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Celso Rocha de Barros: Mendonça e Aras são cabo e soldado de Bolsonaro em novo ataque à democracia

Ministro da Justiça produziu dossiê contra 'antifascistas' e procurador-geral da República faz guerra contra Lava Jato

O ministro da Justiça, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, são o cabo e o soldado de pés chatos que Bolsonaro usa em seu novo ataque à democracia brasileira.

Mendonça, que virou ministro da Justiça quando Moro deixou o cargo, vem se destacando na perseguição contra adversários do governo.

Produziu um dossiê contra “antifascistas” que incluía dois acadêmicos respeitados, Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, bem como policiais de esquerda, que poderiam vir a ser um obstáculo ao aparelhamento das polícias.

Aras, por sua vez, faz guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e tenta centralizar os instrumentos de investigação para usá-los no interesse do golpismo. Enquanto Mendonça briga para prender antifascistas honestos, Aras briga para manter fascistas corruptos em liberdade.

A guerra bolsonarista contra a Lava Jato vem produzindo cenas curiosas. Na semana passada, por exemplo, o bolsonarista Alexandre Garcia usou as revelações da Vaza Jato para criticar a turma de Curitiba.

Quando o Intercept Brasil publicou as denúncias, Garcia estava entre os que atacaram os jornalistas. Pesquise o artigo “Estranhas Coincidências”, publicado em 30 de julho de 2019, em que Garcia repete a mesma lista de mentiras que os bolsonaristas lançavam na época contra Glenn Greenwald e sua família.

Na esquerda, que perdeu uma, e talvez duas Presidências da República no auge do lavajatismo, há gente comemorando a guerra de Aras contra Curitiba. Pode ser compreensível, mas é um erro.

Ninguém ficaria surpreso se, enquanto tenta desmontar a Lava Jato, Aras requentasse uma delação contra Lula para acalmar os bolsonaristas que ainda mentem que se preocupam com corrupção.

Na direita tradicional também tem gente querendo ver no desmonte da Lava Jato uma espécie de acomodação de Bolsonaro com o centrão, o que, por um raciocínio meio tortuoso, poderia ser visto como aceitação da política institucional.

A política brasileira vem sendo isso, um esforço para que um sujeito que causou cem mil mortes aceite ser menos golpista se a gente ajudá-lo com uns problemas que ele tem com a polícia.

E mesmo isso me parece otimismo demais. Não acho que o acordão vai parar o golpismo.

Bolsonaro ficou com raiva da polícia e do Judiciário porque eles pegaram Queiroz e atrapalharam seu autogolpe. Quando Judiciário e polícia tiverem sido aparelhados, Bolsonaro voltará à carga.

Talvez por isso MDB e DEM tenham saído do bloco parlamentar do centrão semana passada. A manobra parece ter sido pensada para enfraquecer Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara. Se for isso, MDB e DEM estão certíssimos.

Não se pode entregar o controle da presidência da Câmara, que com Rodrigo Maia foi um dos pontos de resistência ao autoritarismo, a quem se tenha vendido a Bolsonaro.

Da mesma forma, o leilão da vaga no STF para quem fizer a maior oferta de golpismo tem que acabar. É preciso ficar claro que o Senado não aprovará o vencedor da disputa.

De qualquer forma, cabo Mendonça e soldado Aras são bem mais fáceis de combater do que os cabos e soldados com quem Bolsonaro ameaçava o Brasil um mês atrás. Mas são um sinal importante para quem acreditava que Bolsonaro havia se tornado mais moderado nesse mês que ficou em casa apanhando de ema.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Bernardo Mello Franco: Siqueirinha faz escola em Brasília

O desembargador que ofendeu os guardas não está sozinho. Em Brasília, multiplicam-se episódios de autoritarismo e incivilidade entre homens da lei. Um deles se deu na sexta-feira, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público.

