reeleição

Ricardo Noblat: O plano para reeleger Bolsonaro passa por Lula candidato

De volta ao passado

Cresce o número de vozes nas cercanias do presidente Jair Bolsonaro que não achariam nada mal que seu principal adversário nas eleições de 2022 fosse Lula. Para isso, o Supremo Tribunal Federal teria de concluir que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar Lula no processo do tríplex do Guarujá.

Talvez ainda este ano, a Segunda Turma do tribunal julgue um pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente que levanta a suspeição de Moro. Se concedê-lo, a segunda condenação de Lula, no caso do sítio de Atibaia, poderá cair, uma vez que Moro participou de algumas fases do processo.

Com o eventual desmanche das duas condenações, Lula recuperaria seus direitos políticos e estaria livre para ser outra vez candidato a presidente. O medo de Lula se eleger e a falta de outros nomes capazes de derrotá-lo fortaleceria Bolsonaro e inflaria suas chances de conseguir o segundo mandato.

Recentemente, Lula obteve duas importantes vitórias na Segundo Turma do Supremo. A primeira: finalmente, sua defesa vai poder acessar todos os documentos usados no acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal, inclusive os que se encontram nos Estados Unidos e na Suíça.

A segunda vitória: a delação do ex-ministro Antonio Palocci não pode ser utilizada nesta ação em que Lula é acusado de ter supostamente recebido R$ 12 milhões da Odebrecht. Moro passou recibo dos dois sérios reveses que colheu. Em silêncio, o governo celebrou as decisões da Segunda Turma do Supremo.

No momento, são convergentes os interesses do governo Bolsonaro e do PT de Lula. Com vantagem para Bolsonaro que terá dois anos pela frente para penetrar mais fundo na principal base eleitoral de Lula, o Nordeste. O que ele tinha a perder com o fracasso do combate ao coronavírus, já perdeu. Jogo jogado.

O que pode vir a ganhar com o pagamento do auxílio emergencial e com a substituição do programa Bolsa Família pelo mais generoso programa Renda Brasil ainda está por ser calculado, mas não será pouca coisa. Cuide-se Paulo Guedes, ministro da Economia, que será obrigado a arranjar dinheiro para obras de infraestrutura.

Ministro nega dossiê, mas confirma relatório sobre servidores antifascista

Que diferença faz? Nenhuma

Está em qualquer dicionário da língua portuguesa que “dossiê é uma coleção de documentos relativos a um processo, a um indivíduo ou a qualquer assunto”. E que relatório “é uma exposição escrita, minuciosa e circunstanciada relativa a um assunto ou fato ocorrido. O objetivo de um relatório é comunicar uma atividade desenvolvida ou ainda em desenvolvimento durante uma missão.”

Como o jornalista Rubens Valente, no seu blog do portal UOL, chamou de dossiê a coleção de documentos produzidos por uma secretaria do Ministério da Justiça sobre quase 600 servidores federais que se declararam antifascistas nas redes sociais, o ministro André Mendonça negou a existência do tal dossiê. Negou até em comunicado enviado ao Supremo Tribunal Federal.

Mas apertado por deputados federais e senadores em sessão secreta na última sexta-feira, ele confirmou que a secretaria produziu, sim, um relatório sobre os servidores monitorados. Por monitorados, entenda-se: espionados. Porque é disso que se trata. Não faz diferença se foi dossiê ou relatório. O que se discute é se a secretaria poderia fazer o que de fato fez, e por que.

A bola – ou melhor: o comunicado despachado por Mendonça ao Supremo – está nas mãos da ministra Carmen Lúcia, autora de um pedido de explicações. Dossiê ou relatório, à ministra caberá dizer se o Ministério da Justiça pode espionar um grupo de pessoas por pensaram de um jeito ou de outro. Ou porque o governo simplesmente não gosta do jeito que elas pensam.


Alon Feuerwerker: A pax bolsonariana. Até quando?

As críticas à Lava-Jato vão sendo novamente matizadas, apesar dos percalços. A aliança da operação com os vetores dominantes da opinião pública volta a mostrar vigor, e agora vitamina-se de um novo alinhamento: num lado, o Palácio do Planalto e a Procuradoria Geral da República; no outro, a Lava-Jato e quem flerta com amputar o mandato de Jair Bolsonaro antes do prazo, evitando assim preventivamente também a possibilidade de reeleição.

Quem levará a melhor? A aliança encabeçada pela Lava-Jato vem de vitórias históricas, a começar do impeachment de Dilma Rousseff e da condenação, e inelegibilidade, de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas enfrenta uma atribulação no plano tático: as pressões e manobras do Executivo para retomar o poder moderador, o que em linguagem mais delicada ganha o nome de “governabilidade”. E esta passa pela contenção dos polos que floresceram na Brasília do declínio de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Num desses polos, o Congresso Nacional, as coisas para o oficialismo bolsonarista parecem ir razoavelmente bem. Ainda há chacoalhadas e rusgas, mas o sentido geral é de pacificação. O impeachment hiberna, e a reforma tributária é o novo brinquedo posto a entreter o Legislativo. E os parlamentares estão às voltas com outros dois assuntos apetitosos: as eleições municipais e a renovação das mesas da Câmara e do Senado.

Nisso, a única coisa que o governo precisa evitar é perder. O ideal para o Planalto serão presidentes alinhados 100% com Bolsonaro, mas Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre continuarem nas cadeiras seria, para o governo, o “problema já conhecido”. Diz a sabedoria: nunca se apresse a eliminar um problema já conhecido, pois o risco é aparecer um novo, e potencialmente mais complicado. Como por exemplo o comando do Congresso nas mãos de personagens inteiramente originais e com apetite por protagonismo.

No Ministério Público e no Legislativo, o cenário para Jair Bolsonaro parece o menos pior desde a posse, inclusive por as disputas da hora serem internas em ambos. E isso enquanto o Executivo vive uma inédita pax bolsonariana, após alguns “expurgos brancos” e a ocupação de espaços estratégicos pelos quadros provenientes das Forças Armadas, da reserva e da ativa. E que estão ali por outra regra da vida política: quando há vácuo, este suga alguém para consertar a anomalia. É o que se passa com os fardados.

