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Folha de S. Paulo: Facebook colocará advertências em conteúdo após boicote de anunciantes

Pressionada, rede social endureceu políticas de regulação; Unilever e outras empresas retiraram anúncios

Pressionado por grupos da sociedade civil e anunciantes, o Facebook anunciou nesta sexta-feira (26) que vai endurecer suas políticas de moderação de conteúdo, colocando advertências em posts que violem as políticas da empresa e proibindo mais tipos de mensagens de ódio em anúncios publicitários.

A plataforma agora suprimirá os anúncios que afirmem que as pessoas de determinados origens, etnias, nacionalidades, gênero, orientação sexual ou status migratório representam uma ameaça para a segurança ou a saúde dos demais, disse seu presidente, Mark Zuckerberg, em uma live.

A maior rede social do mundo tem sido criticada por grupos antirracistas e pressionada a ser mais intransigente com conteúdos de ódio postados em suas plataformas, com boicote por parte de anunciantes importantes.

A campanha "Stop Hate for Profit", iniciada por grupos de direitos civis dos EUA após a morte de George Floyd, pede que o Facebook, dono do Instagram, faça mais para impedir o discurso de ódio.

Mais de 90 empresas decidiram suspender os anúncios na plataforma, entre elas a multinacional de alimentos e cosméticos Unilever, a empresa americana de telecomunicações Verizon, a fabricante de sorvetes Ben & Jerry's e as marcas esportivas Patagonia, North Face e REI.

Zuckerberg falou também da preparação da plataforma para as eleições de novembro nos EUA, prometendo que sua equipe barraria tentativas de manobra para suprimir o voto, particularmente de minorias.

No fim de maio, o Facebook foi criticado por, diferentemente do Twitter, negar-se a moderar mensagens polêmicas do presidente Donald Trump, uma sobre o voto por correio (que ele tratou como fraude eleitoral) e outra sobre as manifestações que vieram após a morte de George Floyd.

O Twitter ocultou os comentários do presidente e reduziu sua circulação potencial, apesar de deixá-los disponíveis para consulta.

O Facebook optou por uma medida no meio do caminho entre eliminar conteúdos e não intervir de nenhuma maneira, que era sua política até agora.

"Os usuários poderão compartilhar este conteúdo para condená-lo (...), mas agregaremos uma advertência para dizer às pessoas que o conteúdo que compartilham pode violar nossas regras”, disse Zuckerberg.

Uma porta-voz do Facebook confirmou que a nova política implicaria em incluir um link com informações eleitorais no post de Trump sobre votos pelo correio.

A Unilever anunciou nesta sexta que interromperá a veiculação de anúncios no Facebook, Instagram e Twitter nos Estados Unidos até o fim do ano, citando o discurso de ódio durante a campanha eleitoral polarizada dos EUA.

As ações de Facebook e Twitter caíam mais de 7% nesta tarde.


Hélio Schwartsman: Liberdade na rede

Pretendo discutir hoje a regulação das redes sociais. O tema ganhou proeminência com o inquérito das “fake news” e a decisão de algumas empresas de apagar ou marcar como duvidosos posts dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump.

As redes sociais não realizaram o sonho de alguns visionários de tornar o mundo um lugar mais democrático e igualitário, mas também não me parece justo atribuir a elas a culpa por todos os males de nosso tempo. Mentiras e polarização são um problema, mas já existiam muito antes da internet. Os computadores apenas amplificaram seu alcance.

Os dilemas com os quais lidamos quando nos propomos a regular as redes não são, portanto, novidade. De um lado, temos a liberdade de expressão, que está no DNA do liberalismo democrático, e, de outro, os danos concretos que inverdades estrategicamente plantadas podem ocasionar, para indivíduos, empresas e para o próprio ambiente institucional.

A grande dificuldade é que não dá para simplesmente delegar a uma repartição pública o poder de decidir o que pode ser dito. Alguns Estados já fizeram isso e o resultado não foi bom. Não precisamos de um Ministério da Verdade. A terceirização dessa responsabilidade para agências de checagem também não funcionaria.

A ideia de tornar as empresas legalmente corresponsáveis pelos conteúdos postados também é complicada. Se a adotássemos, prevaleceriam os advogados, que, para evitar processos, vetariam tudo o que vá além de fotos de gatinhos.

Alternativas menos ruins são a responsabilização “a posteriori” dos autores na Justiça e colocar a pressão da opinião pública sobre as empresas para que elas próprias encontrem soluções. Isso já começou a acontecer e elas estão se mexendo, algumas mais rápido do que outras.

É preferível ver uma empresa privada levantando dúvidas sobre a palavra do presidente a um órgão de Estado calando o candidato da oposição.


Pablo Ortellado: Confusão legislativa sobre mídias sociais

Falta de coordenação entre Câmara e Senado prejudica tramitação e debate de PL que quer regulá-las

Deve ser votada no Senado, ainda nesta semana, uma nova versão do projeto de lei que regulamenta as mídias sociais e os aplicativos de mensagens privadas (um pouco equivocadamente apelidado de 'PL das Fake News').

No momento em que escrevo (tarde da segunda-feira), não conhecemos ainda o texto definitivo que vai para votação na quinta-feira e que já passou por mais de cinco versões diferentes entre as formais e as informais.

A tramitação acelerada do projeto se deve à urgência de enfrentar as campanhas de desinformação nas mídias sociais e no WhatsApp, sejam aquelas relativas a temas políticos, sejam as relativas à crise da Covid-19.

