para os meninos: 'Você é muito feio, vai namorar com a Manu'. O pior momento foi quando uma menina colocou o pé na minha frente para eu cair no corredor", conta ela.

A paralisia cerebral faz com que Manu tenha dificuldade de mobilidade, e na época dos prédios não tinham rampas e instalações acessíveis. Ela também se cansava muito em escrever. "Meus pais compraram um notebook, porque na digitação eu era rápida. E parecia que tinham parcelado uma casa, de tão caro que era na época", conta.

A escola também foi se adaptando aos poucos, e dando os apoios previstos em lei, como um professor de apoio que a acompanhava fora do horário das aulas comuns.

Apesar de todos os obstáculos que enfrentou, Manu diz que não trocaria o ensino na escola regular pela especial. "Se há capacitismo, você tem que combater, educar, não segregar as pessoas que sofrem esse preconceito. Separar não é a solução", afirma.

Hoje, mais de 90% dos alunos com deficiência estão matriculados em escolas regulares. Foto: Rodemarques Abreu/SEMED

Chegando à universidade

Manu afirma que foi essencial ter o mesmo conteúdo que as pessoas sem deficiência e também a interação com todo mundo.

"O mundo é diverso e a gente não pode ficar numa caixa, numa bolha. Eu tirei nota baixa, tive que fazer recuperação, tinha os apoios que a lei prevê, aprendi a lidar com as adversidades. Só cheguei na universidade porque frequentei uma escola regular", diz a jovem.

"Hoje estou terminando a licenciatura em geografia e a gente pesquisa a área de educação inclusiva. As pessoas que continuaram na instituição especial onde eu estudei continuam lá até hoje", diz ela.

"As estatísticas estão aí para mostrar que, entre os estudantes com deficiência na universidade, raríssimos são os que vêm de escola especial. É um resultado que mostra que a educação inclusiva é o caminho."

O estudante universitário Jonatan Silva de Jesus, de 25 anos, também cresceu na época da política das escolas especiais (entre 1994 e 2008) e conta que só estudou em escolas regulares porque "muita gente bateu o pé".

"Foi graças à minha avó, que insistiu. E eu também, porque eu queria ir para a mesma escola dos meus primos", diz Jonatan, que tem paralisia cerebral.

"Na época não tinha inclusão, você não via deficientes na rua. Quando me matricularam, a escola falou 'é por sua conta e risco'", diz ele.

O jovem também acredita que não teria chegado à universidade se não fosse a educação que recebeu na escola regular. Hoje ele cursa educação física na faculdade, estuda inclusão e faz academia. "Treino há cinco anos, mas demorou 4 anos para uma academia me aceitar", diz ele.

"Muita gente recusa, tem medo que eu me machuque. Mas essa desculpa é muito ruim. Não tem adaptação? Então faz a adaptação", afirma.

Já na escola, disse, ele teve sorte ao encontrar uma professora que, embora não estivesse totalmente preparada para a inclusão, fez de tudo para que isso acontecesse.

"Ela falou vamos: aprender todos juntos. Onde eu tinha dificuldade, recebia ajuda, outros alunos me perguntavam. Eu fui bolando junto com professores algumas alternativas", afirma o jovem de Santana do Parnaíba, no interior de São Paulo.

"Ela procurava até atividades na educação física para eu fazer parte também. Me senti acolhido. Meus amigos também abraçaram a ideia e eu fui mostrando para eles também a minha realidade. Se eu tivesse ido para uma escola especial, ia viver numa bolha", afirma.

Jonatan diz que "até entende" pais que defendem a criação das escolas especiais. "Eu entendo, os pais querem proteger. E tem que proteger sim, mas não colocar em uma bolha de vidro e não deixar viver."

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58400488


Congresso ameaça avanços da representação feminina na política

Propostas em debate no Congresso alteram pilares importantes do atual sistema eleitoral e ameaçam a representatividade feminina

Debates simultâneos que ocorrem no Congresso Nacional, sem a devida transparência e maturação necessárias, modificam pilares importantes do atual sistema eleitoral brasileiro e podem comprometer seriamente o futuro da representação feminina na política do país – num momento em que boa parte do mundo discute medidas para a paridade de gênero.

Alguns detalhes de propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam na Câmara e no Senado – em paralelo a um projeto de lei complementar denso, de 905 artigos, que estabelece um novo Código Eleitoral – apresentam regras divergentes e podem ameaçar a eficácia da política de cotas, com obrigatoriedade para que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres.

Especialistas em direito eleitoral consultados pela DW Brasil apontam preocupação com a redação de artigos dessas propostas em tramitação e criticam a falta de transparência dos debates, levantando dúvidas sobre o açodamento com o qual o Congresso quer aprovar novas regras, antes de outubro deste ano, para que possam vigorar já no pleito de 2022.

"Estamos todos muito preocupados com esse fluxo legislativo, com tantas mudanças ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, porque essas proposições não conversam entre si. Elas divergem entre si. E temos um Código Eleitoral vigente de 1965. Por que em 2021 de repente querem mudar tudo? Qual é a urgência disso?", questiona Ana Claudia Santano, coordenadora geral da Transparência Eleitoral Brasil e professora de direito eleitoral e constitucional. "Esse código não é apenas uma consolidação de regras. Ele muda muitas coisas", alerta.

Risco de retrocesso

Um dos problemas apontados por mulheres que defendem a ampliação do espaço feminino nos poderes Legislativo e Executivo é que os textos, pelo menos a PEC 18/2021 aprovada no Senado em 14 de julho, recolocam na mesa antigos problemas. A despeito da boa intenção dos parlamentares e da atuação da própria bancada feminina no Senado, a redação da PEC embute retrocessos.

O texto "fixa novas regras para a destinação de recursos em campanhas eleitorais, determinando que cada partido deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas proporcionais de cada sexo". Eis aí o problema: a expressão "deverá reservar". Essa expressão já causou problemas no passado, pois os partidos brasileiros, todos ancorados numa visão patriarcal, não são obrigados, com essa redação, a apresentar as candidaturas femininas. Reservar não significa preencher.

Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a expressão precisava ser modificada e estabeleceu que os partidos têm que preencher as candidaturas com pelo menos 30% de mulheres.

