reeleição

Marcus André Melo: A pandemia beneficiou os atuais prefeitos e vereadores?

Ao contrário de 2018, a eleição atual não produzirá surpresas

Há nas nossas eleições municipais uma característica singular —que não é exclusividade do nosso país— já investigada a fundo por pesquisadores, conhecida como “desvantagem do incumbente”.

O efeito é contraintuitivo pois o ocupante de um cargo pode utilizar os recursos diversos que dispõe —desde assessores à própria máquina pública— na disputa eleitoral. Isto explicaria as “taxas soviéticas” de reeleição para muitos cargos eletivos: em 2018, na Câmara dos Deputados nos EUA, a taxa de reeleição alcançou 96,7% (e ainda mais alta no nível local).

São múltiplos os fatores que explicariam as desvantagens para os incumbentes: nas democracias novas os que alcançaram o cargo sob o antigo regime gradativamente perdem poder; há muitas necessidades insatisfeitas; os partidos fracos são pouco informativos, convertendo a performance individual dos políticos na principal pista para o voto etc.

Nas eleições municipais deste ano, 3.082 prefeitos tentam a reeleição (55,3% do total), e só podem fazê-lo uma vez. Em 2016, 2.708 tentaram e pouco menos da metade —1.270, ou 46,8%— tiveram sucesso. Para os vereadores o quadro é mais vantajoso: 2/3 lograram reeleger-se.

Neste ano o quadro pode mudar: podemos esperar excepcional vantagem pró ocupantes do cargo. Sim, este é mais um dos efeitos da pandemia.

São várias as razões: o efeito “união de todos contra a emergência” beneficia quem já está no poder; os atuais incumbentes desfrutam de enorme exposição na mídia; lockdowns são obstáculos para os desafiantes; a campanha será mais curta.

Há também fatores negativos: situações de calamidade funcionam como lente de aumento sobre os ocupantes do poder executivo (não vereadores).

A maior vigilância se traduz em maior punição ao mau desempenho e mais premiação ao bom: os resultados dependerão do contexto.

O resultado líquido dessas forças contraditórias será que provavelmente os incumbentes terão mais vantagens que desvantagens, revertendo a tendência contrária.

Há no entanto uma variável nova na atual eleição cujo efeito é difícil de estabelecer: a proibição das coligações proporcionais. Ele já pode ser observado na redução de partidos na disputa eleitoral. O número médio de partidos passou de 14 para 7, como mostrou Guilherme Russo (FGV).

Por outro lado, o número de candidatos aumentou em 10% na média, e muito mais que isso nos municípios grandes, porque agora os partidos têm que alcançar o quociente eleitoral sozinhos, sem coligar-se.

A mudança já produziu também expressiva migração dos pequenos para os grandes partidos. Ao contrário de 2018, trata-se de reacomodação profunda, mas sem rupturas.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).


Rosângela Bittar: Balé de sombras

Alcolumbre está ocupado em tempo integral na montagem das batalhas pela reeleição

De hoje até o dia D da sucessão das presidências da Câmara e do Senado, serão 110 dias, tempo suficiente para correção de rumos.

Na Câmara, está claro o processo da disputa de duas forças políticas. De um lado, o governo. O deputado Arthur Lira torna-se representante do Palácio do Planalto e, se for eleito, transfere o comando da Câmara ao próprio presidente Jair Bolsonaro.

De outro, a Câmara propriamente dita. A entrega da presidência ao controle preferencial dos deputados, o que representaria a continuidade da liderança de Rodrigo Maia. Depois de aparecerem vários favoritos, o candidato do grupo autonomista à presidência, no momento, é Baleia Rossi, do MDB de São Paulo.

Com as bênçãos do atual presidente e alavancado pelo trabalho de aliciamento do ex-presidente Michel Temer. Que, atuando em causa própria, elegeu-se presidente da Casa em três legislaturas. Temer é reconhecido como o maior especialista nestas negociações típicas da atividade parlamentar.

Já a sucessão da presidência do Senado tornou-se um balé de sombras. O atual presidente, senador Davi Alcolumbre, persegue um desfecho do tipo ilegítimo e ilegal.

Alcolumbre voluntariou-se para reeleger-se. Uma decisão pessoal, cuja razão real ainda não emergiu.

Como se o instituto da reeleição, por si só, já não envolvesse tantas dúvidas e clamores por sua extinção, Alcolumbre acrescentou outras transgressões. A começar pela hipótese de exigir uma decisão judicial para viabilizar seu desejo. O presidente do Senado assumiu tal obstinação e paralisou as atividades da Casa.

No último domingo, 11 de outubro, em reportagem no Estadão, Amanda Pupo listou os itens do “paradão” do Senado. Nas votações suspensas ou adiadas estão urgências, como o novo marco legal do mercado de gás, as regras para regulação dos setores ferroviário e elétrico, sem falar das votações em sessões conjuntas do Congresso. Que não avançam porque dependem da atuação do presidente do Senado, ocupado em tempo integral na montagem das suas mirabolantes batalhas pela reeleição.

O silêncio do Senado conta com a conivência da oposição, dos ex-governadores, dos estreantes, dos antigos e de todos. Indiferentes às ações do presidente da Casa, que só age quando se torna premente usar, através da sua, a mão oculta do governo na definição das pautas.

Na verdade, o Senado sempre teve uma tradição de vida serena, em oposição à trepidante Câmara. Ou seja, cada um, ali, faz o que quer, sem ser incomodado. Paz quebrada, em períodos da história, por independentes bons de briga e de discurso, como foram o senador Pedro Simon, por 30 anos, ou, muito remotamente, o legendário senador Teotônio Vilela. Agora, nem isto.

A imobilidade do Senado é estratégica. Os ex-governadores, experientes em composições esdrúxulas nas bases estaduais, tendem a repetir o descompromisso ao assumir o Senado.

E a oposição não tem oportunidade de se exercitar. Como se vê pelo repertório do seu líder, Randolfe Rodrigues. Que se sobressai muito mais nas votações do Supremo do que no próprio Senado. Mais advogado do que senador. Mais demandante judicial que parlamentar em ação.

E, à falta do Centrão, que inexiste no Senado, o governo caça com Alcolumbre. O Senado resolveu se tornar, de fato, uma Casa secundária. Presta-se pouca atenção ao que lá se passa e, sobretudo, ao que não se passa.

O Congresso, de fato, não se renovou. Câmara e Senado seguem como orquestras paralelas. E o velho maestro arranjador de outros tempos, senador Renan Calheiros, acaba de retornar ao posto para reforçar a pretensão de Davi Alcolumbre, que o destituiu e agora se beneficia de seu apoio e renovado fôlego.