Em cruzada contra a Lava-Jato, o procurador-geral Augusto Aras enfrentou uma rebelião de colegas. Quando o subprocurador Nicolao Dino tentou contestá-lo, foi calado aos gritos. “Não aceitarei ato político em sessão de orçamento”, exaltou-se Aras.

Mais tarde, ele permitiu a manifestação dos insatisfeitos. “Um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei”, afirmou Dino. Foi a senha para um novo bate-boca.

Irritado, Aras passou a se dizer vítima de fake news. “Sob a voz lânguida de algum colega, existe a peçonha da covardia de não mostrar a cara”, engrossou. Em seguida, ele fez um comentário machista sobre a subprocuradora Luiza Frischeisen. Depois impediu uma fala do subprocurador Nívio de Freitas. “Vossa excelência não tá com palavra, não. Não vai ter palavra”, decretou.

Num monólogo enfezado, o procurador-geral acusou os colegas de promoverem “anarcossindicalismo”. Também atacou a imprensa, que viveria “a babar por sangue e reputações”. Finalmente, declarou que a sessão estava encerrada e se levantou da cadeira, sem ouvir a resposta dos ofendidos.

O Aras esbravejante de sexta lembrava pouco a figura dócil que confraternizou com advogados na terça-feira. Em live do grupo Prerrogativas, ele prometeu acabar com o “lavajatismo” e acusou procuradores de guardarem uma “caixa de segredos”em Curitiba. A força-tarefa cometeu erros e abusos, mas aquele não era o tom nem o lugar para o chefe do Ministério Público Federal espinafrá-la.

O procurador-geral ainda sugeriu, sem provas, a existência de fraudes em votações do MPF. Ele foi indicado por Jair Bolsonaro sem concorrer na eleição da lista tríplice, e tem atuado em sintonia fina com o presidente.

Após a fala, um dos anfitriões disse que a advocacia estava “em festa”. “Saio com a alma lavada. Era isso o que eu queria ouvir há muito tempo”, desmanchou-se o advogado Lenio Streck, um dos mais notórios críticos da Lava-Jato.

Noronha
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, chamou de “analfabetos” os jornalistas que o criticaram por libertar Fabrício Queiroz. Que o doutor não gosta de ser contestado, já se sabia. Mas ele deveria tomar mais cuidado com o que diz.

Ao atacar a imprensa, o ministro afirmou que “não existe isso de dar um habeas corpus coletivo”. Tentava justificar a decisão em que negou o benefício dado a Queiroz aos demais presos que estão no grupo de risco da Covid-19.

Candidato a uma vaga no Supremo, Noronha deveria saber que a Corte já concedeu um habeas corpus coletivo. Foi em 2018, em favor de gestantes e mães de crianças com até 12 anos.

A soltura de Queiroz é mais uma entre várias decisões do ministro que facilitaram a vida de Bolsonaro. Faltam 25 dias para ele desocupar a cadeira de presidente do STJ.


Ricardo Noblat: O truque de Aras para livrar Bolsonaro de ser processado por Dilma

Se depender de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, a maneira mais segura de o presidente Jair Bolsonaro atacar seus desafetos políticos sem receio de ser processado é limitar-se a reproduzir o que disse no passado sobre eles, por mais ofensivo que seja o que tenha dito.

Há quase um ano, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou no Supremo Tribunal Federal com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Em vídeo postado na sua rede social em agosto último, Bolsonaro reproduziu um discurso que fizera na Câmara dos Deputados em 2014 no qual comparou Dilma a uma “cafetina”.

Cafetina é mulher dona de prostíbulo. Ou que agencia prostitutas mediante pagamento. Mulher de baixos sentimentos. Também chamada de madame, proxeneta. À época, Bolsonaro estava indignado com Dilma por conta da Comissão Nacional da Verdade, que investigara crimes cometidos pela ditadura militar de 64.

“Comparo a Comissão da Verdade, essa que está aí, com aquela cafetina, que ao querer escrever a sua biografia, escolheu sete prostitutas. E o relatório final das prostitutas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Essa é a Comissão da Verdade de Dilma Rousseff”, afirmou Bolsonaro.