O momento de calmaria para o presidente da República decorre também de um fator relativamente inesperado, e de outro previsível. Era pouco esperado que a popularidade do presidente resistisse à dramática contabilidade das mortes da Covid-19. Por alguma razão está resistindo. O previsível era a dispersão das esquerdas, que sintomaticamente voltaram a ser nomeadas no plural. Aqui, um paradoxo: quanto mais na oposição se fala em frente, mais avança a fragmentação dela própria. Por exemplo na disputa das prefeituras.

O que pode interromper a paz? Afinal, estamos no sempre potencialmente complicado agosto.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Julianna Sofia: Auxílio à reeleição

Guedes vai ter de arrumar mais um dinheirinho, disse um influente senador

O candidato à reeleição Jair Bolsonaro liberou nos bastidores sua equipe econômica a estudar a extensão até dezembro do auxílio emergencial, previsto para terminar neste mês. O presidente da República, todavia, declara publicamente que é preciso ir devagar com o andor: "não dá pra continuar muito" devido ao alto custo. "Por mês, são R$ 50 bilhões. Vão arrebentar com a economia do Brasil."

Os ganhos de popularidade obtidos por Bolsonaro com o auxílio emergencial de R$ 600, pago até agora a 65 milhões de brasileiros, alimentam o movimento dúbio —dubiedade essa que se tornou estratagema do bolsonarismo desde que o capitão reformado se aboletou no Palácio do Planalto.

A prorrogação do auxílio é inevitável, porque seus dividendos políticos fizeram do governo refém. São favas contadas, talvez em cifras menores, como os R$ 200 ou R$ 300 que Paulo Guedes (Economia) defende e que exigiriam a aprovação do Congresso. Com o libera geral das regras fiscais neste ano em razão da pandemia, não se pode descartar até mesmo a extensão do benefício no valor atual, jogando o gasto de R$ 254 bilhões para R$ 450 bilhões.

O gran finale planejado para o auxílio emergencial, o Renda Brasil, enfrenta dificuldades para ser formatado. O novo Bolsa Família pode beneficiar 26 milhões de pessoas e deve se tornar peça estratégica no marketing da campanha à reeleição, mas encontra no arrocho orçamentário dos próximos anos um entrave. Para bancá-lo, o Planalto precisará buscar receitas (nova CPMF?) e cortar despesas (abono salarial e seguro defeso?) a fim de cumprir os parâmetros fiscais (ou alterar os parâmetros?).

Com o avanço da corrida eleitoral de 2022, a pressão por gastos que opõe a ala econômica a ministros políticos e militares tende a crescer, acirrando a disputa por recursos para programas sociais e obras.

Nas palavras de um influente senador, "Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho". Pitaco despretensioso de Flávio, o 01.


Andrea Jubé: A conquista do Nordeste

Para o senador Ciro Nogueira, Bolsonaro vai tomar o eleitor de Lula

O eleitor nordestino ganhou fama de clientelista, de quem troca voto por benefícios sociais, como o Bolsa Família. Na verdade, entretanto, políticos experientes sabem que o eleitor nordestino é cabra astuto, que cobra explicação de quem de repente muda de lado.

Pois o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que foi aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no Piauí por quase 20 anos, teve de se justificar depois de ciceronear Jair Bolsonaro no périplo nordestino na quinta-feira.

Um dia depois das agendas com Bolsonaro no Piauí e na Bahia, Ciro publicou em sua conta no Twitter: “Há um velho provérbio chinês de muita sabedoria: o sábio pode mudar de opinião. O ignorante, nunca”.

Na postagem mais lúdica, o senador apelou para o cearense Belchior: “Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer. O que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer”.

Com Bolsonaro, Ciro “rejuvenesceu” politicamente mais uma vez, porque antes de se tornar aliado de Lula, integrou os quadros do ex-PFL, hoje DEM, na era Fernando Henrique Cardoso.

O senador, que é presidente nacional do PP, afirmou à coluna não ter dúvidas de que Bolsonaro conquistará o eleitorado de Lula no Nordeste. Quando esgotar o auxílio emergencial de R$ 600 na pandemia, que catapultou a popularidade de Bolsonaro na região, Ciro acredita que o futuro Renda Brasil impedirá a debandada deste novo eleitor, porque será maior que o Bolsa Família, embora inferior aos atuais R$ 600.

O líder do PSD, senador Otto Alencar, que faz política na Bahia há 40 anos, e integra a base de apoio ao PT no Estado, discorda do colega de parlamento.

Os votos da região, que representa quase 27% do eleitorado, decidem eleições. Os nordestinos deram votação recorde ao PT no segundo turno em 2018: 20,2 milhões do total de 47,4 milhões dos votos de Fernando Haddad. No Piauí de Ciro Nogueira, Haddad obteve 77% dos votos válidos.

“Só porque ele montou a cavalo, colocou um chapéu de vaqueiro, e distribui um auxílio que vai acabar ele vai ser o rei do Nordeste?”, questionou Alencar à coluna.

O líder do PSD ainda tripudiou, observando que Bolsonaro colocou o chapéu de vaqueiro, que ganhou do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, ao contrário.

O deputado João Roma (Republicanos-BA), que integrou a comitiva de Bolsonaro na visita a Campo Alegre de Lourdes, na divisa da Bahia com o Piauí, minimizou: “ali no meio da confusão não deu para o presidente vestir o chapéu com tranquilidade”.

Alencar observa que Bolsonaro foi a Campo Alegre de Lourdes inaugurar uma nova etapa de um sistema de abastecimento de água, que o governador Rui Costa, do PT, havia inaugurado há dois anos. Acrescenta que as outras obras que Bolsonaro inaugurou na região - um trecho da Transposição do Rio São Francisco, no Ceará, e o aeroporto de Vitória da Conquista, na Bahia - foram iniciadas nos governos do PT.

Otto Alencar duvida que Bolsonaro expanda sua força eleitoral na região sem o apoio dos governadores, que ataca dia e noite. Mesmo na pandemia, com o fechamento do comércio e das fábricas, a popularidade dos governadores continua alta.