Foi esse entendimento da "obrigatoriedade" que abriu espaço para, anos depois, assegurar que também o financiamento fosse proporcional ao número de candidatos, ou seja, 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário devem se destinar a candidaturas de mulheres, observando-se, obviamente, a proporcionalidade: se houver 40% de mulheres candidatas, elas recebem 40% de recursos financeiros, por exemplo.

Essa regra amparou também a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, para assegurar financiamento proporcional não apenas às candidaturas de mulheres, mas também aos candidatos negros, dos ambos os gêneros.

"O texto do Senado retoma uma fórmula antiga, que não funcionou, que é dizer aos partidos que simplesmente reservem as vagas. Reservar é muito diferente de preencher. É deixar a cota facultativa", critica a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil.

"No Brasil, a política de cotas demorou muito a ter resultados. Evoluímos pouco de 1995 para cá e chegamos na última eleição com 15% das cadeiras para mulheres na Câmara, o ápice desde a redemocratização. Por isso, qualquer medida que retire a política de cotas é ruim. As cotas existem para tentar mudar uma realidade. Já vimos que o aumento de recursos [para candidaturas femininas] teve impacto no aumento de eleitas, ainda que não seja uma relação causal", pontua a professora Luciana Oliveira Ramos, integrante do Grupo de Estudos em Direito, Gênero e Identidade da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).

Reserva de assentos é tímida e deve coexistir com as cotas

A professora da FGV reconhece que a intenção do Senado de manter a política de cotas e, ao mesmo tempo, definir uma reserva mínima de assentos para mulheres no Legislativo é positiva, mas faz ressalvas. O texto do Senado estabeleceu uma reserva de assentos gradual, começando em 18% das cadeiras nas próximas eleições e chegando a 30% em 2038.

Uma das ressalvas diz respeito aos percentuais de reserva. "Destinar 18% das cadeiras pode parecer imediatamente bom, mas se formos pensar no tempo e no escalonamento, de chegar a 30% em 2038, ou seja, daqui quase duas décadas, isso é muito pouco. A média de representação feminina das Américas é de 32% hoje. Somente daqui a duas décadas estaremos chegando nesta média. A média mundial atualmente é de 25%", afirma Ramos. Ela destaca, ainda, que as Nações Unidas, na Agenda 5050, preveem a paridade de gênero já em 2030.

"Essa meta de 30% em 2038 vai refletir um enorme atraso da sociedade brasileira. A gente deveria estar almejando mais, 50% de representação de mulheres, e de diversos perfis, negras, indígenas. Vai ficar muito aquém do que se espera e do que é o debate hoje no mundo, que é paridade de gênero. Isso está escrito nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU", diz a professora da FGV.

De acordo com Ramos, é preciso, ainda, que essas propostas em tramitação no Congresso não substituam a política de cotas pela reserva de vagas. As duas iniciativas, salienta, devem coexistir. 

"Porque só a reserva de assentos não é suficiente para ampliar a representação feminina na política. Apenas reservando assentos a gente perde todo o processo de amadurecimento das instituições, dos atores e atrizes envolvidos no jogo político eleitoral como, por exemplo, a sensibilização de partidos políticos para que de fato lancem candidaturas de mulheres que sejam viáveis e que tenham efetivas chances de se eleger."

A professora enfatiza, ainda, que outra política importante diz respeito ao financiamento e destinação de recursos públicos para candidatas mulheres e negras. "Não basta só colocar o nome dessas pessoas na lista, o importante é fortalecer essas candidaturas de fato."

"Não há risco algum", diz relatora do Código Eleitoral

Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do Código Eleitoral, "o texto consolida os avanços conquistados pela bancada feminina tanto na Câmara quanto no Senado, como a cota de candidaturas e de financiamento para mulheres, entre outras questões novas. Nossas conquistas estão garantidas e estamos propondo novos avanços, para que tenhamos cada vez mais mulheres na política", disse ela, em mensagem enviada à DW Brasil.

A manutenção das cotas de candidaturas femininas é defendida pela parlamentar. "As cotas de candidaturas são conquistas ainda essenciais, embora não sejam suficientes. É preciso que os partidos estimulem a formação de novas lideranças femininas, sobretudo financeiramente. O fim das cotas viria acompanhado do fim do financiamento mínimo de candidaturas femininas, o que nenhuma parlamentar aceitará. Qualquer proposta nesse sentido é um retrocesso inaceitável", afirmou.

No entanto, outra proposta em tramitação, a PEC da Reforma Política, já aprovada em dois turnos na Câmara e aguardando a votação no Senado, especifica percentuais distintos de reserva de vagas para mulheres, eliminando as cotas.

O texto aprovado prevê a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros, a partir das eleições de 2022. Essa regra seria usada para calcular a fatia de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) para essas candidaturas.

Para as professoras de direito, o texto da PEC da Reforma Política foi aprovado às pressas, com inúmeras mudanças, sem debate e pode, sim, revogar por completo a política de cotas, o que seria um risco. Seria mais razoável, reconhece a deputada Margarete Coelho, manter a política de cotas combinada com a reserva de assentos. Segundo ela, a proposta do Senado, neste sentido, parece mais avançada. 

"Enquanto a paridade não vem, temos que construir um degrau após o outro da escada que nos levará a um parlamento mais inclusivo. A reserva de cadeiras é um passo essencial para a garantia de uma representação mínima, o que, ao lado da manutenção da cota de candidaturas, permitirá que mais mulheres sejam alçadas à condição de protagonismo político."

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/congresso-amea%C3%A7a-avan%C3%A7os-da-representa%C3%A7%C3%A3o-feminina-na-pol%C3%ADtica/a-59072160


Santos Cruz: O governo Bolsonaro, a população e as Forças Armadas

Extremos não podem impor sua agenda, aventureiros não podem ser tolerados

Carlos Alberto dos Santos Cruz / O Estado de S. Paulo

O presidente da República, senadores, deputados, prefeitos e vereadores são eleitos para assumirem suas responsabilidades e fazer o que é possível dentro da lei. O governo é eleito para governar e reforçar o regime democrático por meio do aperfeiçoamento das instituições, promover a paz social e o respeito pessoal, funcional e institucional.

Nenhuma autoridade pode ser agente de desmoralização e de enfraquecimento das estruturas existentes, promover fanfarronices, factoides, passeios com dinheiro público e alegar que não o deixam trabalhar. O populismo, a demagogia e a agitação social não podem ser praticados por autoridades.