Por que se depender de Aras o Supremo arquivará a queixa-crime? Porque para ele, o comentário de Bolsonaro não foi feito durante seu mandato como presidente. E presidente da República não pode ser processado por atos anteriores à sua posse. Aras até admite que a conduta de Bolsonaro foi criminosa, mas…

Mas, nada! Para não se indispor com quem lhe presenteou com o cargo de Procurador-Geral da República, Aras preferiu basear-se na data da fala citada e não na data em que Bolsonaro reprisou a fala ofensiva a Dilma, compartilhando-a nas redes sociais quando já era presidente há oito meses. Truque jurídico vagabundo.

Caberá ao Supremo aceitar ou recusar o truque de Aras.


Vera Magalhães: Uma moda que passou

Tão em voga nos palanques em 2018, combate à corrupção vira estorvo

“Fim ‘do’ Lava Jato! Fim ‘do’ Lava Jato!”. Com uma pandemia que já matou mais de 95 mil brasileiros ainda no auge, empregos minguando e economia à deriva, foi esse o coro com que Jair Bolsonaro, eleito, entre outros fatores, de carona no lavajatismo, foi recebido no interior do Piauí, escoltado justamente por um réu na Lava Jato, o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira.

A nova onda de críticas, reações e ofensivas contra a mais notória força-tarefa de combate à corrupção já montada no Brasil une o presidente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Bolsonaro iniciou seu divórcio do lavajatismo com a saída de Sérgio Moro do governo. O deputado que nunca deu a mínima para combater a corrupção, enfiou a família toda na política, enriqueceu graças a ela, praticou toda sorte de petecagem miúda e já esteve em todos os partidos fisiológicos do abecedário, de repente virou o “capitão” que ia banir os malfeitores. Um enredo pobre e falso como uma nota de R$ 200 com a estampa da ema do Alvorada, mas muita gente embarcou na fantasia.

Com Moro fora do barco, o lavajatismo virou criptonita capaz de enfraquecer o “Mito” e criar um adversário poderoso. De quebra, a saída de Moro coincidiu com a chegada dos novos amigos de infância do Capitão, aquelas figuras mais carimbadas do antes demonizado Centrão, o seguro anti-impeachment tão sonhado. Réus, condenados, ex-presos, cabe todo mundo no barco.

O coro que recepcionou Bolsonaro não tinha nada de espontâneo. Para ajudar o governo, réus como Nogueira deixam claro que aguardam um acordão “com o Supremo, com tudo” para que as ações que lá tramitam dormitem, se possível para sempre.

Um Bolsonaro sem os arroubos de outrora contra o STF ajuda. Basta ver que o presidente não deu um “pio” de solidariedade aos fanáticos banidos das redes sociais por ordem de Alexandre de Moraes. Os novos amigos do Centrão ocupam aos poucos o lugar vago do olavismo tresloucado à mesa do bolsonarismo. Até Carluxo anda quietinho, quietinho.

Aí temos o plantão de Toffoli no recesso do STF. Num ímpeto produtivo, o presidente respondeu sozinho pelo plantão, contrariando a prática de dividi-lo com o vice (o lavajatista Luiz Fux). E que produtividade! Em quatro semanas, ele mandou a Lava Jato compartilhar informações com Augusto Aras, suspendeu buscas e duas investigações contra o senador tucano José Serra, arquivou três inquéritos contra ministros do STJ e do TCU abertos a partir da delação de Sérgio Cabral, suspendeu depoimento de Aécio Neves e dissolveu a comissão do impeachment de Wilson Witzel no Rio. Ufa!

Outro bastante ativo no recesso, e pra lá de destemperado, foi Aras, que se lançou na cruzada contra a Lava Jato e ainda assumiu ares de ditador no Ministério Público Federal, investindo com grosserias contra colegas na reunião do Conselho Superior do MPF.