Pesquisas internas do PT mostram o governador Rui Costa com até 80% de aprovação popular em algumas regiões. Contudo, as mesmas sondagens indicam o aumento da popularidade de Bolsonaro no interior, principalmente após o início do pagamento do auxílio.

Os R$ 600, sobretudo em cidades do sertão nordestino, representam uma pequena fortuna nas casas de quem ficava dias sem comer. E embora esta quantia tenha sido definida pelo Congresso, é Bolsonaro quem leva a fama de benfeitor.

Reportagem do Valor mostrou que a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza nunca foi tão baixa em pelo menos 40 anos, desde o começo do pagamento do auxílio em junho, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas.

Otto Alencar rechaça a imagem de clientelismo do eleitor nordestino. “Isso [o auxílio] é pouco diante do que Lula fez na Bahia, como cinco universidades federais, 30 escolas técnicas, dezenas de obras de abastecimento de água no interior, mais de 560 mil ligações elétricas domiciliares no interior”, enumerou. “Essa renda mínima de cinco, seis meses vai apagar isso tudo?”

O deputado João Roma associa o crescimento da popularidade de Bolsonaro na região ao pagamento do auxílio. Mas ponderou que isso virou um “dilema”, porque o governo não poderá arcar com essa quantia por muito tempo. É incerto o destino deste eleitor após o fim do auxílio.

Saia justa
Bolsonaro prometeu viajar pelo país uma vez por semana. Mas a três meses das eleições municipais, em plena pandemia, com a tensão eleitoral à flor da pele, o presidente terá que evitar saias justas como o ocorrido em Campo Alegre de Lourdes.

No município de 30 mil habitantes, o prefeito da oposição (um “comunista”!) impediu uma adversária, filiada ao Republicanos, partido que abrigou o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, de se aproximar do presidente.

O prefeito Doutor Enilson, do PCdoB, candidato à reeleição, barrou o acesso da futura adversária nas urnas, Eurâny Mangueira, à área reservada atrás do palanque, por onde Bolsonaro passaria ao fim do evento para cumprimentar aliados e apoiadores.

O deputado João Roma, correligionário de Eurâny, tentou solucionar o imbróglio, informando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, que o nome dela constava da lista de convidados. Mas para evitar mais barulho, ficou por isso mesmo. E em vez de cumprimentar a aliada, Bolsonaro dividiu o palanque com o “comunista”.

O episódio soa pitoresco, mas ilustra a inabilidade da equipe presidencial. É prudente que não se repita, especialmente em palcos maiores, se Bolsonaro não quiser dois anos antes implodir alianças para 2022.


O Globo: Ala do governo quer ampliar gastos para projetar popularidade de Bolsonaro rumo a 2022

Equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, recebe cobranças de ministros sobre liberação de recursos

Manoel Ventura e Naira Trindade, O Globo

BRASÍLIA - Os caminhos da retomada econômica pós-pandemia de coronavírus e a tentativa de projetar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, já mirando a campanha de 2022, vêm aumentando a pressão no governo pelo aumento dos gastos públicos. Um grupo liderado pelos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) defende que a União gaste mais já a partir deste ano, receita combatida pelo titular da Economia, Paulo Guedes.

As viagens de Bolsonaro ao Piauí, Rio Grande do Sul e à Bahia nos últimos dias são parte da estratégia de aumentar a presença em eventos para celebrar intervenções realizadas pelo governo. Para manter uma agenda extensa e montar uma carteira de obras públicas robusta, no entanto, vai ser necessário gastar mais do que o espaço atualmente reservado no Orçamento para esse objetivo, sob risco de deteriorar a já complicada situação fiscal.

A disputa também passa pelo tamanho do Renda Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família e virou o trunfo de Bolsonaro para conseguir melhorar sua aprovação e se reeleger. As discussões têm se acentuado nas últimas semanas, porque o governo envia este mês ao Congresso a proposta orçamentária de 2021. O pagamento do auxílio emergencial para desempregados e trabalhadores informais prevê cinco parcelas de R$ 600 — quem começou a receber em abril, na primeira leva, receberá a última em agosto.

De acordo com as previsões iniciais da equipe econômica, os valores reservados para os investimentos continuarão em baixa, o que tem irritado integrantes da Esplanada dos Ministérios. O teto de gastos limita o crescimento das despesas federais à inflação do ano anterior. Uma vez que as despesas obrigatórias, como pagamento de salários e aposentadorias, crescem mais que a inflação, o espaço para investimentos tem ficado menor a cada ano.

O racha ficou explícito durante uma reunião em meados de julho, com discussões sobre a possibilidade de gastar cerca de R$ 35 bilhões com obras fora do teto de gastos e além do que já estaria previsto no Orçamento. Para efeito de comparação, a previsão orçamentária do Ministério da Infraestrutura para investimentos e manutenção da máquina em 2021 é de R$ 6,3 bilhões, segundo dados obtidos pelo GLOBO. Já a despesa do Ministério do Desenvolvimento Regional seria de R$ 5,2 bilhões, reservada para obras como de infraestrutura hídrica.

Na sexta-feira, em Bagé (RS), numa sinalização de que concorda com o ministro do Desenvolvimento Regional, Bolsonaro afirmou que, “pelo menos uma vez por semana”, sairá de Brasília para percorrer o país:

— O que eu sempre falei com meu ministro, o Marinho, é não deixar obra parada. Temos problemas de Orçamento? Temos. Estamos tentando arranjar recursos para que as obras sejam concluídas.

Guedes resiste

A possibilidade levada por Marinho ao Palácio do Planalto consistia em empenhar todos os recursos necessários em 2020, porque as regras orçamentárias estão mais frouxas por conta da necessidade de gastar para conter os efeitos da pandemia. Os valores, no entanto, seriam pagos ao longo dos próximos anos. O empenho é a primeira etapa do processo orçamentário, pelo qual o governo garante que vai pagar pelo serviço.

Guedes é contra a ideia. Ele entende que o sinal passado com uma eventual burla ao teto de gastos seria péssimo, com repercussão sobre a situação econômica do país. O ministro argumenta que é mais importante construir regulamentos que permitam a ampliação do capital privado e que os R$ 35 bilhões não seriam suficientes para recuperar a atividade econômica. Na semana passada, a agência de classificação de risco Moody’s alertou que uma eventual elevação do teto prejudicaria a nota do Brasil e levantaria dúvidas sobre a trajetória da dívida.