Numa composição esperta, que dá a Bolsonaro tempo livre para abandonar-se à obsessão contagiante: a sua própria campanha da reeleição.


Andrea Jubé: Eles só pensam naquilo

Renan Calheiros prega reeleição de Davi pela “estabilidade”

O bordão é da Dona Bela, a “moça intocada” vestida de colegial, que se atirava ao chão com histeria, depois se levantava, embicava os lábios e revirava os olhos com aquele ar de quem comeu e gostou, na Escolinha do Professor Raimundo.

Mas também saiu dos versos do malemolente Genival Lacerda, cantor de “ele tá de olho é na butique dela”. Até hoje, o quase nonagenário paraibano se sacoleja em shows pelo Nordeste, ao som de:“ você só pensa naquilo; você só pensa naquilo; você só pensa naquilo, meu bem; você só pensa naquilo”.

Da turma de Chico Anísio ou do xote nordestino, poucas vezes o bordão da comédia e do forró serviu tanto para definir os bastidores de Brasília como nos últimos dias.

Todos os comensais negam, mas somente uma pauta fazia salivar os participantes da rodada de jantares dos últimos 20 dias em Brasília, nas residências do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), da senadora Kátia Abreu (PP-TO), e do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas: a sucessão na Câmara e no Senado.

Sobrava algum espaço para discutirem a sabatina do desembargador Kássio Marques, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF), e com menos interesse, a vacina da Covid-19. O coronavírus não é mais prioridade para os políticos, que após meses de isolamento, voltaram a Brasília e renunciaram às máscaras nesses encontros gastronômicos para matar a fome de articulação política ao vivo, depois de tanto debate online.

Como consequência desse desinteresse pela pandemia, normalizaram-se as notas oficiais lacônicas, em que o político informa que se infectou, mas passa bem. Nenhum deles menciona uma tomografia de pulmão, um eletrocardiograma, um monitoramento médico diário ou uma discreta perda de olfato ou paladar.

Menos de uma semana após o evento na casa do ministro Bruno Dantas, para reconciliar Maia e Paulo Guedes, dois convidados vieram a público informar que se infectaram, mas passam bem: o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).

Rodrigo Maia, recém curado da covid, estava, teoricamente, com os anticorpos nas alturas. Por isso, não se preocupou em receber a oposição para um jantar um dia após a reunião na casa de Dantas.

Segundo um dos presentes, Maia pediu à oposição apoio a candidatos que estejam comprometidos a “valorizar a instituição”. Nesse rol, citou nominalmente seus aliados: o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), o autor da proposta da reforma tributária e líder do MDB, Baleia Rossi (SP), o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

Para arrepio do líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), principal adversário de Maia na sucessão, o presidente incluiu na lista de candidatos de seu grupo dois nomes do PP: o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PB) e a deputada Margarete Coelho (PI). Aguinaldo é competitivo, mas a cúpula do PP fechou com Lira. A ideia é contemplar Aguinaldo com outro posto. Eventualmente, um ministério no ano que vem.

A referência de Maia a Baleia Rossi embaralha um dos cenários no Senado. Se ao fim, o Supremo proibir o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de disputar a reeleição, o caminho estaria aberto para um emedebista, pela prerrogativa de representar a maior bancada.

Todavia, o Centrão não endossaria o retorno da hegemonia do MDB na cúpula do Legislativo. Uma das leituras é que Baleia sendo contemplado com a eventual aprovação da reforma tributária ao menos na Câmara, Braga teria o caminho livre para tentar o comando do Senado.

Segundo outro participante do jantar na casa de Maia, ele se declarou convencido de que não deve ser candidato, caso a reeleição seja franqueada para os titulares das duas Casas.

A fonte ressalva, entretanto, que Maia não poderia afirmar o contrário em público. Nos bastidores, contudo, a recondução da dupla Maia-Alcolumbre entusiasma o mercado, em nome da estabilidade institucional e da garantia de continuidade das reformas.

Nas conversas reservadas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que ganhou novo protagonismo com a interface com Guedes, tem pregado justamente essa tese. A interlocutores que o ouviram nos três jantares de que participou - dois na casa de Kátia Abreu, um na de Bruno Dantas - o ex-presidente do Senado disse que apoia a reeleição de Alcolumbre em nome da estabilidade institucional e democrática.

Renan argumenta que num cenário em que a democracia esteve por um fio - até os caciques se deixarem levar pela crença de que domesticaram o presidente Jair Bolsonaro - a reeleição de Alcolumbre, um interlocutor reconhecido do Palácio do Planalto, é a garantia de dois anos de harmonia institucional e da defesa das reformas necessárias ao ajuste fiscal.

A coluna apurou que aliados de Alcolumbre fizeram essa tese chegar a ouvidos de ministros do Supremo, que julgarão a legitimidade constitucional de sua eventual reeleição.

Um senador bem informado pondera, entretanto, que apesar do aparente favoritismo de Davi, há três grupos distintos organizados sobre a sucessão na direção da Casa.

O primeiro grupo está comprometido com Alcolumbre, que já dividiu espaços na Mesa Diretora e nas presidências das comissões.

Um segundo grupo, que este senador chama de “ingênuos”, estaria convencido de que o Supremo agirá com responsabilidade para impedir a “aventura constitucional”, de autorizar a reeleição do presidente no meio da legislatura.

O terceiro grupo seria formado por senadores que fazem “jogo duplo”. Fingem que estão com Alcolumbre, tentam iludi-lo desse compromisso, mas dia e noite estão dedicados à procura de um plano B.

Contudo, mesmo este grupo se inclina para Alcolumbre quando bate o receio de que a ausência de um segundo nome competitivo abra caminho para um tertius de espírito intrépido, disposto a aventuras como processar o impeachment de um ministro do STF, ou instalar uma “CPI da Toga”.


César Felício: A longa estrada de Bolsonaro

Bolsonaro precisa crescer nos grandes centros

De Parauapebas, sul do Pará, a São Paulo, são 2.365 quilômetros. Segundo aplicativos, é possível ir de carro, desde que parando apenas em pedágios, em 33 horas, pela BR-153. Viagem dura.

Em Parauapebas o presidente Jair Bolsonaro vive os píncaros da glória. Segundo levantamento desta semana do Ibope, sua administração é avaliada como boa ou ótima por 58% dos entrevistados. É uma aprovação acima da média nacional nesta cidade de 200 mil habitantes, com PIB per capita de quase o dobro da capital paulista, graças aos royalties pagos pela exploração mineral. O chão de Parauapebas é o da Serra de Carajás. Seus moradores dispõem de um shopping center, mas só 17% das residências têm ligação de esgoto.

Em São Paulo, de acordo com o levantamento XP/Ipespe divulgado ontem pelo Valor, a soma de avaliações boa ou ótimo do presidente da República é de 26%, um ponto percentual inferior ao que seu candidato na cidade, Celso Russomanno, obteve.

A candidatura de Russomanno não cumpre apenas o propósito de melar a articulação do governador João Doria de construir uma grande aliança para enfrentar o bolsonarismo em 2022. Ela também recebeu o apoio presidencial porque Bolsonaro precisa melhorar seus percentuais na capital paulista. O presidente não é uma figura popular na cidade, ainda que menos rejeitado que o governador tucano. Na pesquisa Ipespe, 46% dos entrevistados avaliaram Bolsonaro como ruim ou péssimo. Em Parauapebas, foram 16%. A ajuda que Bolsonaro dá a Russomanno e a que recebe dele se equivalem.

Existe um padrão na popularidade presidencial, quando se lê os relatórios de pesquisa e se busca esta informação. Bolsonaro está mal nos grandes centros, sem sombra de dúvida. Ele vai melhor em cidades um pouco menores, não exatamente pobres. Muitas delas ligadas a atividades extrativas ou agropastoris.

Para que não se fique apenas em São Paulo, tome-se como objeto de análise as pesquisas feitas pelo Ibope nos últimos dez dias. A avaliação boa ou ótima de Bolsonaro é de 18% em Salvador, 26% em Porto Alegre, 29% no Recife, 34% no Rio de Janeiro. O ruim e péssimo, nestas cidades, somam, respectivamente, 62%, 50%, 43% e 38%. Nem mesmo em seu domicílio eleitoral Bolsonaro está bem na foto.

Daí se entende a falta de ânimo do presidente em apoiar o seu candidato natural no Rio de Janeiro, que seria o prefeito Marcelo Crivella. Bolsonaro precisa de alguém que agregue para ele entre os cariocas. Não está muito em condição de ajudar.

Bolsonaro faz boa figura em Curitiba, onde consegue 40% de bom e ótimo, ante 34% de ruim e péssimo, resultado bem próximo do padrão nacional. No Sul e Sudeste, é seu melhor resultado nas capitais.

Para superar este patamar, é preciso chegar mais perto de Parauapebas no mapa. O presidente tem avaliação positiva grande em João Pessoa (43%), Goiânia e Palmas (ambas com 44%).

Outra vertente é se aproximar de Parauapebas em porte. Levantamentos em cidades como Santos e Ribeirão Preto, grandes centros do interior, mostram Bolsonaro em posição mais confortável do que nas capitais, mas longe ainda da registrada na cidade paraense.

Para o analista político da XP, Paulo Gama, a hipótese mais provável é que Bolsonaro vive um fenômeno de troca de base, análogo ao que Lula teve em 2006. “Existe um deslocamento claro das fontes de popularidade atuais de Bolsonaro e das que ele tinha em 2018. Dois fenômenos coincidiram e explicam a troca de base: o rompimento dele com a Lava-Jato, que ficou claro com a demissão de Sergio Moro, e a criação do auxílio emergencial. Por isso ele está mais fraco nos grandes centros e mais forte nas cidades menores”, disse.

A sagração de Russomanno como o delfim de Bolsonaro em São Paulo é a mais perfeita tradução do fenômeno. O deputado é forte em um eleitorado muito sensível a promessas de ação direta do governo para o bem estar das pessoas. Ele começou na frente e perdeu embalo em 2012 e 2016 porque PT e PSDB criaram alternativas de peso para competir por esse eleitorado. Fernando Haddad há oito anos e Doria há quatro.

Desta vez, o entusiasmo nesta faixa do eleitorado por Bruno Covas e Jilmar Tatto é bem pequeno. Guilherme Boulos é uma novidade da eleição e surpreende pela solidez de sua largada. De acordo com o Datafolha divulgado ontem, tem 10% na espontânea e 12% na estimulada. Não será fácil para Boulos repetir o mesmo sucesso que obtém na classe média intelectualizada entre os seus vizinhos do empobrecido Campo Limpo. Se for para o segundo turno - a esquerda paulistana ficou em primeiro ou segundo lugar em todas as eleições nos últimos 32 anos - pode ser um presente para Russomanno. Repetiria o cenário eleitoral do Rio em 2016. Russomanno seria o Crivella de São Paulo.

A falta de adversários fortes é um lenitivo para Russomanno. Esta é uma realidade que estaria posta com ou sem a entrada de Bolsonaro no cenário eleitoral paulistano. O perfil de eleitorado de Russomanno é semelhante ao de Bolsonaro hoje. É um eleitor que em alguma vez da vida votou no PT. Há um pouco de Parauapebas nele. Nesta cidade do interior do Pará também aconteceu assim.

Em 2014 Dilma Rousseff teve por lá 45 mil votos no primeiro turno. Quatro anos depois Haddad conseguiu 33 mil. Os tucanos e o eleitorado de Marina foram pulverizados. Somaram 45 mil em 2014 e 3 mil em 2018. Bolsonaro recebeu 60,1 mil votos.

Governadores em baixa

As pesquisas recentes também mostram que a situação está difícil para os governadores nos grandes centros urbanos. Das 11 capitais onde houve levantamento nos últimos dez dias, em seis a reprovação supera com margem larga a aprovação. A pior situação é a de Mauro Carlesse, em Tocantins. Somente 13% dos pesquisados em Palmas avaliam sua administração como boa ou ótima. 44% acham que é ruim e péssima. Dividem o segundo posto em rejeição em sua capital o paulista João Doria (21% de bom e ótimo e 40% de ruim e péssimo) e o pernambucano Paulo Câmara (respectivamente 19% e 40%).

*César Felício é editor de Política


Bruno Boghossian: Bolsonaro busca atalho conservador para eleitor do Nordeste

Parte da retórica do presidente na pauta de costumes tem adesão acima da média na região

No palanque montado em São José do Egito, no sertão pernambucano, Jair Bolsonaro mencionou Deus dez vezes em pouco mais de cinco minutos. Quase no fim do discurso, o presidente pediu que a plateia votasse em “gente que tenha Deus no coração” nas eleições municipais e acrescentou o lema do integralismo: “Deus, Pátria e Família”.

Além de multiplicar sua presença em inaugurações e surfar no auxílio emergencial do coronavírus, Bolsonaro também aposta na retórica conservadora para cristalizar sua popularidade no Nordeste. A pauta de valores pode servir de atalho para o eleitorado da região num momento de incertezas na economia.

Embora tenham produzido efeito limitado na campanha de 2018 por ali, onde Bolsonaro teve votação modesta, alguns itens de sua agenda de costumes têm adesão acima da média na população nordestina.

Uma pesquisa do Datafolha mostrou, no fim daquele ano, que 54% dos entrevistados da região eram contra o aborto em caso de estupro. No Sudeste, o percentual era de 39%.

No ano anterior, o instituto perguntou se uma mulher que interrompesse a gravidez deveria ser processada e ir para a cadeia. No Nordeste, 66% concordaram com a punição, contra 51% no Sudeste.

Diferenças regionais não ocorrem em todos os temas. O percentual de brasileiros que rejeitavam a educação sexual nas escolas em 2018, por exemplo, era similar no Nordeste (43%) e no Sudeste (44%). Ainda assim, o índice era alto o suficiente para reforçar a sensibilidade da agenda.

O apelo à pauta de costumes pode ser útil porque certos pontos embaralham a identificação rotineira com políticos de direita e esquerda. Na pesquisa de 2017, 67% dos entrevistados que diziam apoiar uma candidatura de Lula eram favoráveis à prisão de mulheres que abortassem.

No auge de sua popularidade, aliás, o petista dizia ser contra o aborto, mas defendia sua abordagem como questão de saúde pública. Em 2016, ele repetiu a posição e declarou ser “católico, cristão e até conservador”.


Fernando Exman: A reeleição acima de tudo e de todos

Base aguarda início das nomeações para o primeiro escalão

É perceptível, inclusive para quem vê de fora, quando começa a haver intimidade em um relacionamento. E isso se dá mesmo que a aproximação inicial entre as partes tenha sido conturbada, induzida por costumes ou necessidades momentâneas, e não como um meio de construir uma parceria de longo prazo fundamentada em princípios.

A convivência dá a oportunidade de um lado melhor conhecer as ideias do outro, a forma de agir, os planos. Em público, nem sempre as formalidades são deixadas para trás. Mas, no privado, pretensões individuais abrem espaço para a discussão de projetos comuns, que podem ou não se confirmar no transcorrer do tempo. Eventuais sinais de que o relacionamento se tornará abusivo não tardam a aparecer, para os mais atentos.

O governo Jair Bolsonaro e os partidos aliados vivem um momento assim. Depois de muito desprezar a política, o chefe do Poder Executivo sucumbiu. Percebeu que não teria mais como caminhar sozinho. Ao mesmo tempo, parece querer alguém ao seu lado que aceite se desgastar perante a sociedade em nome de algo maior, o seu governo, assumindo em público responsabilidades naturais do arrimo da família.

O problema do presidente é que a base está acostumada a flertar, lidar com crises e, com frequência, impor sua vontade. Sabe jogar e o vê como mais um político tradicional igual aos seus antecessores. Alguém que também só pensa em sua própria reeleição.

Líderes das siglas aliadas saem das reuniões com o presidente da República e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, convencidos de que o governo trabalha neste momento primordialmente para permanecer no poder. Age em função do próximo pleito.

Não da eleição municipal. Em relação a esta, os presidentes e dirigentes das siglas aliadas não nutrem mais expectativas de que poderão contar com uma ampla ajuda de Bolsonaro. Concluíram que ele não irá se arriscar e vincular sua imagem a candidatos que, depois de eleitos, fatalmente enfrentarão severas dificuldades financeiras e operacionais.

Diante da tragédia provocada pela pandemia, as atuais administrações municipais tiveram uma série de dificuldades para combater o novo coronavírus e prover o atendimento aos infectados. A covid-19 se disseminou pelo Brasil e em muitas cidades os serviços de saúde foram testados ao limite.

Por outro lado, os municípios receberam um volume considerável de recursos do governo central. O auxílio emergencial garantiu a manutenção de diversos negócios locais e ampliou a arrecadação dos entes federados.

Isso não deve se repetir, ao menos nos patamares vistos atualmente, a partir de janeiro de 2021. O futuro dos próximos prefeitos é incerto. Bolsonaro não quer, a princípio, colar sua sorte à deles e depois ser cobrado.

Mesmo assim, tem seus candidatos e analisa a possibilidade de entrar para valer pelo menos nas campanhas de São Paulo, Santos e Manaus. Acha que terá capacidade de influenciar a vitória de aliados e minar o poder de adversários. Isso sem falar na publicação nas redes sociais de um santinho virtual do seu filho Carlos, embora neste caso seja difícil saber se a postagem é obra do presidente ou do próprio vereador que tenta a reeleição e possui franco acesso às senhas do pai.

Essa opção dúbia em relação à eleição municipal não deve criar maiores problemas com a base. O que chama a atenção dos aliados é a mensagem passada, pelo presidente e por seus principais auxiliares, de que a política definitivamente passou à frente da economia na fila de prioridades.

As discussões sobre a reforma administrativa ficaram em segundo plano. O Executivo enviou-a ao Congresso depois de grande relutância do próprio presidente, em razão justamente da impopularidade da iniciativa, e agora tenta se desincumbir da missão de aglutinar esforços para aprová-la. Sua promulgação seria um compromisso da classe política com a redução do tamanho e a modernização do Estado, mas é algo sequer cogitado para este ano.

O mesmo ocorre com as conversas sobre a reforma tributária. Com os líderes, os representantes do governo preferem concentrar o diálogo na necessidade de instituição de uma nova CPMF e, claro, na criação do Renda Cidadã.

A meta do governo é se aproximar de uma parcela da população que jamais esteve com Bolsonaro, transformando cidadãos até então invisíveis aos olhos de Brasília em eleitores de carne e osso na campanha de 2022. “Com o pobre, é dinheiro na veia”, acostumaram-se a ouvir os congressistas aliados em reuniões na Esplanada dos Ministérios e nos palácios presidenciais.

A princípio, o plano não desagrada quem está no barco. Em relação ao teto de gastos, o discurso oficial continuará a ser que não haverá flexibilização da âncora fiscal, mesmo que o uso de recursos do Fundeb para financiar o Renda Cidadã seja apontado como um subterfúgio.

O governo acabou dando uma bandeira à oposição, acanhada e desarticulada desde o início do mandato, na defesa da educação. Em contrapartida, pode deixar para a oposição a inglória missão de defender sozinha o pleno respeito às regras fiscais, tanto no Congresso quanto no Judiciário. No passado, PT e outros partidos de esquerda apelidaram a proposta de emenda constitucional do teto de gastos de “PEC da Morte”, mas agora dependem dela para evitar a expansão do bolsonarismo.

Já a base aceita discutir a criação de um novo imposto sobre transações financeiras depois do pleito municipal. Quer ser municiada pelo governo com informações que possam ajudar a atenuar as resistências da sociedade, mas também espera receber alguns regalos. É grande a expectativa com o início da abertura de negociações para as indicações políticas ao primeiro escalão do governo. Líderes esperam que isso ocorra depois da disputa municipal ou, no máximo, após as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado.


Andrea Jubé: Trio de nomeações turbina passe de Davi

Presidente do Senado concentra nas mãos diversos trunfos para forçar sua reeleição

Os ventos da política sopram a favor do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tenta reeditar a dobradinha velada de 2019 com o Palácio do Planalto para ser reconduzido a novo mandato à frente da instituição, apesar da encruzilhada constitucional.

Um dispositivo da Constituição Federal veda a reeleição para o mesmo cargo da Mesa Diretora, mas Alcolumbre articula com seus pares uma revisão da norma constitucional mediante a singela alteração do regimento interno.

Enquanto essa articulação ganha corpo, como mostrou o Valor na semana passada, as mudanças no tabuleiro político valorizam o passe do presidente do Senado. A atuação de Davi será essencial ao Palácio nos próximos três meses, quando ele presidirá duas votações estratégicas para o governo na Casa: as indicações do presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal e para o Tribunal de Contas da União.
O número sobe para três, se o indicado para o Supremo for um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Na atual conjuntura, após a denúncia do Ministério Público do Rio que transforma em réu o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), junto com Fabrício Queiroz, uma vaga no STJ - colegiado que julgará os recursos dessa ação - torna-se ainda mais estratégica, ou oportuna, do que uma cadeira no Supremo.

Pela proximidade das datas, as atenções voltam-se para o preenchimento da vaga no STF, porque o decano Celso de Mello antecipou a aposentadoria para o próximo dia 13. Dois meses depois, será a vez do presidente do TCU, José Múcio Monteiro, sair de cena.

Um senador influente do Centrão disse à coluna que a indicação do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, para a vaga do TCU em dezembro é pule de dez. Egresso da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com mestrado em combate à corrupção na Espanha, Rosário é próximo de Bolsonaro e dos ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Por sua vez, cotado para o STF, Jorge Oliveira é o coringa de Bolsonaro, a carta que o presidente usará para não errar a jogada. Se Jorge quiser, vai para o STF. Mas se o “timing” político favorecer outra indicação, aguardará a vaga do ministro Marco Aurélio. Em qualquer situação, será o homem da confiança de Bolsonaro no Supremo.

Mas o “timing” agora favorece a abertura de uma vaga no STJ. Além de ser o foro competente para os recursos da ação contra Flávio Bolsonaro, é a instância responsável por julgar os governadores - e a maioria dos mandatários estaduais é considerada adversária pelo presidente.

É nessa conjuntura tão sensível para o jogo político que Davi Alcolumbre, ganha mais protagonismo. Caberá a ele liderar a articulação para viabilizar, junto à senadora Simone Tebet (MDB-MS), a pauta na Comissão de Constituição e Justiça, e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado de Bolsonaro para o STF. O mesmo ocorrerá, se depois houver nomeação para o STJ.

Em dezembro, a pouco mais de um mês para a eleição da Mesa, igualmente caberá a Alcolumbre liderar a articulação para viabilizar a pauta na Comissão de Assuntos Econômicos, junto ao senador Omar Aziz (PSD-AM), e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado para o TCU.

Garantir quórum será um desafio, porque a pandemia continuará intimidando os senadores do grupo de risco, que ainda evitam Brasília. A votação no “drive thru” deverá ser reeditada nesses casos.

Na semana passada, ganhou corpo a articulação pela reeleição de Alcolumbre. O Valor mostrou que ele se reuniu pessoalmente com quase 50 senadores, articulando acordos, divisões de espaços na Mesa e presidência de comissões. Ele tem os apoios de grandes bancadas, como PSD e PP, mas ainda não tem o aval do MDB, maior força da Casa.


Mesmo que reedite o apoio do Planalto e conte com o respaldo de grupos que estavam com Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019, Davi terá de resolver o imbróglio constitucional.

O parágrafo 4.º do artigo 57 da Constituição diz que os mandatos dos membros da Mesa Diretora serão de dois anos, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Para viabilizar pelo menos uma reeleição, Câmara e Senado fizeram interpretações inconstitucionais afirmando que o dirigente poderia ser reconduzido uma vez na eleição entre uma legislatura e outra. Isso consta do Regimento Interno da Câmara e de um parecer da CCJ do Senado de 1998.

O professor José Afonso da Silva, um dos maiores juristas brasileiros, afirma que essa interpretação sobre a reeleição é inconstitucional. “A Constituição quis impedir o exercício continuo do cargo [da Mesa Diretora] por quatro anos”, registrou o constitucionalista.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de carreira, esclarece que a vedação à reeleição é constitucional. Ele afirma que se Alcolumbre reeleger-se baseado em simples alteração do Regimento Interno, o grupo “Muda, Senado” vai propor mandado de segurança contra o ato junto ao STF. “Não dá pra fugir disso”, afirmou. Se o presidente da Corte, Luiz Fux, não pautar a ação do PTB que questiona o fato, a eventual reeleição será questionada adiante.


A ironia de todo esse processo é que a PEC da reeleição (PEC 101/2003), aprovada em comissão especial da Câmara em maio de 2004, que autorizaria expressamente a recondução dos presidentes das Casas para novo mandato, era de autoria do então deputado Benedito de Lira (PP-AL), pai do líder do PP, Arthur Lira (AL), forte candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Se tivesse sido aprovada, a PEC de Benedito de Lira iria sabotar o projeto político de seu filho, Arthur, que 16 anos depois, teria de disputar a sucessão com Maia.


O Estado de S. Paulo: Alcolumbre não tem respaldo para reeleição, diz nota da consultoria do Senado

Interpretação será usada por adversários para reagir à tentativa do parlamentar de ser reconduzido ao comando do Congresso em fevereiro do próximo ano

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Uma análise da Consultoria Legislativa do Senado afirma que a reeleição do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é inconstitucional. A interpretação será usada por adversários para reagir à tentativa do parlamentar de ser reconduzido ao comando do Congresso em fevereiro do próximo ano. 

De acordo com a nota, assinada pelo consultor Arlindo Fernandes de Oliveira, é "inequívoco" que a reeleição é proibida dentro da mesma legislatura, ou seja, sem uma nova eleição para renovação dos mandatos no Legislativo federal. O documento não é uma opinião oficial do Senado, mas serve como subsídio para o posicionamento dos parlamentares sobre o tema. A análise foi feita a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que faz oposição a Alcolumbre no Senado.

"É conhecido o critério adotado tanto pelo Senado Federal quanto pela Câmara dos Deputados para a eleição de suas mesas, e esse critério, embora tenha comportado mudanças, nos trinta anos de vigência da Constituição de 1988 e do regime democrático que ela instituiu, nunca comportou a reeleição dentro de uma mesma legislatura, após o exercício pleno de um mandato", diz a nota do consultor legislativo.  

De acordo com o técnico do Senado, a reeleição do presidente da Casa não encontra respaldo na Constituição nem no regimento interno da Casa. A Carta Magna estabelece que os integrantes das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado serão eleitos para um mandato de dois anos, "vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente". O regimento repete a mesma regra.

Princípios

Além das questões técnicas, a nota da consultoria aponta a renovação no poder como um princípio republicano. O técnico também aponta a necessidade de segurança jurídica nas normas eleitorais para não se alterar a regra no meio do jogo e beneficiar quem está no poder. Mesmo que a Constituição seja alterada para permitir a reeleição, senadores questionam se a mudança poderá valer para 2021 e beneficiar Alcolumbre na disputa.

A nota da consultoria é diferente do posicionamento adotado pelo próprio Senado. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto, a Mesa Diretora da Casa argumentou a legalidade da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. A Corte julgará uma ação que questiona a possibilidade. Alcolumbre tenta aval do tribunal para emplacar sua candidatura.

O relator da ação no STF é o ministro Gilmar Mendes. Na última segunda-feira, 21, ele esteve em um jantar com Alcolumbre na casa da senadora Kátia Abreu (PP-TO), que articula a reeleição do amapaense no Senado. O banquete, nesse caso, foi servido por interessados no julgamento para aquele que vai julgar o caso.

O entendimento de que a reeleição da cúpula do Congresso é assunto que cabe apenas ao Legislativo ganha força entre diferentes alas do Supremo e mobiliza adversários de Alcolumbre. "O único caminho viável para a reeleição do Davi é mudar a Constituição. A esperança de ver o STF rasgar a constituição me parece irreal", afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). "Se o STF lavar as mãos será a maior desmoralização do STF desde o seu surgimento", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

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Merval Pereira: A crise da reeleição

O reconhecimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que a aprovação da reeleição do mandato presidencial “foi um erro” reabriu a discussão sobre o fim desse instrumento, incluído na Constituição em 1997. Projeto de emenda constitucional do deputado Alessandro Molon, do PSB, propõe o fim da reeleição para os Executivos em todos os níveis já a partir de 2022.

Seria uma mudança consensual se o presidente Bolsonaro não tivesse mudado de idéia ao chegar ao Palácio do Planalto. O fim da reeleição foi uma das suas promessas de campanha mais reluzentes, pois indicava que não estava se candidatando por interesse de se perpetuar no poder.

Assim como desistiu do combate à corrupção, ou revela-se menos liberal do que a escolha de Paulo Guedes aparentava, também Bolsonaro mudou de idéia em relação à reeleição e só pensa nisso, antes mesmo de ter terminado seu segundo ano de mandato.

No artigo em que fez o “mea culpa”, Fernando Henrique disse que chegou à conclusão de que o mandato de cinco anos, sem reeleição, seria o ideal, justamente o prazo que a Assembléia Nacional Constituinte estabeleceu. O então presidente General Ernesto Geisel aumentou de cinco para seis anos o mandato de seu sucessor, o General João Figueiredo, e foi para esse mandato que foi eleita a chapa Tancredo Neves/ José Sarney em votação indireta no Colégio Eleitoral em 1985.

Com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte em 1987, Sarney, que assumira a presidência da República com a morte de Tancredo Neves, passou a lutar para manter o mandato de 6 anos, mas teve que abrir mão de um para não ficar com apenas 4 anos, como a oposição queria.

O mandato de 5 anos valeu para Fernando Collor, eleito em 1989, e para Fernando Henrique, eleito em 1994. A emenda constitucional permitindo a reeleição foi apresentada em 1997, e passou a valer para a eleição presidencial de 1998. “Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição”, escreveu o ex-presidente, no artigo intitulado “Reeleição e crises” publicado no Globo.

Ele abordou esse assunto justamente para se referir ao desgaste político que o ministro da Economia Paulo Guedes sofre com a determinação de Bolsonaro se reeleger: “O ministro da Economia, por mais que queira ser racional, terá de fazer a vontade do presidente. Não há o que o faça parar, muito menos um ajuste fiscal, por mais necessário que seja”.

Fernando Henrique admitiu que pode ter sido ingênuo ao imaginar que os presidentes não fariam qualquer coisa para conseguir a reeleição. Ele mesmo recebeu acusações de ter comprado os votos para a reeleição, mas, como os fatos demonstram, nada ficou provado de fato, apenas a denúncia pontual de compras de votos que, segundo o próprio ex-presidente certa vez admitiu, pode ter acontecido por questões políticas locais, não como ação do governo.

De fato, a reeleição era desejada por todos os governadores e prefeitos e, como a eleição demonstrou, também a maioria da população queria, pois Fernando Henrique foi reeleito com 53% dos votos válidos, novamente derrotando Lula no primeiro turno.

A desvalorização do Real logo depois da reeleição, em fevereiro de 1999, porém, fez com que o governo fosse acusado de ter adiado a decisão para não perder a eleição. No caso, no entanto, havia uma crise econômica internacional e falta de consenso interno sobre a solução a ser dada ao câmbio. O governo negociava com o FMI uma ajuda financeira, e a situação política era delicada.

Tanto que, em certo momento, houve receio no gabinete de Fernando Henrique que ele não conseguisse vencer no primeiro turno, o que poderia trazer dificuldades no segundo turno contra Lula. Nos casos de Fernando Henrique e Lula, pode-se dizer que era importante a reeleição para dar sequência a seus projetos, no primeiro caso de combate à inflação e equilíbrio fiscal, no segundo, o programa social.

Mas, para eleger Dilma, o então presidente Lula descontrolou o equilíbrio fiscal, conseguindo um crescimento de 7,5% do PIB, mas, a partir daí, começou a degringolada da economia. Da mesma forma, o presidente Bolsonaro parece disposto a derrubar o teto de gastos para tentar a reeleição.


Eliane Cantanhêde: O preço da reeleição

Para Renda Brasil e Pró-Brasil, tem de atingir aposentados, Educação e Agricultura?

É curioso como o “novo” Renda Brasil repete a novela da “nova” CPMF. O presidente Jair Bolsonaro jura que os dois estão enterrados e não se fala mais nisso, mas, mais dia, menos dia, o ministro Paulo Guedes desenterra a CPMF e o relator do Orçamento no Congresso, senador Marcio Bittar, ressuscita o Renda Brasil, tenham lá que nome tenham as duas “novidades”. E fica tudo no ar. Ou seja: Bolsonaro confunde de propósito, para testar a opinião pública e jogar a responsabilidade no colo alheio.

Essas idas e vindas do presidente ilustram algo que está escancarado, à vista de todos: Bolsonaro parou de fingir que apoia seu Posto Ipiranga incondicionalmente, que encampou o liberalismo e que está governando o País para valer. Caiu a máscara e ele assume o seu verdadeiro eu e a sua candidatura (muito) antecipada à reeleição.

Há, assim, um embate sem solução entre política e economia, eleição e governança, populismo e pragmatismo, gastança e contas públicas, responsabilidade e inconsequência. O resultado é complexo, mas fácil de explicar pela aritmética: as contas precisam fechar. Para gerar despesas, é preciso providenciar receitas. Nunca é simples, mas fica muito mais complicado com pandemia e recessão.

É aí que a porca torce o rabo, porque Bolsonaro exige que o Ministério da Economia garanta despesas que ele considera fundamentais para sua popularidade, hoje, e sua reeleição, amanhã. E Guedes e a equipe esbarram em limitações práticas, técnicas e até políticas para arranjar receitas e sustentar a ambição política do chefe: dinheiro curto, teto de gastos, resistência de ministros e da sociedade.

As opções são questionáveis sob vários ângulos e duplamente prejudiciais às próprias pretensões de Bolsonaro. O cobertor é curto: para ganhar votos com o Renda Brasil, tem de perder com congelamento de pensões e aposentadorias? Para ganhar votos com o Pró-Brasil, tem de perder com cortes em áreas estratégicas como Educação, Cidadania e Agricultura? Para manter votos com isenção das igrejas evangélicas, tem de perder dos tantos que são contra?

Renda Brasil e Pró-Brasil são os carros-chefes da campanha de Bolsonaro. Um é dinheiro na veia do eleitor, mas a opinião pública deu um pulo e Bolsonaro ameaçou a equipe econômica de “cartão vermelho” diante da ideia de congelar por dois anos os reajustes da Previdência para financiar o programa. Tira daqui, põe dali, é soma zero para popularidade e voto.

Já o Pró-Brasil é obra, inauguração, viagem, chapéu de vaqueiro e criança no colo, particularmente no Nordeste, tão populoso quanto oposicionista. Mas, quando o Estadão informa que o dinheiro pode sair da Educação e da Agricultura, não é só a opinião pública que se espanta, são os próprios ministros.

O da Educação, Milton Ribeiro, até agora um fantasma que fala em zumbis, explica que ele não tem culpa se os antecessores – Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, de triste memória – deixaram sobras porque não sabiam o que fazer com o dinheiro. E a da Agricultura, Tereza Cristina, avisou ontem mesmo, no Live Talks A Retomada da Economia, do Estadão, em parceria com a Tendências Consultoria: “Eu sou pequenininha, sou quietinha, mas eu brigo duro”. Bolsonaro sabe disso.

E daí? Chama o Centrão! Se for um sucesso, os louros serão do presidente, como no auxílio emergencial. Se for um desastre, a culpa será do Congresso – e do Supremo, da mídia. Assim, Bolsonaro vai ajustando sua estratégia e as contas públicas para conquistar o voto dos pobres e manter o dos ricos. Com uma carta na manga após jogar fora o liberalismo e o combate à corrupção: Lula. Se algo de 2018 sobrevive para 2022, é: “ou eu ou o PT, o que vocês preferem?”


Luiz Sérgio Henriques: O erro histórico de Fernando Henrique Cardoso

Pode-se divergir, e muito, do político Fernando Henrique, especialmente quando no exercício da presidência viu-se às voltas, como qualquer eleito, com os desafios normais da governança que não poupam ninguém de erros, falhas e fracassos. Dificilmente, porém, se poderá desconsiderá-lo na sua atividade posterior: concluídos os dois mandatos presidenciais, continuaria a ser figura influente sem que insinuasse uma volta extemporânea ao cargo, como se o País dele, e de mais ninguém, dependesse para “se salvar”. Caso raro, pois, de ex-presidente que se impôs como referência, passível obviamente de críticas e observações polêmicas – até mesmo aquelas que o tornaram uma espécie de encarnação do “neoliberalismo” na simplificada, mas eleitoralmente rendosa, versão petista.

Seu artigo “Reeleição e crises” (O Globo/Estadão), publicado na véspera do dia da Independência, mereceu mais do que a habitual atenção. Nele, FHC faz um inédito “mea culpa” sobre a emenda da reeleição, “historicamente um erro”. Reafirma a insuficiência dos mandatos executivos de quatro anos e propõe um mandato único de cinco, sem direito a recondução, possivelmente associado a reformas de outro tipo nos demais mecanismos eleitorais (o voto distritalizado). O pressuposto de fundo está contido na frase: “Imaginar que os presidentes [qualquer presidente, não só Bolsonaro – LSH] não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”. E a expectativa é que, confortados com a duração maior dos mandatos, os mandatários procurariam nela acomodar as pretensões de entrar para a História pátria, diminuindo o empenho demagógico que hoje empregam para obter um segundo termo.

Reformas constitucionais são um tema que nos convida a pensar intensamente sobre nossas relações com os governantes e as instituições. No caso brasileiro, a sucessão de PECs tem um lado inevitável, dado o caráter analítico do texto constitucional. Um defeito fruto do tempo, provavelmente, mas não insanável. Feitas com zelo, longe das armadilhas do casuísmo, podem até ter o condão de aproximar a população do texto magno, fazendo compreender cada vez mais sua relevância na vida de todos. E neste ponto, a nosso ver, reside o pecado de nascença da reforma reeleitoral de 1997, que à época pareceu ter sido feita sob medida para beneficiar o incumbente e espantar o fantasma da candidatura Lula.

Às reformas desse tipo aplica-se o que se diz da mulher de César. Não podem estar a serviço de ninguém nem parecer que estão. Deixando de lado a questão da “compra de votos”, que o ex-presidente repele com serenidade, o fato é que em 1997 agiu-se de modo apressado e insuficiente, o que sempre constitui terreno fértil para hipóteses mais ou menos mal-intencionadas. Fernando Henrique escreve ter tido em mente o que acontece nos Estados Unidos, onde notoriamente o ciclo presidencial bem-sucedido compreende, em princípio, dois mandatos de quatro anos, articulado com mandatos legislativos de dois (para os deputados) e quatro anos (para os senadores). Um ciclo que se repete exitosamente há mais de dois séculos com uma só exceção, a saber, o caso singularíssimo de um grande presidente, F.D. Roosevelt. Colhido pela morte no início do quarto mandato, Roosevelt representou uma mudança na regra não escrita de uma só reeleição, mudança que o legislador expressamente proibiria a partir de uma das raras emendas feitas à Constituição de 1787.

Apressada e insuficiente, a emenda de 1997 esqueceu-se de prever este limite precioso: a impossibilidade de o presidente, cumpridos os dois termos, voltar a candidatar-se para um cargo eletivo, um limite que a nosso ver traz uma contribuição, ainda que não suficiente, para renovar as elites políticas e, muito especialmente, para atenuar as pretensões salvíficas com que se embriagaram, e se embriagam, tantos personagens da nossa História. Repúblicas presidencialistas, como se sabe, inspiram-se em última análise em figuras monárquicas, só que com prazo de validade, mas há quem, no exercício da presidência, julgue-se coroado com mais e maior pompa do que no tempo dos reis…

Um último argumento – o de que incumbentes dilapidam as arcas do Tesouro para obter o segundo mandato – não pode ser descartado sem comentário. Argumento forte, que se baseia na ideia de que nem todos os presidentes se comportam como estadistas; ao contrário, muitos deles têm uma visão medíocre e convencional, mesmo que tenham sido referendados pelas urnas. Um governante medíocre, de fato, sempre será capaz de mudar de rumo e de prosa, contrariar convicções antigas (se é que as tinha de verdade) para renovar o cargo e manter-se no poder. Tudo o mais é instrumental. Seria desta natureza, segundo FHC, a relação entre o atual presidente e o seu ministro da Economia, cujo liberalismo, originalmente rançoso e carunchado, viu-se em seguida atropelado pelos fatos e pelas circunstâncias, limitando-se hoje a viabilizar intenções reeleitorais.

Cabe observar que, na falta daquela cláusula contra as pretensões salvíficas e os respectivos salvadores da pátria, o mesmíssimo assalto ao Tesouro pode acontecer sob mudada aparência. Não custa lembrar que a década perdida – efetivamente perdida – que se inicia em 2011 teve logo antes de si um ano de superaquecimento econômico deliberada e artificialmente induzido, para favorecer não um projeto pessoal de reeleição, mas um mandato-tampão que prepararia – tanto quanto se podia prever à época – o retorno triunfal, em 2014, do “melhor presidente que este país já teve”. Logo, medidas de contenção do uso e abuso do poder de Estado nas conjunturas eleitorais devem ser pensadas em todas as direções, não só naquela indicada pela recandidatura do incumbente.

Depois da mencionada campanha de 2010, arrebentadas as contas fiscais, exaurida a capacidade de coordenação e planejamento público, o que se seguiria é a tragédia que ainda transcorre sob nossos olhos, com o advento de um messias inacreditável, uma economia em frangalhos e uma sociedade atormentada por níveis inéditos de barbárie. Tudo isso condimentado com a possibilidade, aberta pela reforma de 1997, da reiteração de atores, enredos e desfechos no iminente encontro marcado de 2020 e, mais ainda, no de 2022.

*Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta, foi um dos responsáveis pela mais recente edição das “Obras” de A. Gramsci (Civilização Brasileira), em 10 volumes. Preparou, em particular, as Cartas do cárcere. Em colaboração com Giuseppe Vacca, coordenou o livro Gramsci no seu tempo (Fundação Astrojildo Pereira, 2019, em segunda edição).


Elio Gaspari: FHC reconheceu a ruína que criou

Quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmio

Com sete palavras Fernando Henrique Cardoso reconheceu a ruína política que provocou buscando a própria reeleição: “Devo reconhecer que historicamente foi um erro”.

Foi mais que um erro, foi um crime, e ele sabia disso desde a primeira hora, há 25 anos.

Na noite de 11 de julho de 1995, diante do nascimento da manobra da reeleição, FHC disse ao gravador que guardava suas memórias:

“Assunto delicado, acho difícil por causa da cultura política brasileira e não me comprometo a ser candidato. Vejo uma vantagem: a de que assim os outros se assustam e não lançam uma candidatura desde já.”

A cultura política brasileira não tinha nada a ver com isso. Em qualquer país ou clube de futebol e em qualquer época, quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmio. Hoje, FHC diz que “tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos”. OK, mas no seu artigo autocrítico ele diz que “visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a eleição é ingenuidade”. Ingenuidade de quem, Grande Chefe Branco? Depois de ter praticado um ruinoso populismo cambial para ajudar sua reeleição até novembro de 1998, FHC desvalorizou o real em janeiro de 1999.

Fernando Henrique Cardoso governou o país por oito anos. A ele se deve um novo tempo na economia, um padrão de moralidade pessoal e uma tolerância que hoje fazem falta. Seu ruinoso legado político foi a instituição do princípio da reeleição. Ele envenenou presidentes, governadores e prefeitos. Em 1995 FHC chegou a dizer que “não penso nisso, o sacrifício é muito grande”. Pensava, queria, conseguiu, e a conta do sacrifício foi para os outros.

Enquanto o tucanato fabricava o veneno, FHC conseguiu dar a impressão de que estava acima da manobra. Tentando tirar a meia sem tirar o sapato, cortou a proposta de um referendo popular para ratificar a decisão do Congresso. Conseguiu, mas um quarto de século depois deu-se conta de que deixou o sistema político brasileiro de tamancos.

Não se trata de um veneno “visto de hoje”. A República brasileira resistiu a esse veneno. Nenhum presidente tentou receitá-lo, nem os da ditadura. Amparado na popularidade e no tacape do regime, o general Emílio Médici (1969-1974) poderia ter conseguido do Congresso uma prorrogação de seu mandato ou até mesmo o direito de candidatar-se numa eleição direta. Médici humilhou os çábios palacianos que armavam a manobra.

A reeleição de FHC foi a cabeça de um bicho que nasceu em 1994, quando o andar de cima, horrorizado com as pesquisas que davam a Lula 40% das preferências, encurtou o mandato presidencial de cinco para quatro anos. Essa cabeça desmiolada deu oito anos a FHC, 13 ao PT de Lula e Dilma, mais quatro ao ex-capitão Jair Bolsonaro. Que tal oito?

Quando FHC diz que “historicamente” a reeleição foi um erro, embaralha seu legado. Ela era evitada porque sabia-se que era venenosa. Instituída, deu no que deu, e hoje não há vacina contra seus efeitos.

Antes de entrar no Planalto, todos os candidatos dizem que são contra a reeleição. Lula e Bolsonaro diziam, mas mudaram de ideia.