É certo que o combate à corrupção tem de se dar dentro de balizas e marcos de legalidade e institucionalidade, e que operações como a Lava Jato muitas vezes se arvoraram poderes acima desses limites, e têm de ser controladas e fiscalizadas.

Outra coisa bem diferente, porém, é um ataque orquestrado para fazer letra morta de tudo que se avançou na revelação de crimes e para mitigar o poder de órgãos independentes como o Ministério Público.

Esse tipo de iniciativa combinada mostra que o figurino do arauto do combate à roubalheira foi só uma das muitas lorotas que Bolsonaro enfiou goela abaixo dos eleitores. Assim como mostra dia a dia não ser um liberal, não ter compromisso com a democracia nem a menor condição de governar o Brasil, também essa fantasia do capitão decente foi rasgada, saiu de moda.


Ricardo Noblat: Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato

A tudo assistem os militares, impassíveis

Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.

Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?

Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.

Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.

Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.

Acabou usado por Bolsonaro, como disse outro dia, e deixou-se usar, como nunca dirá, para fortalecer a impressão de que este seria um governo com gosto de sangue na boca e decidido a pôr um freio na corrupção. Aí os filhos Zero caíram nas malhas da Justiça. Aí Bolsonaro quis intervir na Polícia Federal. Ai Queiroz…

Quando Queiroz foi preso em uma das casas do advogado da família Bolsonaro, Moro havia tascado fora. Hoje, aposentado, resta-lhe sonhar em ser candidato a presidente em 2022. Ou a governador do seu Estado. Ou a Senador, deputado federal, sabe-se lá. Fez pior negócio de sua vida e corre atrás do prejuízo.

A operação de desmanche da Lava-Jato deixa satisfeitos os políticos ficha suja, os que já pecaram e os que se animam a pecar. Reforça, por tabela, a ainda capenga base de apoio ao governo no Congresso que se sente protegida. Mas, em contrapartida, deixa mal os militares dentro ou fora do governo.

Recorde-se que eles gozam da fama de serem ferozes inimigos da corrupção. Exaltaram a Lava Jato por todos os meios ao seu alcance e homenagearam Moro com todas as medalhas em estoque no almoxarifado das Forças Armadas. E, no entanto, assistem impassíveis à tentativa de destruição de sua obra.

A vida tem lá dessas coisas. Selva!

Representante do Ministério da Saúde em Pernambuco é do balacobaco

Amigos para sempre
Ela chama o hotel Copacabana Palace de sua casa no Rio de Janeiro, e ali já posou para fotos muito à vontade. Refere-se à Itália como o país dos seus sonhos que visita com frequência.

Ama de paixão maquiar-se, ir a festas da alta sociedade do Recife e vestir-se com roupas de grifes, de preferência as mais caras. Seus críticos dizem que em certas ocasiões ela ostenta em demasia.

Uma amiga da praia de Boa Viagem, que a admira e inveja, cita em sua defesa um colunista social que já morreu: “Os cães ladram e a caravana passa”. E pergunta: “Como era mesmo o nome dele?”

Ibrahim Sued, o pai do moderno colunismo social brasileiro, que em sua coluna, publicada durante 41 anos no GLOBO, criou e absorveu termos que entraram para o vocabulário popular.

Paula Amorim, de idade incerta, não é uma pantera, nem mesmo uma locomotiva, mas costuma estar onde possa ser vista e reconhecida como uma mulher atraente e simpática.

Não é uma mulher evento. Recife já teve os “Irmãos Eventos”, eram dois, que não perdiam uma festa, um coquetel, uma exposição, enfim uma boca livre, fossem convidados ou não.

Curadora da própria imagem, Paula vai de leve. O que não a impede de, em certas ocasiões, roubar a cena. Tornou-se inesquecível sua aparição no velório do governador Eduardo Campos.

Em sociedade, tudo se sabe. Tanto mais em cidade de muro baixo. O velório foi no Palácio do Campo das Princesas. Então candidato a presidente da República, Campos morreu na queda de um avião.

De repente, entrou no palácio aquela mulher elegantemente trajada toda de preto. Pelo menos duas coisas a destacavam, além da expressão compungida: a altura dos saltos e o chapéu.

Não era qualquer chapéu – embora nenhuma das mulheres que por ali circulou tivesse sido vista usando um. Era “o chapéu”, enorme, desses que aparecem em filmes sobre enterros de gente rica.

Seria exagero dizer que, por um momento apenas, ela tenha eclipsado o morto. Mas eclipsou as demais mulheres presentes, sim. O alvoroço entre os políticos foi notado.

Cunhada do ex-deputado federal João Fernando Coutinho, presidente estadual do PROS, irmã de um militar que já foi segurança da primeira-dama Marcela Temer, Paula é solteira.

Aos que privam da sua intimidade, ela conta que sua renda decorre basicamente da compra de joias penhoradas pela Caixa Econômica que ela revende a uma clientela especial.

Há meses que se ouvia em Brasília que uma pernambucana era muito influente no Ministério da Saúde. Bingo! Paula foi nomeada representante do ministério em Pernambuco.

Sem experiência em Saúde ou gestão pública, ela é amiga há mais de 30 anos do general Eduardo Pazuello, o ministro interino. Substituirá uma enfermeira. Ganhará 10 mil reais por mês.

Segundo a assessoria de Pazuello, ele e Paula foram apresentados “por conhecidos em comum”, e a nomeação se baseou na “relação de confiança e amizade” entre ambos.

Está bem. É suficiente. Gigi chegou lá. Ademã. Vamos em frente.


Míriam Leitão: Aras realiza o sonho de Jucá

Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país

Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.

Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.

A Lava-Jato ameaçou toda estrutura política, e parte importante do mundo empresarial, com as investigações que mostraram a troca de financiamentos ilegais por favores dos detentores de cargo ou de mandatos públicos. Por isso, com esse movimento ele alivia muita gente. Principalmente o presidente que o escolheu e que pode nomeá-lo ministro do Supremo. O que Aras está fazendo não é correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investigou a corrupção. Ele alega que está agindo em nome da transparência, quando seus atos não têm qualquer clareza.

Enquanto isso, no Ministério da Justiça, como vem revelando em seu blog no Uol o jornalista Rubens Valente, está sendo montada uma estrutura para investigar servidores públicos, policiais e intelectuais que se declaram antifascistas. A Rede pediu ao STF que impeça o governo de continuar com essa estranha investigação. O deputado Eduardo Bolsonaro reagiu postando em seu Twitter uma frase que mostra, em poucos toques, várias distorções deste governo. “Ué querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento Antifa?” O filho do presidente acha que é errado ser contra o fascismo. O bom seria ser fascista? Está convencido de que a máquina do Estado pertence ao governo Bolsonaro. Portanto, nela não podem trabalhar os servidores que não estejam alinhados com o pensamento dos atuais governantes. De acordo com a primeira das colunas de Valente sobre o assunto, há um dossiê de 579 pessoas, com nomes, fotos e endereços feitos pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça. O relatório registra que há “policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologias antifascistas”.

O Ministério da Justiça considera suspeito o fato de alguém ser antifascista. O filho do presidente acha que eles não podem estar no governo. Então esses policiais espionados devem ser demitidos por disseminarem tal ideologia? Há momentos em que o país parece ter sido tragado por uma inversão total dos valores. Na ditadura havia em todos os ministérios, órgãos, autarquias e universidades departamentos que vigiavam servidores, alunos, professores. Eram os inúmeros braços do Serviço Nacional de Informações (SNI). Esse é o perigo real.