Sem conseguir costurar um consenso no governo e no Congresso sobre o tema, o ministro do Desenvolvimento tentou convencer o titular da Casa Civil, Walter Braga Netto, a consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) para que a Corte avalizasse o aumento de gastos. Braga Netto tem feito a ponte entre Guedes e a ala favorável a mais gastos.

O desejo pela liberação de mais recursos esbarra também no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Diante desse cenário, ministros do TCU decidiram não se envolver na polêmica. Consultados informalmente, integrantes do tribunal avisaram o governo que qualquer decisão a respeito dependeria de um acordo prévio entre Executivo e Congresso, já que deputados e senadores teriam de aprovar um projeto de remanejamento de recursos.

Atritos constantes

O assunto colocou Guedes e Marinho novamente em lados opostos. Os dois já haviam discordado na criação do Pró-Brasil, programa também com propósito de reduzir os impactos econômicos ao fim da pandemia. À época, Guedes queixou-se com Bolsonaro de que Marinho havia costurado a criação do Pró-Brasil sem a participação da Economia e comparou a iniciativa ao Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) dos governos petistas.

Segundo integrantes do Palácio do Planalto, Braga Netto tem trabalhado para diminuir atritos entre os ministros e conciliar assuntos que provoquem polêmicas. Por isso, a Casa Civil decidiu não fazer a consulta sobre o aumento de gastos ao TCU e agora busca uma nova saída para que o governo possa seguir o plano de Marinho para impulsionar as obras.

A aliados, Guedes também reclama que, por trás do desejo de aumento de gastos, pode estar a pretensão de Marinho de concorrer ao governo do Rio Grande do Norte em 2022. Próximo de Tarcísio de Freitas e também de Ramos, Marinho tem defendido que a reeleição de Bolsonaro depende dessa nova agenda de inaugurações de obras pelo país.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, o comunista

Governo quer tributar 1% mais rico e Bolsa Família gordo; presidente faz comício no Nordeste

Jair Bolsonaro fez caravana pelo Nordeste. Fez um minicomício em São Raimundo Nonato, sul do Piauí, cidade que está no quinto daquelas de menor desenvolvimento humano do país, segundo o ranking da Firjan, mas que muito progrediu nos anos lulistas. Inaugurou uma obra de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, ainda mais pobrinha que sua vizinha piauiense.

De dezembro de 2019 a junho de 2020, o Nordeste foi a única região em que Bolsonaro ganhou algum prestígio, segundo o Datafolha. Quando se trata de renda, apenas entre as famílias que ganham menos de dois salários mínimos o presidente ganhou pontos.

Os economistas de Bolsonaro querem tributar o 1% mais rico do país, embora também desejem uma CPMF, que não pega só a elite, pega 1%, pega geral, imposto especialmente detestado por banqueiros.

Paulo Guedes propôs um tributo que deve aumentar o custo de serviços consumidos pelos mais ricos (escola e saúde privadas, advogados etc.), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços. Seus economistas dizem pelos jornais que querem diminuir as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda (em geral, coisa de ricos).

Querem tributar lucros e dividendos, o que vai mexer com profissionais que são empresas de si mesmo no Simples, entre outros, além de pegar parte do dinheiro que rendem aquelas ações da Bolsa. Querem uma alíquota de IR maior do que 27,5% para “pegar” quem ganha mais de R$ 36 mil (que está no 1%), como disse a esta Folha Guilherme Afif Domingos, assessor de Guedes, como se fora um líder do Occupy Faria Lima.

Guedes quer criar um Bolsa Família ampliado. É verdade que o dinheiro extra do seu Renda Brasil é por ora apenas um catadão de recursos de outros programas sociais. Mas já poderia discutir o assunto com sociólogos de esquerda.

Como todos os governos da esquerda que domina o Brasil faz 30 anos (de acordo com Guedes), Bolsonaro se alia ao PP e suas variantes de ontem, hoje e sempre. Pelo menos desde abril, corre o boato de que alguns de seus generais querem mais obras públicas, intervenção do Estado. O presidente aceitou a contragosto a reforma da Previdência, coitado.

O presidente agora ataca não apenas Sergio Moro, ex-cruzado e trânsfuga do bolsonarismo, mas também a Lava Jato e o lava-jatismo, tal como petistas. Por isso ganhou um “Fora, Bolsonaro” do Vem pra Rua, parte marchadeira da frente que depôs Dilma Rousseff.

Com essa ficha, um Jair qualquer passaria por “comunista” ou “esquerda lixo” nas redes insociáveis da extrema direita. Não é bem o caso, né, mas os planos de gastos e impostos do governo têm interesse político.

A CPMF não vai passar, repete Rodrigo Maia, mas Bolsonaro (e o próprio Maia) vão levar adiante a tributação dos mais ricos? A fim de abrir espaço para um programa de renda básica mais gordo e não mexer no teto, vão confiscar parte dos salários dos servidores federais (além de juízes e procuradores. Militares inclusive?)?

O protesto do 1% (ou dos 10%) vai derrubar parte relevante da reforma tributária? Ou vai ter “reforma na marra” e o Congresso vai pagar o preço de aumentar os impostos da “classe média” (como quase todos os ricos se chamam)?

Como não se trata de um governo normal ou racional, é difícil discutir direito tais assuntos. Mas as realidades da penúria e da sobrevivência político-eleitoral vão fazer Bolsonaro trombar com essas questões. Como dizia a propaganda do Exército, chega um momento em que o jovem tem de escolher a sua carreira.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro tem chance de se reeleger?

Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre deles, terá produzido efeito positivo

Um dos problemas com a democracia é que ela favorece demais candidatos que já ocupam o cargo. A taxa de reeleição numa base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio é da ordem de 80%. Isso significa que nunca se deve desprezar um postulante à reeleição, por mais fraco que ele possa parecer.