O texto inicial do projeto foi apresentado em conjunto por Tábata Amaral e Felipe Rigoni na Câmara e por Alessandro Vieira no Senado. Na Câmara, o texto foi colocado em consulta pública, passou por análise minuciosa e recebeu propostas da universidade, da sociedade civil e do meio empresarial.

Enquanto o texto recebia colaborações na Câmara, começou a tramitar em paralelo no Senado, com o senador Alessandro Vieira incorporando em múltiplas versões do texto críticas e sugestões. No debate, formou-se um consenso parcial de que o texto não deveria definir desinformação e não deveria regular as agências de verificação e que deveria adotar medidas amplas para promover a transparência das plataformas com respeito a moderação e impulsionamento de conteúdos. Menos consensuais foram as medidas de ampliação dos tipos penais e a introdução da rastreabilidade de conteúdos virais em aplicativos de mensagens.

Quando o texto foi encaminhado para o relator, senador Angelo Coronel, ele foi completamente transformado no começo de junho e apresentado em uma minuta informal com novas propostas que despertaram novas controvérsias (como a exigência de apresentação de documentos para a criação de contas nas mídias sociais e a entrega de dados cadastrais à autoridade policial). O relator acolheu críticas e considerações e apresentou uma nova minuta informal no último fim de semana que apenas começa a ser analisada e discutida.

O texto definitivo, porém, ainda está para ser apresentado e, ou será votado sem tempo suficiente para exame, ou terá sua tramitação mais uma vez suspensa, inclusive com possibilidade de outra versão passar a tramitar na Câmara.

Câmera e Senado precisam urgentemente chegar a um acordo sobre qual vai ser o texto base, dar tempo para que seja devidamente analisado e aperfeiçoado e apresentar uma perspectiva de tramitação que, ainda que acelerada, aconteça sem mudanças bruscas e sem atropelo.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


O Globo: Quem são os jovens recrutados por Carlos Bolsonaro para erguer o aparelho digital do governo

O presidente Jair Bolsonaro sempre creditou o triunfo de sua vitória eleitoral em 2018 à estratégia digital traçada pelo filho “02”, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), nas mídias sociais.

A estrutura que impulsionou um deputado restrito a nichos ao Palácio do Planalto começou a ser montada com a contratação de alguns jovens na casa dos 20 anos, criadores de páginas de paródias e personagens políticos no Facebook — hoje, integrantes do que ex-aliados do governo Bolsonaro classificam como “gabinete de ódio”, o núcleo instalado no Palácio do Planalto que se dedica a atacar adversários nas redes. O recrutamento foi definitivamente selado numa reunião do clã Bolsonaro com alguns desses jovens, no salão de festas do primogênito e hoje senador Flávio, em 11 de março de 2017 — mais de um ano e meio antes da eleição.

Dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro foi o que descobriu primeiro o potencial das redes sociais para a família. Ele está no Twitter desde agosto de 2009. O GLOBO encontrou publicações de Carlos em uma conta pessoal no Facebook desde 2011. E foi por essa rede social que ele encontrou e recrutou dois dos principais assessores do presidente Jair Bolsonaro, ainda em 2013. 

O primeiro foi José Mateus Sales Gomes. Em 10 de abril de 2013, Carlos publicou: “Tô passando mal de rir com a page ‘Bolsonaro Zuero’”. Natural de Caucaia, na Grande Fortaleza, Mateus tinha 21 anos quando caiu nas graças do vereador. De Campina Grande (PB), chamou a atenção do filho do presidente a página “Bolsonaro Opressor”, criada por Tércio Arnaud Thomaz, outro selecionado por Carlos, mas para assessorar o então deputado Jair Bolsonaro. Seis anos depois, Matheus e Tércio têm assento no terceiro andar do Palácio do Planalto.

Os dois foram os precursores de vários outros que Carlos foi descobrindo e trazendo para junto do clã. Agora, na Presidência, também está Mateus Matos Diniz, engenheiro formado há dois anos, ex-aluno de Olavo de Carvalho e a quem Carlos conheceu em 2017.

Religioso, Mateus defende a castidade. Inclusive recomenda em seu Instagram que “todo dia use cinto apertado, para que ele te lembre do seu compromisso”. Também defende que “não existe sexo fora do casamento. O que existe fora é uma tentativa de emular o sexo imitando seus acidentes”.

Bem antes da campanha eleitoral que os levou ao poder central, e à diferença da narrativa de apoio espontâneo nas redes sociais, os Bolsonaros organizaram reuniões com criadores de páginas na internet. O primeiro encontro presencial ocorreu no sábado 11 de março de 2017, no salão de festas do prédio de Flávio, na Barra da Tijuca. O próprio Carlos registrou o momento no Instagram no dia seguinte: “Reunião sábado à noite, com alguns representantes de diversos grupos, com o objetivo de endireitar o Brasil (AM, CE, PE, SP, RJ, MG, PA, PB, PR)”.

Quem esteve na reunião relata que, já pensando na eleição de 2018, a família discutiu a organização da páginas e a criação de grupos no WhatsApp e introduziu a estratégia sobre ataques a adversários. Segundo um dos que participaram da reunião, a produção de memes e ataques era parte da estratégia: obter uma estrutura de comunicação que pudesse ser operada diretamente, de ponta a ponta.Publicação do Carlos Bolsonaro sobre a reunião Publicação do Carlos Bolsonaro sobre a reunião | Reprodução Instagram

O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ), então vereador de Niterói, também esteve na reunião de 2017. “Se hoje a família Bolsonaro tem grande repercussão, muito se deve a esses dois caras: Bolsonaro Zuero (Matheus) e Carteiro Reaça (Gil Diniz)”, escreveu Jordy, ao legendar foto com os dois. Ele nega ter havido discussões sobre ataques deliberados a rivais e diz que foi só um momento de “aproximar os movimentos da família Bolsonaro”.