A população, pelo voto, elege a pessoa e legitima a autoridade. Na democracia, o equilíbrio existe por uma dinâmica de forças entre os Poderes e outros núcleos de influência. As disputas e os conflitos são resolvidos dentro da legislação vigente. Também podem ser propostas modificações nas leis, dentro das normas e dos procedimentos que devem ser respeitados. Quando o equilíbrio é instável ou rompido, ele tem de ser restabelecido também de acordo com a lei.

Todas as manifestações públicas dentro da lei são válidas e importantes. Elas fazem parte do ambiente democrático, da liberdade de expressão e do jogo de pressões. O estímulo a soluções de força, fora da lei, com risco de violência, é criminoso e covarde. Aqueles que se perdem em suas ações têm de arcar com as consequências legais. Normalmente os extremistas, os incitadores da violência, desaparecem e ficam impunes, pois são covardes na sua essência. As pessoas, na sua luta por aquilo em que acreditam, seja qual for a linha, não devem cair na armadilha dos covardes, dos irresponsáveis e dos inconsequentes.

A convocação de manifestações não pode ser para transferir responsabilidades para a população, para outros Poderes, instituições, e para as Forças Armadas. Isso é falta de coragem funcional. A responsabilidade é intransferível.

É difícil definir democracia. É mais fácil observar algumas de suas características, como o respeito, a liberdade, as eleições periódicas, a igualdade, a dignidade, etc. Uma das expressões mais famosas é a de que a democracia é o “governo do povo, pelo povo, para o povo”. Isso é fundamento conceitual. Na prática, a responsabilidade governamental é transformar essa abstração em realidade com ações dentro da lei, que foi feita pelo povo, por intermédio de seus representantes, ao longo do tempo. As leis sempre podem ser melhoradas, aperfeiçoadas e ajustadas aos tempos atuais, dentro da ordem legal. Fora disso é fuga da responsabilidade, demagogia, populismo, assembleísmo.

Uma manifestação, mesmo que numerosa, com toda a sua validade, não representa a vontade de um povo inteiro. O que representa a vontade de um povo, na democracia, é o voto, que pressupõe, de antemão, o respeito à decisão da maioria.

É desrespeito às instituições militares inventar falsas justificativas e interpretações de conveniência para empurrar seguidores a pedirem intervenção de Forças Armadas (FAs), usar o prestígio e o poder militar como instrumento de intimidação e pressão política, para atingir objetivos de poder pessoal e de grupos. As FAs não podem ser exploradas e desgastadas por interesse político.

Deturpar o artigo 142 da Constituição federal é artimanha e demagogia. Não é verdade que as FAs sejam garantidoras da independência e da harmonia entre os Poderes. Não é isso o que diz a Carta Magna. Não existe nenhuma pista no artigo 142 que ampare essa interpretação. Também não existe nenhuma legitimidade em considerar as FAs “poder moderador” por conta de qualquer narrativa de conveniência. As FAs existem para a defesa da Pátria, para a garantia dos Poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não cabe no Brasil atual a ideia de interferência de FAs no funcionamento e exercício dos Poderes da República.

Não estamos na guerra fria, no pós-2.ª Guerra Mundial. Estamos em 2021. O Brasil não vive uma opção única entre a ameaça de caos e um “salvador da pátria”, uma disputa entre amigos e inimigos, direita x esquerda. Isso é manipulação da opinião pública e a redução do nosso país à mediocridade da divisão social binária. Os problemas reais de nosso povo são a corrupção persistente, a fome, o desemprego, a falta de saúde pública, de educação, de segurança pública, de aplicação da lei, a desigualdade social e os privilégios imorais.

Extremos de qualquer matiz não podem impor suas agendas. Aventureiros não podem ser tolerados.

A Constituição e a legislação têm todos os recursos para encaminhar soluções legais. A manutenção ininterrupta de campanha política, de conflito permanente, causa prejuízo à paz social e insegurança, com consequências negativas principalmente para as atividades econômicas e para a vida dos mais necessitados. O governo precisa é transmitir equilíbrio, paz social, cumprir as leis, dar atenção aos principais problemas e exercitar a habilidade política nas disputas.

GENERAL DA RESERVA, FOI MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-governo-a-populacao-e-as-forcas-armadas,70003824540


O grito de Bolsonaro é para jogar o país numa guerra inútil e insana

Ninguém ameaça matar o presidente, ele é que tem obsessão em fuzis. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro quer botar o povo na rua no Sete de Setembro com a fake news de que é “impedido de governar” pelo Supremo e o Congresso, materializando seu sonho infantil e doentio de estar em guerra: “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória”.

Ninguém ameaça matar Bolsonaro, ele é que tem obsessão em fuzis e sua tropa é que ataca os outros. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico.

Bem, é verdade que ele não governa, mas o STF, a Câmara e o Senado não têm nada a ver com isso. O problema é dele, que não tem talento, vontade, experiência e o mínimo de bagagem e equilíbrio para administrar o País. Só sabe fazer campanha e enganar os bobos.

Bolsonaro está sendo impedido de fazer o quê? Se o Congresso atrapalhou algo, foi a sua sanha por mais fuzil e menos feijão e ele teve de trocar projetos de lei armamentistas por decretos, que têm mais autonomia em relação ao Legislativo. E, se o Supremo impediu algo, foi quando Bolsonaro quis transformar igrejas, academias e cabeleireiros em “serviços essenciais”, com objetivo claro de matar o isolamento social – o que pode matar pessoas.

Deve-se ao STF, aliás, a exigência de um Plano Nacional de Imunização contra a covid, quando o governo guerreava contra Coronavac, Pfizer e o consórcio da OMS, apostando que a vacina seria a imunidade de rebanho (Bolsonaro acha até hoje).

