popularidade

Baixa aprovação de Bolsonaro põe em risco projeto de reeleição

Série de pesquisas indica que Bolsonaro está aquém de índices que presidentes e governadores tinham 12 meses antes do pleito

Bernardo Mello / O Globo

RIO — Restando cerca de um ano para a eleição de 2022, e com a avaliação positiva num patamar de 20%, segundo a pesquisa Datafolha mais recente, o presidente Jair Bolsonaro disputará novo mandato diante de um histórico desfavorável para governantes com taxas de aprovação semelhantes. Levantamento da consultoria Ideia Big Data para o GLOBO mostra que, desde 1998, quando a reeleição passou a ser permitida, presidentes e governadores que foram reconduzidos costumavam ter taxas de ao menos 40% de aprovação numa janela que compreende os 12 meses antes da votação.

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Em 2018, ano em que pela primeira vez o presidente, Michel Temer (MDB), declinou de tentar outro mandato mesmo podendo concorrer, Bolsonaro chegou ao segundo turno e elegeu-se numa campanha com condições adversas. Além de pouca estrutura partidária com o então nanico PSL, Bolsonaro era o candidato com maior taxa de rejeição, sempre próxima a 40%, durante todo o primeiro turno. Para 2022, em que pesem as avaliações negativas de sua gestão, o presidente aposta no lançamento do Auxílio Brasil, programa que ocupará o lugar do Bolsa Família, para melhorar seu patamar de aprovação.

Metodologia

O levantamento da Ideia Big Data considerou as medianas — isto é, o valor intermediário, dentro de um conjunto de pesquisas — das taxas de aprovação de governantes que tentaram a reeleição. No caso de governadores, considerando pesquisas realizadas entre 12 e 9 meses antes da eleição, a mediana de avaliação positiva dos reeleitos foi de 41%. Já os não reeleitos eram aprovados por 27% a 30% do eleitorado.

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Nas três reeleições presidenciais desde 1998, a aprovação dos ocupantes dos cargos ficou acima de 30% no período de um ano que antecedeu os pleitos — a de Bolsonaro, hoje, é de 23%. A exceção, de acordo com o levantamento, foi a reeleição em 2006 do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aprovado por 29% no fim de 2005. Às vésperas da eleição, porém, o petista chegou a 44%.

O diretor-executivo da Ideia Big Data, Mauricio Moura, vê pontos em comum entre o salto de Lula e o efeito buscado por Bolsonaro com o Auxílio Brasil. Com a imagem do governo desgastada à época pelo mensalão, Lula experimentou uma guinada positiva em paralelo à expansão do Bolsa Família, implementado por seu governo em janeiro de 2004. O programa, que beneficiava 8 milhões de famílias ao fim de 2005, ampliou gradativamente seu alcance até chegar a 11,2 milhões de famílias em julho de 2006, sem mexer no valor do benefício.

Bolsonaro, por sua vez, aposta no aumento do benefício para R$ 400 por família até o fim de 2022, mas sem planos de expandir a base atendida, que será menor do que no auxílio emergencial. Hoje, o Bolsa Família atende 14,6 milhões de famílias. A expectativa é que o Auxílio Brasil chegue a 17 milhões; a diferença corresponde à fila já existente para cadastro no programa. O auxílio emergencial, que também inclui desempregados e trabalhadores informais, tem hoje 39,4 milhões de beneficiários.

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— Além de uma aprovação muito menor que seus antecessores, Bolsonaro tem um saldo muito negativo entre aprovação e rejeição. Se ele apenas voltar a um patamar de 30% de aprovação, como já esteve antes, não é o suficiente. Precisaria ampliar um pouco também a faixa de eleitores que o consideram regular — avalia Moura.

Em setembro, o Datafolha mostrou que a avaliação negativa do governo era de 53%, mais de 30 pontos percentuais acima do índice de aprovação (22%).


Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro cumprimenta o general Eduardo Villas Boas, em cerimônia no Planalto. Foto: Alan Santos/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Presidente visita estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Foto: Marcos Côrrea/PR
Cerimônia de entrega de residenciais no Cariri. Foto: Marcos Corrêa/PR
Entrega da "Ordem da Machadinha" em Joinville (SC). Foto: Alan Santos/PR
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Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro cumprimenta o general Eduardo Villas Boas, em cerimônia no Planalto. Foto: Alan Santos/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Presidente visita estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Foto: Marcos Côrrea/PR
Cerimônia de entrega de residenciais no Cariri. Foto: Marcos Corrêa/PR
Entrega da "Ordem da Machadinha" em Joinville (SC). Foto: Alan Santos/PR
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Outras variantes

Especialistas têm avaliado que apenas o incremento do novo Auxílio Brasil, em um cenário de alta de preços, pode não ser suficiente para aumentar a popularidade de Bolsonaro. Segundo o IBGE, a inflação acumulada de 12 meses chegou a 10,6% em outubro, que registrou sua maior variação mensal desde 2002.

O cientista político Jairo Pimentel Jr. lembra que, em 2020, Bolsonaro já teve queda na popularidade após a redução pela metade do auxílio emergencial, originalmente de R$ 600, e da queda de quase 30 milhões no número de pessoas atendidas.

— Ainda que o auxílio emergencial tenha trazido um pico de popularidade a Bolsonaro em 2020, hoje ele tem cinco pontos a menos de avaliação positiva em relação ao período que antecedeu os pagamentos — afirma.

A socióloga Esther Solano aponta ainda uma percepção de “insegurança” das famílias por conta da migração de programas sociais. Em meio à tentativa de aprovar a PEC dos Precatórios — agora no Senado —, que abrirá espaço fiscal para o programa, o governo adiou o reajuste de R$ 400 do Auxílio Brasil para dezembro.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/levantamento-aponta-que-baixa-aprovacao-de-bolsonaro-poe-em-risco-projeto-de-reeleicao-25275802


Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante

Edição de agosto da revista mensal da FAP diz que manifestação convocadas pelo presidente permanecem “pífias”

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O desgosto e a impaciência dos eleitores brasileiros se sustentam na “estagnação econômica” e na “gestão catastrófica da crise sanitária”, como mostra a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado. “Segue declinante, como esperado, a popularidade do governo”, alerta o editorial da revista mensal Política Democrática online de agosto (34ª edição).

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza o acesso gratuito a todos os conteúdos, na versão flip, em seu portal, a revista diz que o governo continua a reagir com a habitual passividade fantasiosa. “A economia está prestes a dar o grande salto, e a pandemia a tomar a forma da ‘gripezinha’”, ironiza.

A reação política à desaprovação crescente, contudo, é ativa e preocupante, na avaliação da revista mensal da FAP. “A radicalização golpista e as ameaças às instituições democráticas ganham intensidade, à medida que as expectativas de sucesso eleitoral caem por terra. O mote do momento é o voto impresso”, afirma.



No entanto, conforme observa a publicação, governistas exigem impressoras acopladas nas urnas, sob pena de não reconhecer os resultados do pleito, ou até mesmo sustar o processo eleitoral, enquanto sua exigência não for contemplada. A estratégia do ultimato exige, contudo, para sua credibilidade, a evidência mínima de algum apoio popular às exigências apresentadas”, diz a revista Política Democrática online de agosto.

Nesse quesito, segundo o editorial, o fracasso do governo é persistente. “As manifestações convocadas permanecem pífias, mesmo quando engrossadas com motocicletas, com a intenção de aparentar um volume inexistente. No momento está em curso, nas redes sociais, a convocatória para uma marcha sobre Brasília, prevista para a véspera de nossa data nacional”, diz o texto. 