Pesquisa recente do Instituto Paraná, que coloca o presidente como favorito à sua própria sucessão, animou as hostes bolsonaristas. Não tenho nenhuma razão para contestar os números do levantamento. Acredito mesmo que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro concorreria com grandes chances. Mas a eleição não é hoje. Será em 2022.

Dois anos em tempos de pandemia são uma eternidade. Nos cinco meses em que o Sars-CoV-2 circula entre nós, já vimos Bolsonaro renegar a bandeira anticorrupção e aliar-se ao centrão. Se há, porém, um fator razoavelmente consistente no que diz respeito a efeitos eleitorais, é a economia, que não vai ajudar o presidente.

Ninguém ainda sabe qual o tamanho do desastre que a pandemia vai provocar, mas é certo que estará entre os piores da história —e não será passageiro. Só por milagre assistiremos a uma recuperação tão intensa que possa servir de cabo eleitoral para o presidente em 2022.

De olho nas urnas, Bolsonaro dá sinais de que vai criar a sua versão do Bolsa Família, que ele tão duramente criticava quando o beneficiário eleitoral do programa era o PT. Em condições normais, poderia funcionar. Mas o Brasil tem hoje pouco espaço nas contas públicas. Se o presidente fizer alguma loucura, a inflação, que é eleitoralmente corrosiva, reaparece.

Alguém já afirmou que mesmo de catástrofes podem emergir coisas boas. Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre de líderes como Trump e Bolsonaro, terá produzido ao menos um efeito positivo.


Afonso Benites: Congresso antecipa debate por sucessão de Maia e Alcolumbre

Articulação pelas eleições das Casas, que só acontecem em fevereiro de 2021, está a todo vapor, sob desafio de manter independência do Governo. Apesar do apoio, deputados centristas estão divididos, à espera dos efeitos da pandemia sobre a popularidade do presidente no próximo ano

Mesmo com sessões à distância por causa da pandemia do novo coronavírus, congressistas brasileiros têm intensificado a discussão para a sucessão dos comandos da Câmara e do Senado Federal. A votação ocorrerá na primeira semana de fevereiro de 2021. A escolha dos presidentes das duas Casas legislativas marcará a segunda metade do Governo Jair Bolsonaro (sem partido), quando se saberá exatamente qual o impacto humano, social e econômico da pandemia do coronavírus que, até lá, terá ultrapassado a marca dos 100.000 óbitos. São as mesas diretoras de Câmara e Senado que definem a pauta de votação dos projetos de lei, das medidas provisórias e das propostas de emendas constitucionais. E é o representante dos deputados quem tem, inclusive, o poder de dar o pontapé inicial em processos de impeachment contra o chefe do Executivo.

Entre os opositores, há quem aposte que uma espécie de “bola de neve” deve ser formada e que acabará pressionando o Governo. Os argumentos dessa corrente é que a economia deve degringolar com uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) de até 9%, e um aumento exponencial do desemprego o que, consequentemente, deve desgatar a popularidade do presidente – hoje oscila entre 25% e 33%, de acordo com o instituto de pesquisa. Com menor apoio popular, o que deve segurar um mandatário no poder deve ser o Legislativo, onde tramitam mais de 40 pedidos de destituição presidencial. Aqui consta apenas o cálculo político, não o jurídico-criminal, onde, no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro enfrenta ao menos mais seis processos que pedem a cassação da chapa que ele compôs com o general Hamilton Mourão (PRTB) na eleição de 2018.PUBLICIDADE

Ciente do risco que corre principalmente na Câmara, Bolsonaro já cedeu espaço em seu Governo ao Centrão, grupo fisiológico de cerca de 200 deputados de centro direita. Além disso, deu mais poder a esse grupo ao destituir sua fiel aliada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do Governo na Câmara após ela votar contra o novo Fundeb e deixar a vaga reservada para um membro do Centrão. Mas o apoio desses parlamentares não é a garantia de terá uma viagem em céu de brigadeiro. A razão: o Centrão está dividido. Uma parte considerável ainda apoia Rodrigo Maia (DEM-RJ) e defende uma maior independência com relação ao Executivo. Maia é o mais longevo presidente da Câmara, tem três mandatos seguidos, sendo um tampão. Ele não pode mais disputar a reeleição, mas a sua bênção a um nome tem certo peso na Casa.

Entre os possíveis nomes na disputa pela Câmara estão ao menos cinco do Centrão, o que reforça essa divisão. Estão no páreo Arthur Lira (Progressistas-AL), Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Marcelo Ramos (PL-AM) e Capitão Augusto (PL-SP). Os três primeiros estariam entre os favoritos do Centrão para a disputa. Os dois últimos buscam deixar seus nomes em evidência para possivelmente concorrerem a outras funções dentro da Mesa Diretora ou para presidente de comissões permanentes, por onde tramitam os projetos de lei antes de chegarem ao plenário. Algo que Ramos refuta. “Não é hora de antecipar a eleição porque a superação dos efeitos sanitários, econômicos e sociais depende de união da Câmara. Antecipar o processo gerará uma divisão que prejudicará o país”.

Um outro possível candidato é da oposição ao Governo Bolsonaro, Alessandro Molon (PSB-RJ). Outro nome cogitado é o de Fábio Ramalho (MDB-MG), que ora circula entre os independentes, ora entre os governistas. Por fora ainda aparece o nome de Baleia Rossi (MDB-SP). O que pesa com relação ao nome de Rossi é o fato de ele ser o presidente do partido e líder da legenda na Câmara, além de uma tentativa dos emedebistas de focar no comando de apenas uma das Casas do Legislativo, o Senado. “Quem muito quer, nada tem. O acordo é costuramos entendimentos com deputados e senadores para conseguirmos retomar o comando do Senado, não o da Câmara”, disse um parlamentar do MDB que participa das negociações.

Rodrigo Maia tem bom relacionamento com todos os concorrentes, mas ainda não deu sua palavra a nenhum porque ainda aguarda os movimentos do bolsonarismo. Uma coisa é certa. Ele não quer Lira por entender que o parlamentar é muito próximo a Bolsonaro – as indicações para cargos no Governo tiveram o seu aval – e porque seria uma versão 2.0 de Eduardo Cunha (MDB-RJ), o ex-presidente da Câmara que recriou o Centrão e acabou preso condenado por corrupção. “Lira é herdeiro do Cunha. É o político do baixo clero que faz de tudo para chegar ao poder”, afirmou um deputado governista. O que pesa a favor dele é que, atualmente, lidera um grupo de nove legendas que, juntas, somam 221 dos 513 parlamentares.