Aras está preocupado é com a Lava-Jato. De um lado, quer enfraquecer a Polícia Federal e por isso reaviva uma velha disputa de poder que já havia sido arbitrada pelo Supremo. De outro, afirma que a Lava-Jato é uma “caixa de segredos”, que tem dados de milhares de pessoas medidos em terabytes. Conseguiu levar todas as informações para Brasília e diariamente diz algo para quebrar a confiança no trabalho dos procuradores.

O presidente Jair Bolsonaro jamais teve como bandeira a luta contra a corrupção. Usou-a para se eleger, mas sempre quis limitar as investigações, principalmente as que se aproximam de sua família. O gravador do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado captou uma conversa com Romero Jucá em que ele propunha um pacto para estancar a sangria desatada pela Lava-Jato. Isso é o que Aras está conseguindo.


Merval Pereira: Farsa tupiniquim

O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.

Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.

Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.

Isso não é novidade nos países em que a corrupção avassaladora foi combatida por uma nova geração de juízes e promotores que não se deixaram amarrar por uma burocracia que sempre beneficia os infratores. Na Itália foi assim com a Operação Mãos-Limpas. Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a Operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular.

Os juízes Di Pietro – que mais tarde entraria na política - e Davigo foram convidados para serem ministros no Governo Berlusconi, resultante do movimento contra a Mãos Limpas, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação.

Entre nós, algo parecido aconteceu. O então juiz Sérgio Moro, e boa parte do eleitorado, foram seduzidos pela falsa promessa de Bolsonaro de que combateria a corrupção com base na Lava-Jato, e entrou no governo. Bastou que investigações chegassem perto da família presidencial, todos ligados a Fabricio Queiroz, para que Bolsonaro quisesse controlar a Polícia Federal, especialmente a seção do Rio, local de atuação de Queiroz e dos Bolsonaro.

Ao mesmo tempo, a tentativa petista de desmoralizar as condenações do ex-presidente Lula levou a um vazamento de conversas dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Durante meses o site The Intercept-Brasil publicou essas conversas, geradas pela ação de um grupo de hackers que está na cadeia, e não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares.

Na Itália, tomou corpo, depois de anos de apoio da opinião pública, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o Juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações. O mesmo vem acontecendo com o ex-juiz Sérgio Moro, os Procuradores do Ministério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato.

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção, latente desde que foi escolhido por Bolsonaro, de controlar a operação. Uma das alegações mais risíveis é a comparação de quantos terabytes (unidade de medida utilizada para armazenamento de dados na informática) de informações a força-tarefa de Curitiba tem em relação ao Ministério Público.

Como são dez vezes mais, isso significa para Aras não indicação de produtividade, mas sinal de que alguma coisa secreta está acontecendo por lá. Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.

Aqui está acontecendo a mesma coisa, com a mutilação de medidas propostas por Moro para combate à corrupção e decisões judiciais, até mesmo do Supremo Tribunal Federal, que dificultam o combate à corrupção. O fim da prisão em segunda instância e dificuldades para as delações premiadas são apenas exemplos mais recentes. A historia se repete como farsa tupiniquim.


Luiz Carlos Azedo: Palanque para Moro

“Aras foi escolhido procurador-geral pelo presidenteBolsonaro fora da lista tríplice dos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações da Lava-Jato”

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou guerra à Operação Lava-Jato. Em live para o grupo de advogados “Prerrogativas”, sem papas na língua, não poupou críticas aos procuradores que integram a força-tarefa e reiterou a intenção de centralizar e controlar as investigações em curso. Nunca a operação foi tão atacada “de cima” e “de dentro” do Ministério Público. Aras reiterou a acusação de que a força-tarefa de Curitiba opera de forma heterodoxa e levantou a suspeita de que 38 mil pessoas foram investigadas por seus integrantes. “Ninguém sabe como (esses nomes) foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.

As declarações agradaram aos advogados e foram bem recebidas pela maioria dos políticos, mas provocaram a reação dos procuradores e juízes de primeira instância, que têm seus aliados no Congresso. Em resposta, os procuradores de Curitiba classificaram a declaração de Aras como “falsa suposição”, considerando que esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF, em suspeita de crimes de lavagem de dinheiro.