Dificilmente essa tentativa, preparada com antecedência maior que os ensaios anteriores, terá capacidade de superar em significação as manifestações oposicionistas, em tendência ascendente, de acordo com a revista Política Democrática online de agosto.

“Em qualquer hipótese, contudo, é previsível a metamorfose de parte da radicalização verbal em violência contra a ordem institucional e os partidários da democracia. Atos de insubordinação policial, violência política difusa, manifestações de desobediência e constrangimento a governadores, prefeitos e tribunais, podem ocorrer”, afirma.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra do editorial pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem especial sobre o escândalo das vacinas contra a Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama

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Medidas para elevar popularidade de Bolsonaro já custam R$ 67 bi

Para economistas, medidas são populistas e um risco para o equilíbrio fiscal; equipe econômica se prepara para Orçamento mais difícil em uma década

Fábio Pupo / Folha de S. Paulo

Medidas sinalizadas para impulsionar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já demandam R$ 67 bilhões dos cofres públicos em 2022. O impacto fiscal deve ser ainda maior nos anos seguintes.

O presidente mobiliza ministros a aumentar gastos no ano em que tentará a reeleição ao Palácio do Planalto. Somam-se ao movimento também pressões do Congresso por mais recursos públicos.

A escalada pressiona o time do ministro Paulo Guedes (Economia) contra as regras fiscais e leva interlocutores a constatarem que o Orçamento para 2022 é o mais desafiador dos últimos dez anos.

Fazem parte da conta itens como a isenção para o diesel no próximo ano (R$ 26 bilhões, segundo Bolsonaro), a expansão no Bolsa Família (de ao menos R$ 25 bilhões, segundo Guedes), a reforma tributária (que subtrai R$ 7,7 bilhões de estados e municípios) e o aumento no funcionalismo (que a equipe econômica tenta limitar a R$ 5 bilhões).

Acomodar todos os números nas contas de 2022 é uma tarefa que tem gerado incertezas entre os analistas, assim como percepção de risco sobre o real cumprimento de regras fiscais.

Pessoas próximas ao ministro já admitem que se preocupar neste momento "faz sentido". Os receios se acentuaram nos últimos dias.

Após o governo começar a discutir uma proposta para parcelar os precatórios —dívidas de sentenças judiciais contra a União–, driblando o teto de gastos ao jogar a despesa de 2022 para anos seguintes e já provocando questionamentos de especialistas, aliados do governo no Congresso foram além.

Eles começaram a debater não só o parcelamento dos precatórios, como a retirada dessas obrigações do teto de gastos, para dar espaço a outras despesas. O teto limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico que R$ 19 bilhões poderão ser liberados com a iniciativa.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, disse considerar exaustiva a necessidade de sucessivos alertas a clientes sobre esses movimentos.

"Todo tipo de contorno ao teto de gastos, ainda mais nesse momento, é um retrocesso no arcabouço fiscal brasileiro, que gerou tantos benefícios em passado recente", afirmou.

"A dicotomia entre determinadas alíneas do Orçamento e os precatórios é inexistente, trata-se apenas de uma estratégia populista para melhorar a aceitação dessa proposta que não tem o menor cabimento econômico", disse.

A percepção de risco do mercado é alimentada pela aceleração das promessas de Bolsonaro sem a devida explicação de como as medidas atenderão as regras, em um ambiente institucional já tumultuado pelo próprio presidente –que fala até em não cumprir a Constituição –, e também pela ausência de um discurso público e firme da equipe econômica para acalmar as preocupações sobre a política fiscal.

Guedes tem dado sinalizações no sentido contrário. Recentemente, defendeu "arriscar" uma perda anual permanente de R$ 30 bilhões da arrecadação dos cofres públicos no projeto de Imposto de Renda.

O texto passou por sucessivas transformações em busca de apoio para ser aprovado ainda neste ano e dar respaldo jurídico à turbinada do Bolsa Família e acabou sendo chamado por Marcos Cintra, ex-secretário da Receita de Guedes, de "confuso, burocrático, inconsistente e inoportuno".

Depois disso, o ministro ainda reembalou a ideia criticada pelo mercado em 2021 para alterar regras de pagamentos de precatórios e abrir espaço no teto de gastos para outras despesas, reavivando discussões sobre calote e pedala.

Caio Megale, economista-chefe da XP, afirmou há pouco mais de uma semana que as eleições demandam cautela ao serem observadas melhoras recentes em indicadores como a arrecadação e a dívida pública.

"Discussões sobre o aumento dos gastos para o ano eleitoral, especialmente se isso incluir mudanças ao atual quadro fiscal, podem erodir rapidamente esses ganhos de curto prazo", afirmou em relatório.

Enquanto a equipe econômica reafirma que todas as despesas recorrentes ficarão sob o teto de gastos, as dúvidas continuam e a conta cresce.

Na quarta-feira 4), após meses de trabalho da equipe econômica para elevar o valor médio do Bolsa Família de R$ 190 para algo próximo de R$ 300, Bolsonaro defendeu publicamente que o ideal é o programa pagar um valor médio de R$ 400.

Tanto o presidente como aliados continuam pressionando por mais, ignorando que o valor de R$ 300 caberia no teto de gastos já ocupando praticamente todo seu espaço de R$ 30 bilhões em 2022.

Na sexta-feira (6), Bolsonaro também disse que planeja desonerar o óleo diesel em 2022.

"Gostaria de zerar o imposto federal do diesel a partir do ano que vem. Vou me empenhar sobre isso. Não posso garantir, não é uma promessa, é um estudo", afirmou a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.

De olho no apoio dos caminhoneiros, Bolsonaro já lançou repetidas iniciativas para diminuir o preço dos combustíveis e, em janeiro, havia falado que a desoneração do diesel custaria R$ 26 bilhões em 2022.

Há pouco mais de uma semana, Bolsonaro ainda sinalizou a criação de um vale-gás e apontou o dedo para a Petrobras, dizendo que ela tem R$ 3 bilhões disponíveis para isso.

As ações da estatal caíram na Bolsa no dia útil seguinte, mesmo após a empresa explicar que os valores mencionados seriam uma parte dos dividendos a serem pagos à União —que por sua vez poderia usar os recursos em medidas.

Nesse caso, Bolsonaro tenta endereçar outro problema para sua popularidade —o preço do gás.

O valor médio do botijão atingiu o maior patamar neste ano desde que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) começou a compilar os dados, em 2004, o que tem multiplicado relatos de famílias cozinhando a lenha.

Diante da maior percepção de risco, Guedes procurou ressaltar nos últimos dias a interlocutores que não dá respaldo à flexibilização do teto e à retirada dos precatórios da limitação. Segundo ele, sua proposta de parcelamento tem como objetivo evitar essa medida extrema.

Segundo ele, todas as despesas regulares de 2022 serão abrigadas sob o teto. Isso inclui a expansão do Bolsa Família e um eventual reajuste para o funcionalismo.

Para cumprir as normas, o Ministério da Economia tenta limitar as despesas. Parte desse objetivo está na busca por barrar um grande aumento para servidores no próximo ano.

A pasta planeja, por exemplo, conter a expansão da folha de pagamento a R$ 5 bilhões ou até menos. Esse número é defendido como "mais razoável" agora do que os R$ 15 bilhões ventilados anteriormente, correspondentes a 5% de reajuste, embora seja ressaltado que nada está decidido.

Além de todas as demandas diretas do presidente, deve ser motivo especial de problema para as contas de 2022 as chamadas emendas de relator, instrumentos usados para destinar valores extras a medidas de interesse de deputados —em geral, da base aliada do governo.

Os recursos foram de aproximadamente R$ 20 bilhões em 2020, o que levou a uma disputa de números com o Executivo. Ainda não se sabe qual será o tamanho da conta em 2022, mas a equipe econômica admite se preocupar com ela.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/medidas-para-elevar-popularidade-de-bolsonaro-ja-custam-r-67-bi.shtml


Armando Castelar Pinheiro: Heranças da pandemia

O Brasil terá pressões inflacionárias, juros externos mais altos, desemprego elevado e alimentos mais caros

 Chegamos ao meio de março sem conseguir acelerar o ritmo da vacinação nacional. Ao todo, foram 12 milhões de vacinas aplicadas a pouco mais de 4% da população brasileira. Em termos de vacinas por 100 habitantes (5,5 no Brasil), somos o 39º país de uma lista que tem Israel (110) no topo e, na sequência, Emirados Árabes Unidos (67), Reino Unido (40), Chile (40) e Estados Unidos (35). Por conta da focalização nos grupos de maior risco, nesses países já há alguma normalização da atividade econômica, como refletido em indicadores de mobilidade e emprego, por exemplo.

Essa “luz no fim do túnel” tem estimulado trabalhos que discutem a herança deixada pela pandemia, seja em termos de problemas que ficam por resolver, seja de lições para lidar com futuras crises.

Alguns desses temas foram discutidos no workshop “Macroeconomia de la pandemia y los impactos de Covid-19 en América Latina”, promovido pelo Grupo de Conjuntura do IE/UFRJ, que cobriu a experiência não apenas do Brasil, mas também de outros países da região. Destaco três dos tópicos vistos no workshop.

Primeiro, o atraso da América Latina na retomada da atividade econômica, em termos de PIB e emprego, por conta da forma ineficiente com que a região lidou com a pandemia. As novas projeções econômicas da OCDE reforçam esse ponto: tomando a média de Argentina, Brasil e México, as três maiores economias da região, tem-se que em 2022 seu PIB ainda estará um pouco abaixo do de 2019 (-0,2%). O mesmo estudo projeta um PIB mundial 6,1% maior ano que vem do que em 2019.

Ou seja, ficaremos relativamente mais pobres e, se vamos nos beneficiar do aumento da demanda externa por nossos produtos, em especial com preços mais altos de commodities, vamos também sofrer com pressões inflacionárias e juros externos mais altos. Desemprego elevado e preços altos de alimentos são uma combinação politicamente perigosa, especialmente quando as pessoas se sentirem seguras de voltar a se aglomerar.

Esse quadro complica outras duas heranças discutidas no workshop. Uma, a preocupação com a saúde financeira das instituições financeiras. Saberemos mais sobre isso conforme fique mais fácil diferenciar problemas de liquidez daqueles de solvência. Outra, a difícil situação fiscal de alguns dos países da região, com destaque para o Brasil que, junto com o Peru, gastaram muito em programas públicos de combate à crise. É fácil ver que baixo crescimento e juros em alta são agravantes de uma situação fiscal já difícil.

Este último ponto também é discutido no livro “Legado de uma Pandemia”, publicado no início do mês pelo Insper, com organização de Laura Muller Machado. O livro tem 17 capítulos, agrupados em quatro partes que lidam, respectivamente, com a ordem social, a ordem econômica, a organização do Estado e política e comunicação. Em todos os capítulos há uma preocupação em explicitar legados deixados pela pandemia e em fazer recomendações.

Dentre os diversos temas tratados no livro, os impactos distributivos, fortes e negativos, são um dos destaques. Foram os trabalhadores mais pobres que mais sofreram com a perda de ocupações e renda. Os negros também sofreram mais que os brancos, enquanto outras análises mostram que as mulheres saíram em maior proporção do mercado de trabalho do que os homens. O livro dá grande ênfase a um ponto em geral pouco discutido: houve um significativo impacto negativo sobre as crianças, pela falta de aulas, que foi mais importante para as crianças mais pobres, com menos acesso a equipamentos de informática e assistência familiar.

Essa discussão desemboca no livro em um debate que também apareceu no workshop do IE/UFRJ: quão desejável é redistribuir o custo econômico da pandemia por meio de tributações que retirem renda de grupos que sofreram menos para financiar os programas públicos de assistência social, evitando transferir todo esse custo para gerações futuras, por meio de mais dívida pública.

O livro do Insper também trata de como a separação entre o que é feito pelo Estado e o que cabe ao setor privado pode ser repensada após a pandemia. Uma conclusão é que, em crises, pode ser desejável o Estado participar mais planejando e coordenando as atividades, no financiamento e na produção, e se preocupando menos com temas como a defesa da concorrência. Esse quadro deve, porém, ser transitório. Mais permanente deve ser o apoio estatal a pesquisas científicas relacionadas à pandemia, mesmo que indiretamente, como na segurança alimentar, e a capacitar servidores públicos para lidar com momentos como o atual.

Diversos capítulos, ainda que não todos, encerram com uma visão positiva sobre o futuro, prevendo que a sociedade acordou para os problemas revelados pela pandemia. É o caso, em especial, dos “invisíveis”, aí compreendidos os inúmeros pobres que acorreram ao Auxílio Emergencial e dos quais não havia registro anterior. Não me convenci dessa visão. Mas concordo que, para avançar, precisamos de mais discussão pública sobre os temas tão oportunamente trazidos por todos esses pesquisadores. Parabéns.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ 


Ribamar Oliveira: O enigma do novo gatilho de 95%

PEC 186 não resolve problema de acionar as medidas de ajuste

Há uma unanimidade entre os analistas de que a despesa obrigatória da União, submetida ao teto de gastos, só vai ultrapassar 95% da despesa total em 2024 ou 2025. Este é o novo gatilho que dispara as medidas de ajuste das contas, introduzido pela PEC Emergencial, promulgada como emenda constitucional 109.

O problema do novo gatilho, no entanto, não está apenas na demora para ele ser acionado, mas também no fato de que se a despesa obrigatória chegar a 95% da despesa total, vários serviços públicos à população já estarão paralisados, ou, como preferem dizer os economistas, a administração estará em “shutdown”. Assim, a fixação do gatilho em 95% foi claramente um erro.

Em ofício ao Congresso Nacional, datado de 14 de dezembro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs mudança na meta fiscal deste ano e reestimou a receita e a despesa da União para 2021, uma vez que os parâmetros utilizados na elaboração do projeto de lei orçamentária anual (PLOA), em agosto do ano passado, estavam ultrapassados.

Nele, Guedes informa que o governo passou a trabalhar com despesas discricionárias de R$ 96,2 bilhões, incluindo neste valor as emendas parlamentares, que, embora sejam impositivas, podem sofrer contingenciamento. O valor corresponde a 6,47% da despesa total da União submetida ao teto. As despesas discricionárias são os investimentos e o custeio da máquina, que o governo não é obrigado por lei a executar.

As despesas obrigatórias submetidas ao teto, por sua vez, estão em 93,53% do limite total do gasto definido para este ano, de R$ 1.485,9 bilhões. Este percentual é uma aproximação porque o cálculo tem que ser feito, de acordo com a EC 109, para cada Poder e órgão público, pois eles possuem limites de despesa individualizados. Mas essa abertura de dados não está disponível no ofício do ministro. Sem as emendas parlamentares, as despesas discricionárias caem para R$ 79,9 bilhões neste ano, o menor patamar da série histórica.

Mesmo com esse nível muito baixo para os investimentos e o custeio da máquina, o gatilho não é acionado, o que mostra o equívoco cometido. Uma conta simples demonstra a armadilha que foi criada. As despesas discricionárias teriam que cair mais 1,47 ponto percentual (6,47% menos 5%) da despesa total para que as medidas de ajuste possam ser adotadas. Ou seja, para chegar a 5% da despesa total neste ano, as discricionárias teriam que ser reduzidas para R$ 74,3 bilhões, incluindo as emendas parlamentares, o que inviabilizaria a administração.

Em resumo, a EC 109 estabeleceu um gatilho que só poderá ser acionado quando a administração pública estiver em “shutdown”. Com um agravante: como não se pode reduzir as emendas parlamentares, que estão indexadas pela inflação, o aumento futuro das despesas obrigatórias terá que ser compensado sempre com o corte do investimento e do custeio.

As razões que levaram à escolha de 95% como novo gatilho das medidas de ajuste são um enigma. Importantes integrantes da equipe econômica do governo defenderam que o gatilho ficasse em 94%. Então, porque o percentual de 95% prevaleceu? Este colunista apurou que foi uma decisão política do governo e ouviu que, até hoje, ela gera incômodo na área técnica.

Se o gatilho tivesse ficado em 94%, havia o risco de ele disparar já em 2022, ano eleitoral, com a adoção obrigatória de medidas impopulares de contenção de despesas. É difícil acreditar que a razão tenha sido esta porque, para evitar desgaste eleitoral, o governo optou por um percentual que não será atingido, pois, antes disso, a administração estará em “shutdown”.

Para que o leitor não perca o fio da meada, o objetivo original da PEC 186 era corrigir o principal problema do teto de gastos. Devido à má redação da emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto, o gatilho que acionava as medidas de ajuste das contas não disparava. Não havia maneira de o governo adotar medidas de contenção das despesas. Como as despesas obrigatórias não param de crescer, os investimentos e o custeio foram minguando cada vez mais.

No texto da PEC 186 que o governo enviou ao Congresso, em novembro de 2019, o gatilho disparava toda vez que a chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que proíbe o aumento da dívida para pagar despesas correntes, não estivesse sendo cumprida.

Este referencial foi alterado e o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), com a concordância do governo, foi buscar o gatilho de 95% que constava da PEC 188. O resultado de tudo isso é que o gatilho que consta da EC 109 não permite acionar as medidas de ajuste para evitar o “shutdown” da administração e, portanto, não resolve o problema que estava colocado na EC 95.

Nova polêmica

Uma nova polêmica ganhou corpo entre os especialistas em finanças públicas. A PEC 186 instituiu, como foi dito nesta coluna em fevereiro passado, um novo marco para as finanças públicas. A âncora fiscal passou a ser a trajetória da dívida pública que será perseguida pelos governos federal, estadual e municipal. As metas de resultado primário serão definidas de forma a permitir que a trajetória da dívida seja cumprida. Para isso, os governos terão que adotar medidas de contenção de despesas e elevação de receitas que permitam alcançar as metas.

A raiz da polêmica está no fato de que o artigo da EC 109, ao tratar desta questão, prevê aprovação de lei complementar especificando “a trajetória de convergência do montante da dívida com limites definidos em legislação”. O artigo 52 da Constituição define que é competência privativa do Senado fixar, por proposta do presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados e dos municípios. A discussão é se a EC 109 invadiu uma competência do Senado.

Na interpretação do Ministério da Economia, não há conflito entre o artigo 52 da Constituição e a EC 109. A atribuição do Senado, de acordo com esse entendimento, é fixar limite máximo para o endividamento dos entes. E o objetivo da EC 109 é fixar limites prudenciais para definir uma trajetória para a dívida, que, se superados, acionam os gatilhos das medidas de ajuste.


Adriana Fernandes: É hora de abrir o olho para que as 'boiadas' não passem na pandemia

Não queremos a continuidade prometida pelo futuro ministro da Saúde

Mesmo sob ameaças e críticas daqueles que defendem a economia acima de tudo e das mortes de brasileiros que poderiam ser evitadas, esta coluna de análise econômica vai continuar apoiando e alardeando a necessidade de adoção de medidas restritivas de isolamento para conter a transmissão acelerada da doença. E também para salvar a economia do desastre maior. Repetir e repetir.

Para um país sem vacinas suficientes para imunizar em massa a sua população, é o único caminho apontado por cientistas para conter o colapso do sistema de saúde público e privado que transformou todo o Brasil numa grande Manaus e celeiro de variantes do vírus.

Necessitamos de medidas (efetivas), bem planejadas em cada localidade, que aumentem a taxa de isolamento, e não ações de prefeitos e governadores que vão sendo desidratadas e acabam resultando em ganho muitíssimo limitado por causa da pressão econômica e política dos seus adversários. Temos de parar de verdade. É preciso coragem política e espírito humanitário para afastar interesses eleitorais neste momento de descontrole, o maior colapso sanitário e hospitalar da história do País, na definição da Fiocruz.

A pandemia, infelizmente, está mostrando que a maioria dos governantes, parlamentares e lideranças empresariais brasileiras não está à altura do momento para enfrentar essa guerra que mata tantos de nós e destrói a economia. Há dez dias, chocou a notícia de que morreriam 3.000 pessoas por dia no Brasil. Hoje, o número é realidade.

Os empresários que fazem agora campanha contra o isolamento daqui mais um tempo vão pedir para as medidas serem adotadas. A razão é simples. Médicos e enfermeiros não são insumos que se compram na prateleira. O caos já derruba o PIB, desorganiza a economia e afasta investidores. O BC aumenta os juros de 2% para 2,75% (na aposta mais alta) em plena queda do PIB para conter a aceleração da inflação. Sinal de que as coisas não andam bem para a economia e já na primeira reunião após a aprovação da autonomia.

Não queremos a continuidade prometida pelo futuro ministro da SaúdeMarcelo Queiroga. Em vez de ficar em Brasília para instalar seu gabinete de crise, planejar a ação e orientar a nação, preferiu ir para o Rio de Janeiro, ao lado do general Eduardo Pazuello, para receber as primeiras doses da vacina da Oxford fabricadas no País. 

Não queremos mais cerimônias de chegada e distribuição de vacinas. Se ao menos o ministro tivesse ido a um hospital para ver a fila de pessoas doentes sem leito, teria sido um alento. É tarde para o governo Jair Bolsonaro “só” falar de mudanças de hábitos, usar máscaras, manter “um grau” de afastamento social e medidas hospitalares. Os países sérios fazem planos e executam. 

Neste momento tão dramático, em que o foco tem de ser o bom combate da doença, é desconcertante para aqueles que escrevem sobre economia continuar falando sobre temas outros que não a pandemia, a crise do sistema de saúde e os relatos particulares de cada um dos brasileiros.

É necessário, porém, seguir mostrando o impacto da pandemia na economia, falar sobre câmbio, juros, inflação, gastos públicos, estimular o debate que aponte rumos, pressionar para que ações emergenciais saiam rapidamente e não se perca mais tempo.

É um absurdo governo e Congresso enrolarem por meses a aprovação do auxílio emergencial e depois de a PEC ter sido aprovada, na sexta-feira passada, o benefício só começar a ser pago em abril. Não tem desculpa que justifique tamanha crueldade e falta de planejamento.

É hora também de abrir o olho, ser vigilante, para que as “boiadas” econômicas, assim como as ambientais, não passem com a justificativa da pandemia. A derrubada de vetos garantindo perdão tributária às igrejas e mais poder de emendas aos parlamentares mostram que as boiadas passam. As falhas e a falta de atenção nessa vigilância serão cobradas no futuro. Perguntaremos: onde estávamos?  

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A coluna de hoje é dedicada ao seu Gomes, goiano e pai da repórter Lorenna Rodrigues da sucursal de Brasília do Estadão, que morreu de covid-19 após batalha incansável da família por atendimento hospitalar, que chegou tarde demais.


Míriam Leitão: BC surpreende e passa recado

A alta de juros era esperada. Mesmo assim, o Banco Central surpreendeu duplamente. Pela decisão de elevação em 0,75%, que era a aposta de um grupo pequeno no mercado, e por indicar que será mais rápido o ajuste da política monetária. O Banco Central preferiu fazer um movimento mais decidido, para aumentar as chances de cumprimento da meta de inflação e, ao mesmo tempo, combater a piora da confiança na economia brasileira. A alta de juros ocorre no pior momento da pandemia, com os governadores e prefeitos decretando paralisação de atividades, para tentar conter o colapso.

Difícil explicar como os juros podem subir numa hora dessas. A economia está parando, as expectativas de crescimento piorando e a pandemia se agravando. Pelo comunicado, a piora da pandemia pode reduzir a atividade e, portanto, a pressão inflacionária, porém o risco fiscal está elevado no país. Não só pelo aumento dos gastos necessários para combater a pandemia, mas porque os sinais de ajuste futuro não estão claros. Pelo contrário.

A encrenca do BC é que é cada vez mais comum a previsão de que os dois primeiros trimestres terão PIB negativo. Ou seja, a economia está recessiva. Mesmo assim, os preços dos alimentos e de matérias-primas sobem, e o câmbio está muito pressionado. Houve complicadores na decisão do Copom. Essa foi a primeira reunião após a aprovação da autonomia do Banco Central. A alta dos juros alimentará, portanto, as críticas ao órgão. E mais: nos Estados Unidos a decisão foi oposta. A economia está com forte projeção de crescimento e tem pressões inflacionárias, mas a decisão foi a de manter os juros no intervalo entre zero e 0,25%. E lá a vacinação está andando de forma célere depois da posse do presidente Joe Biden. O novo governo mudou completamente a orientação no combate à pandemia.

Aqui no Brasil, o ministro Paulo Guedes descreve uma realidade paralela. Segundo ele a economia está “decolando de novo” e houve criação recorde de empregos. Se o cenário fosse esse, seria até mais fácil para o Banco Central ter tomado a decisão que tomou, de elevar a Selic, como resposta aos sinais persistentes de inflação. O Ministério da Economia divulgou esta semana com fanfarras o dado de 260 mil empregos formais criados em janeiro, segundo o Caged. Teria sido o maior da série, passando inclusive janeiro de 2010, ano em que o país cresceu 7,5%. Que sentido faz isso? Os especialistas mostram que há vários problemas no dado.

— Houve uma quebra de série, a metodologia mudou no ano passado, portanto, não se pode fazer comparação histórica — diz o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV.

Ele explica que a comparação da série antiga com a série nova, com base nos dados de 2019, quando ambas andaram juntas, mostra uma diferença de 74% a mais no saldo de empregos na nova forma de registro. O antigo Caged era feito com base nas declarações das empresas formais sobre contratações e demissões. O novo é feito a partir do e-social e conta também os temporários. É normal haver mudança metodológica, mas o que se faz é manter a série anterior por mais tempo para que os especialistas possam comparar e entender com se comporta o novo indicador. Quando o IBGE passou da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) para a PNAD Contínua, que agora mede o desemprego, o indicador antigo ficou por quatro anos. No caso atual ficou apenas alguns meses. O pior erro técnico, contudo, é comparar com a série histórica depois de ter mudado a metodologia do índice. Marqueteiros fazem isso, economistas, não.

O economista Daniel Duque, da FGV, admite que parou de prestar atenção no saldo do Caged, porque ele acha que não há nada que explique números tão fortes. Há total discrepância entre o Caged e os dados de mercado formal na Pnad do IBGE. O instituto registra queda de trabalhadores do mercado formal.

A alta de juros ocorre num momento em que o presidente continua boicotando medidas de combate à pandemia e dá sempre sinais contraditórios na área fiscal. A melhor política de estímulo ao crescimento e ao emprego seria uma coordenação federal eficiente no combate à pandemia, e um amplo programa de vacinação. Adianta pouco Guedes falar agora que é a favor da vacinação em massa. O Ministério da Economia, se tinha noção disso, deveria ter tentado convencer o presidente a mudar de atitude.


Bruno Boghossian: Dois ministros e nenhum plano na fase crítica da pandemia

Pazuello e Queiroga não falam em urgência porque Bolsonaro não demonstra angústia

O Brasil deve ser o único país do mundo que tem dois ministros para gerenciar uma política oficial desastrosa na saúde. No momento em que a média de mortes ultrapassou a faixa de 2.000 por dia, o general Eduardo Pazuello e o doutor Marcelo Queiroga apareceram juntos para mostrar que o governo continua sem um plano de emergência para a fase crítica da pandemia.

De saída, o militar parece interessado na missão impossível de salvar a própria imagem. Pazuello assistiu no cargo à escalada de mortes 15 mil para 285 mil em dez meses e seguiu as vontades mais descabidas do chefe. Ainda assim, ele acha que conseguirá evitar uma merecida condenação pública ao deixar o posto.

Pela segunda vez na semana, o general fez um balanço colorido de sua gestão. Nesta quarta (17), ao receber as primeiras doses da vacina contra a Covid-19 produzidas pela Fiocruz, ele disse que a imunização lenta no Brasil foi provocada por atrasos na chegada de insumos. Seria bom se o país tivesse um especialista em logística para contornar esse problema.

Pazuello discursou como um corretor imobiliário que vendia um apartamento com um ano de atraso. “Vou entregar a ele um ministério estruturado, organizado, funcionando e com tudo pronto”, disse, em referência ao sucessor. E fez questão de dizer que pouca coisa vai mudar daqui por diante: “O doutor Marcelo Queiroga reza pela mesma cartilha”.

Já o futuro ministro participou do evento como se já estivesse no cargo. Disse que pretendia “dar início ao maior programa de imunização” do país, dois meses depois da aplicação da primeira dose do imunizante. Depois, ele deixou a pregação bolsonarista de lado por um instante e defendeu o distanciamento social. Faltou dizer se o presidente vai parar de sabotar essas medidas.

Nenhum dos dois ministros fala em ações urgentes porque o chefe da dupla jamais demonstrou angústia com a tragédia nacional. Jair Bolsonaro passou a quarta em reuniões. Cancelou um evento no Planalto e nem chegou perto da Fiocruz.


Merval Pereira: Rejeição em alta

Todas pesquisas recentes revelam queda na popularidade do presidente Bolsonaro, que mantém ainda cerca de 25% a 30% de apoio, mas seu núcleo duro gira em torno dos 15%, segundo revela a mais recente pesquisa do Datafolha. São esses seguidores fanáticos, que o apoiam, faça o que fizer, que garantem um patamar mínimo para a manutenção de sua popularidade em níveis competitivos.

Esse grupo seria a base barulhenta que sustentou a candidatura de Bolsonaro em 2018 e ainda hoje é arregimentada para trabalhos sujos, como os ataques contra a médica Ludhmila Hajjar comandados pelos integrantes do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto. Os ataques diretos ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram controlados pela reação rápida e até mesmo temerária do STF, que abriu inquéritos para investigar as ações desses grupos nas redes sociais.

Classifico de temerária porque o Supremo é investigador e juiz de casos de fake news que configuram ataques contra a própria instituição, sem a interferência do Ministério Público. Essa anomalia, no entanto, foi superada pelos fatos subsequentes, quando ataques à própria democracia foram realizados, com o apoio tácito do presidente Bolsonaro.

O Ministério Público pediu a abertura de inquérito, que também está sob o comando do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, e a vinculação entre as duas investigações ficou evidente, revelando uma organização criminosa com financiamento até mesmo do exterior.

A prisão do deputado Daniel Silveira foi exemplar no sentido de tentar erradicar esses abusos da liberdade de expressão. Vários artigos da Constituição foram afrontados pelo deputado, como propagar ideias contrárias à ordem constitucional e ao estado de direito, além de crimes contra a honra dos ministros do STF, segundo a Lei de Segurança Nacional.

O uso abusivo desse entulho da ditadura militar pelo ministro da Justiça, André Mendonça, que aciona a Polícia Federal para perseguir qualquer pessoa que critique o presidente Bolsonaro, cria um ambiente de intimidação incompatível com a democracia. São perseguidos especialmente jornalistas e artistas, como o comediante Danilo Gentili, que, a pedido do Congresso, está sendo processado por ter dito que gostaria de dar um soco em deputados federais, apesar de ter se desculpado. Também o youtuber Felipe Neto, por ter chamado Bolsonaro de “genocida”, quando existem processos, já sendo analisados no Tribunal Penal Internacional de Haia, devido a acusações de grupos de defesa dos direitos humanos, como a Comissão Arns, que o acusam de “incitar o genocídio”.

Até mesmo um advogado, Marcelo Feller, foi enquadrado na LSN por ter criticado o presidente Bolsonaro durante o combate à pandemia da Covid-19. Também professores da Universidade Federal de Pelotas foram obrigados pela Controladoria-Geral da União a assinar um termo de ajustamento de conduta por ter criticado o presidente. A reação foi tão grande que o governo desistiu da sandice. A Faculdade de Direito da UNB soltou uma nota em que informa “à sociedade brasileira e em especial a todos os professores e alunos brasileiros que seguirá respeitando e garantindo a liberdade de ensino, sem ceder um único milímetro a quaisquer pressões de natureza despótica e inconstitucional”.

O caso mais ridículo é o de cartazes com críticas a Bolsonaro, considerados “crime contra a honra”, em Palmas (TO). Um diz que Bolsonaro “vale menos que um pequi roído”, gíria local para pessoas que não valem nada. O outro, que o presidente “mente”. Essas reações, além do espírito autoritário do governo, mostram como a imagem do presidente está desgastada.

O último Datafolha revela clara rejeição ao governo. É uma tendência inexorável, que não dá para recuperar, a não ser que faça mea culpa e mude de atitude. Caso contrário, Bolsonaro sairá da pandemia muito mais desgastado, e o país mais tarde do que poderia. Bolsonaro fez uma jogada política arriscada, pensando na reeleição. O governo deveria ter dado o auxílio emergencial mais rapidamente, mas não teve visão imediata dos problemas sociais que poderiam acontecer. Tentou minimizar a gravidade da crise sanitária e perdeu, fazendo com que perdêssemos todos.


Ricardo Noblat: Acendeu a luz vermelha para a reeleição de Bolsonaro

Se tiver impeachment ainda vai demorar

Uma notícia boa para o presidente Jair Bolsonaro: a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment contra ele. É o que pensam 53% das 2.030 pessoas em todo o Brasil entrevistadas por telefone pelo Datafolha nos últimos dias 20 e 21. O percentual era de 50% no início de dezembro. Os que defendiam o impeachment caíram de 46% para 42%. Parabéns, presidente!

Quanto ao mais descoberto pelo Datafolha, só tem notícia ruim – com efeito, em linha com pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Paraná, Ipespe e IDEIA. Subiu de 32% para 40% os que avaliam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Os que avaliam como ótimo e bom diminuíram de 37% para 31%. É a maior queda desde o começo do seu governo há dois anos.

Metade dos brasileiros considera que ele não tem capacidade para governar e não merece confiança. Nunca confiam em sua palavra 41% (eram 37% em dezembro) dos entrevistados, enquanto 38% o fazem às vezes (eram 39%) e 19%, sempre (eram 21%). Também pudera. Bolsonaro, hoje, diz uma coisa e amanhã o seu oposto. Fala mal das vacinas, depois as compra e fala mal outra vez.

As pessoas que têm medo de pegar o novo coronavírus estão entre as que mais rejeitam o presidente. A rejeição a ele entre os que têm muito medo de ser infectados pelo vírus saltou de 41% em dezembro para 51%. A aprovação caiu de 27% para 20%. Entre quem tem um pouco de medo de infectar-se, a rejeição subiu de 30% para 37%. A parceria com o vírus fez mal a ele.

O presidente é mais rejeitado entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (52%), com curso superior (50%), mulheres e jovens de 16 a 24 anos (46%). Os mais ricos e instruídos são os que menos confiam nele, bem como os jovens. Os empresários – sabe como é… – seguem sendo o grupo profissional mais fiel a Bolsonaro. 58% acreditam na sua capacidade de governar.

O que explica a quantidade de más notícias para o presidente? O recrudescimento da pandemia com o aumento de casos e de mortes em todo o país, a crise da falta de oxigênio em Manaus, a performance desastrosa do governo neste início da vacinação em massa e o fim do pagamento do auxílio de emergência em 31 de dezembro aos brasileiros mais pobres.

No Nordeste, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro passou de 34% para 43%, e tende a aumentar. Em junho do ano passado foi de 52%. O maior tombo ocorreu no Norte, onde fica Manaus, e no Centro-Oeste, região que sempre foi um reduto dos bolsonaristas. Bolsonaro amarga 44% de rejeição no Sudeste, a região mais populosa do Brasil, 10 pontos percentuais a mais do que no Sul.

Sempre poderia ser pior, e é nisso que se agarram os ministros de Bolsonaro e os políticos do Centrão gulosos por mais cargos no governo. Quanto mais crescerem as dificuldades para o presidente renovar seu mandato, mais o Centrão se oferecerá para ajudá-lo. Caso se convença mais adiante que Bolsonaro será derrotado, o Centrão negociará com quem possa se eleger.

Quem dispensa máscara e se aglomera é burro

Desabafo de prefeitos aflitos

Nas últimas 48 horas, dois prefeitos de grandes cidades perderam a paciência e chamaram de burros os que dispensam o uso de máscara, engrossam aglomerações e não querem se vacinar..

Um foi Alexandre Kalil (PSD), prefeito reeleito de Belo Horizonte no primeiro turno com a maior votação do país – 63,36% dos votos válidos. Foi curto e grosso, bem ao seu estilo:

 “Eu confio 200% na vacina, eu confio na ciência. Nós temos uma tradição de vacinas no Brasil. Todo mundo tem de se vacinar, quem não quer é negacionista, idiota e burro.”

O outro, Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, eleito no segundo turno com 64,7% dos votos válidos, quase o dobro de Marcelo Crivella (Republicanos), seu adversário. Disse Paes:

“Para vocês que sabem que não vão pisar nas baladas, nas festas, deixem de ser burros. Vocês estão matando as pessoas”.

No Rio, todas as 33 Regiões Administrativas da cidade têm, agora, risco alto de contágio. Eram 25 na semana passada. Em São Paulo, só os serviços essenciais poderão abrir nos fins de semana.

Enquanto isso… No dia em que o governo federal celebrou a chegada de 2 milhões de doses de  vacinas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar mal das vacinas. Faz sentido?

Antes, Bolsonaro falava mal apenas da Coronavac, a vacina chinesa bancada pelo governador João Doria (PSDB), de São Paulo, e produzida pelo Instituto Butantan. Agora, não faz distinção.

Esta semana, à falta do que fazer ou de querer fazer alguma coisa, Bolsonaro passou um largo pedaço de tarde assistindo ao treino do Flamengo que enfrentaria o Palmeiras em Brasília. Foi vaiado.

Se a Índia não se dispuser a vender mais vacinas da Astra/Zêneca, as que chegaram ontem aqui darão para imunizar apenas 1 milhão de pessoas. São duas doses por pessoa.

A China prometeu doar 1.700 cilindros de oxigênio para que Manaus volte a respirar relativamente em paz. Sobre a remessa de insumos para a fabricação da Coronavc, nada por ora.

Nesse ritmo, o Brasil entrará em 2022 vacinando e com mais mortos e doentes. Culpa do governo federal – e também dos milhões de burros que pastam por aí.


Ascânio Seleme: De costas para o Brasil

Ao que parece, mais uma vez o Congresso vai dar as costas aos brasileiros. Os números apurados pelo GLOBO e pela Folha de S. Paulo indicam que o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco devem ser eleitos presidentes da Câmara e do Senado. Os dois, como se sabe, são os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro. Pacheco em duas entrevistas disse que até agora não viu crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e que “erros do governo na pandemia são escusáveis”. Lira não precisa dizer nada, todo mundo sabe o que ele pensa e como ele age.

O que se desenha com a eleição destes dois senhores é que os evidentes crimes praticados por Bolsonaro, contabilizados já na casa das duas dezenas, serão ignorados pelo Congresso. E obviamente também não tramitará qualquer outra denúncia por novos crimes que certamente o presidente perpetrará. Até o momento, 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro foram encaminhados ao Congresso por partidos políticos e entidades civis. O presidente deveria ser julgado por apoiar o golpe de 1964, apoiar motim da PM, tentar interferir na PF, apoiar manifestações antidemocráticas, se calar diante de declarações antidemocráticas de ministros, ameaçar o STF, ameaçar procuradores, atentar contra a vida na pandemia, entre outros crimes.

Como se vê, o presidente do Brasil é um criminoso contumaz. E a maioria dos 594 deputados e senadores que vão eleger os novos chefes das duas casas do Congresso tende a se alinhar àqueles que já disseram publicamente que os erros de Bolsonaro são desculpáveis ou que ele não cometeu crime. Não precisa ser muito esperto para entender o que a constatação explica. E a sua compreensão depõe ainda mais contra o Congresso brasileiro. Deputados e senadores estão trocando votos por cargos, vantagens e benesses do poder executivo, como sempre. Em alguns casos, compreende-se. Em outros, não.

Não surpreende, por exemplo, que mesmo alguns parlamentares do DEM de Rodrigo Maia, que apoia Baleia Rossi para dirigir a Câmara, votem em Arthur Lira. O Democratas é um partido de aglomeração. Reúnem-se nele políticos de centro, de centro-direita ou de direita. O partido não vota monoliticamente como orientação política, mas sempre apoia medidas de caráter liberal. Sucessor da Arena e do PDS, que dominaram o Congresso durante a ditadura, virou coadjuvante em todos os governos civis desde José Sarney. O DEM é conhecido pelo seu gosto de apoiar governos, não importa qual.

Os senadores do PT, por outro lado, anunciaram que vão votar em Rodrigo Pacheco. E não é por falta de opção. Significa que o maior partido de esquerda do país, teoricamente o principal opositor do governo de extrema direita de Bolsonaro, se alia a este e como consequência o auxilia a encobrir seus crimes de responsabilidade. Um petista que circula pelos altos escalões do partido diz que no Senado “o bicho é outro”, que as razões internas superam as questões partidárias. Como? Pois é. O partido que em 1985 expulsou os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, vai permitir agora que seus senadores votem com Bolsonaro.

No meio do caos que o governo promoveu no país, especialmente durante a pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros, é incrível que Bolsonaro ainda tenha prestígio no Congresso a ponto de conseguir eleger os presidentes de Câmara e Senado. Sob qualquer ângulo que se olhe, nenhum presidente desde Deodoro da Fonseca, que derrubou um império e instaurou uma república, tumultuou tanto o país quanto Bolsonaro. O Congresso é cego? Não, claro que não. Ele se faz de cego porque as votações para presidentes das duas casas serão secretas. E no escuro tudo fica mesmo muito embaçado.

Antes de a vaca ir de vez para o brejo, dá tempo para o presidente Rodrigo Maia cumprir seu papel histórico antes do fim do seu mandato, aceitando um dos 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro que repousam em sua mesa. Não vale dizer que o processo daria em nada. Porque não é verdade. Impeachments são votados a plenos pulmões, a viva voz e com o rosto descoberto dos parlamentares, que usariam no máximo uma máscara profilática, pelo menos os não negacionistas. Aí a coisa muda, não é mesmo? Apoiar publicamente um presidente com popularidade de míseros 26% (Pesquisa Exame/Idéia) é diferente de votar num parlamentar bolsonarista, ainda mais protegido pela escuridão.

CONTANDO COM O OVO

A turma do deputado Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidente da Câmara, garante que vai ganhar a eleição em fevereiro, quando os deputados voltarem do recesso parlamentar. Diz que vai fazer barba, cabelo e bigode.

Um dos mais fiéis deputados da base governista afirma que Lira fará maioria de votos até mesmo no DEM de Rodrigo Maia, o que seria um vexame para o filho de Cesar. O fato é que Lira está contando com o ovo mesmo sem antes ter combinado com a galinha.

A MELHOR ESCOLHA

Bolsonaro pode ter se frustrado com seus escolhidos para os ministérios da Justiça e da Saúde. Afinal, Sergio Moro e Luiz Mandetta não o obedeceram cegamente quando as primeiras demandas absurdas foram apresentadas. Moro não entregou o controle da PF ao presidente e Mandetta não endossou bestamente a cloroquina. Mas de onde menos se esperava é que veio o melhor cúmplice, quero dizer, o melhor aliado ou a melhor escolha de Bolsonaro. Trata-se do procurador-geral da República, Augusto Aras. Logo ele, quem tem mandato e prerrogativas.

BOBALHÃO

O chanceler Ernesto Araújo disse ao Congresso que não há nenhuma crise diplomática entre o Brasil e a China. As negociações entre os dois países seguem sem sobressalto, garantiu o ministro que apenas a ala fascista (que muitos chamam de ideológica) do governo apoia. Quem acha que a China é pragmática demais para retaliar, veja o que ela fez na quinta com líderes do governo Trump. Até Mike Pompeo, ex-secretário de Estado dos EUA, não pode mais entrar no país. Se alguma empresa americana o empregar, terá eventuais contratos com o gigante asiático suspensos. Outros 26 apoiadores ou membros da equipe de Trump receberam as mesmas sanções. Quem sabe Ernesto Araújo não toma emprestado o hipnotizador do general Pazuello para negociar com os chineses.