Marcou presença ainda Guilherme Julian Freire, amigo de Matheus “Zuero” e agora assessor do deputado Hélio Lopes. O deputado Gil Diniz disse que acompanhou Eduardo Bolsonaro porque, na época, era seu assessor:

—Foi mais para unificar a pauta. No outro ano haveria eleição presidencial, e começamos a organizar esses movimentos. Não lembro de memes ou ataques.Quem são os jovens recrutados por Carlos Bolsonaro para erguer o aparelho digital do governo

Sem respostas

Alex Junqueira, ex-assessor de Gil Diniz, afirma, porém, que, quando conheceu o deputado, o trabalho dele para Eduardo Bolsonaro consistia essencialmente na fabricação de memes para atacar adversários. Diniz ficou conhecido pela página “Carteiro Reaça”.

— Eu o conheci em 2018; ele era assessor do Eduardo. Eu era motorista, o Eduardo ia do lado, e o Gil, atrás. Ele (Gil), nessa época, fazia os memes e depois, quando foi deputado, de outubro até março, o que ele sabia fazer era assassinar a reputação dos outros — afirmou Junqueira, que denunciou Diniz por prática de “rachadinha”, tornando públicas conversas do grupo que Diniz mantinha com assessores nas quais este pede conteúdo para atacar adversários como o governador João Doria.

Diniz afirma que Junqueira também publicava as mensagens que “agora chama de ataques” e se tornou seu adversário político. Procurados, o Palácio do Planalto (questionado sobre a função dos assessores), Flávio, Carlos, Eduardo e Helio não responderam.

Juliana Dal Piva


Pablo Ortellado: Chegou a hora de regular as mídias sociais

Conter desinformação exige enfrentar os paradoxos da colisão de direitos e os riscos da regulação estatal

À medida que o problema da desinformação nas mídias sociais se agrava, em meio à pandemia, propostas legislativas apressadas e mal formuladas têm ganhado impulso —inclusive sendo aprovadas em assembleias estaduais.

Por isso, é um alento ver o projeto de lei de regulação das plataformas de mídia social dos deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral. Apesar de imperfeições pontuais, o projeto tem uma abordagem adequada, ampliando a transparência e aperfeiçoando medidas já adotadas.

Assim que foi apresentado, o projeto despertou um apaixonado debate entre plataformas, ativistas dos direitos humanos e empresas de comunicação. Um dos pontos centrais do debate são possíveis ameaças à liberdade de expressão.

Embora as mídias sociais ofereçam um serviço privado, elas se tornaram o meio padrão de comunicação da sociedade, de maneira que é perfeitamente razoável entender que limitar a expressão nesse serviço efetivamente limita a liberdade de expressão.

Mas a liberdade de expressão não é o único direito humano em questão na regulação das plataformas. Outros direitos, como o direito à não discriminação e o direito à vida, têm sido fortemente ameaçados, caracterizando uma colisão de direitos que precisam ser ponderados.

Hoje, as plataformas têm adotado, cada uma à sua maneira, um conjunto de medidas contra a desinformação: reduzem o alcance do conteúdo desinformativo, rotulam quando uma notícia é considerada falsa e, no limite, apagam o conteúdo.

Se quisermos que todas elas sigam um padrão razoável, uniforme, que seja estabelecido pelo poder público e que possa ser supervisionado, precisamos de uma boa lei.

Se vamos regular conteúdo desinformativo, precisamos estabelecer quem verifica o conteúdo, para evitar que agentes incapazes, ou pior, que agentes maliciosos, se coloquem como agência de verificação. E precisamos criar um arsenal e uma gradação de ações, com rotulação, sistema de apelação, apresentação da correção para quem viu o conteúdo desinformativo, impedimento da promoção do conteúdo, redução do alcance e, como último e extremo recurso, a remoção do conteúdo.

Podemos nos deixar paralisar pelos desafios da colisão de direitos ou pelos riscos da regulação estatal. Mas a inação do Legislativo é o império da discricionariedade do poder privado e a certeza de que, muitas vezes, o interesse econômico vai se sobrepor ao interesse público.

Temos uma lei em discussão que é razoável e que encontrou seu momento. Melhor aperfeiçoá-la e aprová-la antes que coisa pior apareça.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Mariliz Pereira Jorge: O que falta para Bolsonaro ser banido das redes?

Redes sociais deletaram posts do presidente por compartilhar desinformação que pode causar danos à população diante da crise da Covid-19

Twitter, Instagram e Facebook apagaram postagens de Jair Bolsonaro, nas quais ele passeia por algumas localidades do Distrito Federal, entra em estabelecimentos, conversa com comerciantes e apoiadores, o que desrespeita todas as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e também do seu próprio ministro.

A justificativa é de que o presidente compartilha desinformação que pode causar danos à população diante da crise da Covid-19.

A iniciativa é bastante significativa. Entre líderes mundiais, apenas o ditador venezuelano Nicolás Maduro sofreu esse tipo de sansão ao indicar uma bebida que poderia ser útil para curar a Covid-19. Mas ainda é pouco.

Em 2016, quando completou dez anos, o passarinho azul havia perdido 30% do seu valor de mercado. Havia apostas de que seu destino era o fim. Adotado pelo então candidato Donald Trump como principal meio de comunicação com seu eleitorado, atitude copiada por outros políticos, como Jair Bolsonaro, o Twitter ganhou fôlego.