Interlocutores de Maia afirmaram que ele estaria propenso a apoiar Marcos Pereira, um membro da Igreja Universal e representante da bancada evangélica, ou Aguinaldo Ribeiro. A opção Pereira, que é vice-presidente da Câmara, só seria conveniente caso ele demonstrasse independência com relação a Bolsonaro e um descolamento de Lira. Já Ribeiro seria uma espécie de estepe, caso seja possível rachar o Centrão ao meio. Para onde Maia apontar deverá haver um apoio quase automático de um grupo de 106 parlamentares do MDB, DEM, PSDB, Cidadania e PV. As lideranças dessas siglas comprometeram-se a caminhar juntas na disputa pela Câmara.

Senado e o feudo do MDB

No Senado, o cenário deve ter menor influência do Governo, onde ele não tem base e o Centrão tem pouca interferência no plenário. Bolsonaro tenta costurar apoio ao seu atual líder no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Ele, no entanto, enfrentará resistências dentro do próprio MDB, que está empenhado em retomar o comando, mas minimamente descolado do Governo. Desde o fim da ditadura militar, há 35 anos, o Senado só não foi comandado por emedebistas em sete anos, durante duas gestões de Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), um mandato tampão de Tião Viana (PT-AC) e a atual, de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Era quase um feudo do MDB.

Desde 2019, o Senado está sob a batuta de Alcolumbre, que travará uma batalha judicial para disputar a reeleição. A Constituição impede que um presidente de uma das casas do Legislativo dispute a reeleição dentro de uma mesma legislatura. O entendimento até aqui era de que a legislatura se encerrava a cada quatro anos e o mandato de presidentes da Casa é de dois anos. Mas Alcolumbre tentará que o Supremo Tribunal Federal declare que a metade de um mandato de um senador é aos quatro anos, já que o mandato de senadores é de oito anos. E, portanto, poderia disputar a reeleição. A tese encontra resistência dentro do próprio Senado, entre quem o ajudou a acabar com a hegemonia emedebista e derrotar Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019.

Internamente, no MDB, a bancada se decidirá por Eduardo Braga (MDB-AM) ou Simone Tebet (MDB-MS). Ela tem maior simpatia do grupo independente Muda Senado, formado por 21 dos 81 parlamentares, que estuda também a viabilidade de lançar Álvaro Dias (Podemos-PR). O sentimento entre de três dos 13 senadores emedebistas é que Simone une, enquanto qualquer um dos Eduardos, divide.

Por fora, também circula o nome de Antonio Anastasia (PSD-MG), que deixou o PSDB para ter mais apoio no Legislativo. Vice-presidente do Senado e visto como um técnico, Anastasia ainda estuda o terreno para lançar seu nome. Não gostaria, por exemplo, de disputar com Simone, de quem é amigo, ou de não ter o apoio do grupo Muda Senado. Limitada a cerca de 15 senadores, a oposição ao Governo pode lançar um nome apenas para marcar presença na disputa. Em caso de segundo turno, deve apoiar quem menos se identificar com Bolsonaro.


Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para acabar com o confinamento social

Para salvar a Economia e a reeleição

Se tudo sair como deseja o presidente Jair Bolsonaro e admitiu, ontem à noite, em entrevista à Rádio Jovem Pan, será assim: neste domingo, seus devotos promoverão uma jornada nacional de jejum e de orações sob o estímulo e a benção de pastores evangélicos.

E ele, a partir da segunda-feira, poderá a qualquer momento assinar uma Medida Provisória para acabar na prática com o confinamento social decretado por governadores e prefeitos e apoiado por seus principais ministros. Esse é seu plano. Simples.

É fato que o sistema federalista adotado no Brasil concede autonomia administrativa para estados e municípios em áreas como saúde, educação e comércio, o que restringiria a possibilidade de interferência de Bolsonaro. Só que…

Só que Estados e municípios não podem contrariar decreto presidencial que defina como atividades essenciais as que, a juízo de Bolsonaro, devam funcionar. À Justiça, provocada mais tarde, caberá a última palavra. Nesse meio tempo…

Nesse meio tempo boa parte dos brasileiros se sentirá autorizada a voltar a circular, pois o presidente não mandou? O confinamento sofrerá duro abalo. E Bolsonaro terá alcançado seu objetivo. Mas por que, se dependesse dele, jamais teria havido confinamento?

O confinamento enfraquece a Economia, e do sucesso dela depende a reeleição de Bolsonaro em 2022. Não há o que fazer contra o coronavírus, disse Bolsonaro à Jovem Pan. Melhor que o vírus contamine logo cerca de 70% da população, como se estima.

Morrerá muita gente? Morrerá. Morrerão principalmente idosos que já sofrem de outras doenças e estão condenados a morrer mais dia menos dia. Coisas da vida. Tudo passa, passará. Sem eles, a pressão sobre a Previdência será menor. E a Economia, salva.

O The New York Times, o mais importante jornal do mundo, contou que o presidente Donald Trump ouviu de banqueiros e de empresários que deveria permitir que o vírus seguisse seu curso natural, infectando e matando quem tivesse de morrer.

Por isso, até a última sexta-feira, Trump tratou a pandemia como se fosse uma “gripezinha”. Afinal convencido de que estava errado, pediu aos norte-americanos: “Fiquem em casa”. Pediu ajuda à China e à Rússia. E foi à luta. Está perdendo feio a parada.

Bolsonaro também está perdendo feio – no seu caso porque ficou isolado. Isolado dentro do governo, isolado dentro do Congresso, isolado dentro dos tribunais superiores e isolado nas ruas que ficaram vazias. Daí o desespero que não consegue disfarçar.

Quem, em público, ousa lhe dar razão? Apenas os devotos de raiz nas redes sociais e os pastores aflitos com a queda de arrecadação nas suas igrejas, fábricas de dinheiro. Banqueiros e empresários até que lhe dão razão, mas só às escondidas. E em voz baixa.