Vai ser bobo assim lá na China.

CARTA DO BOZO

Quem escreveu a carta que Jair Bolsonaro mandou para o recém empossado presidente dos Estados Unidos? Não importa, desde que seja imediatamente nomeado ministro das Relações Estrangeiras. Ou, não. Pode ser mais uma falsidade emanada daqueles porões escuros do Planalto.

SE FOSSE SERRA

Foi em 2001, na gestão do ex-ministro das Saúde José Serra, que o Departamento de Comércio dos Estados Unidos e os laboratórios globais produtores de medicamentos contra a Aids se dobraram ao Brasil e passaram a negociar preços. Depois de muita pressão de Serra no Congresso, tinha sido aprovada lei autorizando a quebra de patentes dos remédios que compunham o coquetel anti HIV. As negociações, que só ocorreram para evitar a quebra daquelas patentes, foram uma vitória brasileira e os preços despencaram. A lógica de Serra vale ainda hoje: o mercado nacional é muito grande para ser tratado com descaso e o Estado brasileiro é um dos maiores compradores globais de remédios. Depois da pandemia, o mundo continuará consumindo medicamentos para todas as outras doenças.

FALTAM LEITOS

Os dados são do IBGE. Enquanto a população brasileira cresceu 8,4% entre 2012 e 2019, o número de leitos do SUS, por mil habitantes, caiu 12,8%. No Rio, no mesmo período, a população cresceu 6,4% e os leitos do SUS diminuíram inacreditáveis 28,4%. Pode?

VACINA PRIVADA

Faz sentido impedir que clínicas e empresas privadas comprem diretamente lotes de vacinas para vender aos seus clientes ou para aplicar em seus empregados. Afinal, estamos falando de uma pandemia que alcança a todos indistintamente, mesmo os desempregados e aqueles que não teriam dinheiro para comprar uma dose privada. Mas há quem defenda a liberação, que poderia reduzir a pressão sobre a rede pública. Pode ser. Mas, talvez mais adiante.

AGORA VAI

Rebuliço no Palácio da Paz Celestial. Chegou a carta do deputado Fausto Pinato (presidente da Comissão Parlamentar Brasil/China) para o líder Xi Jinping pedindo prioridade para o Brasil na liberação das vacinas e dos insumos necessários para a sua produção. Não se fala de outra coisa em Pequim.

PAPO ADIADO

Algumas horas antes do início previsto, foi cancelado o bate papo organizado pela Lide Talks de Santa Catarina entre o governador Gean Loureiro e o deputado estadual Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa do estado. É que no amanhecer do dia do “talk”, Garcia foi preso pela PF numa operação contra uma organização criminosa especializada em fraudes, desvios de verbas públicas e lavagem de dinheiro. Fica para a próxima.


Marco Aurélio Nogueira: O presidente caricato

Democratas precisam evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo

Surpreende que o mundo político, em sentido estrito – Congresso, parlamentares, partidos –, somente agora comece a cogitar de um possível impeachment presidencial por crimes de responsabilidade.

Quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ativo militante do moderantismo, veio a público declarar (15/1) que o afastamento de Bolsonaro do cargo de presidente da República “será debatido de forma inevitável no futuro”, ele deu o tom de uma inflexão que se poderá consolidar nos próximos meses. Aproveitou para chamar às falas o Congresso, que inexplicavelmente se mantém em recesso enquanto o País pega fogo.

Bolsonaro não havia sido, até agora, atingido por uma ameaça desse tipo. A primeira etapa de seu mandato foi um período de desgoverno e tragédia, em que ele pintou e bordou, agindo com uma mistura patética de tiranete, chefe de gangue e godfather tropical. O escárnio diante do vírus, do povo, da vacina e dos cientistas foi constante, mastigado com indiferença e como prova de “autenticidade” por uma população em grande parte anestesiada. Com a pandemia, sua personalidade desequilibrada e narcisista ganhou plena manifestação. Os meses foram se passando e os estragos, aumentando. Seu prontuário engordou.

O presidente fez política contra a política, empenhado em criar confusão para camuflar sua incompetência e atiçar seus seguidores. Em nenhum momento, porém, pôde proclamar-se vitorioso.

O padrão oposicionista seguiu roteiro conciliador, que travou os planos maléficos do presidente. Fez o rei ficar nu. Meio que em silêncio, com muito jogo de bastidores, possibilitou que houvesse alguma governação no Brasil, paralisando a Presidência da República.

Bolsonaro foi reduzido a uma caricatura de presidente, que fala compulsivamente, de modo agressivo, com cálculo de malandro, boca cheia de impropérios e grosserias, mas é inepto e pouco faz de positivo. Age como um animal encurralado, que ameaça sem morder. Continua a atacar as instituições, a instigar as Forças Armadas, a ameaçar retrocessos. Com os venenos que produz na cozinha do Palácio constrói um imaginário negativo, polarizador, que confunde e corrói. Suas orientações esvaziam e destroem setores estratégicos das políticas sociais, dos direitos humanos, da economia, da proteção ambiental. Sua indigência diplomática comprometeu até mesmo a produção das vacinas e a campanha de vacinação.

A oposição teve sucesso nessa que a mente afiada do cientista político baiano Paulo Fábio Dantas Neto chamou de “estratégia maricas”: o bolsonarismo foi forçado a negociar.

Os humores mudaram, porém. Quanto mais a pandemia se agravou, quanto mais os ministros de Bolsonaro mostraram sua desqualificação, quanto mais o País se foi marginalizando no sistema internacional e fracassando no comércio bilateral, mais aumentou a pressão para o encontro de uma solução.

Abriu-se assim uma nova etapa da luta política. Ainda que a “estratégia maricas” consiga continuar arrancando a fórceps decisões do governo federal, ela precisa ser complementada por uma estratégia mais contundente, que aperte o cerco, mas saiba evitar tentações polarizadoras, escolhos e armadilhas.

A nova fase transcorrerá em algumas frentes principais.

A primeira é a afirmação de um campo oposicionista democrático consistente, que consiga soldar os diferentes partidos e forças políticas numa unidade programática mínima, forjada sem vetos ideológicos, firulas acadêmicas e cálculos políticos sofisticados.

A segunda é a organização do clamor popular, com a invenção de formas de protesto que aumentem o som das panelas e contornem a dificuldade de se ter gente nas ruas.

A terceira é o processamento político das denúncias de crime de responsabilidade contra Bolsonaro. Disso dependerá a abertura ou não do impedimento constitucional do presidente. Por mais que esse seja um passo delicado, sobretudo quando se considera que o presidente tem apoio popular e parlamentar, há no Congresso lideranças com inteligência política e dignidade cívica para impedir que as labaredas da crise institucional incendeiem o País.

No curto prazo, uma quarta frente passa pelo desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Muitos parlamentares estão em flutuação, marcando posição, sem compreender a importância de um evento que poderá definir muito do ritmo político daqui para a frente. Mas é o que se tem. Os operadores democráticos precisarão trabalhar dobrado, sensibilizar setores do Centrão e da esquerda para evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo.

O recurso ao impeachment poderá catalisar o mal-estar que hoje, impregnado de horror, medo e repulsa, se espalha pela sociedade. Como está não pode ficar. A perspectiva conciliadora, vitoriosa em nossa História recente, só tem a ganhar se adquirir corpo e poder de direcionamento, contrapondo ao negativismo radical do presidente o ar renovado da política positiva. Sem o qual, aliás, nenhum vírus será derrotado.

*Professor titular de teoria política da Unesp