Assim, o presidente empurra as culpas do governo para o STF. Exemplo: os R$ 16 bilhões que a União tem de pagar em 2022 aos Estados pelo Fundef (o fundo do ensino fundamental e do magistério). A AGU levou três vezes ao ministro Paulo Guedes a sugestão de um acordo com deságio de 40%, mas não vingou. Favoreceria a Bahia, governada pelo PT... Um encontro de contas, descontando das dívidas dos Estados com a União, ou um embargo de declaração, empurrando o desembolso para 2023, nem ocorreram ao governo.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ele é obrigado a monitorar todos os riscos fiscais, como é o caso, mas não o fez. Com o leite derramado, Guedes ligou para ministros do STF dizendo-se perplexo. Perguntei sobre isso ao ministro Gilmar Mendes e ele: “O ministro ficou surpreso? Pois a minha surpresa está na surpresa do ministro”.

Essas coisas acontecem porque o governo é disfuncional e os órgãos de informação não informam, fazem intriga, como dizer ao presidente que o STF mandaria prender o filho 02, vereador Carlos Bolsonaro. Querosene na fogueira contra o ministro Alexandre de Moraes. Quem ganha o quê com isso?

Em vez de informar sobre crise hídrica e de energia, fome, famílias na rua, ameaças ao Supremo, perspectivas da economia e da pandemia..., os órgãos de inteligência estão no mundo da lua, depois de o presidente jogar no lixo, por exemplo, os estudos da Abin e do Exército defendendo isolamento social. Ficou claro que prefere curandeiros, palpiteiros e fofocas.

O governo não tem presidente, estratégia, coordenação e preocupação com o País. O foco é a reeleição e bajular Bolsonaro. Se algo funciona, é o marketing e o gabinete paralelo para vender as versões que interessam a ele, o negacionismo e as fake news. Milhões caem feito patinhos e viram feras contra os críticos e a realidade.

O pretexto para falar de fuzis, prisão e morte é a guerra ao comunismo. Que comunismo? É só a mistificação contra quem defende Amazônia, educação pública, nossa música, nosso cinema, nosso teatro, os povos originários, a boa diplomacia, a saúde e a vida. Como o País é livre, cada um escolhe seu rumo: a favor da vida, da ciência, dos direitos, dos valores e das riquezas nacionais ou contra as instituições, as eleições, a democracia e a Amazônia. A maioria defende feijão. A minoria histérica, fuzil.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vitoria-ou-morte-o-grito-de-bolsonaro-e-para-jogar-o-pais-numa-guerra-inutil-e-insana,70003824469

*Título do texto original alterado para publicação no site da FAP


Pacheco: 'Não admitiremos qualquer retrocesso' no estado democrático

Ao Globo, Chefe do Congresso diz que anseio por ruptura há de ser coibido, e revela contato com as Forças Armadas

Julia Lindner, Paulo Cappelli e Thiago Bronzatto / O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cancelou a participação em um evento em Viena, na Áustria, para monitorar em Brasília as manifestações de 7 de setembro, insufladas pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso seja necessário, ele vai se pronunciar em defesa das instituições, em uma prática que já virou rotina. Pacheco, que na semana passada arquivou um pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também virou alvo de críticas, mas prefere não apresentar resposta.

Ameaças à democracia: Em novo discurso com ataque a instituições, Bolsonaro diz que 'tudo tem limite'

Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que não admitirá qualquer retrocesso no sistema democrático e acrescenta que esse também será o papel das Forças Armadas, com as quais tem mantido contato.

O senhor disse que a rejeição do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes seria um “marco do restabelecimento da relação entre os Poderes”. No dia seguinte, Bolsonaro criticou a sua decisão e atacou Moraes. Como será possível retomar a harmonia?
São duas situações. Primeiro, a crítica do presidente da República à decisão de arquivamento do processo de impeachment é natural. Ele teve uma pretensão resistida e indeferida. A segunda parte, que é a manutenção de críticas muito ostensivas à Suprema Corte e aos seus integrantes, realmente não contribuem. Isso dificulta o processo de pacificação institucional que buscamos.

Acha que está isolado ao insistir em uma nova reunião entre os Poderes?
Não. Tenho absoluta certeza de que o pensamento do deputado Arthur Lira (presidente da Câmara) é o mesmo, de apaziguar. Sei também da disposição do ministro Luiz Fux (presidente do STF) de fazer o mesmo. Há uma comunhão de vontades nesse sentido.

Por que não citou o presidente Bolsonaro entre as autoridades dispostas ao diálogo?
O presidente Bolsonaro tem falado e agido no sentido de afirmar suas próprias convicções. Espero que ele possa contribuir para esse processo de pacificação, porque há inimigos batendo à nossa porta, que não somos nós mesmos, mas a inflação, o aumento do dólar, o desemprego, o aumento da taxa de juros e a crise hídrica e energética, que pode ser avassaladora. É importante que tenhamos um freio naquilo que não interessa para cuidar do que importa ao Brasil.

Quando falou com o presidente pela última vez?
Estive com ele (Bolsonaro) muito rapidamente no Dia do Soldado, em um evento no Exército. Falei com ele na véspera do dia do desfile das viaturas e dos tanques. Pessoalmente, foi um pouco antes disso. Então, já há algum tempo que não sentamos à mesa para tratar dos problemas do país. Acho até que isso precisa acontecer mais rapidamente.

O senhor teme que as manifestações de 7 de setembro saiam do controle?
Manifestações são próprias da democracia. Temos que respeitá-las, mas manifestações que tenham como objetivo retroceder a democracia, pretender intervenção militar ou a ruptura institucional ferindo a Constituição devem ser repelidas no campo das ideias.

Como vê a mobilização de PMs em torno das manifestações pró-Bolsonaro?
Se eu disser que conheço todas as Polícias Militares, vou estar mentindo, mas conheço algumas, em especial a de Minas Gerais e a de São Paulo. Sei que são corporações absolutamente conscientes, muito respeitadas pela sociedade, cumpridoras dos seus deveres e defensoras da democracia.

Há algum risco de ruptura institucional por parte de militares? Qual é a sua percepção dos encontros que teve com integrantes das Forças Armadas?
São instituições maduras, com um patriotismo muito forte e com obediência absoluta ao estado democrático de direito. Nesta semana, estarei no comando da Aeronáutica novamente para conversar com os brigadeiros, a convite do Alto Comando da Aeronáutica. Tenho mantido esse contato constante com essas instituições e vejo nelas uma obrigação de defesa do Brasil. Nós não admitiremos qualquer retrocesso e tenho certeza que também esse será o papel das Forças Armadas.

A participação do presidente em um desfile de blindados em frente à Praça dos Três Poderes não gera ruídos?
São episódios desnecessários, que deveriam ser evitados, especialmente neste momento em que há esses rumores. Mas não faço deles algo mais importante do que verdadeiramente são. O que vale é que temos as Forças Armadas conscientes do seu papel e muito bem comandadas por pessoas que têm esse compromisso com o país e que não se aventurarão em disputas ideológica e política.

Os ataques constantes do presidente ao sistema eleitoral podem colocar as eleições em 2022 sob algum risco?
Os ataques ao sistema eleitoral, sem fundamentos, são muito ruins, porque jogam em descrédito um sistema que, até pouco tempo atrás, era dado por nós como um orgulho nacional. Mas não considero que isso seja capaz de deslegitimar o resultado eleitoral. As eleições de 2022 vão acontecer, porque elas são fundamentais para a democracia.

Quais são as pautas prioritárias no Senado até o fim deste ano?
Todas são prioritárias. Nesta próxima segunda-feira, terei uma reunião com o ministro Paulo Guedes. Quero fazer uma conversa de compreensão sobre o que são as prioridades do governo como alguém que possa ser colaborativo e, ao mesmo tempo, crítico daquilo que não se deva ter. Por exemplo, eu não posso permitir que haja, a pretexto de uma reforma tributária, um projeto que pura e simplesmente aumente impostos para o contribuinte. Isso é muito ruim. Devemos evitar isso. Na próxima semana, terei uma conversa com o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, sobre um problema gravíssimo que nós temos: precisamos de um planejamento para as crises hídrica e energética. O que nós não podemos definitivamente fazer é interromper o diálogo. Se isso ocorrer, vai ser muito nocivo para o Brasil.

Como avalia a retomada das coligações partidárias nas eleições proporcionais, aprovada pela Câmara?
Sou a favor do sistema proporcional sem coligações partidárias e com imposição da cláusula de desempenho. Vamos submeter ao Senado para que a maioria decida, mas a volta ao modelo anterior é um retrocesso.

O senhor defende que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) paute a sabatina de André Mendonça, ex-chefe da AGU, para o STF?
É importante que o Senado dê uma resposta e que haja sabatina, a submissão do nome ao plenário do Senado para o escrutínio dos senadores. Não só no caso do ex-ministro André Mendonça mas também em todas as demais indicações.

Como o senhor vê a iniciativa do governo Bolsonaro de turbinar o Bolsa Família?
O programa social é uma prioridade. É inegável que ele tem que existir, em razão da pobreza que temos. Ressinto a falta de um Ministério do Planejamento independente da Economia, para termos um planejamento nacional de políticas dos ministérios, políticas públicas. Política econômica é algo muito amplo, que deve ser feito por especialistas, mas que não possam ser despidas de sensibilidade social.

As pesquisas apontam uma polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula. É possível emergir desse cenário um candidato de centro?
Várias hipóteses podem acontecer, mas considero que vai depender muito do andamento do Brasil nos próximos meses. O cenário eleitoral vai ser definido em 2022. Neste momento, o Brasil não precisa de candidatos à Presidência. O Brasil precisa do presidente buscando unificar o país para os problemas imediatos que nós temos.

O senhor se vê como potencial candidato do centro?
Não considero essa hipótese de candidatura neste instante em que se recomenda ter um presidente do Senado que possa enfrentar os problemas. Disputa eleitoral é inoportuna no momento, em especial para o presidente do Senado.

O senhor dizia ser contra a abertura da CPI da Covid. Agora, avalia que a comissão tem desempenhado um papel importante?
Temos que avaliar o retrato do momento em que decidi não abrir a CPI. Naquele momento, tínhamos mais de 4.000 mil brasileiros morrendo todos os dias só pela Covid-19. Era um momento muito crítico, de muita desunião. Não tínhamos uma escala de vacinas. Eu achava que a CPI, naquele momento, poderia ser um fator de desagregação maior e de insegurança jurídica para a estabilização do combate à doença. Mas eu não nunca desvalorizei a CPI e o seu papel. Nem nunca disse que ela não seria aberta. Eu apenas discuti o momento da abertura. A minha esperança é que a CPI possa cumprir o seu papel de apurar responsabilidades, autoria, materialidade, tipicidade de fatos e que aqueles que tenham praticado qualquer tipo de ação antijurídica possam ser responsabilizados.

O presidente da Câmara criticou o andamento de algumas pautas no Senado como a privatização dos Correios e o licenciamento ambiental. O senhor acredita que Arthur Lira espera que o Senado passe a aceitar decisões da Câmara, sem alterações?
Eu não recebo essa ponderação do presidente Arthur Lira como uma crítica ao Senado, mas apenas como um exercício de pretensão de que aquilo que foi aprovado na Câmara também o seja no Senado Federal. Nós também temos um uma porção de projetos aprovados no Senado que, ao longo de anos, estão na Câmara aguardando uma definição. Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel. O que temos no Senado é a preocupação de aprofundar as matérias, de não ter açodamento, de termos a reflexão necessária por meio das comissões e do plenário. Cada um tem o seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado. Não significa que eu seja lento. Mas eu gosto de refletir, de aprofundar, de submeter aos pares uma discussão realmente mais duradoura dos projetos de lei. Cada um tem o seu perfil e ambos se complementam e prestam um bom papel de unificação no Congresso Nacional.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/nao-admitiremos-qualquer-retrocesso-no-estado-democratico-diz-rodrigo-pacheco-em-entrevista-ao-globo-1-25175657

*Título do texto original alterado para publicação no portal da FAP


Como violar monumentos desafiando o perigo fascista

Discussão é sobre se estamos dispostos a deixar que nossa História seja incinerada sem levantar nossa voz contra isso

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo

Chegou-me, pela mão certeira de um aluno, um ensaio de Ortega Y Gasset, escrito há mais de cem anos (“Espanha invertebrada”, 1917), sobre a decadência de sua nação e publicado pelo Estadão/Estado da Arte, em 25.08.2021. O filósofo espanhol reconhece, metaforicamente, no surgimento, então recente, do que hoje chamamos de cinema, uma possibilidade nova de compreensão de um drama de séculos, o qual permaneceria opaco se visto sob os limites de fotografias isoladas de cada ato desse drama.

No mesmo dia, na imprensa e em redes sociais, publicou-se imagens fotográficas da queima, no Rio de Janeiro, de uma estátua de Pedro Álvares Cabral, protagonista da narrativa fundacionista do Brasil historiograficamente consagrada e, por isso mesmo, contestada por um revisionismo histórico proposto por correntes acadêmicas e ativistas de movimentos políticos. A fidelidade jornalística ao registro do fato vincula-o a um protesto em defesa de populações indígenas (ou de “povos originários”, conceito histórico-político amplamente aceito hoje, para nomeá-las e legitimar a causa) e contra o estabelecimento de um marco temporal que reinterpreta e redefine seus direitos constitucionais, discussão ora em curso no Judiciário e no Legislativo brasileiros.

A fotografia do acontecimento carioca e do conflito conjuntural a que se vincula é, como na metáfora de Gasset sobre a derrocada de sua Espanha, insuficiente para a plena compreensão do processo em que o fato se insere. Estamos - assim como se estava na Espanha a duas décadas de uma guerra civil - diante de um script cinematográfico. Processo contínuo, que se não for refratado, pedirá um Picasso vindouro para pintar, como aviso aos pósteros a essa quadra perigosa que vivemos, o quadro agonístico das Guernicas que gestos insólitos como aquele preparam. Com isso quero dizer que não é do conflito de interesses e valores entre agronegócio e povos originários que tratarei aqui. Sem desqualificar sua importância para a pauta política e social do presente, evitarei conferir-lhe a centralidade fotográfica que lhe atribui a gramática polarizadora em voga. Peço passagem para outra pauta, que é coisa de cinema.

Quero discutir as depredações como tema político em si, autônomo (embora não alheio), face a causas econômicas e sociais. E não se trata de questionar apenas o fogo como meio, mas os fins desse gesto iconoclasta. A discussão, conforme a sinto, é sobre se estamos dispostos a deixar que nossa História seja incinerada sem levantar nossa voz contra isso.

Muitas das críticas pontuais à violência como método costumam ser apenas céticas quanto às possibilidades de que ela, a violência, atinja, no caso, o objetivo supostamente nobre ao qual, também supostamente, esse ativismo se dedica, isto é, o de revogar a história “escrita pelos opressores” e reescrevê-la “sob a ótica dos oprimidos”.  Acho preciso falar contra isso, sem meias palavras e logo, antes que a extrema direita, espertamente, o faça.

Mas penso que há um passo a mais a dar, além de manifestar esse lúcido ceticismo. Num momento em que a destruição é o tom da política (na verdade, da antipolítica) imposta por quem deveria governar o País, é preciso ir além de um não ao não estéril desse ativismo carbonário que emula e ajuda o exterminador. É preciso dizer sim ao que a nossa história prevalecente instituiu. Um sim que não é sanção, é reconhecimento de uma condição.  

Ainda que povoada de iniquidades, não só delas a história nacional se fez. Nela estão marcas do labor e obras voltados a torná-la melhor, segundo aspirações em disputa e valores compartilhados, em cada época. Labor e obras que, de modo algum, foram fracassos. Esse juízo maniqueísta, inquisitorial e anacrônico sobre a construção do Brasil, que avalia a obra de atores e movimentos do passado pelo metro de desejos e demandas contemporâneos, nega luz a algumas virtudes políticas de nossas ambiguidades tradicionais. Se cabem ideias de reformar essa tradição, a ideia-força da pacificação precisa estar no centro, não no limbo da política e da história que estamos fazendo hoje. Devemos tão somente achar modos mais civilizados de derrubar as prateleiras, as estátuas e as estantes que nos acompanharam até aqui? Ou conservá-las, no limite do razoável?

Uma noção de perigo exige uma atitude política que mostre a incautos o quão estamos distantes de 1968, muito mais do que de 1929; quão é grave derrubar estátuas, estantes e prateleiras numa hora em que o fascismo não é mais passado e nos assombra, de novo, com sua atualidade, em vários países. Efeitos nefastos da falta dessa noção podem ir muito além das mazelas intelectuais legadas pelas vertigens de 1968 e que José Guilherme Merquior tão bem apontou no seu O marxismo ocidental. A rejeição moral, culturalista, ao capitalismo e ao mercado, a cada dia mais realidades imperativas para a vida das pessoas comuns; a estetização da política por um discurso crítico da razão; a hipervalorização da vontade política como via de libertação contra a racionalidade das instituições, tudo isso afetou, sem matar, o pensamento da geração seguinte. Mas agora o preço pode ser a integridade mental e mesmo física da comunidade política. Nas circunstâncias do mundo atual, em que a década 1930 está politicamente mais próxima que ade 1960, reclamando mais Churchills do que Sartres, iconoclastia é ímpeto colaboracionista com o agressor. Fazem falta pensamentos reformadores que recusem nacionalismos, mas ajudem seus países a resgatarem seus selfs nacionais. Sem dizerem sim a si, as nações impactadas pela força de gravidade global nada terão a contribuir para um cosmopolitismo generoso.

É por isso que considero apropriado olhar para a estátua de Cabral na fogueira e pensar em Ortega y Gasset. No seu texto, o enredo cinematográfico do infortúnio espanhol, narrado com sentimento e razão, traça, retrospectivamente, um caminho que começa no particularismo dos atores e termina em inelasticidade social. Vale-nos como prevenção:

(...) A essência do particularismo é que cada grupo deixa de sentir-se a si mesmo como parte e em consequência deixa de compartilhar os sentimentos dos demais. Não lhe importam as esperanças ou as necessidades dos outros (...). Por outro lado, é característico deste estado social a hipersensibilidade para os próprios males. Irritações e dificuldades que em tempos de coesão são facilmente suportados, parecem intoleráveis quando a alma do grupo se desintegrou da convivência nacional (...)

(...) Dizem que os políticos não se preocupam com o resto do país. Isto, que é verdade, é, contudo, injusto, porque parece atribuir exclusivamente aos políticos tal despreocupação. A verdade é que se para os políticos não existe o resto do país, para o resto do país existem muito menos os políticos. E o que acontece dentro desse resto não político da nação? (...). Cada agremiação vive hermeticamente fechada em si mesma. (...)Rodam umas sobre as outras como órbitas estelares que se ignoram mutuamente. Polarizada cada qual em seus tópicos gremiais, não tem nem notícia dos que regem a alma do grupo vizinho. Ideias, emoções, valores criados dentro de um núcleo profissional ou de uma classe, não transcendem minimamente às restantes. O esforço titânico que se exerce em um ponto do volume social não é transmitido, nem obtém repercussão a alguns metros de distância, e morre onde nasce.

Propus ir além da reação e do ceticismo. Pauta positiva, sim, mas outra pauta. Não a iconoclasta, que resulta de um racionalismo jacobino, sempre oscilando entre delírios subjetivistas e o pragmatismo de interesses mal compreendidos. Pauta positiva para dialogar com os “de baixo” reais do país, não com seres simbólicos, imaginários, estetizados por ideologias que vão parar no obscurantismo. Um caminho do meio, para dialogar com gente para quem, ao tempo em que "cada tauba que caía doía no coração", faz sentido dizer que "os home tá com a razão, nóis arranja outro lugar". 

Nem as pessoas treinadas nos ofícios de estudar e pensar, nem os matogrossos e jocas do Brasil, precisamos de pautas postiças. Aos primeiros cabe baixar a bola e falar a língua de quem busca cobertores adequados a seus vários frios e, na chuva, aprende, com o tempo, a encontrá-los não apenas nos estoques de Deus (embora neles também, por que não?). Talvez lhes ocorra reformar sua atitude resignada de deixar a vida lhes levar. Mas se o fizerem, em algum momento, não será porque vanguardas iluminaram seu caminho. Será para reformar, sem renegar, a nossa tradição, pois ela também tem lá a sua serventia. O caminho do meio não subestima o amor que pessoas sentem pelas suas saudosas malocas.

Assim a maloca, assim a história de cada pessoa e a do nós nacional em contínua construção. Pauta positiva só pode vir daí. Não há caminho do meio possível se aceitamos, sociológica ou filosoficamente, a naturalização coercitiva de pautas incendiárias. Inexistem “verdadeiros anseios”. Eles são sempre contingentes, descobertas da vida em comum. Vanguardas não são apenas equívocos de método. São enganos existenciais.

Embora seja também verdade que aumenta a aceitação social das pautas revisionistas. É um processo de mudança de mentalidade que transcorre sob nossos olhos. Processo, no entanto, que não é nem irreversível, nem automaticamente virtuoso. Do ponto de vista da democracia, por exemplo, algumas das novas tendências em processo (como a promoção de maior igualdade entre os indivíduos, pela consideração de suas diferenças de condição) democratizam a própria democracia. Outras, como, por exemplo, a de refundar identidade e história do país, empobrecem um repertório que, historicamente, vem se tornando cada vez mais plural e dilapidam um patrimônio que, sendo cada vez mais democrático, já fez Pedro Álvares Cabral sair da vida para se tornar História. Por que trazê-lo de volta? Não será esse um flerte indesculpável com as taras regressistas dessa má hora que vivemos?

*Cientista político e professor da UFBa.

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/paulo-fabio-dantas-neto-historia-de.html


Evandro Milet: Manifestações enchem as ruas pela educação no Brasil

Será um sonho? Um enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de "Ordem e Progresso" os dizeres "Educação é Progresso"

Evandro Milet / A Gazeta

Ao longo de toda a Avenida Paulista, na Avenida Atlântica em Copacabana, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, na Praça do Papa em Vitória e em centenas de cidades do país, via-se um mar de bandeiras verde-amarelas, vermelhas, azuis, verdes ou com as cores do arco-íris. Bonecos gigantes de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro desfilavam imponentes.

Cartazes eram erguidos pedindo mais ensino técnico, menos evasão nas escolas, salário maior para professores, fim da defasagem idade-série, uma nota maior no Pisa, fim da nomeação política de diretores de escola, capacitação de professores, ensino em tempo integral para todos os alunos com dedicação exclusiva de professores em apenas uma escola e meritocracia na avaliação de professores.

Cartazes sobre homeschooling e escolas militares apareceram, mas foram logo recolhidos pelos próprios cidadãos que os trouxeram, envergonhados pela desimportância dos temas frente aos verdadeiros problemas da educação. Além da falta de sintonia com a massa que acompanhava carros de som tocando alto “Vai Passar” do Chico, com o povo cantando mais alto as partes dos napoleões retintos e do sanatório geral.

Faixas pediam escolas de pobres iguais às escolas de ricos e igualdade de oportunidades para todos. Uma faixa, bem longa, menos do que merecia, dizia “Na pandemia, sem omissão no Ministério da Educação”.

Enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de Ordem e Progresso os dizeres Educação é Progresso. Cartazes erguidos pediam mais verbas para a Ciência e a Tecnologia e uma política para evitar o enorme êxodo de cérebros para fora do país.

Na linha de frente, em cidades diferentes, apareciam Cristovam Buarque, Priscila Cruz do Todos pela Educação, a ex-secretária Cláudia Costin, o ex-Prefeito de Sobral Veveu Arruda, Cláudio Moura Castro, Antônio Gois e representantes das várias ongs que investem muito em educação, replicando iniciativas de sucesso: Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Fundação Itaú, Ensina Brasil e Instituto Sonho Grande.

Professores de todos os níveis escolares se misturavam com mães e pais - uma aproximação fundamental -, reivindicando juntos a melhoria da educação.

A figura gigante de um computador simbolizava a necessidade de inclusão de todos os alunos no mundo digital e com acesso à internet na escola e também nas suas casas.

A organização das manifestações pediu que os participantes trouxessem livros que eram dados para as crianças que participavam aos milhares, afinal seriam os maiores beneficiados do movimento e nada melhor como símbolo da educação.

Na frente, milhares de motos, dessa vez em uma causa nobre, provocavam uma chuva de papel picado que vinha do alto de prédios em algumas cidades.

Pena, porém que isso tudo é apenas um delírio. Infelizmente, educação não mobiliza manifestações desse porte. A Pátria Mãe segue distraída com outras prioridades do Governo Federal, por mais absurdas, delirantes e desfocadas, e o povo ainda não se deu conta do que importa para o futuro. Quem sabe um dia.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/manifestacoes-enchem-as-ruas-pela-educacao-no-brasil-0821


‘Proibir pesquisa é cercear informação ao eleitor’, afirma diretora do Ipec

Para Márcia Cavallari, levantamentos não são ‘uma influência maligna como se quer passar’; Câmara discute restrição

Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo

Com a experiência de ter presidido por dez anos o Ibope Inteligência e agora à frente do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), a estatística Márcia Cavallari vê com preocupação a possibilidade de a Câmara dos Deputados incluir no projeto que revisa a legislação eleitoral o veto à divulgação de levantamentos de intenção de voto na véspera das eleições e a exigência de uma espécie de “taxa de acerto” de empresas do setor. “Entendemos que proibir a publicação de uma pesquisa é cercear informação ao eleitor. Além disso, sem uma divulgação oficial pelos veículos abre-se espaço para circulação de boatos e fake news nas redes sociais e contas de WhatsApp. Se isso realmente acontecer, certamente circularão informações que ninguém saberá de onde saíram”, afirma. Leia os principais trechos da entrevista:

Qual o impacto de se vetar a publicação de pesquisas na véspera das eleições?
Em primeiro lugar, é preciso entender que nenhuma pesquisa tem a intenção de adivinhar o resultado da eleição. A intenção é a de se fazer um diagnóstico. Já sabemos que no Brasil os eleitores definem seu voto mais tarde. Quanto mais próximo se faz uma pesquisa da data da eleição melhor é para o eleitor, que pode ou não usar aquele resultado para sua tomada de decisão sem ser tutelado por ninguém. Entendemos que proibir a publicação de uma pesquisa é cercear informação ao eleitor. Além disso, sem uma divulgação oficial pelos veículos abre-se espaço para circulação de boatos e fake news nas redes sociais e contas de WhatsApp. Se isso realmente acontecer, certamente circularão informações que ninguém saberá de onde saíram.


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A proposta prevê o veto à divulgação de pesquisas com menos de 48 horas da eleição. Um dia de diferença altera de forma significativa o resultado?
Há sim uma diferença justamente porque o eleitor define seu voto na última hora. E, geralmente, os últimos debates entre os candidatos ocorrem na quinta ou sexta-feira antes da eleição. Divulgando a pesquisa no sábado (véspera) já não conseguimos pegar todas as últimas movimentações e discussões geradas pelos debates. Com um dia a menos essa chance é ainda mais reduzida.

Por que a mudança na lei pode ampliar o risco de pesquisas informais e fake news relacionadas a intenção de voto?
Porque não teremos as pesquisas oficiais, regulamentadas, na véspera. E, sem o teor da lei, sem metodologia, sem saber quem foi o contratante, quem pagou pelo levantamento não haverá transparência no processo. As pesquisas oficiais feitas pelos institutos ainda podem ser auditadas se for o caso. O eleitor tem o direito de ter informação oficial e decidir o que fazer com ela.

A resistência dos políticos a pesquisas eleitorais não é nova. Mas o que explica esse comportamento?
Discute-se há muito tempo proibir pesquisas. O Supremo já até considerou inconstitucional uma mudança legal feita em 1997. Naquela época, a intenção era vetar a publicação de levantamentos 15 dias antes das eleições. Acho que o que está por trás desse movimento é a crença equivocada de que as pessoas votam de acordo com as pesquisas. Mas quantas vezes vimos viradas na última hora? Candidatos que crescem na reta final? Se as pesquisas tivessem esse poder acertariam todas as vezes e não é isso que a gente vê. Elas não representam uma influência maligna como se quer passar. São só mais uma fonte de informação a ser usada pelo eleitor.

Há outro ponto polêmico em discussão na Câmara: a previsão de se exigir dos institutos uma espécie de “taxa de acerto”. É possível calcular isso?
Nem sei o que seria isso. Seria acertar quem ganhou nas últimas eleições, quem foi para o segundo turno? Ou mostrar o resultado exato? É uma proposta muito vaga, sem qualquer critério. Não faz nenhum sentido técnico. Por exemplo: teríamos de misturar acertos de eleições municipais, de alcance nacional? A questão é que não se deve falar em acerto. Não é esse o papel dos institutos. Uma pesquisa não tem o papel de acertar. Ela não é feita para isso, não visa prever o futuro, mas traçar um retrato de determinado período. A partir de sua sequência uma tendência pode ser ou não confirmada.

Os institutos pretendem questionar essas sugestões?
A Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas) já está contra-argumentando e preparando uma nota técnica para enviar aos parlamentares e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A entidade considerou alguma mudança proposta positiva?
Sim, três mudanças pleiteadas pelos institutos: reduzir o prazo para registro de início das pesquisas de cinco para três dias, vetar que institutos façam pesquisas com recursos próprios e possibilitar a publicação dos resultados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os demais temas nem foram colocados para o debate. 


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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,proibir-pesquisa-e-cercear-informacao-afirma-diretora-do-ipec,70003800694


'Golpe de 64 mergulhou o país em ditadura de 21 anos', lembra João Batista

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março, cineasta e escritor faz uma visão saudosista do período antes da ditadura militar

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O cineasta e escritor João Batista faz um relato emocionante da migração do cinema para a literatura, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de março. A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

No início da década de 1960 do século 20, conforme ele conta, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade. “O golpe de 1964 jogou por terra essa utopia, mergulhando o país em uma ditadura de 21 anos”, lembra ele.

“Para minha geração, o cinema encarnava uma utopia vigorosa”, afirma. “Vindo do interior mineiro, entrei na Poli (Escola Politécnica da USP) em 1960, já com 20 anos, muita imaginação, crise existencial profunda e pouco conhecimento cultural”, lembra.

“Rica formação”

Batista conta que as crises se sucediam, principalmente em meio à eleição de Jânio, renúncia com golpe explícito, militares tentavam impedir a posse de Jango, mas, segundo ele, Jango tomava posse gerando um governo popular seguindo a mesma crise que se aprofundava até o golpe de 1964. “De qualquer maneira, um período rico de formação”, diz.

“Em quatro anos passando da esperança, da luta à derrota para os militares, enquanto, bebendo do porre democrático do governo JK, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade”, relata. “Bossa Nova, Teatro Novo, Cinema Novo. Minha geração finalmente tinha sua trilha traçada rumo ao futuro, distanciando-se de uma Brasil atrasado e pobre”, acrescenta.

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