Bolsonaro virou um pária. Está para a política como o coronavírus está para a Saúde e a Economia – ambos são tóxicos e letais. Na próxima eleição, antes de digitar na urna o nome do seu candidato, lave bem as mãos com álcool gel para votar melhor.


César Felício: Céu de brigadeiro, horizonte distante

Bolsonaro quer ficar só e suas alianças são de curto prazo

Falar de 2022, para o presidente Jair Bolsonaro, é levar a discussão para uma zona de conforto. O presidente hoje - dois anos e oito meses antes do sufrágio - concretamente não tem adversários. A pesquisa divulgada ontem pelo site da revista “Veja”, realizada pela FSB com 2 mil entrevistas por telefone, é mais uma indicação neste sentido. Além de Bolsonaro liderar em todos os cenários em que é incluído, há um tanto de irrealismo em considerar como ameaças seus principais rivais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, benzido pelo papa ou não, é inelegível, pelas normas da Lei da Ficha Limpa. O ministro da Justiça, Sergio Moro, por ora é um candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, não há elementos para se pensar o contrário. O apresentador Luciano Huck é só uma conjectura. Ciro, Haddad e Amoêdo são puro “recall”. E Doria é o último colocado em qualquer cenário testado.

O antibolsonarismo é uma força, basta olhar a rejeição ao presidente, que não é capitalizada por ninguém. Há um vácuo, um posto vazio no cockpit, e Bolsonaro dá suas voltas no circuito. Seu maior inimigo, no momento, é o tempo. Faltam 30 meses e a quantidade de variáveis que podem surgir inviabilizam qualquer projeção de favoritismo. No começo de 2015, mesma antecedência em relação ao pleito futuro que vivemos hoje, também era impossível divisar quem encarnaria o antipetismo.

Bolsonaro deu partida para seu plano de reeleição em 2022 redobrando a aposta na comunicação direta com seu público de estimação, sem se comprometer com nenhuma liderança intermediadora.

Nada mais irônico do que o nome que adotou para o partido que articula, o Aliança pelo Brasil. Não há aliança com ninguém. O partido que se ergue é uma mistura de uma estratégia jurídica e de operação de marketing. Quem encabeça a ação são os advogados Luis Paulo Belmonte, Admar Gonzaga e Karina Kufa, com a ajuda do publicitário Sérgio Lima. Não existem quadros fora da família Bolsonaro. Os integrantes da bancada do PSL que devem migrar para a sigla, como Carla Zambelli (SP), o príncipe Luiz Philippe (SP), Filipe Barros (PR), Carlos Jordy (RJ) e Daniel Silveira (RJ) são fenômenos da internet.

O empresário Paulo Skaf é a mais gritante exceção a este quadro, já que para ele parece reservada a vaga de candidato do bolsonarismo ao governo estadual em São Paulo. É o único aliancista que tem alguma força própria, não necessariamente eleitoral, para agregar ao presidente. No mais, as parcerias são operações de resgate a curto prazo, como a que se desenha agora para a prefeitura da capital. Os aliancistas cortejam o apresentador José Luiz Datena, mas essa é mais uma estratégia para chegar ao jornalista antes que outras forças políticas o façam. Um certo ceticismo permanece sobre a disposição de Datena em se candidatar. O que parece certo é que não interessa aos aliancistas patrocinar ninguém da direita pura e dura na eleição de São Paulo.

Não havendo Datena no horizonte, poderá até haver um pacto sutil entre o bolsonarismo e um nome de centro-esquerda, como o ex-governador Márcio França (PSB). Ele mesmo, o “Márcio Cuba”, como o acusou durante a campanha eleitoral João Doria. As pontes existem. Caso se concretize, será um movimento meramente tático. O que se busca é a derrota de Doria, de um modo que não fortaleça nem o PT, nem apoiadores futuros de Huck.

Um eventual sucesso de França - cenário atualmente pouco provável - seria especialmente amarga para o governador. Na campanha eleitoral de 2018 França foi um opositor público da privatização da Sabesp, a joia da coroa que Doria quer vender ainda em seu mandato. O principal ativo da Sabesp é o serviço de água e esgoto em São Paulo e o resultado da eleição municipal pode atrapalhar esta equação.

Passada a eleição, Bolsonaro se manteria no mesmo lugar em que está hoje, e Doria com suas pretensões seriamente comprometidas. Impedir o antagonista de crescer é a estratégia.

Guedes
Ficou nítido na manhã de ontem que há um descompasso entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Não apenas pareceu ter irritado o presidente o comentário desastroso de Guedes a respeito do suposto acesso que empregadas domésticas tiveram a viagens internacionais com o câmbio mais favorecido no passado, como também há indícios de visões diferentes em relação ao próprio desempenho da moeda brasileira. “Está um pouquinho alto o dólar”, disse o presidente cedo, durante o seu tradicional encontro com jornalistas na porta da Alvorada. Anteontem, em dia que o dólar teve sua quinta alta consecutiva e fechou a R$ 4,35, Guedes afirmou que a moeda americana estar em um patamar alto era “bom pra todo mundo”.

O ministro anda provocando problemas para Bolsonaro, o que não é habitual neste governo, mas não chega a ser inédito. A comparação de servidores públicos a parasitas, na semana passada, gerou um desgaste que ainda não se dissipou. O presidente foi obrigado agora a expor sua divergência com o ministro para dissociar a sua imagem à dele: “Pergunta para quem falou isso”, disse ao repórter que o abordou para repercutir a declaração do ministro na véspera. “Eu respondo pelos meus atos”, concluiu. A Bolsonaro pareceu melhor o risco de comentar sobre tema tão explosivo quanto o câmbio do que perder pontos junto a um eleitorado em que precisa avançar: o de pessoas de renda mais baixa que nos últimos anos tiveram alguma ascensão no padrão de consumo.