Hoje, é lá que o debate público acontece e onde marcam presença, além dos representantes do povo, jornalistas, ativistas, cientistas políticos, entre outras vozes atuantes nas redes sociais.

A questão que ronda a plataforma é que ao deixar as rédeas muito soltas, o Twitter foi conivente com o empobrecimento do diálogo e com a escalada dos discursos de ódio e a perda de controle sobre a disseminação de fake news.

Agora corre contra a própria negligência, também para se defender das críticas que só crescem e devem piorar num momento em que a desinformação ganha potencial destruidor diante da Covid-19.

No ano passado, a empresa cancelou milhares de contas em todo mundo, muitas ligadas a atividades públicas. Hoje, tem respondido a denúncias com cancelamento de contas e, novidade mais do que esperada, resolveu punir personalidades conhecidas por manipular informações, compartilhar notícias falsas, perseguir adversários políticos.

Na semana passada, deu um castigo ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e ao blogueiro bolsonarista Allan dos Santos por terem violado suas regras.

As três contas foram bloqueadas por 12 horas porque a empresa considerou que seus tuítes poderiam “expor as pessoas a risco durante a crise do coronavírus”, conforme informou o Painel.

O YouTube, por exemplo, apagou recentemente um vídeo em que o guru bolsonarista Olavo de Carvalho colocava em dúvida a existência da pandemia de coronavírus.

O Facebook, já no ano passado, deletou uma postagem em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) divulgava nomes e fotos de jornalistas.

Ao que tudo indica, perceberam, ainda que só agora, a necessidade de adotar uma linha mais dura com autoridades que se valem da liberdade de expressão para manipular sua audiência.

Mais grave do que disseminar falsas notícias sobre mamadeira de piroca e ameaça comunista é confundir a população sobre o que precisa ser feito no meio de uma pandemia que pode deixar um rastro de dezenas de milhares de mortos no país.

Nesta segunda (30), Bolsonaro e apoiadores usaram as redes para tirar de contexto uma fala do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, para validar o discurso do presidente, que defende a volta ao trabalho.

Há centenas de postagens nas redes sociais, inclusive de pessoas públicas ligadas ao seu governo, que usam o argumento repetido por ele de que Ghebreyesus segue sua “mesma linha”.

A OMS negou que tenha mudado de direção sobre a necessidade do isolamento e seu diretor teve que ir ao Twitter reforçar a importância de que governos providenciem políticas econômicas para beneficiar a população que está sem renda.

Mas o estrago já está feito. Os bolsonaristas usam o órgão mais importante de saúde do mundo para bancar seus delírios e comprometer os esforços feitos para convencer as pessoas da importância de ficar em casa e de cobrar do governo federal o suporte para atravessar a crise da Covid-19.

O episódio mostra que não adianta apagar posts, congelar contas por algumas horas. Gente com a mesma postura de Bolsonaro e de seus apoiadores deveria ser banida das redes sociais. O que falta para que Twitter, Facebook, YouTube e Instagram cancelem essas contas para sempre?

Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.


Marcelo de Azevedo Granato: Democracia dos cliques

É temerário que eles substituam os políticos, ainda que os políticos assim se substituam

A grande renovação do Congresso nas eleições de 2018 reforçou um modo peculiar de representação política, em que alguns políticos fazem enquetes nas redes sociais para definir seus votos. A ideia parece ser a de dar voz ao cidadão (especificamente ao cidadão que acompanha o político nas redes sociais) no momento da tomada de decisão política. Ou tornar mais direta a democracia representativa, que é indireta, já que nela elegemos representantes que tomam decisões políticas em nosso lugar.

Essa iniciativa suscita a pergunta: se fosse possível a todo cidadão “transmitir seu voto a um cérebro eletrônico sem sair de casa e apenas apertando um botão” (Bobbio), estaríamos dispostos a assumir, no lugar dos políticos, a responsabilidade de decidir sobre questões importantes para o País? Seria bem-vinda essa onipresença da política em nossa vida?

Já há alguns anos a política assumiu um lugar central na sociedade brasileira, tornando-se seu elemento marcante até na forma como nós mesmos enxergamos a nossa sociedade. Daí que, à hipotética pergunta acima, talvez muitos respondam que aceitam assumir, no lugar dos políticos, a decisão sobre o maior número possível de questões importantes do País. Argumentariam, por exemplo, que ninguém melhor do que nós mesmos para definir assuntos que nos dizem respeito: o foco da democracia, afinal, é o autogoverno. Ainda mais diante dos representantes políticos que temos.

Essa seria uma resposta respeitável para um problema real. Mas não nos parece ser essa a melhor resposta. Ou seja, não nos parece que uma hipotética democracia “total” ou mesmo uma democracia das lives e dos cliques seja um remédio para a nossa democracia representativa.

O fato inegável de que a prática política brasileira frequentemente não se orienta pelo interesse da sociedade não será reparado pela simples retirada do poder de decisão das mãos de pessoas incumbidas da identificação, discussão e maior acomodação possível dos interesses nacionais e sua atribuição a todas as pessoas, que não precisam ter outro interesse senão o próprio.

É verdade que os políticos e seus partidos têm sido incapazes, até por desinteresse, de realizar essa identificação, o direcionamento, a conciliação de demandas sociais. Mas entender que a solução para isso está na simples agregação das preferências do maior número possível de pessoas é ignorar que democracia sem paciência, diálogo, compromisso, baseada só na contagem de votos, em “quem ganhou” e “quem perdeu”, é falsa democracia.