“Ao longo de mais de 70 fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados — como discos rígidos, smartphones e pendrives — sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados”, ressaltou a força-tarefa de Curitiba, em nota oficial. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da operação, atacou Aras numa rede social: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, publicou no Twitter.

Desde 2014, as forças-tarefas foram responsáveis por 319 ações criminais propostas, 90 ações civis promovidas, 330 acordos de colaboração premiada, 26 acordos de leniência, com estimativa de reversão de recursos ao poder público de, aproximadamente, R$ 30 bilhões, em consequência das operações. Entretanto, Aras pretende centralizar o poder das investigações na Procuradoria-Geral e controlar a “caixa-preta” da Lava-Jato, em poder dos procuradores de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, centralizando as investigações numa coordenação sob seu comando. Segundo o procurador-geral, existe um “MPF do B”, que operaria nas sombras.

Anarco-sindicalismo
As declarações de Aras ocorrem num momento em que a Lava-Jato dá sinais de retomar a iniciativa, com operações contra políticos importantes, como o senador José Serra (PSDB-SP), que, ontem, virou réu, e o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade e líder da Força Sindical. O procurador-geral advertiu aos integrantes da Lava-Jato que cada membro do Ministério Público “pode agir como sua consciência”, mas “não é senhor da instituição”. É uma afirmação polêmica, porque a independência funcional é que assegura a atuação dos procuradores em casos que contrariam o poder econômico e o poder político. Aras disse que o “anarco-sindicalismo” tomou conta da instituição.

Aras foi escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro fora da lista tríplice eleita pelos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações. Essa mudança vai além das apurações sobre crimes de “colarinho-branco”. Indígenas, grupos de extermínio, escravidão contemporânea, racismo, milícia, violência policial, fraude em licitação, violência doméstica, grilagem de terras e desmatamento, todas as agendas que importam para Bolsonaro, ficarão sob controle do procurador-geral.

Tudo indica, também, que já haja uma investigação em curso sobre a atuação da força-tarefa de Curitiba, que reagiu às declarações e negou a existência de uma “caixa-preta” da Lava-Jato. A acusação de Aras já foi objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a força-tarefa de Curitiba compartilhe os dados em seu poder com a Procuradoria-Geral. A crise entre Aras e os procuradores da Lava-Jato está apenas começando, mas já é um palanque para o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, grande artífice da operação, que criticou as declarações de Aras.

Moro ainda não assumiu a candidatura a presidente da República, mas aparece em todas as pesquisas como um adversário competitivo do presidente Jair Bolsonaro em 2022. A bandeira da ética foi um grande divisor de águas nas eleições passadas, servindo como estandarte de campanha de Bolsonaro. Essa bandeira, agora, está sendo disputada por Moro, que saiu do governo atirando. O ataque à Lava-Jato resgata o protagonismo de Moro como defensor da ética na política.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-palanque-para-moro/

Eliane Cantanhêde: Cobra naja e tubarões

Aliança com PGR para devassa na Lava Jato ameaça união do Supremo pela democracia

O Supremo Tribunal Federal (STF) está de parabéns por liderar a resistência democrática com posições firmes que por vezes extrapolaram alguns limites, mas, no conjunto, foram decisivas para inverter os ataques e, assim, “cortar as asinhas” e “baixar a bola” do Executivo e de bolsonaristas assanhados, loucos por golpes e aventuras. Mas a união exemplar do Judiciário no primeiro semestre pode não se repetir no segundo.

Quando estão em jogo a democracia, arroubos do presidente, ameaças dos meninos do presidente, bravatas de ministros do presidente e ataques virtuais ou reais de seguidores do presidente, o Supremo se une, é um monobloco. Decisões e manifestações do presidente Dias Toffoli, do decano Celso de Mello e do relator das fakenews, Alexandre de Moraes, são acatadas, em geral, por unanimidade. Mesmo com críticas e muxoxos nos bastidores.