Na breve declaração, Bolsonaro frisou que não interfere na política cambial e de juros. Mas a simples menção ao tema já representa uma interferência. É curioso que, ao conversar com jornalistas, Bolsonaro tenha mencionado que “de vez em quando”, conversa com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A instituição financeira anunciou 40 minutos depois desta declaração a venda de 20 mil contratos de swap cambial. O presidente entrou em um terreno perigoso ao comentar sobre o dólar e suas conversas com Campos Neto, mas a ação da autoridade monetária deixou patente que o erro original ao estimular especulações altistas partiu de Guedes na véspera.

*César Felício é editor de Política.


Martin Wolf: Reeleição de Trump é perigo para o mundo

O povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente

De uma só cartada, o presidente dos EUA, Donald Trump, ficou livre. Com a esperada demonstração de partidarismo puro e simples, os republicanos do Senado (com exceção de Mitt Romney) abandonaram seus papéis de juízes constitucionais dos supostos abusos de poder cometidos por ele. Eles transferiram a decisão para os eleitores, nas eleições presidenciais de novembro. Trump terá muitas vantagens: apoiadores fervorosos, um partido unido, o colégio eleitoral e uma economia saudável. Sua reeleição parece provável.

A razão mais óbvia da possível vitória de Trump é a economia. Até mesmo por seus parâmetros, o discurso sobre o Estado da União na semana passada foi um caso de exagero carregado de hipérboles. Conforme observou Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, o desempenho dos EUA parece fraco pelos padrões de outros países em aspectos importantes, especialmente a expectativa de vida, as taxas de emprego e a desigualdade.

Além disso, o PIB, o nível de emprego, o desemprego e os salários reais seguem em grande parte tendências definidas no pós-crise. Dada a escala do estímulo fiscal, que resultou em grandes e persistentes déficits fiscais estruturais, isso não é uma grande realização. Mesmo assim, muitos americanos sentirão que a economia está melhorando. E isso certamente terá um grande papel nas próximas eleições.

Se Trump vencer, a nova vitória poderá ser ainda mais significativa que a primeira. Pois o povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente. Será um momento decisivo.

A implicação mais óbvia da vitória de Trump seria para a democracia liberal nos EUA. O presidente acredita estar fora do alcance da lei e do Congresso em relação ao que faz no cargo. Ele acredita dever explicações apenas para o eleitorado. Ele também acredita que todos os membros nomeados de seu governo, servidores públicos e autoridades eleitas de seu partido, devem lealdade a ele, e não a qualquer causa maior.

Os pais fundadores temiam esse tipo de homem. No primeiro dos Artigos Federalistas, Alexander Hamilton escreveu que “dos homens que subjugaram as liberdades das repúblicas, o maior número começou suas carreiras cortejando o povo de maneira servil; começando como demagogos e terminando como tiranos”. Nisso, ele foi acompanhado por Platão, que escreveu como um homem que assume o poder como protetor do povo pode ser tornar “um lobo - ou seja, um tirano”. Em seu Discurso de Despedida de 1796, George Washington afirmou que “as desordens e o sofrimento resultantes [do sectarismo] gradualmente levam a mente das pessoas a buscar segurança e confiar no poder absoluto de um indivíduo”. E o sectarismo certamente é abundante na América de hoje.

Não temos como saber até onde Trump estará disposto a ir ou até onde as instituições da república permitirão que ele vá. Mesmo assim, será que há algo que Trump poderia fazer, além de perder a lealdade de sua base, que pudesse convencer Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, a se entusiasmar com ele? Não são as instituições que importam mais, e sim as pessoas que as servem.

Mesmo que a grande republica sobreviva em grande parte ilesa ao teste (o que é uma posição otimista), a reeleição desse homem - um demagogo, um nacionalista, um mentiroso contumaz e um admirador de tiranos - terá uma implicação mundial.

Déspotas veem Trump como alma gêmea. Os liberais democratas sentiriam-se ainda mais abandonados. A noção do Ocidente como uma aliança com algumas fundações morais iria se evaporar. Ele passaria a ser, na melhor das hipóteses, um bloco de países ricos tentando manter suas posições globais. Como nacionalista, ele continuaria detestando e desprezando a União Europeia (UE) como um ideal e detentora de um poder econômico de oposição aos EUA.

David Helvey, secretário da Defesa assistente e em exercício dos EUA, recentemente escreveu sobre a hostilidade da China e Rússia à “ordem baseada em regras”. Esse ideal é realmente importante. Infelizmente, seu inimigo mais poderoso é agora o seu próprio país, porque isso sempre dependeu da visão e energia americanas. Com seu mercantilismo e bilateralismo, Trump apontou um míssil intelectual e moral contra o sistema comercial global. Ele até mesmo vê seu próprio país como a maior vítima de sua própria ordem. O problema, então, não está no fato de Trump não acreditar em nada, e sim no fato de que aquilo em que ele acredita está sempre muito errado.

De uma maneira mais ampla, seu transacionalismo e disposição de usar todos os instrumentos imagináveis do poder dos EUA cria um mundo instável e imprevisível não só para os governos, mas também para os negócios. Essa incerteza também poderá piorar num segundo mandato. É uma questão em aberto a sobrevivência de algum tipo de ordem jurídica internacional.

Há grandes desafios práticos que precisam ser administrados. Um deles é a relação complexa e tensa dos EUA com a China. Mas mesmo neste ponto Trump está longe de ser o mais radical dos americanos. Ele tem uma camada de pragmatismo. Gosta de fazer acordos, não importando o quão mal ajambrados eles possam ser.

Talvez a questão mais importante (se não tivermos em conta evitar uma guerra nuclear) seja a gestão dos recursos comuns do planeta - acima de tudo, a atmosfera e os oceanos. Preocupações cruciais são o clima e a biodiversidade. Pouco tempo resta para agir contra as ameaças nos dois casos. Um governo Trump renovado, hostil a essas causas e ao próprio conceito da cooperação global, tornariam impossíveis as ações necessárias. Seu governo parece nem mesmo reconhecer o patrimônio público como uma categoria de desafio digna de preocupação.

Estamos num ponto crítico da história. O mundo precisa de uma liderança global excepcionalmente sábia e cooperativa. Não vamos conseguir isso. Pode ser tolice esperar isso. Mas a reeleição de Trump poderá muito bem representar uma falha decisiva. Preste atenção: o ano de 2020 será importante. (Tradução de Mário Zamarian)

*Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT