reeleição

Carlos Andreazza: O garantismo de rebolação

Cinco ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para depredar o texto que deveriam guardar

Não tenhamos dúvida de que a pressão da sociedade foi decisiva para que o Supremo votasse contra o golpe urdido — dentro do Supremo — para autorizar a reeleição dos comandos de Senado e Câmara numa mesma legislatura. Matou-se a pretensão golpista de Davi Alcolumbre, mas não sem que aqui se reforce a vergonha de um presidente de Poder que abandona o mandato vigente para costurar uma presidência futura, ademais interditada por lei. Ceifou-se também a chance de Rodrigo Maia surfar a onda.

Não há o que comemorar, porém. Cinco dos 11 ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para — distorcendo a semântica — depredar o texto que deveriam guardar. Cinco dos 11 ministros, alguns dos quais considerados garantistas, não se acanharam em expor o molejo oportunista do garantismo de rebolação hoje havido no STF.

Rebolam todos, entretanto. Ou quase todos. Muitos dos que agora se impuseram como originalistas — protetores do que versa a palavra constitucional — sendo os que, no ano passado, contorceram o verbo para encontrar na Constituição brecha que encaixasse a prisão após condenação em segunda instância. Não faltam exemplos outros.

Gilmar Mendes, relator da matéria da hora, não escondeu o método em seu voto-cabe-tudo: “O afastamento da letra da Constituição pode muito bem promover objetivos constitucionais de elevado peso normativo”. Difícil é achar ministro — todos decerto seguros de serem promotores dos mais virtuosos refinamentos constitucionais — que já não se tenha baseado nessa fórmula tudo-pode. Trata-se de manifestação cujo endosso teria —e tem — efeito carta branca nas mãos de juízes que não raro se movem como agentes políticos, mas que se querem merecedores da fé devotada aos santos.

Em suma, ignorar o que diz a Carta como forma de, confiando na condução dos iluminados, libertar o sentimento, o sentido não expresso, da Carta. Na prática, ignorar o que diz a Carta, o que pretendeu o constituinte, para que objetivos político-eleitorais de elevado peso antirrepublicano sejam tratados como saudáveis mutações constitucionais por togados, cujo abuso de poder os transformou em ditadores do regime democrático.

Quem lê o voto de Mendes quase tem vontade de o agradecer por ainda não serem ele e os seus supremos os que elegem as mesas diretoras do Congresso. O ministro nos avisa, condescendente, que pretendia mesmo mudar a regra do jogo e que não lhe faltam meios para fazê-lo à revelia do texto constitucional; mas que continuariam sendo os parlamentares a eleger o comando das Casas.

É preciso ser duro com o que se tentou armar no Supremo. Um golpe contra a Constituição da República. Um golpe que consiste em declarar inconstitucional o texto constitucional — com o argumento de cevar o texto constitucional.

Um golpe urdido há mais de ano, nos últimos meses à custa de um país de todo paralisado, que tem como gênese a convicção de que se poderia lastrear um arranjo político, a partir do Supremo, fraudando a Carta. A partir do Supremo, a subversão da Carta! O — como o nomeei no artigo passado — golpe de Alcolumbre; que corpo de golpe não teria, que não passaria de fetiche de moleque autocrata, sem que ministros do STF, verdadeiros despachantes, o tivessem anabolizado por meio de leituras messalinas da Constituição.

Diz-se — e sem o devido escândalo — que ministros do STF fariam cálculos políticos ante o que seria um dilema; como se fossem moderadores de apetites autoritários do futuro. Assim, porque avaliariam que a dupla Alcolumbre e Maia cumpre bom papel em frear o ímpeto golpista de Jair Bolsonaro, seria seguro, pensando num bem maior, estender-lhes os períodos na presidência das Casas legislativas. E então teríamos a seguinte equação arbitrária: para evitar um presumido golpe bolsonarista amanhã, aplique-se um golpe já.

É grave. A prostituição do pacto social assentado pelo constituinte; que faz ver que a progressiva depredação de nossos fundamentos institucionais, de que a eleição de Bolsonaro é a febre maior, plantou não raposas no supremo galinheiro, mas cupins. O STF carcomendo-se por dentro, enquanto do lado de fora crescem os que o querem derrubar — muito mais volumosos sendo os que, considerando-o uma estrutura inconfiável, voltada ao cultivo dos próprios interesses, não se incomodariam com seu empastelamento.

Como defender a importância do equilíbrio republicano e a virtude da separação entre Poderes independentes, da ponderação garantida pelo balanço entre eles, ante um Supremo infiltrado por grupos de interesse e que se acostumou a responder com gambiarras? Como defender a concertação da República, a tessitura garantidora de que o Estado não nos oprimirá tanto, num país em que ministros de corte constitucional conseguem extrair autorização de onde há vedação explícita, por consequência projetando, para deleite dos autoritários, um tribunal que, manipulando o ordenamento para fins casuísticos, enfraquece sua a razão de existir?

O Supremo precisa se proteger — se defender — do próprio Supremo.


Hélio Schwartsman: Na reeleição no Congresso, venceu a Constituição

Intervenções na Constituição devem ser eventos raros

Era claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.

É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.

Penso que constituições só perduram no tempo porque são documentos vivos, cujo sentido é atualizado a cada nova geração de intérpretes. E isso, obviamente, exige que o texto tenha maleabilidade. O problema, portanto, não está em o STF ir contra o que está escrito na Carta ou introduzir-lhe ideias que não estão, mas a frequência com que o faz e os motivos que invoca.

Esse tipo de intervenção precisa ser raro. A autocontenção é a maior virtude das cortes constitucionais. Em minha modesta opinião, os ministros deveriam reservar seus superpoderes apenas para situações de ampliação de direitos individuais que o Legislativo não consegue promover.

