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Política Democrática: Ativismo das redes sociais se concretizou com eleição de Bolsonaro, diz Guilherme Mendes

Cientista político avalia, em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, que sociedade vive falsa impressão de controle social

Cleomar Almeida

Redes sociais estão sendo usadas nos processos decisórios de maior importância em todo o mundo, como referendos e eleições nacionais. No Brasil, esse ativismo se concretizou em influência política real com a eleição de Jair Bolsonaro. A avaliação é do cientista político, gestor corporativo e líder do Política Simples para Indignados, Guilherme Mendes.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro

Em artigo publicado pela revista Política Democrática online de dezembro, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o cientista político avalia que a sociedade vive uma falsa impressão de controle social a partir da popularização das redes sociais. “Quando a interação entre política, gestão pública e tecnologia está em pauta, a discussão tende a se restringir ao impacto das redes sociais na criação de fatos políticos, verdadeiros ou não, que podem influenciar decisões políticas e processos eleitorais”, escreveu ele.

No entanto, de acordo com o gestor corporativo, as redes sociais, sozinhas, não são capazes de transformar um país. “Será necessário ampliar o tímido debate sobre a capacidade da tecnologia de transformar a forma como fazemos política, desenvolvemos política pública e exercemos o verdadeiro controle social”, disse, para prosseguir: “É cediço que as redes sociais cumprem, durante a última década, preponderante papel no jogo da democracia representativa. Isso é válido tanto para países de idade média jovem, como naqueles de pirâmide etária mais madura”.

No artigo, Mendes observa que, de um lado, as manifestações da Primavera Árabe em mais de dez países (2010), Occupy Wall Street (2011), os protestos do Gezi Park na Turquia (2013) e as Jornadas de Junho no Brasil (2013) possivelmente não tivessem ocorrido senão através de canais alternativos de comunicação. “De outro lado, o ativismo de rede social se concretizou em influência política real através de grupos de esquerda e direita, como é o caso do Movimento Brasil Livre (MBL) e da Mídia Ninja, que possuem audiência consolidada e influenciam milhões de pessoas”, acrescentou.

 

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Pedro Doria: 2018, o ano em que a mentira predominou

A polarização não corresponde à batalha de ideias na sociedade. Não há disputa ideológica entre esquerda e direita. Ou, ao menos, não só.

Tudo fica muito difícil quando o diagnóstico está errado. E, na bagunça que foi este ano de 2018, entre algoritmos, redes sociais, polarização e notícias falsas, vivemos em essência um problema de diagnóstico errado.

Este foi o ano em que a mentira predominou. Não foi só de um lado.

O estado de confusão política no qual nos metemos começa antes das mentiras - começa numa sensação de inimizade que vem da polarização. Polarização falsa, pois não corresponde à batalha de ideias que corre na sociedade. Não há uma disputa ideológica entre esquerda e direita. Ou, ao menos, não só.

A classificação que divide o conjunto de ideias entre esquerda e direita vem de como se sentavam os parlamentares na Convenção Nacional francesa de 1792. É útil, por vezes. Hoje, atrapalha. Porque a disputa em curso se dá não entre dois, mas três grupos. E ao não classificar um destes três, tudo se confunde, tudo se mistura, e da falta de clareza nasce a mentira.

Está em ascensão uma direita conservadora de corte nacionalista. Ela toma emprestado um discurso econômico liberal, mas na verdade desconfia do liberalismo. Não acredita nos mercados livres entre nações, combate iniciativas multilaterais. Se define ‘antiglobalista’. Tampouco acredita na liberdade do indivíduo de tomar decisões a respeito de seu corpo ou vida. É, em essência, antiliberal.

Como é antiliberal a esquerda que ainda enxerga o mundo por lentes criadas nos anos 1930 para resolver problemas de outra crise. Ainda foca na indústria de coisas como se a riqueza, hoje, não fosse conhecimento na forma de software e serviços. Como se a internet não houvesse alterado a estrutura do trabalho, tornando obrigatório que se repense do zero todas as regras.

Conservador, na acepção pura da palavra, no sentido de que pretende manter as coisas como eram, são ambos. E ambos se opõem àquele conjunto de ideias que Bill Clinton, Tony Blair e, por aqui, Fernando Henrique, encamparam, entre erros e acertos, nos anos 1990. À esquerda interessa chamar a direita de liberal. À direita interessa se autoproclamar liberal como rebranding. Mas se nem esquerda, nem direita, defendem o mercado global, quem é que o faz? E quem, afinal, está olhando para o mundo como ele é, com os desafios nada triviais que o digital nos impõe? Não é a guerra comercial de Donald Trump, tampouco a adoração de um pacote de leis da era industrial, que vão dar conta da realidade.

A dicotomia PT contra Bolsonaro faz parecer que ou se está com um, ou com outro, e torna ideologicamente inclassificável um imenso grupo de pessoas. Quando não temos uma palavra para chamar uma coisa, é como se ela não existisse. O roubo do termo liberal pela direita, que muito interessa à esquerda, cala uma voz e implanta confusão. Ninguém se entende, porque diferenças não são percebidas. E quando alguém faz um discurso mais claro, afastando-se de ambos os grupos, logo alguém saca: ‘isentão’.

Isento, não. Diferente. Muito diferente. O sequestro da palavra faz com que grupos que não concordam em quase nada pareçam estar próximos. E desta imensa bagunça, no qual o nome das ideologias é propositalmente confundido, nasce o caldo de cultura em que fake news podem se proliferar.

Temos um problema de má classificação. Há três conjuntos de ideias disputando espaço, os três incompatíveis entre si. A polarização está confundindo o debate, e num debate político confuso nunca se sabe com precisão o que é que cada um pensa.

Quando as ideias não são claras, qualquer notícia falsa tem a chance de colar. Democracia, aquele regime cujo sobrenome é ‘liberal’, só funciona quando o debate é claro. E é da confusão de diagnósticos que nascem soluções irreais, aquele atalho para o autoritarismo.


Carlos Blanco de Morais: Redes sociais vs. media profissional - “Vídeo, mentiras e hate speech”

Se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta 

Na última década criou-se o mito de que a chamada “democracia digital”, tecida pelas redes sociais, iria oxigenar uma democracia representativa em crise. Com as redes teria nascido um universo de opinião influente, novos controlos difusos ao poder político e um diálogo direto entre governantes e governados (Saskia Sassen). A “democracia digital” modernizaria a “democracia deliberativa” de Habermas, legitimando decisão política pelo debate.

No pico de um ciclo de entusiasmo, em que alguém defendeu que o Twitter deveria receber o Nobel, alguns céticos como Evgeny Morozov alertaram para a manipulação das redes por ditaduras ou serviços secretos de grandes potências. Outros, como Vallespin, observaram que sendo numerosas as informações falsas, muitos cidadãos conviveriam bem com essa falsidade para fulminar adversários. Na verdade, a “democracia digital” pouco teria de democrático, sendo antes uma manifestação do pluralismo social e político ampliada por uma tecnologia neutra, sendo possível usar o ciberespaço, tanto para derrubar ditaduras como para permitir a estas perseguir adversários; tanto para denunciar a corrupção como para dessacralizar o poder; e tanto para defender as liberdades como para violar o direito à privacidade.

Em 2016, tudo mudou na “lua de mel” do establishment político e dos media com as redes sociais quando estas migraram das primaveras árabes ou do movimento “Occupy” para a direita populista. Com o impacto das redes no triunfo do “Brexit”, de Trump, de Putin, dos partidos populistas europeus e agora com Bolsonaro no Brasil, deflagrou a pandemia do trollismo (inspirado no troll, um mostrengo das lendas célticas), e que consistiria na queda das redes sociais nas mãos dos que postam notícias falsas e discursos de ódio. Ora a associação do trollismo à direita populista foi feita pelos media do mainstream depois do êxito de Trump e Bolsonaro que, frente a uma media hostil, usaram as redes para comunicarem com os eleitores, sem filtragem jornalística.

O trollismo no ciberespaço ameaça a democracia? Para os media profissionais, o trollismo ameaçaria a democracia porque as redes seriam manipuladas por forças ultraconservadoras para difundir fake news e hate speech (discurso de ódio), substituindo uma comunicação social isenta por uma informação alienante do eleitor. Embora acompanhemos Morozov no seu ceticismo sobre as virtudes das redes, entendemos que o trollismo não tem um único viés ideológico.

As campanhas norte americana e brasileira demonstram que as fake news proliferaram à esquerda e à direita. Se na eleição de 2016 nos EUA eram falsas as notícias sobre a doença grave de Hillary Clinton e a sua substituição por um duplo, também foi falsa a notícia de que apoiantes de Trump teriam gritado num comício “odiamos muçulmanos, odiamos negros, queremos o nosso País de volta em 2018”. Também no Brasil, não havendo dúvida que a direita lançou uma campanha violenta contra o PT nas redes, não é menos verdade que foram desmontadas como falsas as notícias de que partidários de Bolsonaro teriam assassinado um conhecido capoeirista da Baía e gravado uma suástica na pele de uma jovem. Fake news e hate speech não têm marca ideológica exclusiva.

Tão pouco o trollismo põe em causa a democracia. A censura ameaça a democracia porque impede a liberdade de expressão e o acesso à informação, em tempo eleitoral. O trollismo é, ao invés, um abuso censurável dessa liberdade de expressão, que se contraria através da sua denúncia nas redes, nos media e em observatórios e se pune nos tribunais quando incita ao crime. É certo que afeta a qualidade da democracia quando condiciona uma fatia elevada do eleitorado, se bem que tal suceda também com as sondagens eleitorais falhas ou manipuladas (que ninguém põe em xeque já que são usadas pelos media).

Redes vs. imprensa profissional. Os media profissionais generalistas, sem prejuízo de criarem jornais digitais que interagem com redes sociais, contrapõem a estas os seus pergaminhos de liberdade, rigor e isenção. E é um facto que uma sociedade livre supõe uma imprensa profissional, pois esta tem uma maior exigência na filtragem de notícias, na acuidade dos conteúdos e na sua controlabilidade. Mas seria uma fábula erigi-la a guardiã sacra da verdade e da privacidade e isentá-la do pecado do hate speech.

A violação da privacidade e do bom nome é feita quotidianamente em media prestigiados, como a CNN, que dedicou um painel de discussão sobre as partes íntimas de Trump. Isenção, equidistância e rejeição do “discurso de ódio” é algo que também faltou quando a maioria dos media americanos ergueu uma “firewall” contra Trump em plena campanha eleitoral; quando na CNN o Presidente é chamado de racista, animal ou nazi; ou quando o editor do Die Zeit alemão escreveu que para se evitar a catástrofe populista se imporia um assassinato na Casa Branca.

No Brasil, os media largaram uma maré de notícias falsas ou não comprovadas, como as de que Bolsonaro teria ameaçado de morte a ex-mulher; que teria votado no Congresso contra deficientes; e que haveria financiamento ilegal da sua campanha com propaganda massiva, robotizada no WhatsApp.

Há muito que os media profissionais formam consciências. Hoje, são forçados a sobreviver com encargos salariais, oscilações de tiragem ou audiências, concorrendo com as redes, que são veículos informativos incontroláveis e de baixo custo onde muitos cidadãos, bem ou mal, fazem, com um clique, uma escolha da informação do seu agrado, a partir do Facebook ou do WhatsApp. A vitória, para muitos imerecida, de populistas, operada pela comunicação em rede, foi inesperada e amarga, pois significou não apenas a derrota do establishment político, mas também a da media profissional que tenazmente se lhes opôs.

Hoje, os temores reais dos partidos tradicionais e dos media, ante o provável avanço populista nas eleições europeias de 2019, criaram a tentação de restringir a liberdade de expressão nas redes. Só que, em democracia, cada pessoa é livre de aceder às notícias que deseja e no formato que entenda, tanto as fidedignas como as radicalizadas e até disparatadas que os algoritmos indicam ser da sua preferência. Essa liberdade, mesmo que menos esclarecida, não pode ser suprida por um Big Brother, pois terminou o tempo em que os media proclamam: “nós decidimos o conteúdo e vocês lêem.”

É certo que o ciberespaço, pelo seu relevo político e securitário, não pode ser uma “terra sem lei”, devendo haver regulação. Só que é duvidoso que a mesma possa ter como paradigma a Lei Alemã (NetzDG de junho de 2017), que tornou as firmas gestoras das redes, sob pena de pesadas multas, responsáveis pela remoção de conteúdos “ilícitos”, como fake news e hate speech (que passou a ser entendido num sentido perigosamente lato), gerando um sistema de censura indireta, como é o caso do Facebook que contratou um exército de “moderadores”. Ora, se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta.

 


Pedro Doria: O Facebook e os ‘gilets jaunes’

Movimento francês mostra que o impacto do Facebook na política mundial é profundo

O movimento francês dos “gilets jaunes”, coletes amarelos, representa a terrível constatação de que o impacto do Facebook na política mundial não só é profundo como, talvez, insolúvel sem uma reformulação profunda do sistema. Porque o que alimentou a agressividade dos protestos franceses foram justamente as mudanças feitas pela rede social, no início do ano, para impedir manipulação política.

Mudanças que faziam sentido.

A avaliação de executivos e engenheiros do Facebook era de que a rede havia se tornado demasiadamente focada no noticiário e se afastado do objetivo principal, promover encontros entre pessoas. De quebra, porque as notícias compartilhadas eram as de títulos mais exuberantes – ou sensacionalistas –, traziam para dentro da plataforma o fantasma da distorção ideológica, quando não fake news generalizadas.

A solução proposta foi mudar o algoritmo com dois objetivos. O primeiro, priorizar noticiário que fosse local em detrimento do nacional. Mais da sua cidade e do seu bairro. Depois, a turma decidiu promover mais postagens de família, amigos e grupos, incentivando conversas entre pessoas conhecidas, diminuindo o alcance de gente famosa – fossem jornalistas, fossem artistas, ou mesmo marcas.

No papel, tinha toda a lógica do mundo. O software que rege aquilo que nos chega via Facebook calibraria o conteúdo que vemos para nos afastar das armadilhas e ódios da política.

Na França, a prática foi justamente o contrário. Porque, também no início do ano, e esse processo foi detalhadamente reconstruído pelo BuzzFeed News, começavam a pipocar pela rede social, em todo o país, grupos que logo foram apelidados Groupe Colère. Coléricos. Raivosos. Lá, pessoas de cada cidade se encontravam online para reclamar do que não aguentavam mais.

E as mudanças implementadas pelo Facebook fizeram com que esses grupos, por serem iminentemente locais, fossem apresentados a mais e mais pessoas. O algoritmo, literalmente, atiçou um naco da população a se juntar a grupos nos quais a raiva era estimulada. A mudança antipolarização do Facebook provocou os mais violentos protestos em Paris desde 1968.

“Como amplificador e radicalizador da cólera popular”, escreveu o influente jornalista Frederic Filloux, “o Facebook demonstrou seu grau de toxicidade para o processo democrático”. Filloux escreve, em conjunto com o ex-presidente da Apple francesa Jean-Louis Gassée, uma influente newsletter lida em todo o Vale do Silício – Monday Note. Porque estava em Paris, entende política francesa e é respeitado no Vale, seu artigo desta segunda-feira teve imensa repercussão.

Como teve imensa repercussão o pacote de e-mails internos do Facebook tornados públicos, na quarta-feira, pelo Parlamento britânico.

Num deles, um executivo defende o uso de um truque para que o app da rede tire informação sobre ligações feitas em celulares Android. Sua equipe havia descoberto como fazê-lo sem informar ao dono do aparelho. “Pode ser um problema de relações públicas”, diz, mas a informação ajudaria a compreender mais as redes de amizade dos usuários. E essa é informação preciosa para quem faz dinheiro mapeando o comportamento de cada indivíduo.

Noutra mensagem, esta do próprio Mark Zuckerberg, ele é bastante claro: “Pode ser bom para o mundo, mas só é bom para nós se as pessoas estiverem gerando conteúdo dentro do Facebook”.

Tudo certo: é uma empresa privada cujo objetivo é crescer. E dribla uns limites éticos quando necessário. Mas é preciso fazer uma pergunta: “A ira do mundo estaria nas ruas sem o Facebook?”.


Cora Rónai: Tecnologia e ignorância, combinação fatal

O que deve ser combatido é a maneira como as redes são usadas e, sobretudo, as causas que levam ao seu mau uso, como a insegurança e a falta de educação

A matéria mais horripilante que li este fim de semana - em que, como de hábito, não faltaram notícias horripilantes - contava o linchamento de dois homens inocentes num povoado mexicano, depois que boatos espalhados via Facebook e WhatsApp os denunciaram como sequestradores de crianças. Ricardo Flores, de 21 anos, e seu tio Alberto, de 43, haviam ido à cidade para comprar material de construção, e morreram sem saber do que eram acusados.

"Parece que esses criminosos estão envolvidos com o tráfico de órgãos. Nos últimos dias, crianças de quatro, oito e 14 anos desapareceram e algumas foram encontradas mortas com sinais de que seus órgãos foram removidos" dizia, segundo a BBC, uma das mensagens compartilhadas.

Os dois foram agredidos com fúria, seus corpos encharcados em gasolina e incendiados. A foto da reportagem mostra uma multidão diante da fogueira. O que a distingue dos quadros e ilustrações que mostram multidões medievais diante do suplício de feiticeiras são os braços erguidos segurando smartphones e filmando as chamas.

Cenas parecidas aconteceram na Índia diversas vezes este ano, através de incitações semelhantes: crianças sequestradas e mortas, seus órgãos removidos. Foram tantos casos de linchamento que o WhatsApp teve que restringir o número de grupos para os quais mensagens podem ser compartilhadas no país.

É fácil atribuir a culpa pela violência à tecnologia, mas é preciso resistir a essa facilidade. Desde a eleição de Trump, as redes sociais vêm sendo sistematicamente demonizadas. São um bode expiatório conveniente para tudo o que seres pensantes entendem estar errado com a humanidade, de escolhas políticas incompreensíveis a explosões de violência gratuitas.

É verdade que nunca, em momento algum, pessoas mal equipadas intelectualmente tiveram acesso a ferramentas tão poderosas de comunicação; mas essas ferramentas são menos culpadas pelos acontecimentos do que a ignorância dos seus usuários. Propor a sua censura ou a sua pura e simples proibição é bem mais simples do que encarar a realidade -- ou as reais raízes da violência.

Para governos ausentes e populistas, que nunca se preocuparam com a educação ou a segurança da população, é muito conveniente poder apontar para a tecnologia, essa força misteriosa e mal compreendida que, ainda por cima, está nas mãos de meia dúzia de capitalistas bastante vilanizáveis.

Na verdade, estamos diante de um problema para lá de complexo. A beleza do WhatsApp é dar a pessoas comuns, como eu, você e, sim, até os linchadores mexicanos e indianos, uma forma de comunicação rápida, barata, eficiente e segura, com um nível de criptografia imbatível.

Abrir essa criptografia pode ajudar a polícia a solucionar alguns crimes, mas ao custo de tirar de milhões de pessoas em situação vulnerável a possibilidade de manter as suas comunicações em sigilo total. O estrago que um governo mal intencionado pode fazer tendo acesso irrestrito às mensagens da população é incalculável.

O que deve ser combatido não são as redes, mas a forma como são usadas -- e, sobretudo, as causas que levam ao seu mau uso, como a insegurança e a falta de educação. Não é à toa que episódios horrendos como os recentes linchamentos aconteceram em regiões de baixíssimo nível educacional, onde a população desistiu, há tempos, de confiar na polícia.

 


Foto: Beto Barata\PR

Miguel Reale Júnior: No alto das redes sociais

É preciso abrir frentes de interlocução com a sociedade, para não ser um presidente solitário

Na primeira eleição direta depois da ditadura, em 1989, os candidatos dos principais partidos – Ulysses Guimarães, Paulo Maluf, Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Mário Covas – naufragaram. O povo queria o novo. Foram para o segundo turno Collor e Lula. Collor, candidato pelo pequeno PRN, apresentou-se como o caçador de marajás, em luta contra a corrupção do governo Sarney. O populismo prevaleceu sobre a força dos partidos políticos.

De similar com aquela eleição, na deste ano busca-se o novo e há ilusão de que as dificuldades serão superadas pela figura mítica do ungido, sem nenhuma avaliação racional, como crença a pairar longe de qualquer motivo objetivo.

O sentimento antissistema e anti-PT, ao simbolizar esse partido o aparelhamento do Estado, foi um dos fatores determinantes do processo eleitoral deste ano, principalmente nos municípios mais populosos e de maior índice de desenvolvimento humano (IDHs). Entre os mil municípios com maior IDH, Bolsonaro ganhou em 967; nos mil de menor índice, Haddad venceu em 975.

A população que se sentia mais independente da tutela estatal tendeu a votar em favor do novo, ou seja, contra o sistema. Isso repercutiu na eleição de governadores novéis na política, concorrendo por partidos sem expressão. Destaque-se o inexperiente Romeu Zema, na tradicional Minas Gerais, candidato pelo Novo, vencendo o ex-governador Anastasia. Novatos, sem vivência na administração pública, surpreenderam em Estados importantes como Rio de Janeiro e Santa Catarina e no Distrito Federal, bem como em Roraima e Rondônia. Ao lado disso, velhas raposas foram derrotadas: Romero Jucá, Eunício Oliveira, Roberto Requião.

Mas esses resultados não decorreram apenas dos sentimentos de rejeição ao velho e de desejo do novo. Há outro fator essencial para esse processo ter ocorrido e a ser pensado em seus surpreendentes efeitos.

Já se sentira a força das redes sociais no processo político por via das quais se destituíram governos ditatoriais no norte da África. Se no Egito se depusera Mubarak, os movimentos democráticos não conseguiram organizar um governo. A final, fundamentalistas e militares entraram em cena.

No Brasil, as redes sociais mobilizaram imensamente a população em favor do impeachment. Depois, virtualmente, reuniram-se milhões na noite de 29 de novembro de 2016, quando se urdia votar no Congresso o projeto de lei de anistia ao caixa 1 e 2. Em reação, viralizou na internet a hashtag #MaiaNovoCunha, que se tornou trending topic, conseguindo-se impedir a vitória da impunidade.

O presidente da Câmara, ao saber da repercussão nas redes sociais, suspendeu a sessão por falta de quórum. Temer, no domingo seguinte, convocou, com imprensa presente, Maia e Renan para declarar que não haveria projeto de anistia. Em artigo nesta página, escrevi: “Há uma mudança radical ainda não digerida pela classe política. A democracia representativa deve se adequar ao fato de o povo fiscalizar e cobrar o Congresso pelo Twitter, Facebook, Instagram, Telegram, WhatsApp”.

Agora, foi-se mais adiante: a força das redes sociais se fez presente, e contundentemente, numa eleição para presidente e governador. É uma nova democracia, sobre a qual restam ainda muitas perguntas.

Se já não tínhamos partidos políticos, substituídos por frentes parlamentares ou bancadas, com seus líderes processados por corrupção, agora, sim, surgiu um golpe fatal, com uma forma de democracia direta pela via virtual.

Os órgãos intermediários fundamentais numa democracia representativa não mais exercem algum papel. Bolsonaro ganhou a eleição sem partido, sem tempo de televisão, sem deputados, sem Fundo Partidário, sem governadores do seu partido, sem programa de governo discutido com a sociedade. Apenas pregou monossilabicamente alguns princípios conservadores. Por outro lado, sindicatos, órgãos de classe, entidades associativas, igrejas exercem menos influência do que os grupos de WhatsApp, acessados a cada instante.

Cada qual se sente potente ao opinar na rede social. Todos são iguais perante a internet: esse o novo direito fundamental. O excesso de mensagem contrasta com a escassez de reflexão, pois o que importa é ter opinião, sentir-se participante.

Como diz o cientista político da Universidade de Cambridge, David Runciman, em entrevista à revista Época, edição de 29/10, a crise de confiança na democracia atinge o pacote democrático composto por eleições, partidos políticos profissionais, sindicatos, programas de políticas nacionais e escolha entre direita e esquerda.

Na falha de corpos intermediários a mediar as reivindicações, cada qual não busca meios de ser representado, apresenta-se diretamente pelas redes sociais. Como sobreviverá a democracia sem partidos, cujos resultados brotam da árvore frondosa das redes sociais? Esse é o grande desafio.

No Brasil, a questão é ainda mais angustiante: a imensa participação nas redes sociais e a desmedida expectativa de resolução das dificuldades, quase que por um passe de mágica, apenas por nos livrarmos do PT, levam ao risco imenso de uma breve desilusão.

Bem ao contrário de solução imediata e fácil, as decisões políticas e técnicas, em vista de nossa realidade complexa e complicada, exigem massa crítica no exercício da reflexão, sabedoria e traquejo políticos, escolha bem pensada de prioridades, limites de campos de combate, virtudes por ora não reveladas no front do presidente eleito.

Ao estilo de pessoa do ex-capitão, ora presidente eleito, sugere-se que é preciso, como fazia o sábio dr. Ulysses, ter a paciência de ouvir e ouvir, para só bem mais tarde decidir. Além do respeito à liberdade, é preciso abrir frentes de interlocução consistentes com a sociedade, para deixar de ser um presidente solitário no alto das redes sociais.

*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


O Globo: Neurocientista explica por que as pessoas nunca mudam de opinião nas redes sociais

Nosso cérebro está sempre atrás de informações que apenas confirmem nossas convicções, diz Tali Sharot

Por William Helal Filho, de O Globo

RIO - A israelense Tali Sharot é neurocientista cognitiva. Trabalha no Laboratório do Cérebro Afetivo do Departamento de Psicologia Experimental da University College London, no Reino Unido, estudando as bases neurais das nossas emoções e tomadas de decisão. Obcecada por explicar por que agimos como agimos, ela vem analisando nosso apego a opiniões. Por que é tão difícil alguém abandonar convicções e mudar de ideia mesmo diante de não importa quantas evidências contrárias? Por que quase ninguém “troca de lado” em relação a tópicos espinhosos como mudanças climáticas e porte de armas? Enfim, por que o amigo no WhatsApp insiste naquele candidato mesmo depois de você listar argumentos “irrefutáveis” contra ele? Nesta entrevista, a autora do livro “A mente influente” (Rocco) dá pistas sobre como amenizar essa polarização aprofundada pelas redes sociais.

Segundo a teoria do “viés da confirmação”, as pessoas buscam confirmar as suas próprias opiniões, e nosso cérebro resiste a evidências contrárias a nossas crenças. Por que a evolução tornou os humanos tão resistentes a mudar de opinião?
Porque a maior parte das nossas crenças é mesmo verdade. Então, na média, é bom que a gente se agarre a elas. Se eu disser para você, por exemplo, que vi um elefante amarelo voando lá fora, você vai saber que estou mentindo ou ficando maluca. Você não vai nem parar para pensar, porque tem certeza sobre as leis de gravidade e sabe que elefantes não voam. O cérebro trabalha da mesma forma quando se trata de outros temas sobre os quais temos convicções. Imagine como seria se aceitássemos todas as informações contrárias às nossas certezas?

E que problemas causam essa resistência ao contraditório e a busca por confirmação?
É como um algoritmo do nosso cérebro, que vai ser bom e eficiente na maioria dos casos, mas não em todos. Em primeiro lugar, gera polarização. Pesquisas de comportamento mostram que, em assuntos como religião, política e meio ambiente, por exemplo, as pessoas, mesmo sem saber, só querem absorver informações que confirmem suas opiniões já formadas. Quando as encontram, as pessoas ficam mais confiantes e, assim, mais resistentes a mudar de ideia, mesmo diante de uma evidência contrária. Agora, os mesmos estudos mostram que, quando o assunto não é importante para uma pessoa, ela muda de ideia mais facilmente.

Hoje vemos isso ocorrer com mais frequência e intensidade nas redes sociais?
Acontece de forma muito mais intensa. Movidas pela busca da confirmação e pela resistência ao contraditório, as pessoas com as mesmas opiniões formam grupos homogêneos. Elas seguem umas as outras, comentam os posts etc. O algoritmo da rede social reforça isso. Para levar a você a informação que você quer, ele analisa seu histórico de engajamento e mostra informações clicadas por pessoas que se comportam como você. Sem a gente saber, quando fazemos uma busca, a solução apresentada tende a repetir coisas que já vimos ou que o algoritmo crê que se encaixa nas nossas crenças. Isso aprofunda a polarização. Pessoas com opiniões diferentes das nossas vão achar outras informações.

E quanto às notícias falsas? Por que, muitas vezes, parece que as pessoas querem acreditar numa informação falsa ou duvidosa?
As notícias falsas muitas vezes são elaboradas sob medida para um grupo de pessoas, de acordo com aquilo em que elas acreditam. É mais ou menos o que observamos no escândalo da Cambridge Analytica. Os autores das notícias falsas, de posse de dados que demonstram quais são suas opiniões, atingem o usuário com informações forjadas para que você acredite nelas facilmente. Porque, se a notícia falsa diz algo que não se encaixa em minhas convicções prévias, provavelmente não vou acreditar nela.

Como acha que essa realidade se aplica durante eleições como esta que o Brasil vive?
É preciso estar atento. Numa eleição, graças ao viés da confirmação, é mais fácil você acreditar numa informação positiva sobre o candidato que você apoia. Agora, se você lê algo ruim sobre o seu candidato, como uma pesquisa dizendo que ele está perdendo intenções de voto, é mais difícil de acreditar, porque ela contradiz suas crenças pessoais.

O que fazer para “driblar” o algoritmo e receber informações diversas?
Precisamos de mais políticas públicas para evitar problemas. Mas estar ciente de que isso ocorre é o primeiro passo. A partir daí, você pode fazer buscas na internet desassociadas de seu histórico. Assim, qualquer nova busca vai partir do zero, sem levar em conta as anteriores. Você também pode começar a seguir pessoas do outro lado de seu escopo ideológico, com respeito às opiniões delas, claro.

Mesmo com a resistência do “viés da confirmação”, a gente muda de opinião muitas vezes na vida. Como atualizar nossas crenças se o cérebro tende a negar o contraditório?
Quatro fatores entram em jogo quando formamos uma crença: nossa crença antiga propriamente dita, nossa confiança nessa crença anterior, a nova prova que a contradiz e nossa confiança nessa nova prova. Se uma criança diz que viu um elefante voar, o adulto não acredita porque se agarra à crença de que elefantes não voam. Mas, se uma criança ouve o pai dizer que viu um elefante voar, ela pode acreditar, já que ainda não formulou a certeza de que elefantes não voam. Além disso, ela tem em alta conta as opiniões do pai.


Portal do PPS: Redes e mídias serão fundamentais na campanha para atrair eleitores, afirma especialista

Bruno Hoffmann diz que candidato precisa de estratégia nas redes sociais

As redes e as mídias sociais estão cada vez mais presentes no dia a dia dos brasileiros. A ferramenta terá um papel primordial nas eleições deste ano e será valiosa para que os candidatos possam atingir o máximo possível do eleitorado e expor as suas ideias e propostas. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicados no início do ano, o País tem aproximadamente 116 milhões de pessoas conectadas na internet, o que corresponde 64,7% da população brasileira.

Com o objetivo de contribuir com os candidatos do partido na utilização das redes sociais, o Portal do PPS entrevistou o presidente do CAMP (Clube Associativo de Profissionais do Marketing Político), Bruno Hoffmann, que é um dos principais especialistas em marketing político e redes no País. A entidade que ele representa é considerada a primeira iniciativa bem-sucedida de reunir profissionais que atuam em campanhas eleitorais e com comunicação política.

“Com alguns candidatos que tem tempo de TV maior que outros, certos candidatos terão, por necessidade, de se apoiar quase que completamente na internet”. diz Hoffmann. Na entrevista a seguir, o especialista também dá dicas da melhor forma para evitar e combater a fake news neste pleito e fala como os candidatos podem usar as redes sociais para alcançar o voto dos eleitores nas eleições de outubro.

Portal do PPS – Qual será a importância das redes sociais nestas eleições?
Bruno Hoffmann – As redes sociais estão crescendo a todo momento. Parece que todo ano é o ano das redes sociais. Elas aumentam [de importância] a cada ano. Cada vez mais pessoas tem acesso. A importância neste momento é que é mais uma ferramenta utilizada no processo eleitoral. Uma ferramenta geral de comunicação muito importante neste sentido. Claro que como qualquer outro canal depende muito da imagem do candidato. Por mais talentosa que a equipe de comunicação digital seja, a imagem do candidato é importante. Fica mais fácil você se comunicar nestes meios da maneira como as regras foram estipuladas [pela Justiça Eleitoral], com estruturas de campanha extremamente enxutas. Com alguns candidatos que tem tempo de TV maior que outros, certos candidatos terão, por necessidade, de se apoiar quase que completamente na internet.
Não tem como deixar de exemplificar com o caso do [Jair] Bolsonaro. Ele terá sete segundos e usará a TV justamente para chamar as pessoas para a internet e para os canais que ele possa se comunicar de forma mais detalhada. Bolsonaro é um cara que já tem uma base importante [nas redes sociais]. Tem feito esse trabalho de comunicação com redes sociais e continuará sendo muito forte nas redes. Claro que num cenário em que ele não terá [tempo] TV vai passar a receber muitos ataques de outros candidatos. Não necessariamente ataques, mas comparações e histórias que o público ainda não saiba. Isso pode diminuir o apoio que ele tem. Mas dentro da sua pergunta, as redes sociais, principalmente o Whatsapp, que é um mensageiro eletrônico – o que não deixa de ser uma rede social -, serão mais fáceis de compartilhar e terão um alcance fortíssimo. Com certeza as redes [sociais] serão mais importantes do que no passado.

As rede sociais serão mais importantes que os veículos de comunicação tradicionais?
No geral depende do candidato, mas nesta eleição podemos dizer que sim, principalmente por conta do Whatsapp. Também pelo fato de os candidatos poderem fazer impulsionamento nas redes sociais. Qualquer pessoa que estiver acessando as redes será impactada por campanhas eleitorais que estarão tentando fazer essa segmentação para as pessoas, especialmente os eleitores mais jovens [na faixa etária dos 16 anos]. Apesar da sociedade demonstrar descredito com a politica, ela está interessada em votar e quer participar do processo. Pouquíssimos dessa geração de jovens veem TV. São muito ligados nas redes sociais e nos conteúdos que são gerados a partir delas, por exemplo.
Tivemos o debate da Band e houve um número pequeno de pessoas que assistiram, mas na verdade é um número considerável [se levarmos em conta os 147,3 milhões de eleitores]. Agora a repercussão no dia seguinte [ao debate] nas redes sociais é o que mais importa. Se a campanha tem uma estrutura, ela faz vídeos dos melhores momentos. Essa capacidade de você buscar essa geração de conteúdos é que o vai garantir uma visualização enorme e vai ter aquele sentimento: ‘que ótimo, meu candidato ganhou o debate porque deu essa resposta fantástica’. As pessoas não vão parar para ver até quase uma hora da manhã um debate porque a maioria dos trabalhadores não tem capacidade de dar essa audiência. Com certeza as redes sociais serão fortíssimas netse sentido. Claro que a TV, agora no final do mês [com o início do horário eleitoral na TV e rádio], também terá um impacto fortíssimo com a vinculação das inserções [da propaganda eleitoral]. A audiência aumenta bastante, mas não tenha duvida que as redes sociais serão mais importantes nas eleições deste ano.

Qual a preocupação com a fakenews? Ela pode influenciar na decisão de escolha?
De certa forma a fake news foi um termo criado recentemente, mas sabemos muito bem que a boataria sempre existiu na comunicação como um todo e na política também. Acho importantíssimo a valorização e a importância que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] está dando para esse tema. O fato de você ter um eleitorado que pode ter uma informação falsa, e com base nisso influenciar o seu voto, enfraquece a democracia. O CAMP [Clube Associativo de Profissionais do Marketing Político] fez um termo de acordo de cooperação com o TSE para combater as fake news. A noticia falsa por si só nós comprometemos não criar. É importante colocar para a população que não é apenas no processo eleitoral que isso a notícia falsa ocorre. Não, todo dia tem alguém que acredita que amanhã terão dois sóis ou duas luas. Alguma historinha que foi montada, que as pessoas acreditam e acabam repassando. Vai muito da questão da educação.
Entidades ligadas à liberdade de expressão tem provocado esse debate, com ajuda do próprio Ministério da Educação, inclusive tentando trazer para a escola como as pessoas podem estar mais preparadas para checarem e aprenderem a lidar com as noticias. Claro que as fake news terão um poder maior sobre a população mais carente que não tem tido a oportunidade de ser instruída para checar determinadas fontes e noticias. Por mais que se tente evitar, certamente teremos empresas trabalhando com fake news e, possivelmente, mais pessoas serão presas neste processo. Um processo eleitoral é extenso e com muitos candidatos. No final da campanha, quando se imagina que é preciso ganhar cinco pontos contra o adversário, acaba se tomando ações mais irresponsáveis e e aí que o erro acontece. Acredito que muitos candidatos e equipes terão problemas sérios com isso.

Qual o melhor caminho para evitar e combater a fake news nas redes sociais?
Do ponto de vista do candidato temos visto que alguns já utilizam algumas estratégias que explicam os boatos que circulam. Do ponto de vista institucional isso é importante. As campanhas que tem monitoramento e essa inteligência podem determinar quando uma notícia está ganhando espaço e pode usar a estratégia para combatê-la. Não só no site, mas em debates ou até mesmo abordar isso no tempo de TV e radio quando se determinar que a tal noticia ganhou escala muito grande. É importante que o candidato tenha esse monitoramento de inteligência para desconstruir mentiras que possam ocorrer.
As pessoas precisam estar mais instruídas em duvidarem de títulos alarmantes, se as datas são recentes e quando são republicações de notícias antigas. Muitos sites possuem um endereço parecido com sites reais e fazem as pessoas pensarem que estão num veiculo de renome. É preciso usar o Google nestas horas e questionar se aquilo realmente aconteceu. Existem sites específicos que combatem os boatos. Fora isso, nós veremos durante a campanha os grande portais alertando para noticias falsas. Então, o melhor caminho é que as pessoas chequem a veracidade das informações.

Que dica você dá para os candidatos no uso das redes sociais?
Aquele que possui orçamento não terá como fugir do impulsionamento. Também é importante que isso seja feito de forma fundamentada. Um candidato pode delimitar não só o estado, mas dados como faixa etária, etc. Buscar uma linha estratégica mais aproximada do seu eleitor de forma segmentada. É tentar fazer isso dentro de sua estrutura de campanha, com a ajuda de voluntários, uma estrutura de pirâmide e de mensagens na qual ele consiga atingir um número bastante alto de pessoas. Divulgar um lugar onde as pessoas possam se registrar e receber notícias e informações. E, claro, a questão do conteúdo que é fundamental. Tudo depende do conteúdo. Não adianta ter uma Ferrari se a pessoa não sabem pilotar. Quando pensar no conteúdo é preciso pensar no que fez e falar do que fez. As pessoas não votam por gratidão, mas pelo que o candidato está contribuindo, focando bastante nas propostas. Mostrar o que mais vai poder fazer e se preocupar com um conteúdo de qualidade. A imagem é tudo e é necessário investir num fotografo profissional e buscar, no conteúdo, aquilo que é importante para as pessoas. Tentar traduzir os dados em coisas efetivas. Coisas que as pessoas possam entender e traduzir melhor.


Carlos Alberto di Franco: Jornalismo, alma da democracia

As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam, mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes

Não existe um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais. A imprensa é, de fato, o oxigênio da sociedade. Sem ela as sociedades sucumbem às recorrentes aventuras populistas e autoritárias.

As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona.

O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que, à esquerda e à direita, desenham projetos autoritários de poder.

O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.

As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização do cidadão. Suscitam debates, geram polêmicas, algumas com forte radicalização, exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, aquelas que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de rígidos padrões de qualidade, algo que está na essência dos bons jornais.

A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns acertando suas contas na prisão e outros sofrendo o ostracismo do poder, só são possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.

Poucas coisas podem ter o mesmo impacto que o jornal tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos. Políticos e governantes com desvios de conduta odeiam os jornais. Mas estes são, de longe, os grandes parceiros da sociedade, a alma da democracia.

Navega-se freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Fica-se refém da superficialidade e do vazio. Perdem-se contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será?

Não creio, sinceramente. Penso que existe uma crescente demanda de jornalismo puro, de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma nostalgia de reportagem. É preciso recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e o fascínio do jornalismo de sempre.

Jornalismo sem brilho e sem alma é uma perigosa doença que pode contaminar redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo vigor à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, ético.

É preciso contar boas histórias. E apurar com verdadeiro empenho de isenção. A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.

Frequentemente, também se sucumbe ao politicamente correto. Certas matérias, prisioneiras de chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.

A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: a falta de planejamento e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros anestesiados pelo clima rarefeito das redações, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.

Estamos em ano eleitoral. Os leitores esperam algo mais do que aspas, fofoca, intriga política e marketing superficial. Querem bons perfis dos candidatos, análise aprofundada das suas propostas, desconstrução de miragens demagógicas e populistas.

A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

* Carlos Alberto di Franco é jornalista


El País: Deputados aproveitam brecha para divulgar seus mandatos no Facebook

44 parlamentares que concorrerão à reeleição já gastaram 122.000 reais de recursos públicos para se promoverem na rede social

Por Afonso Benites, do El País

As regras sobre o impulsionamento de publicações em redes sociais durante a campanha só começarão a valer de fato em agosto, mas ao menos 44 deputados federais já usam o dinheiro público para ampliar a divulgação das atividades de seus mandatos e, indiretamente, se apresentarem ao eleitorado em um ano em que a maioria deles disputará a reeleição. Um levantamento feito pelo EL PAÍS na área de transparência da Câmara constatou que, entre janeiro de 2016 e junho de 2018, esses parlamentares pagaram 122.265,50 reais para o Facebook, a principal rede em que as publicações são patrocinadas e difundidas aos seus usuários. Os gastos estão dentro da cota para o exercício da atividade parlamentar.

“Impulsionar as postagens é a melhor maneira que encontrei para chegar aos meus eleitores em locais onde jamais eu teria espaço na mídia tradicional”, afirmou o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR). Algumas de suas postagens atingiram 20.000 internautas, é mais do que o dobro do número de votos que ele recebeu na eleição passada, 9.048. Gonçalves está entre os dez deputados que mais investiram diretamente no Facebook no último ano e meio. Ele gastou 7.400 reais, conforme os dados apresentados por ele para o setor de transparência da Câmara. No topo dos que mais gastaram com impulsionamentos de posts estão Evandro Roman (PSD-PR) e Adail Carneiro (PODE-CE). O primeiro investiu 12.891 reais de recursos públicos e, o segundo, 11.129 reais.

Estes dados, entretanto, não representam a realidade fiel dos gastos de deputados com o impulsionamento nas redes. Não estão inclusos no valor gasto com o Facebook aquilo que os parlamentares pagaram para que intermediários patrocinassem suas publicações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, investe mensalmente 20.000 reais em uma agência, que tem como atribuições coordenar toda a comunicação de seu mandato, incluindo o patrocínio de publicações.

Assim como Maia, há ao menos uma centena de deputados que usam do mesmo expediente, o que dificulta a fiscalização e a filtragem precisa do quanto é de fato gasto com o patrocínio de conteúdo nas redes sociais. Por ano, os 513 deputados brasileiros gastam em média 50 milhões de reais com a propaganda de suas atividades. São recursos que são destinados para agências de comunicação, assessorias de imprensa, gráficas, emissoras de rádio e TV, além de jornais e revistas.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral autorizou que todo conteúdo produzido por candidatos para as eleições de 2018 seja impulsionado nas redes sociais. Ou seja, os concorrentes aos cargos de presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais poderão pagar para que as postagens feitas em redes como Facebook, Twitter e Instagram sejam direcionadas e exibidas a um grupo maior de internautas/eleitores. Essa foi uma das principais mudanças nas regras de propaganda eleitoral brasileira dos últimos anos.

Ao menos 54% dos lares brasileiros possuem acesso à Internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios, e boa parte delas usa as informações absorvidas pelos meios digitais para tomar decisões de maneira geral. Ainda se debate a real influência que o acesso pode ter na hora do voto. Se a controvérsia ainda é grande a respeito dos efeitos nas últimas eleições pelo mundo, como na de Donald Trump nos Estados Unidos ou no Brexit, também há pesquisas internacionais que indicam que poucos usuários se lembram de terem visto anúncios nas redes sociais.

44 deputados federais gastaram 122.000 reais em patrocínios direto de posts no Facebook

Até as eleições de 2016, nenhuma postagem feita por candidatos ou partidos políticos podia ser patrocinada. Agora, poderão, desde que sejam identificadas como propaganda eleitoral, assim como já ocorre nos anúncios feitos em revistas ou jornais impressos. As publicações impulsionadas pelos candidatos ou partidos poderão ocorrer a partir de 16 de agosto. Antes, porém, detentores de mandatos eleitorais continuarão usando do artifício para ampliar a divulgação de seus trabalhos.

Representantes do Facebook e do Google participaram de debates públicos no TSE e de reuniões privadas com técnicos do órgão para discutir as regras. Em princípio, conforme o EL PAÍS apurou, as empresas informaram que a identificação das postagens como publicidade eleitoral seria inviável. Depois, quando notaram a quantia de dinheiro que abririam mão de receber, voltaram atrás e informaram que viabilizariam essa identificação. Como o impulsionamento jamais foi usado em campanhas no Brasil, ainda não há uma estimativa oficial de quanto deverá ser gasto com essa ferramenta.

A estratégia de investir apenas na Internet, contudo, não é vista como a mais adequada para quem quer tentar se eleger, mesmo em períodos em que as campanhas terão menos recursos em decorrência do veto a doações empresariais e à reforma política, que limitou o gasto de fundos públicos em campanhas. “Como os órgãos de controle estão em cima dos gastos há um esforço para direcionar os recursos para Internet. Mas é um erro investir só na Internet ou nas redes sociais. Quase a metade da população brasileira não tem acesso a elas. O rádio e a TV não podem ser ignorados nesse momento”, ponderou o pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, Rodrigo Carreiro.

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Carreiro é um dos especialistas que se debruçam sobre a influência das redes sociais na política. Em sua visão, além da preocupação com o aumento das postagens patrocinadas, os eleitores e os órgãos de controle também terão de fiscalizar a disseminação das fake news.

“Teremos muitas fake news em 2018. O cuidado que o público deve ter é o de checagem da informação. Terão de ver em que veículo ou site ou perfil está saindo essa informação. Se foi dada por mais de um veículo ou se só saiu em um específico, sem credibilidade”, alertou Carreiro. Para ele, a polarização política na qual o país está afundado nos últimos anos deverá aumentar e, por isso mesmo, haverá impulso à divulgação de boatos. “Um público mais identificado com um candidato tende a acreditar mais nessas notícias falsas. Ele tateia no mercado de informação apenas o que lhe convém”, avaliou.

 

 


Alexios Mantzarlis: Em defesa da checagem de fatos

Verificação de notícias tem sido alvo de ataque intenso nas redes sociais

A desinformação online e a polarização política estão infectando o debate democrático em todo o mundo. No Brasil, a intensidade da polarização pode vir a atrapalhar a busca por soluções para o fenômeno das notícias falsas.

Na semana passada, o Facebook lançou no país sua ferramenta de verificação de notícias. Seus parceiros —Agência Lupa e Aos Fatos— têm acesso a uma plataforma onde são agregados links duvidosos indicados pelos usuários e pela rede social. Para cada verificação feita, é preciso que os checadores ofereçam uma reportagem com evidências públicas sobre suas conclusões.

Mas esse anúncio positivo foi recebido com intensas críticas. Ataques pessoais têm sido feitos contra os checadores e seus familiares. Um dos cofundadores de Aos Fatos foi criticado por apoiar publicamente a igualdade racial. Outros checadores que mantêm perfis fechados nas redes sociais foram acusados de estarem escondendo algo grave.

Tenho acompanhado esses ataques com preocupação. Minha organização, a IFCN (International Fact-Checking Network), tem um processo de auditoria longo e cuidadoso. Ele é feito por especialistas de vários países e, anualmente, analisa 12 critérios de cada um dos veículos que integram a rede.

Entre os critérios estão transparência de financiamento, metodologia e fontes. Lupa e Aos Fatos já passaram por esse processo duas vezes. O resultado é público e está disponível em nosso site.

Não é surpreendente que algumas das ofensas também demandem checagem. Um dos tuiteiros raivosos (com 20 mil seguidores e identidade oculta) descobriu que uma das minhas colegas usa a hashtag #LeftyLivesMatter. Achou que se tratava de um posicionamento político e a classificou como uma "ativista política de esquerda escancarada". Ela é apenas canhota.

Muitos críticos acusam os checadores de censores. Mas estes apenas avaliam o conteúdo dos posts e apontam o que é falso. É o Facebook que depois reduz o alcance desse material. Nada é removido em função do trabalho do checador.

Ironicamente, aqueles vídeos e textos que falam em censura do Facebook e dos checadores também são feitos... no Facebook! Seria o mesmo que usar este artigo para acusar a Folha de silenciar minha voz.

Os cidadãos estão certos ao vigiarem o direito à liberdade de expressão e o poder do Facebook. É por isso que tenho pedido publicamente que a empresa compartilhe dados sobre os resultados desse projeto em nível mundial. Todos os membros da IFCN entendem que seu material precisa ser alvo de escrutínio tão rigoroso como o que usam para analisar o discurso público.

É por isso que ambos, Aos Fatos e Lupa, têm políticas públicas de correção. Se cometerem algum erro dentro do projeto do Facebook, poderão ser acionados. A ferramenta prevê isso. Aos Fatos e Agência Lupa são iniciativas de fact-checking responsáveis e idôneas. Desde 2015, analisam o que é dito por todos os lados do espectro político brasileiro.

Esses ataques têm mais como alvo a iniciativa de checar fatos do que efetivamente o resultado desse trabalho. Um dos grupos que agora acusam os checadores de serem de esquerda atacou outra plataforma, o Truco, da Agência Pública, em 2017.

Após serem questionados a respeito da fonte de uma informação publicada em suas páginas, seus integrantes enviaram a foto de um pênis e um pedido para que a reportagem checasse a sua veracidade.

Uma campanha organizada para tirar a credibilidade desse trabalho é equivocada e diminui a capacidade da sociedade de distinguir as verdades das mentiras. Isso tem bem menos a ver com os checadores em si. Tem a ver com os fatos. E os fatos importam —e nós precisamos defendê-los.

Alexios Mantzarlis é jornalista e diretor da IFCN (International Fact-Checking Network) desde 2015


Beto Gerosa: Redes sociais precisam de um ombudsman

A sociedade, o mercado e a própria democracia sinalizam que sim, faz-se necessário algum mecanismo para corrigir o mau uso

Notícias falsas, campanhas digitais mentirosas: as redes sociais foram motivo de discussão já em dezembro de 2014. Em artigo que publiquei neste espaço, o título era uma provocação que se revelou premonitória: "As redes sociais precisam de um ombudsman?".

O texto, na época, alertava para o problema, mas apostava no papel dos usuários como poder regulador da rede. Uma reportagem de 2018 da BBC mostrou que a discussão era válida: perfis falsos foram usados no Orkut já na campanha de 2010 de Dilma Rousseff!

As notícias falsas não se espalham à toa pelas redes. As plataformas são construídas para criar fluxos de informações virais que criam a ilusão de uma atividade frenética, muitas vezes aceleradas por robôs e perfis falsos. "Para pessoas comuns, compartilhar é mais uma questão de construir a própria imagem na rede do que informar os outros. Informar é um objetivo do jornalismo, não de pessoas comuns", alerta Henry Jenkins, autor de "Cultura da Convergência".

Os recentes episódios envolvendo o assassinato da vereadora Marielle Franco e a campanha difamatória que se seguiu são a prova de como notícias falsas atendem a uma demanda e têm poder de rápida propagação. São compartilhadas por pessoas comuns e fanáticos, aqueles que são "um ponto de exclamação ambulante", como define o escritor israelense Amós Oz. "Têm sempre uma resposta muito simples para tudo e que está acima de qualquer dúvida para eles".

Como mitigar o problema? A Alemanha aprovou uma lei contra a produção de notícias falsas. No Brasil, o TSE criou um conselho consultivo e um grupo para lidar com notícias falsas nas redes sociais no período eleitoral. Sites de checagem e imprensa confrontam os boatos com os fatos: não, Marielle não foi casada com traficante, não era envolvida com a bandidagem da Maré nem teve a filha aos 16.

A eleição de Donald Trump foi um marco do poder da influência das redes sociais, com a comprovada ação dos russos na produção e distribuição de notícias falsas que o favoreceram. Após tergiversar, o Facebook admitiu que a ferramenta foi usada pelos russos.

Para limpar a barra, Mark Zuckerberg alterou o algoritmo da plataforma e passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, deixando de exibir aqueles produzidos pelo jornalismo profissional. Esta medida só reforça a tendência de o usuário consumir cada vez mais conteúdo de sua bolha de afinidade. Puniu o remédio (o jornalismo) sem atacar a doença (as notícias falsas).

Reportagem do "The Observer" reforça a fragilidade da ferramenta ao revelar como um cientista de computação descobriu uma maneira de extrair perfis de 50 milhões de usuários do Facebook que foram usados pela Cambridge Analytica nas campanhas vitoriosas de Trump e do "brexit", no Reino Unido.
A asfixia da receita, porém, é ação, o "ombudsman" que incomoda. A Unilever ameaçou cortar US$ 3 bilhões de verbas publicitárias de plataformas, como o Facebook e YouTube, que divulgam conteúdo que associam a marca a mensagens de terrorismo, pedofilia e fake news.

Investigação sobre o vazamento dos perfis do Facebook fez cair as ações em US$ 49 bilhões em um dia. Zuckerberg entendeu o recado: vai limitar o uso das informações dos seus usuários. A partir do momento que esta algaravia editorial deixa de gerar lucros para as empresas que publicam e para aqueles que produzem material falso, aumentam as chances de mudança.

Voltando à pergunta de 2014, "As redes sociais precisam de um ombudsman?". Parece que a sociedade, o mercado e a própria democracia sinalizam que sim, precisaram, e precisam, de vários "ombudsmen" para corrigir seu mau uso.

 * Beto Gerosa foi editor-executivo de Veja.com, diretor de conteúdo do iG e trabalha com inteligência de dados e mídias digitais