Nela é preciso parlamentar, ou seja, “conversar em busca de um acordo” (Houaiss); um acordo que a política meramente aritmética, de pulsão e imposição, não poderá atingir. E assim nossas divisões político-ideológicas – que já contaminam outras esferas da vida social – se perpetuarão, em prejuízo da nossa comunidade.

É temerário, portanto, substituir políticos por cliques, ainda que os próprios políticos assim se substituam, como no caso das enquetes que definem votos. É preciso recordar que o político não é mero porta-voz de seus eleitores; a relação entre eles é de confiança, de modo que o representante político age, sim, em nome dos representados, mas, ao fazê-lo, deve tutelar não só os interesses dos que o elegeram ou de algum grupo, mas os de toda a sociedade.

Daí a verdadeira “gororoba representativa” encenada nas enquetes: de um lado, o político orienta/vincula seu voto ao parecer da maioria de seus seguidores virtuais, talvez vendo aí a expressão de uma opinião pública, que, porém, é a simples soma de cliques mais ou menos informados/refletidos de sujeitos (e robôs?) privados. De outro, é o próprio político que decide quais questões serão tratadas dessa maneira.

A crítica desse estado de coisas não significa adesão a “tudo o que está aí” nem oposição ao envolvimento direto da população em assuntos de interesse público. O que emerge do que está acima é a necessidade de repensar os partidos 1) em sua organização, para que não continuem sendo o playground de suas inamovíveis lideranças nem partidos de um homem só; 2) em seus perfis e ideias para o País, o que dificilmente justificará as mais de 20 agremiações representadas no Congresso; 3) em seu distanciamento dos filiados, proporcional à sua proximidade com profissionais de marketing; 4) em sua seleção de quadros, para que propostas como a de candidaturas avulsas sejam desnecessárias.

Certamente, essas indicações não se farão presentes sem a persistente intervenção dos eleitores, da militância partidária e das instituições, nem serão o remédio para todos os males da nossa democracia representativa, mas constituem, a nosso ver, um projeto mais promissor que o da democracia “total” ou dos cliques. A atitude do bom democrata, disse Bobbio, “é a de não se iludir com o melhor e a de não se resignar com o pior”.

* DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO (ITÁLIA), INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FACAMP


Marcus Pestana: Redes sociais, democracia e a sociedade hiperconectada

Tempos confusos, tempos conturbados, mudança multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas redes sociais.

Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada, exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.

A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a vida em suas dimensões econômica, social e política.

A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.

A internet e as redes sociais propiciaram um enorme aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e controle social sobre os processos de decisão.

Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana, assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O “vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.

Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil, onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de instituições fundamentais.

A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.

O problema não está na ferramenta, um monumental avanço. Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural dos seus usuários.


O Estado de S. Paulo: ‘Assistimos ao renascimento da família imperial’, diz FHC

Ex-presidente considera ‘abusivo’ o uso das redes sociais pelo clã Bolsonaro: ‘Polariza. Isso, para a democracia, não é bom’

Alberto Bombig, de O Estado de S.Paulo

De sapatênis marrom e meia verde-abacate, Fernando Henrique Cardoso recebeu o Estado nesta segunda-feira, 11, no centro de São Paulo, para falar do tema de seu mais recente livro: a juventude. Contou entusiasmado que tem ido caminhar na Avenida Paulista aos domingos, quando a via é fechada para os carros, e disse que tem procurado se adaptar ao modo de pensar das redes sociais, nas quais procura sempre se manter presente. “Eu tenho 87 anos. Quando nasci, a vida era diferente. E daí? Bom não é o passado, é o futuro”, disse o sociólogo e presidente do Brasil por dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002).

FHC queria deixar a política partidária de lado na conversa e se concentrar apenas no lançamento de Legado para a Juventude Brasileira (Editora Record), uma coautoria com a educadora Daniela de Rogatis. Porém, ao abordar as redes sociais, acabou analisando o uso do Twitter pelo presidente Jair Bolsonaro: “É muito difícil pensar ‘tuitonicamente’, você pode, no máximo, emitir um sinal”. Para o ex-presidente, a democracia exige raciocínio e a rede social é operada por impulso.

Questionado diretamente sobre o comportamento de Bolsonaro e de seus filhos (Flávio, Eduardo e Carlos) nas rede sociais, FHC se disse preocupado com o envolvimento da família no “jogo do poder” porque “leva o sentimento demasiado longe” e disparou: “Eu acho perigoso. É abusivo, polariza (...) Nós estamos assistindo ao renascimento de uma família imperial de origem plebeia. É curioso isso. Geralmente, na República, as famílias não têm esse peso”. Segundo ele, “Bolsonaro está indo mal por conta própria”.

Leia a entrevista:

Como surgiu a ideia deste seu mais recente livro?
A ideia foi da Daniela de Rogatis, de fazer um livro que resumisse um pouco o que eu tento passar para as novas gerações. É uma coautoria. Também foram acrescentadas aulas que eu dei, uma coisa é falar, outra é escrever.

Qual é o legado que se pode deixar para a juventude brasileira neste momento?
Procuro transmitir um sentimento de amor ao País, respeito ao povo e valorar a democracia. Fui ministro da Fazenda, conheço um pouco de economia, acho que o crescimento econômico é importante, mas a mensagem principal está nos valores e na crença de se ter organizações abertas em que todos possam participar. Tenho em minha fundação atividades com os jovens. Uma é essa, que se deve basicamente a Dani Rogatis, que tem como alvo jovens de famílias empresariais. Há um outro grupo de pessoas, estudantes de curso secundário, escolas públicas e privadas, escolas profissionalizantes. Eles me perguntam qualquer coisa e eu só não gosto de responder a questões de política partidária, não é o meu objeto fazer pregação. O curioso é que as perguntas dos dois grupos, que são diferentes quanto à renda, não são muito diferentes.

O senhor se atualiza com esses encontros?
Claro, é bom manter contato com as gerações mais jovens, participar das inquietações deles também. Eu tenho 87 anos. Quando nasci a vida era diferente. E daí? Bom não é o passado, é o futuro. Sem desprezar o que já aconteceu.

O livro expressa uma grande preocupação com a ausência de líderes de peso. Por quê?
A sociedade contemporânea, paradoxalmente, na medida em que as estruturas e os partidos deixaram de ser tão significativos, porque o contato direto é mais fácil, requer referências. Essas referências só existem quando existem pessoas que as simbolizam. Isso significa que pode estar faltando rumo, alguém para dizer para onde nós vamos. O (Nelson) Mandela na África era isso. Certa vez fui com ele a uma reunião em uma área quase florestal da África do Sul. Quando ele chegou, mesmo sem falar, ele transmitia uma emoção. O que ele estava dizendo não era tão surpreendente. Ele era surpreendente, ele transmitia, ele significa. O mundo precisa disso, de pessoas que apontem rumos mesmo sem falar. Aqui no Brasil, infelizmente, tem muita gente falando e muito pouca gente simbolizando qualquer coisa. Eu posso não estar de acordo com o Lula, mas ele simbolizou em certo momento. Eu vi, em greves, ele simbolizava, por exemplo.

E na transição de seus mandatos para o dele ambos simbolizaram alguma coisa, não?
Bastante. Eu vou publicar o último volume dos meus Diários da Presidência e você verá como trabalhamos com muito afinco para ter uma transição civilizada. Sabe por quê? Pelo meu amor à democracia. É preciso entender que na democracia mudam os ventos, mas certas regras permanecem e precisam ser valorizadas. No caso do Lula é visível. Ele vinha contra mim, contra o PSDB, mas ele ganhou a eleição. Eu digo a mesma coisa com relação ao Jair Bolsonaro. Ele ganhou a eleição e eu não torço para que ele vá mal. Ele está indo mal por conta própria.

De que maneira o senhor acha que essa comunicação via redes sociais impacta a política?
Primeiro, é difícil o Twitter. Você dizer alguma coisa naquele pouco espaço disponível não é fácil. Em geral as pessoas não dizem quase nada, apenas manifestam o que estão fazendo. Isso passou a ser o modo com que as pessoas acham que pensam. É muito difícil pensar “tuitonicamente”. Você pode, no máximo, emitir um sinal. Nós estamos vivendo uma transformação de uma sociedade na qual as elites eram reflexivas para uma sociedade na qual todos são impulsivos. Isso tem efeito. É bom? É mau? Eu não quero julgar. Como a democracia vai se ajeitar com isso é a grande questão. A democracia requer reflexão, escolhas. O Twitter leva mais ao impulso do que a uma escolha racional, e democracia necessita de algo um pouco racional.

Como o senhor vê a maneira como o presidente Bolsonaro e os filhos dele, que são jovens, usam as redes sociais?
Eu acho perigoso. É abusivo, polariza. O Twitter facilita isso, o nós contra eles. Isso para a democracia não é bom. Os líderes de várias tendências não deveriam entrar nesse choque direto. Nós estamos assistindo ao renascimento de uma família imperial de origem plebeia. É curioso isso. Geralmente, na República, as famílias não têm esse peso. Quando têm, é complicado, porque a instituição política não é a instituição familiar, são coisas diferentes. Quando você tem a instituição familiar assumindo parcelas do jogo de poder, você leva o sentimento demasiado longe. O jogo de poder requer um equilíbrio estratégico, de objetivos e meios para se chegar lá. Quando a pura emoção domina é um perigo, porque você leva ao nós e eles: está do meu lado ou está contra mim?

A preocupação do senhor com a radicalização tem sido grande.
Radicalizar no sentido de ir à raiz da questão, não como oposição. O que é central para um sujeito que não seja do Centrão fisiológico? Para mim, são duas coisas basicamente, a crença na democracia e o sentimento de que é preciso maior igualdade social, isso é o miolo do que é radicalmente centro. Nesse livro, isso reaparece, porque faz parte de treinar a pensar no Brasil. Eu tenho uma preocupação com a concentração de renda e poder, me preocupa também que a diferença entre Nordeste e São Paulo seja muito grande. Você não deve deixar que uma nação se divida. A função do Estado é ter maneira de induzir o crescimento e equalizar as oportunidades. Está muito desigual o Brasil.

O senhor diria que este livro é mais pessimista ou otimista?
A despeito de tudo, é mensagem de otimismo. Eu não posso ser pessimista. Vim para São Paulo em 1940, vi esta cidade crescer e continua crescendo. Tem 18 milhões de habitantes e todos os dias de manhã tem pão, ônibus, luz elétrica. Ainda é precário? Pode até ser, mas o Brasil mudou para melhor, não foi para pior. Para a classe média alta, talvez a vida seja mais dura. Mas quem pertencia a essa classe há 50 anos? Um grupo pequeno. De vez em quando eu vou passear a pé na Avenida Paulista aos domingos, quando ela está fechada para carros. Você vê o pessoal usufruindo a cidade, não tem briga, é só você não ter medo dos outros. Estão desfrutando a vida. Isso não havia. É uma experiência interessante. É gente que mora na periferia e vem para a Paulista, para a Augusta, para o Minhocão aos domingos usufruir democraticamente da cidade.

O conceito de democracia está em risco no Brasil?
Isso me preocupa. A juventude atual é mais bem-nascida do que a anterior. Desfruta de algumas coisas como se elas fossem dadas. Não sei se isso vai gerar solidariedade. Com quem as pessoas se preocupam na Europa? Com os de fora, com os imigrantes. Aqui, não. São os de dentro que não têm. É preciso despertar nos jovens desse grupo a consciência disso, sem fazer demagogia.

Por que a juventude chegou a um momento de descrédito com os partidos e as instituições?
A forma de organização da produção e da vida na sociedade, com a ligação direta na internet, mudou as coisas. Os partidos não se adaptaram. Os candidatos, alguns, sim. As instituições ficaram aquém das pessoas no mundo todo e isso criou a ilusão de que você pode ter a democracia direta.


Eliane Cantanhêde: Legítima defesa

Pessoas, grupos e instituições cansaram de apanhar calados nas redes sociais. E reagem

Um por um, lentamente, os atingidos por fake news e calúnias pela internet começam a reagir. O Estado abriu a fila, depois de uma deturpação grosseira da declaração de uma repórter. Agora, é o próprio Supremo Tribunal Federal que cansou de “apanhar” nas redes e resolveu abrir investigação para identificar os criminosos. É uma postura corajosa, que não é apenas um direito como um dever.

Essa guerra pela internet começou lá atrás com o PT criando um feroz exército virtual para atacar todos e qualquer um que ousassem questionar o partido ou o governo do então presidente Lula. Com o tempo, como fatalmente iria acontecer, essa prática virou corriqueira entre os partidos e veio o efeito bumerangue: de estilingue, o PT passou a ser alvo.

A tropa bolsonarista aprofundou a prática e ganhou adesões pelo país afora. Foi um sucesso na eleição. Está sendo particularmente danoso no exercício do governo, quando é difícil distinguir o que é coisa de malucos agindo por conta própria e o que é movimento articulado e executado sob orientação de gente do próprio governo.

Isso tudo ganha ainda mais peso quando os ataques não são apenas contra a imprensa, contra o Supremo, contra inimigos (reais ou não), mas atingem até o vice-presidente e os militares, genericamente, com mensagens contendo impropérios. O que se pretende com isso?

Não é prudente, nem conveniente, reproduzir aqui as graves agressões disparadas por robôs e multiplicadas por irresponsáveis nas redes contra o STF, pilar da democracia. Seu presidente, Dias Toffoli, justificou a abertura de investigação com “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (...) que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e familiares”.

É razoável supor que, após a reação corajosa do Estado e agora da investigação do Supremo – ambos em legítima defesa –, que outras vítimas se sintam animadas a dar um basta, não importa de onde, de que partidos, de que forças, eles partam. Tudo tem limite. Vamos ver se as fake news também.

Por trás da decisão do Supremo, está também a irritação diante de uma investida crescente contra o tribunal, contra ministros, contra até familiares. Essas coisas são assim: começam daqui, evoluem para ali e, de repente, contaminam a sociedade e ficam fora de controle. Aliás, já atingem o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ninguém lucra com isso, nem o Judiciário, nem o Executivo, nem o Legislativo.

Ninguém está acima da lei, ninguém pode sair por aí fazendo o que bem entende e as autoridades estão sujeitas a fiscalização e a críticas públicas. Mas... de fiscalização e críticas a agressões e mentiras, calúnias e difamação vai uma diferença enorme.

Quem circula na área econômica do governo detecta ânimo, energia, uma sensação de que “agora vai”. A reforma da Previdência vai passar sem problemas na CCJ da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo, os presidentes da Câmara e do Senado jogam um bolão, a sociedade percebe que chegou a hora da reforma. É agora ou nunca. E nunca significa o colapso.

Há ali, também, uma frenética conexão com as outras áreas do governo, como Infraestrutura, Minas e Energia, Agricultura e Justiça, até para preparar o “day after” da reforma: iniciar o regime de capitalização, desindexar o orçamento, destravar investimentos, garantir crescimento (hoje estagnado) do País.

Paulo Guedes, que se articula também com os demais Poderes, prevê e comemora um “círculo virtuoso”, mas guerra pela internet, ataques à mídia e ao STF, manifestações fora de propósito, nada disso ajuda. Não atrapalhem, por favor!


Cora Rónai: Não se amplia a voz dos imbecis

Gente burra e má sempre existiu, mas a sua voz jamais ganhou a dimensão que ganha hoje nas redes sociais

No dia em que faleceu o netinho do ex-presidente Lula, as minhas redes sociais foram tomadas pela comoção — e pela indignação contra pessoas que estariam tripudiando da morte da criança. Vi muitas manifestações de revolta mas, nas minhas redes, não cheguei a ver, naquele momento e em sua forma primária, nenhum post que não fosse de pesar ou de solidariedade.

Tentei encontrar as causas da indignação na sua raiz. Encontrei apenas dois posts com referências diretas ao menino Arthur, escritos por duas usuárias desconhecidas do Facebook, compartilhados milhões de vezes, dando às suas autoras um alcance (e uma notoriedade) que jamais teriam como conseguir nas asas da sua própria maldade; muitos posts questionando a saída de Lula da prisão e discutindo minúcias legais, como se deixar um avô ir ao enterro de um neto fosse um privilégio; e comentários genéricos contra o ex-presidente em publicações dos portais e da imprensa em geral, chocantes porque, no momento de horror indizível da morte de uma criança, tudo o que se espera é solidariedade à família, qualquer que seja essa família.

Em todos os casos, a desumanidade foi amplificada pelos bons sentimentos de quem reagiu a ela: o ódio pegou carona no amor e foi longe. As vastas ondas de solidariedade não repercutiram, é claro, porque reações normais tendem mesmo a não repercutir.

Gente burra e má sempre existiu, mas a sua voz jamais ganhou a dimensão que ganha hoje nas redes sociais.

Millôr costumava dizer que não se amplia a voz dos imbecis -- e ele nem chegou a pegar as redes sociais no seu auge. Na internet a voz dos imbecis repercute ad infinitum, e nós corremos o risco de achar que eles representam a totalidade da população fora dos nossos círculos de amizade: os "outros".

Está aí a receita perfeita para disseminar ódio em vasta escala a partir de sementes que não deveriam em circunstância alguma ser regadas.

Imbecis representam-se apenas a si mesmos, e nós faríamos um bem a todo mundo se pensássemos duas vezes antes de compartilhar as imbecilidades que expressam -- seja em relação à política, seja em relação ao que for.

Leio frequentemente comentários de pessoas desiludidas com a humanidade, achando que nunca fomos tão brutos e maus. Tendo lido um pouco de História, não tenho tanta certeza disso, mas tenho certeza absoluta de que a palavra dos brutos e maus nunca foi tão propagada pelos justos e bons.

Em tempo: o tuite de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e deputado federal, que em 217 caracteres conseguiu expor a abissal falta de empatia, de educação e de humanidade da sua família, é um caso à parte. Saímos aí do maluco da esquina, do troll, do militante hidrófobo que não se deve levar em consideração, e entramos na esfera do governo e da representatividade política.

Besteiras patológicas ditas por políticos devem ser apontadas e publicamente execradas sempre, para que fique claro à população como estão agindo os seus representantes, e o que lhes passa pela cabeça.


Pedro Doria: O governo sabe onde você está

Houve um tempo em que nos era permitido brincar ingenuamente com os memes e testes das redes sociais. Não mais

A onda da semana nas redes é o desafio dos dez anos: publicar, simultaneamente, uma foto da pessoa hoje e em 2009. Houve o tempo em que nos seria permitido brincar com todos os memes e testes das redes sociais ingenuamente. Mas não depois de a Cambridge Analytica usar testes inocentes para mapear o perfil psicológico de eleitores e usar esses resultados para manipular eleições. Desde então, para cada jogo da internet é sempre obrigatório que nos perguntemos: a quem beneficiaria?

Reconhecimento facial funciona a partir de uma forma de inteligência artificial chamada aprendizado de máquina. Jogue muitos dados relacionados para um algoritmo, e o software aprende. Se alguém quisesse, por exemplo, desenvolver um programa para, recebendo retratos de uma pessoa jovem, reconhecê-la mais velha, precisaria justamente de uma grande coleção de fotos de pessoas jovens e, digamos, dez anos depois. Consultora da indústria digital, é esta a bola que Kate O’Neill levantou, terça-feira, na Wired.

O’Neill não afirma que alguém esteja fazendo essa coleção com o objetivo de sofisticar um algoritmo de envelhecimento e reconhecimento facial. Aliás, não há qualquer indício de que alguma companhia do Vale esteja trabalhando nisso. É uma questão de princípios: na internet dos dias de hoje, é bom sempre desconfiar. E calhou que foi justamente na mesma terça-feira que 90 entidades civis escreveram, nos EUA, uma carta aberta a Amazon, Google e Microsoft pedindo que não vendam ao governo tecnologias de reconhecimento facial.

Quantas câmeras existem em nossas cidades? Câmeras de acompanhamento de trânsito, câmeras de segurança em lojas e prédios residenciais, câmeras registrando em vídeo ao vivo o caminhar de milhões de pessoas diariamente. Reconhecimento facial está ficando rápido e de uma precisão incrível. Já é usado ao vivo em situações pontuais — concertos, grandes eventos esportivos. Falta muito pouco para que possa ser usado consistentemente, em tempo real, a toda hora.

E aí é preciso um momento de pausa.

Desaparece uma criança, joga-se o retrato no sistema da polícia, e de presto todas as câmeras da cidade irão procurá-la. Alguém é suspeito de um furto, a polícia pede um mandado ao juiz e vai ao sistema buscar onde que a pessoa estava a tal hora de tal dia.

Não importa o motivo: o Estado teria o poder de acompanhar cada cidadão, qualquer cidadão, a toda hora. Bastaria a assinatura de um juiz de primeira instância ou a decisão espontânea de um burocrata de terceiro escalão com acesso ao sistema.

Tem nome: é um Estado de vigilância.

O maior problema é a Amazon, capaz de reconhecimento facial tanto quanto as outras duas, mas que negocia abertamente com o governo americano. E se parece coisa de ficção científica ou distante no estrangeiro, em julho o SPC lançou um serviço que permite aos lojistas tirarem um retrato de quem pede crédito para compará-lo a um banco de dados que confirma a identidade do sujeito. O banco de dados nasceu com os rostos registrados de 30 milhões de brasileiros.

Organizar um Estado não é coisa simples. Há o eterno conflito entre direitos do indivíduo e da comunidade. O problema do Estado é que, ao lhe conceder imenso poder sobre o todo, é preciso também impor-lhe freios. Tecnologias de vigilância que vêm fácil demais e podem ser exploradas sem regras claras serão abusadas. Porque o abuso é da natureza de quem tem poder. Bicho complicado este, a democracia.

As tecnologias avançam em um ritmo muito mais rápido do que nossas discussões sobre ela. E aqui no Brasil, então, com um governo que gosta de um controle, imagina se ouvem falar.