Se juízes constitucionais se entregam a casuísmos, todas as suas decisões passam a ser percebidas como motivadas por interesses políticos ou pessoais, a credibilidade da corte se esvai e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Constituição. Gostaria de acreditar que foi essa percepção que definiu o resultado da votação sobre a reeleição e não a pressão das redes sociais. Meu otimismo não chega a tanto.


Vera Magalhães: Supremo expõe culpa de Maia

A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia.

É falacioso e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro. Diferentemente da eleição municipal, na qual resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a anterior. O presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura para isso neste momento).

A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.

Ao dar corda para vários postulantes à sua cadeira enquanto havia outro, Arthur Lira (PP-AL), colocado há anos e já com o apoio do Planalto, o deputado do DEM sempre deixou implícito que estava embarcado no plano do correligionário Alcolumbre, ainda que em público dissesse o contrário. Agora larga atrás para montar uma estratégia que mantenha o bloco em torno de si coeso e destaque entre os vários précandidatos alguém capaz de vencer a dupla Bolsonaro-lira.

É impossível? Não é. A economia patina, o governo não tem agenda na Câmara e a hesitação num assunto sensível à base dos deputados, que é a substituição do auxílio emergencial, joga contra o governo. Além disso, Lira é um candidato cheio de rolo, que não conta com a simpatia da opinião pública e que tem a imprensa, o Ministério Público e o STF nos calcanhares. Se souber, como já soube no passado, catalisar essas deficiências e organizar o jogo, Maia tem chance de eleger um sucessor. Precisará, ainda, fazer com que os partidos que se opõem a Bolsonaro – e aí têm de entrar PT e PSDB, além de parcelas do que se convencionou chamar de Centrão – entendam que dar a ele o comando da Câmara agora é facilitar sobremaneira seu caminho para 2022.

Precisa metabolizar a derrota vexatória que passou neste fim de semana, e à qual se submeteu porque foi excessivamente vaidoso e não soube sair de cena e construir um sucessor, e partir para a ação o mais rápido possível, porque só resta um mês e pouco para colocar uma nova estratégia em prática.


Carlos Melo: Decisão do STF - O país no encontro marcado consigo mesmo

Instituições não podem depender de uma única pessoa

É verdade que Rodrigo Maia teve importante atuação nesses quase dois anos de governo Bolsonaro. Mais que seu colega de Senado Federal, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara se contrapôs à penca de desatinos e desventuras em série vindos do presidente da República e de seus ministros. Em muitos momentos, Maia personificou o “sistema de freios e contrapesos”.

Também são conhecidas as intenções de Jair Bolsonaro: retirar Maia de seu caminho e eleger presidente da Câmara um aliado que lhe sirva a ele no objetivo único da reeleição. E assim deixar “tudo dominado”, aparelhando o Legislativo como busca fazer com outros órgãos de Estado.

Tudo isso é verdadeiro e verdadeiramente perigoso. Mas nada justificaria “casuísmos do bem”. Instituições não podem depender de uma única pessoa ou dos interesses imediatos de um grupo. É evidente que Maia, mais até que Alcolumbre, poderá fazer falta à dinâmica democrática no Congresso. Mas também é preciso reconhecer que o País precisa seguir em frente, sem incorrer no erro de pretender combater o messianismo recorrendo a outro tipo de messianismo, com sinal trocado.

Logo, não se deve chorar a impossibilidade de reeleição no Congresso, decidida pela interpretação constitucional da maioria dos ministros do Supremo. A decisão do STF embaralha o jogo e torna a eleição legislativa tão mais dramática quanto mais importante para o futuro. Mas, também pode ser aproveitada como um importante momento de superação e construção política. A sucessão de Alcolumbre, que antes não parecia ser problema, se colocará no cálculo mais amplo das negociações dos grandes partidos, nas duas Casas.

Articular é preciso, e o chamado centro-liberal tem agora seu sua hora mais séria com a oposição: faltará a ambos, oposição e centro, grandeza para compreender o momento?

Pode ser o encontro marcado do país consigo mesmo.

*Cientista Político, professor do Insper


Felipe Frazão: Disputa pelo comando da Câmara vira novo teste para medir força de Bolsonaro

Centro, que vai lançar candidato contra Bolsonaro em 2022, quer começar a derrotar presidente a partir da disputa pela presidência da Casa

BRASÍLIA - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal permitir a reeleição para o comando do Congresso, mudando a interpretação de mandamento expresso na Constituição, abre caminho para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assuma a candidatura especulada nos bastidores e consolide o apoio de partidos de esquerda em torno de seu nome, o que pode ser decisivo. O adversário mais forte é Arthur Lira (Progressistas-AL), um dos líderes do Centrão e aliado do Planalto.

Passadas as eleições municipais, em que praticamente todos os candidatos de Bolsonaro saíram derrotados, a disputa pelo comando da Câmara será mais um teste de fogo para o presidente da República e está sendo vista como a próxima “prévia” à sucessão de 2022. O escolhido de Bolsonaro vai concorrer contra um grupo de oposição que articula abertamente uma candidatura de centro ao Planalto daqui a dois anos.

Ter um aliado no comando da Câmara é imprescindível para Bolsonaro. O titular desse cargo é quem decide o que será votado em plenário, pode barrar todos os projetos de interesse do governo e inicia processos de impeachment contra o presidente da República.

Iniciada na sexta-feira, 4, a análise da possibilidade de reeleição na Câmara tinha até domingo quatro votos favoráveis e quatro contrários no STF; para o Senado o placar está cinco a três pró Davi Alcolumbre (DEM), que não tem adversários de peso na disputa. Maia precisa de mais dois votos no STF para derrubar a vedação legal à recondução ao cargo.

Enquanto Maia está proibido de concorrer, são cinco os nomes do Centro que disputam a vaga de candidato do seu grupo. Baleia Rossi (SP), líder do MDB e presidente do partido; Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos e nome mais forte na bancada evangélica; Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, antigo partido de Bolsonaro; e Elmar Nascimento (BA), líder do DEM. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria e fiel aliado do presidente da Câmara, também é candidato, embora seu partido tenha fechado com Lira. Parte deles pressiona para que um seja escolhido na semana que vem, mas Maia adia, seguindo no comando processo sucessório. Motivo: a oposição só aceita se unir a ele.

Esquerda

Os idealizadores do bloco buscam o apoio de PV, Rede, PSB, PDT, PCdoB, PT e PSOL, o que daria liderança folgada para manter o comando da Câmara. São 137 votos na mesa. As negociações com essas siglas de esquerda estão avançadas, mas há desconforto em fechar uma aliança no primeiro turno.

A esperança de Maia é a de ter, com a esquerda, cerca de 330 votos, suficientes para vencer a eleição em primeiro turno, sem correr riscos de levar a disputa a um segundo escrutínio. A eleição é encerrada por maioria absoluta, quanto um candidato atinge o número mágico de 257 votos. “Os líderes da oposição se acostumaram no trato com ele, confiam de certo modo. Então, não acho difícil ele se apegar nisso e na decisão do Supremo para seguir”, afirma Sâmia Bomfim, líder do PSOL. O partido, que tem dez deputados e é o mais radical na oposição a Bolsonaro, avalia manter a tradição histórica de lançar candidato próprio, desta vez, uma das cinco mulheres da bancada. Mas o objetivo, claro, é marcar posição política.

Outros partidos da esquerda devem intensificar reuniões a partir da próxima semana. “Vamos aguardar se, de fato, Rodrigo vai se declarar candidato”, diz a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC).

No momento, Maia diz que não será candidato, ainda que venha a ter aval do STF, mas não consegue convencer seus pares. Ele vem sendo avisado que os partidos querem um novo nome. Reservadamente, deputados envolvidos nas negociações apontam PSL e Republicanos, que somam 73 votos, com mais possibilidade de defecção caso ele insista em disputar.

Novo

Contrário à reeleição, o Partido Novo avalia que, apesar da discordância de mérito, a realidade política impõe que as bancadas de oposição a Bolsonaro conversem com o grupo liderado por Maia. “Lira é impossível”, afirma sem titubear o líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ).

O candidato foi denunciado por um esquema de rachadinha, o que ele nega. “O grupo do Rodrigo Maia é melhor, mas é longe do que o Novo gostaria.” O presidente do Cidadania, Roberto Freire, adverte: “Pode ser um candidato do agrado ou não (da esquerda). O importante é derrotar Bolsonaro.”

Disputas têm candidatos avulsos e reviravoltas

Eleições do Legislativo costumam ter reviravoltas em cima da hora e com articulações em plenário. Há candidaturas registradas no dia da votação e renúncias. A regra prevê a apresentação dos candidatos no dia da eleição. O presidente Jair Bolsonaro conhece os métodos. Antes do Palácio do Planalto, ele tentou duas vezes comandar a Câmara. Em 2011, recebeu nove votos, e em 2017, quatro, de 513 possíveis. Era uma forma de marcar posição e ganhar holofotes. É o que deve ocorrer com a maioria dos contendores avulsos em fevereiro.

O eleito se torna o terceiro na linha sucessória do País. A bancada da bala, por exemplo, promete lançar o deputado Capitão Augusto (PL-SP), na disputa. A tentativa de Bolsonaro de eleger o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) é arriscada.

Só governos que saem fortalecidos das urnas costumam emplacar com facilidade seus favoritos, um mês depois da posse no Planalto. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) emplacou em 1995 o deputado Luis Eduardo Magalhães (PFL) com 385 votos, em primeiro turno. Em 2003, no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PT lançou o deputado João Paulo Cunha como candidato único. Foram 434 votos. Em 2011, o candidato de Dilma Rousseff, o petista Marco Maia, conseguiu 375 votos.

Enquanto isso, em 2019, Bolsonaro não conseguiu sequer emplacar um candidato. Arthur Lira, sua aposta neste ano, conta com o apoio do PL, PP, PSD, Solidariedade e Avante, que somam 135 votos dos 257 necessários caso todos os 513 deputados participem da votação.

Confira os cotados para a presidência da Câmara

  • Arthur Lira (PP-AL) - ícone do Centrão apadrinhado pelo Palácio do Planalto.
  • Rodrigo Maia (DEM-RJ) - fiador das reformas, preside a Casa com apoio da oposição desde 2016.
  • Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - aliado de Maia. Racha o Progressistas com Lira.
  • Baleia Rossi (MDB-SP) - representa a volta do MDB ao comando do Parlamento.
  • Marcos Pereira (Republicanos-SP) - candidato com mais força na bancada evangélica.
  • Luciano Bivar (PSL-PE) - presidente do segundo maior partido, o PSL.
  • Elmar Nascimento (DEM-BA) - líder dos Democratas na Câmara.

O Estado de S. Paulo: STF barra reeleição de Maia e Alcolumbre

Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux votaram neste domingo contra a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Com os três últimos votos, o Supremo barrou a tese de reeleição na mesma legislatura

Rafael Moraes Moura,O Estado de S. Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na noite deste domingo barrar a possibilidade de os atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disputarem a reeleição na mesma legislatura. A eleição da cúpula do Congresso está marcada para 1º de fevereiro de 2021. O resultado do julgamento muda radicalmente o tabuleiro político na sucessão das duas Casas.

Ao longo dos últimos dias, o STF sofreu uma série de críticas por conta do julgamento, o que influenciou o placar final, segundo o Estadão apurou.  O ex-presidente do STF Nelson Jobim, por exemplo, disse ao Estadão estar “perplexo” com a discussão. Também proliferaram críticas na classe política e no meio acadêmico.

Por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão para a reeleição de Alcolumbre. No caso de Maia, a derrota foi ainda maior, com o placar de 7 a 4. A diferença nos dois resultados se dá por conta do voto do ministro Nunes Marques. Indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, Nunes Marques optou por uma solução intermediária — a favor de Alcolumbre, mas contra Maia –, alinhado aos interesses do Palácio do Planalto, que aposta na candidatura de um dos líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para a chefia da Câmara.

Na noite deste domingo, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e  o presidente do STF, Luiz Fux, votaram contra a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado em 2021, marcando uma reviravolta no resultado final, que indicava uma tendência de vitória da tese a favor da recondução.

“A regra impede a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente a do primeiro ano da legislatura. Nesse ponto, a norma constitucional é plana: não há como se concluir pela possibilidade de recondução em eleições que ocorram no âmbito da mesma legislatura sem que se negue vigência ao texto constitucional”, escreveu Fux.

“Com efeito, não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor”, concluiu o presidente do STF.

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, observou ser “compreensível o sentimento de que existe uma assimetria no sistema constitucional dos Poderes ao não se permitir uma recondução dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados”, ao contrário do presidente da República. “Entendo não ser possível a recondução de presidente de casa legislativa ao mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, porque esse é o comando constitucional vigente”, concluiu Barroso.

A eleição para a cúpula do Congresso é a disputa política mais importante do próximo ano. Os presidentes da Câmara e do Senado comandam a agenda legislativa do País, articulam a estratégia para a aprovação de reformas prioritárias do governo e são responsáveis por controlar não apenas a abertura de CPIs, mas também o andamento de pedidos de impeachment – do presidente da República, no caso da Câmara; dos ministros do STF, no caso do Senado.

O julgamento ocorreu no plenário virtual da Corte, uma plataforma online que permite que os ministros analisem casos longe dos olhos da opinião pública – e das transmissões ao vivo da TV Justiça.

Na madrugada da última sexta-feira, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, havia votado a favor da tese da reeleição, sendo seguido integralmente por Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. A divergência no julgamento foi aberta pelo ministro Marco Aurélio Mello.

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está em moda, mas não se pode colocar em plano secundário o artigo 57 da Constituição”, escreveu Marco Aurélio.

Além de Fux, Fachin, Barroso e Marco Aurélio, as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram contra dar aval às reeleições de Maia e Alcolumbre.

Ditadura. Há mais de meio século, a reeleição é proibida na cúpula do Congresso. Em 1969, o Ato Institucional número 16, editado pela ditadura militar, proibiu a recondução ao cargo dos presidentes da Câmara e do Senado. O veto foi imposto pelo regime ditatorial em uma manobra contra o então presidente da Câmara, José Bonifácio Lafayette de Andrada. Mesmo filiado ao Arena, Andrada provocou irritação em setores radicais do governo ao permitir que colegas parlamentares denunciassem da tribuna a repressão das Forças Armadas.

Antes disso, não eram incomuns a reeleição por mandatos consecutivos, como foi o caso de Ranieri Mazzilli, que comandou a Câmara por um período de sete anos (de 1958 a 1965). Arnolfo Azevedo (1921-1926), Astolfo Dutra (1915-1919) e Sabino Barroso (1909-1914) também foram reeleitos.

A Constituição de 1988, em pleno regime democrático, reforçou o veto à reeleição colocado pelos militares. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”, diz o artigo 57 da Carta.

De lá pra cá, o Supremo flexibilizou a regra: passou a permitir a reeleição no caso de mandato-tampão e em legislaturas diferentes.

Temores. Um dos temores no STF é o de que nomes mais imprevisíveis e mais alinhados ao presidente Jair Bolsonaro assumam o comando da Câmara e do Senado, o que poderia resultar em retaliações contra o Judiciário, como a abertura da CPI da Lava Toga e até mesmo a votação de pedidos de impeachment de ministros do STF. Até agora, Alcolumbre tem resistido à pressão de senadores “lavajatistas”.


Bernardo Mello Franco: A gambiarra da reeleição de Maia e Alcolumbre

O Supremo Tribunal Federal começa a julgar amanhã se os presidentes da Câmara e do Senado podem se reeleger. Em outros tempos, os ministros nem precisariam gastar seu latim com o assunto. A Constituição é clara: não podem.

A Carta proíbe expressamente a reeleição dos integrantes das Mesas do Congresso. De acordo com o artigo 57, é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. O Supremo já admitiu uma exceção quando há mudança de legislatura. Não será o caso em fevereiro de 2021.

O objetivo dos constituintes foi impedir que os presidentes da Câmara e do Senado se eternizassem no poder. Isso evitou que o Congresso virasse uma versão candanga da Assembleia Legislativa do Rio, cujos chefões são quase vitalícios. O mais notório deles, Jorge Picciani, foi eleito seis vezes para o cargo. Só largou o osso ao ser preso pela Polícia Federal.

Desde 1988, a Câmara e o Senado foram comandados por figuras como Ulysses Guimarães, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Renan Calheiros. Alguns deles mandaram mais que o presidente da República, mas nenhum tentou burlar a Constituição para se perpetuar na cadeira.

Agora há uma manobra em curso para permitir a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. O Supremo já deu sinais de que pode lavar as mãos, declarando que a questão é interna corporis. Isso equivaleria a dizer que a Constituição não vale nada. O que conta são os arranjos de ocasião no Congresso.

“A reeleição na mesma legislatura é absolutamente inconstitucional. Se isso for permitido, qualquer um vai se sentir autorizado a descumprir a Constituição quando lhe interessar”, alerta o ex-deputado Miro Teixeira, que exerceu 11 mandatos na Câmara.

Os defensores do casuísmo dizem que Maia e Alcolumbre frearam a escalada autoritária de Jair Bolsonaro. Há controvérsias, mas nem isso justificaria a gambiarra da reeleição. Não se trata de julgar os atos da dupla, e sim de garantir o respeito às regras do jogo. Não se salva a democracia rasgando a Constituição.


Fernando Schüler: Resistir à tentação da política e preservar a estabilidade da Constituição

Carta não deve ser ajustada ao sabor de eventuais maiorias

A Constituição é clara ao fixar os mandatos das Mesas do Congresso em dois anos e estabelecer que é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. É sempre possível à criatividade humana desafiar o sentido das palavras. E um risco quando se trata do direito e da Constituição, onde levar a sério as palavras significa levar direitos a sério.

É o tema neste episódio da sucessão de Maia e Alcolumbre no Congresso. Para além de juízos de maioria ou minoria, a Constituição consagrou o valor da alternância de poder. O reconhecimento de que não faz bem ao país a tentação do uso da máquina do próprio Parlamento para a preservação do poder.

Neste episódio, porém, há algo mais em jogo: a própria ideia de que o que está escrito na Constituição não é uma banalidade passível de interpretação a gosto de uma eventual maioria na Câmara ou no Senado.

A tese simples e essencial de que não é a “autonomia dos Poderes” que disciplina o uso da Constituição, mas a Constituição que disciplina o funcionamento dos Poderes. Tese que põe por terra o argumento sem nexo, que se escuta por aí, segundo o qual fixar as próprias regras de sucessão é um problema interna corporis do Congresso.

Não é. A regra já foi dada pela Constituição. A Carta que deve funcionar, como diz meu conterrâneo Lênio Streck, como um “remédio contra as maiorias” e a “voz das ruas”. Neste caso, diria, a voz dos corredores do Congresso. Leio coisas ainda mais estranhas, como a ideia de que ministros do Supremo avaliem como positivo o atual “arranjo político” e a contenção do Executivo feita por Maia e Alcolumbre. E que seria uma boa ideia manter os atuais presidentes.

Não faz sentido que integrantes da Suprema Corte façam este tipo de juízo quando se trata de garantir o que está escrito na Constituição.

É certo que o avanço dos tribunais sobre o Parlamento já vai longe. Em dezembro de 2019, o Supremo promoveu um debate com líderes partidários sobre a possibilidade das candidaturas independentes. O tema continua na pauta do STF. À época, o ministro Barroso dizia que era preciso entender “se o Supremo tem caminhos para decidir sobre o assunto”, ou se isso caberia ao Parlamento.

O dado singelo é que a Constituição diz que a filiação partidária é “condição de elegibilidade” e, ao menos até onde se saiba, cabe ao Congresso (e em alguns casos nem mesmo ao Congresso) mudar a Constituição.

Caso notório foi o tratamento que o Supremo deu a dois elementos centrais do pacote anticrime aprovado em 2019 pelo Congresso. O primeiro foi o devido ajuste feito na exigência de revisão de prisões preventivas a cada 90 dias. Havia um clamor popular, e o STF decidiu que a regra aprovada no Congresso não era bem assim. Quanto ao juiz das garantias, foi simplesmente suspenso em decisão monocrática.

O caso mais banal talvez tenha sido a reintrodução pura e simples da censura prévia na vida brasileira. Dado que feita contra os “indesejáveis”, pouca gente chiou. O tema mereceu o curioso argumento de um ministro do STF segundo o qual se tratava de uma “curadoria”. Proibir alguém de usar o Facebook não significava ferir sua liberdade de expressão, visto que ele poderia seguir falando o que quisesse, imagino que gritando pelas ruas ou via sinais de fumaça.

Sob certo aspecto, trata-se de um tema sem solução. Como bem disse o ministro Fux em seu discurso de posse, o próprio mundo político usa o STF para lidar com seus desacordos. E as pessoas tendem a reclamar do ativismo judicial apenas quando a coisa mexe em seus interesses ou paixões do momento.

A pergunta é se o próprio Supremo não vem criando incentivos para que o mundo político o tome como instância moderadora. A judicialização e a interferência crescentes, para a qual não há outro remédio que a autocontenção. No fundo, a renúncia à tentação da política em nome da guarda e da estabilidade da Constituição em meio ao vaivém das maiorias e urgências cotidianas da democracia.

Este episódio da sucessão no comando do Congresso será um bom teste neste sentido.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Rosângela Bittar: Questão de ordem

Bolsonaro trabalha duro na eleição de prepostos na Câmara e no Senado

O capitão presidente Jair Bolsonaro e sua soldadesca parlamentar do Centrão trabalham duro na eleição de prepostos para substituir os atuais presidentes da Câmara e do Senado. De tal forma que, nos dois anos que lhe restam de mandato, possa assegurar o comando de dois poderes nas batalhas da sua campanha à reeleição. Embora pareça absurdo, é real. O presidente, que tem uma performance em tudo insatisfatória, quer ampliá-la.

Se assim for, seus concorrentes em 22 ficarão imprensados contra um Executivo e um Legislativo postos a serviço do candidato que controla cargos e verbas. A não ser que resistam à tomada de mais esta cidadela.

É o que buscam com a tentativa de reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, na mesma legislatura, superando a proibição legal. À falta de instrumentos para conter Bolsonaro, a maioria quer manter os atuais dirigentes, confiante na autonomia relativa que demonstraram até aqui.

A consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre a reeleição no Congresso não teria sido feita exatamente com este objetivo, mas é o mais provável.

Aberta a sessão legislativa de 2021, em fevereiro, uma voz levantará uma “questão de ordem”. Pedirá que se inicie o processo de eleição dos membros da Mesa, facultada a reeleição dos atuais titulares. Estarão cumprindo um rito traçado a partir de decisão do STF. Em julgamento virtual, que se inicia nesta sexta-feira, e deve seguir até o dia 11, o Supremo reconhecerá, segundo informações preliminares, que esta é uma questão interna do Congresso e cabe a ele decidir.

Há divergência de interpretação sobre os efeitos deste veredicto. Alguns argumentam que, ao não deliberar, o STF estará, na prática, impedindo a reeleição, pois o Legislativo teria dificuldades de exercitar sozinho esta prerrogativa. Outros, porém, têm opinião oposta. Afirmam que, se o STF decidir que a reeleição é um assunto “interna corporis”, será automático o lançamento das candidaturas dos presidentes atuais. Decisão embasada nos critérios de isonomia, de igualdade de oportunidades e de limites idênticos para todos, em um sistema de contradições e caos regulatório em todos os níveis.

O ministro Gilmar Mendes, o relator do processo, preparava-se para fazer um relato histórico da reeleição e da flexibilidade que o STF vem adotando na análise dos casos. A reeleição passou a ser admitida para o Executivo – presidente, governadores e prefeitos; é permitida também em Assembleias e Câmaras, nos Estados e municípios, sendo que, nestas, sem qualquer restrição quanto ao número de vezes e à legislatura; e é autorizada para o Congresso se for disputada em diferentes legislaturas.

A proibição se dá apenas para a reeleição na mesma legislatura. Por qual razão? Não se sabe. Eis o que se comenta: teria sido uma tentativa de limitar, através de ato institucional, o poder do Congresso. Impedir, com esta providência, o estabelecimento de lideranças fortes e estáveis. Não existem explicações, porém, para que se tenha deixado a situação chegar onde se encontra, atolada em um cipoal disforme de regras que aprofundam cada vez mais os equívocos deste instituto.

Se é assim, que o seja para todos até a bagunça normativa sofrer revisão. É este o pensamento dominante que pode ter inspirado a tendência da qual o Supremo emite sinais.

Mesmo para quem admite tal solução, restam duas questões a serem enfrentadas. A primeira é acompanhar o que juristas entenderão como “interna corporis”, qual o instrumento que deve ser usado na decisão. A questão de ordem não terá uma resposta pacífica. Outra voz pode enfrentá-la com recursos. A segunda é a necessidade de encontrar-se um líder destemido que possa propor a revisão da reeleição no Brasil, da Presidência da República aos clubes de futebol.


Carlos Andreazza: O golpe de Alcolumbre

Não tem vírgula para controvérsia de reeleição de presidentes da Câmara e do Senado. Não pode

Está marcado para a próxima sexta, dia 4 de dezembro, o início do julgamento — no plenário virtual do Supremo — de uma ação por meio da qual o PTB questiona a constitucionalidade da reeleição (qualquer uma, mesmo aquela prevista na Constituição) de presidentes da Câmara e do Senado.

Não é banal que a coisa se dê no plenário virtual, em que os ministros somente depositam os votos. Sem enfrentamento de mérito. Sem debate. É o paraíso — a arena dos sonhos — para que se consolide o golpe, golpe contra a Constituição Federal, urdido, sem muita cerimônia, por Davi Alcolumbre.

Golpe que o sujeito costura desde meados de 2019, agora finalmente à custa de um Parlamento paralisado; que — sequestrado por disputas de poder antecipadas para muito além de qualquer padrão de irresponsabilidade da política brasileira — nem sequer consegue cuidar do Orçamento de 2021.

Para que fique claro: o Brasil não está parado, com uma pandemia a corroê-lo, em decorrência das eleições municipais. Isso é desculpa. E é mentira. O país está travado porque tem um governo incompetente, incapaz de propor agendas e formular políticas públicas; e porque o Congresso, até anteontem a engrenagem que fazia algo andar, foi contaminado pela endemia sucessória, agravada pelo vírus da incerteza. Terá ou não sucesso o golpe de Alcolumbre, de resto a mexer num xadrez de expectativas de poder ainda a ecoar longamente no Parlamento?

Obra do golpe de Alcolumbre. Golpe pelo direito de se reeleger à presidência do Senado numa mesma legislatura; contra o quê, sem margem para interpretação rebolativa, é expressa a Carta que se tenta violar. Está lá, no parágrafo 4º do artigo 57. Não pode. Não tem vírgula para controvérsia. Golpe.

Daí por que seja tão importante — para o êxito golpista — escapar da discussão de mérito. Porque isso equivaleria a escapar do que versa a Constituição. Porque bastaria que um ministro a abrisse, passando-lhe os olhos, para que tivéssemos um destaque e o caso, deixando a imobilidade muda do plenário virtual, fosse para a deliberação do colegiado. Ou seja: para que a tara de Alcolumbre fosse contida.

Mas não. O STF integra o jogo político; e isso significa atalhar a Lei Maior. Nesse caso, para fugir da apreciação do mérito. Não poderia ser diferente num tribunal cheio de agentes políticos. Que fazem cálculos típicos de um operador político. Logo, se os togados avaliam que o arranjo com Alcolumbre e Maia (que surfaria a onda para ser também beneficiado) serve bem ao equilíbrio da República, ambos se concertando — segundo consideram os supremos — para frear os ímpetos autocráticos de Jair Bolsonaro, por que não encontrar uma solução casuística, por que não erguer um puxadinho oportunista e fulanizado, que lhes permita continuar à frente das casas legislativas?

Contra o temor de um hipotético grande golpe bolsonarista, um golpe de verdade, um golpinho virtuoso, impingido via Senado e chancelado pela corte constitucional. Que tal? E como não projetar que o STF, deixando-se penetrar pelo que supõe jeitinho pontual e por boa causa, estará forjando as condições para o arrombamento de reeleições infinitas no Parlamento?

A estratégia golpista é engenhosa; e terá como fundamento — tudo assim indica — o Supremo liberando ao Congresso, como se matéria interna corporis, o condão de decidir sobre as eleições de suas mesas diretoras.

O STF lava as mãos, pautado pelos interesses da política. Adotará — ministros já vazaram a tática — a postura cínica, covarde, de alegar que a ação do PTB consistiria numa espécie de consulta prévia; a respeito, pois, de algo ainda não ocorrido, um caso hipotético, sendo impossível, por falta de concretude, tratar do mérito. Balela! Mas também puro adiamento; sendo questão de tempo até que se tenha de deparar com uma chuva de reclamações, quando o golpe já estiver aplicado, e o tribunal for obrigado a se lembrar da Constituição.

O STF lavará as mãos. Se entender — já entendeu, todos entendidos — que o assunto é de alçada do Parlamento, dirá que o desejo de Alcolumbre poderá prosperar driblando a única maneira republicana de postular o direito à reeleição numa mesma legislatura: uma emenda constitucional — para a qual seriam necessários três quintos do Congresso. Se decidir, portanto, que Alcolumbre pode chegar lá sem uma PEC, por meio de um golpe mesmo, dirá que lhe bastaria providenciar uma revisão do regimento interno do Senado; para o que precisaria de maioria simples entre os pares.

Ah, os pares... Alcolumbre os trata como bocós. Os senadores, contudo, não protestam. Talvez até gostem do balé desse golpe sui generis; dado que endossam a agenda personalista de um presidente do Senado que, para conseguir a prerrogativa de se reeleger, sumiu do Congresso, tirando o pé de qualquer bola dividida e abandonando a Casa ao apagão. Um presidente do Senado que, para não desagradar ao Supremo de que tanto depende, escondeu-se de ser presidente do Senado. Um presidente do Senado que abandonou a presidência que formalmente exerce para lutar, ao custo do Parlamento de hoje, por uma presidência futura.


Míriam Leitão: Congresso subserviente

Assunto constitucional não é interna corporis, é assunto constitucional. Pode-se alterar a Constituição, mas não descumpri-la. Esse é o ponto que está em questão no esforço dos presidentes do Senado e da Câmara de permanecer no cargo. Eles torcem para que o ministro Gilmar Mendes decida que a reeleição seja uma questão interna. O problema é que se a liminar do ministro disser apenas isso há o risco de se criar o seguinte e perigoso precedente: mudar o regimento interno para alterar-se a Constituição.

O STF será usado para a realização de ambições pessoais, mais explícitas no caso do senador Davi Alcolumbre, de permanecer onde está. Alcolumbre tem feito tudo, até calar-se diante do abjeto escândalo das cuecas e preparar o forno de pizza para assim ficar bem com todo mundo.

A análise de parlamentares e de um ministro do Supremo ouvidos pela coluna é a de que o relator pode dizer que é interna corporis e isso será interpretado como licença para apenas alterar o regimento interno das Casas.

— Questão constitucional nunca será um problema interna corporis — alerta um ministro do STF.

— A Constituição é claríssima, não cabe interpretação, não é possível a reeleição. Vão pegar o termo em latim que provavelmente estará na liminar para de forma apressada fazer o rito de alteração do regimento interno. Mas se o ato interno é regido pela Constituição esse não pode ser o caminho. Se o constituinte achou por bem normatizar, só por emenda pode ser alterada — explicou um parlamentar.

O Congresso tem dado nos últimos tempos um show de subserviência, pelas mais variadas razões e interesses. Ao fazer isso, deixa de cumprir seu papel com a independência prevista na Constituição. Na sabatina do agora ministro Kassio Nunes, quase todos fugiram ao seu papel. A sabatina não é um ato de louvação, mas sim uma forma de permitir que o país conheça quem tomará decisões que influenciarão nossas vidas nos próximos anos e décadas. O advogado Kassio Nunes abriu a fala usando um termo caro aos evangélicos. Falou que sentiu essa nomeação como um “chamado”. Disse que é católico e citou a bíblia e o rezar de mãos postas. Há ministros no Supremo extremamente religiosos que não usaram o nome de Deus para dissolver resistências. Isso não é argumento num estado laico. Ensaboado, escorregou de várias questões, mas, a não ser raras e valiosas exceções, não foi sabatinado. Foi bajulado.

Esta semana passaram sem contestação no Senado os nomes de três militares para a Autoridade Nacional de Proteção dos Dados. Isso não faz sentido. Teriam que ser nomes técnicos com conhecimento suficiente e vida profissional dedicada à questão em si. Os militares não podem ser vetados por serem militares, mas não devem ter maioria nessa agência.

O Congresso aceitou todas as pressões do Planalto para adiar a análise dos vetos presidenciais para que o governo consiga arregimentar mais apoios. Um desses vetos é aguardado por inúmeras empresas para fazerem seu planejamento de 2021.

Recentemente, o relator do Orçamento, ao sair do Ministério da Economia, disse que só terminaria seu trabalho quando o ministro Paulo Guedes concordasse com tudo. Ele estava tentando criar um programa social que o governo não consegue, mas agia como se fosse do Executivo. O Orçamento passa pelo Congresso para que seja analisado, alterado, confirmado ou acrescido dentro das regras fiscais, mas a relatoria não é o ato de buscar carimbos no Ministério da Economia. O senador bolsonarista Marcio Bittar foi escolhido a dedo para seguir ordens. Ele inaugurou seu mandato no Senado assinando junto com o senador Flávio Bolsonaro uma proposta do fim do mundo: queria acabar com toda a reserva legal da Amazônia. Ou seja, pôr a floresta abaixo. Essa delirante proposta acabou arquivada mas só a assinaria quem estivesse disposto a tudo para agradar o governo.

Os poderes são harmônicos, mas independentes. Quando um se submete ao outro está traindo seu papel institucional. As negociações, os acordos, a harmonia devem existir, mas não para encobrir malfeitos de parlamentares, blindar a família do presidente, atender aos interesses continuístas. O Congresso está escolhendo ser a casa do “sim, senhor” para um presidente que tem demonstrado não entender quais são os limites do poder da presidência numa democracia. Isso torna tudo mais perigoso.


Andrea Jubé: A eleição da Mesa e a dança das cadeiras

Fábio Faria, Guedes, Maia, Renan e Kátia: todos por um

Aos trancos e barrancos, com a democracia equilibrando-se na corda bamba por um período, o governo do presidente Jair Bolsonaro engrenou e está cada dia mais parecido com um governo convencional pós-retomada democrática, sustentado pelos partidos do Centrão.

É nesse cenário que soa natural a reforma ministerial que se avizinha. Cada vez mais pragmático, como todo político, Bolsonaro está sendo convencido por aliados a promover uma reforma ministerial após a eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado em fevereiro.

O objetivo será recompor espaços e consolidar a base governista no Congresso, a fim de garantir a governabilidade e começar a alinhavar as alianças para a reeleição.

Bolsonaro já negou, e para não perder o costume, chamou de “fake news” as primeiras notícias sobre as iminentes mudanças no time de auxiliares.

Contudo, aliados de seu núcleo mais próximo confirmaram à coluna, reservadamente, o movimento nos bastidores, que dependerá dos resultados das eleições para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara e Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado.

Como já se sabe, a dança das cadeiras começa com a nomeação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para a vaga de José Múcio Monteiro no Tribunal de Contas da União (TCU). Múcio deixa a cadeira em dezembro.

Bolsonaro é uma caixa de surpresas, mas, neste caso, a tendência é que ele confirme as principais apostas, indicando o secretário especial de Assuntos Estratégicos, vice-almirante Flávio Viana Rocha, para o lugar de Oliveira.

Os passos seguintes da reforma dependerão da emocionante sucessão nas duas Casas. A começar pelo impasse constitucional que obnubila a reeleição da dupla Maia e Alcolumbre. A Constituição veda a reeleição dos dirigentes das Casas. A brecha criativa, instituída por Antônio Carlos Magalhães, contempla a passagem de uma legislatura para outra, o que não ocorre no momento.

Para se preservar, Maia já rechaçou a reeleição. Mas na política, assim como na vida, quem desdenha, quer comprar.

Rodrigo Maia está no comando do Legislativo há quatro anos, desde que se elegeu para um mandato-tampão em 2016, após a renúncia de Eduardo Cunha.

A combinação do traquejo político com a longevidade no cargo, a proximidade do mercado e o trânsito franqueado em quase todas as bancadas, o alçaram ao patamar de um “player” estratégico, quase indispensável.

Por isso, um time expressivo de aliados argumenta que um político com o perfil de Maia não pode se despedir do cargo e, simplesmente, no dia seguinte, aterrissar na planície. Esse grupo articula sua nomeação para um ministério - fala-se na pasta da Educação -, caso sua recondução para novo mandato se revele impraticável.

Segundo fontes do palácio, pelo menos dois ministros - Fábio Faria (Comunicações) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) - estão na linha de frente dessa articulação. Até porque Ramos é cabo eleitoral da candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à cadeira de Maia.

Como ministro, Maia seria um articulador de luxo do governo para ajudar a impulsionar as reformas econômicas no Legislativo.

Por sua vez, reconstituídos os laços com Maia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não seria óbice ao projeto. Aliás, estão todos vestindo a mesma camisa: Rodrigo Maia, Fábio Faria e Paulo Guedes uniram-se em torno de um núcleo de poder, ao qual se somam os traquejados senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PP-TO).

As cenas dos últimos capítulos mostraram Renan, Kátia e Rodrigo Maia como as lideranças do parlamento mais engajadas no socorro a Paulo Guedes. Renan, registre-se, articulou o jantar de reconciliação de Maia e Guedes, do qual participaram Fábio Faria, Kátia e Luiz Eduardo Ramos.

Não foi aleatória a alfinetada de Guedes em Alcolumbre, quando afirmou que o presidente do Senado teria mais tempo para ajudar o governo se não se empenhasse tanto na reeleição.

A visão de uma ala do Palácio do Planalto é que o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a batuta de Luiz Fux, impedirá a “aventura constitucional”, que avalizaria a reeleição de Maia e Alcolumbre.

A se confirmar essa hipótese, o cenário que essa ala palaciana vislumbra é uma candidatura competitiva do MDB ao comando do Senado, com a simpatia do governo. Os candidatos seriam Renan Calheiros ou Eduardo Braga (MDB-AM), ambos com o respaldo de Paulo Guedes, Ramos, Fábio Faria e Rodrigo Maia.

Na Câmara, sem Maia, o palácio continua apostando em Arthur Lira. Mas a factível postulação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, do DEM, não desagrada ao Planalto. Neste cenário, Maia teria que trabalhar o apoio de seu grupo ao nome de Cristina, e trazer a oposição para esta candidatura.

Nesta hipótese, a redistribuição de espaços na Esplanada seria decisiva para prosperar a articulação. Uma eventual eleição de Tereza Cristina para o comando da Câmara - avançando-se, aqui, 20 casas no tabuleiro - obrigaria Bolsonaro a abrir espaços no primeiro escalão para acomodar o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o Republicanos, do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP) - outro nome competitivo para a sucessão de Maia, que também conta com a simpatia do governo.

Pelo umbigo

E por falar em Republicanos, o clã Bolsonaro nunca esteve tão umbilicalmente ligado ao partido, lembrando os apoios a Celso Russomanno em São Paulo, e a Marcelo Crivella no Rio de Janeiro. Com a eleição da nova direção do Senado, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) deixará a Terceira Secretaria, que Davi Alcolumbre ofereceu a outro aliado. Para não ficar na planície, Flávio será o novo líder do Republicanos no Senado a partir de fevereiro. É mais um passo na direção contrária do Aliança pelo Brasil, do qual Flávio é o primeiro vice-presidente.