Saindo da esfera democrática, porém, emergem ideologias, idiossincrasias, divergências e velhos rancores. O que detona isso? Toffoli tomar partido da Procuradoria Geral da República (PGR) contra a Lava Jato. Ao determinar que as Forças Tarefas de Curitiba, Rio e São Paulo entreguem todos os seus arquivos à PGR, incluindo dados financeiros de 38 mil cidadãos, Toffoli não só autoriza a devassa na Lava Jato e dá excesso de poder ao procurador geral Augusto Aras como reabre as feridas no Supremo.

Exemplo: Gilmar Mendes vota com Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin contra ação de golpistas no prédio do STF, máquinas de moer reputações na internet, acusação de interferência política na Polícia Federal e ameaças de “basta”, “ruptura”, “consequências imprevisíveis” e de “não cumprir ordens”. Com Lava Jato, a coisa muda de figura.

No fim do recesso do Judiciário, em agosto, vem o julgamento da liminar monocrática de Toffoli a favor da PGR de Aras e contra a Lava Jato de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e forças-tarefa, num movimento combinado para implodir a operação por “excessos”. Aí… Gilmar vai para um lado, Barroso e Fachin para outro. Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio se aliam para cá, Luiz Fux e Carmen Lúcia, para lá.

O clima político desanuviou com o silêncio e a reclusão do presidente, primeiro por cálculo político, depois pelo teste positivo. A covid-19 tem agora o efeito da facada na campanha: esconder e proteger Bolsonaro de Bolsonaro. Mas a guerra continua. Cerco aos militantes das fakenews, inclusive no Planalto e no Congresso. Prende-e-solta de Fabrício Queiroz entremeado com depoimentos do Zero Um. Devastação do ambiente. Saúde sem ministro. O pastor Milton Ribeiro, quarto ministro polêmico da Educação. Quanto tempo o “paz e amor” resiste?

E o clima quente do Judiciário será também no Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois do habeas corpus do presidente João Otávio Noronha para tirar Queiroz da prisão e premiar a mulher dele, Márcia Aguiar, que fugiu da polícia. Noronha tem um caso de “amor à primeira vista” com Bolsonaro (nas palavras do próprio Bolsonaro), está de olho em uma vaga no STF e argumentou que Márcia precisa cuidar do marido! Um marmanjo que vivia de festas, churrascos e cerveja em Atibaia! E as presas pobres que têm filhos largados e agora fora das escolas?

Assim, o segundo semestre promete. Supremo com Lava Jato, STJ com Queiroz e Márcia, Congresso com projeto das fake news e prisão após segunda instância, Planalto com Ricardo Salles, Ernesto Araújo e Milton Ribeiro. A covid-19 contamina, mata, destrói empresas e empregos e cria cicatrizes num País já tão machucado. Brasília não é mais a cidade das cobras e lagartos, mas das cobras Naja e de tubarões em aquários. Ambos, Najas e tubarões, proibidos. O resto, não. É parte da paisagem.


Elio Gaspari: Aras pode fabricar um novo monstro

Centralização do Ministério Público pode preservar excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora

A Lava-Jato de Curitiba tantas fez que está encurralada. Tentaram satanizar a procuradora Lindora Maria Araújo e foram apanhados pelo repórter Leonardo Cavalcanti chamando Rodrigo Maia de “Rodrigo Felinto” e David Alcolumbre de “David Samuel” numa planilha oficial. Esse golpe é velho, usado por delegados e procuradores que tentam confundir juízes. Justificando-se, a equipe do doutor Martinazzo disse que os nomes completos não cabiam no espaço. Contem outra, doutores. Pode-se fazer tudo pela Lava-Jato, menos papel de bobo. O nome Rodrigo Felinto tem 15 batidas, Rodrigo Maia cabe em doze.

A turma da Lava-Jato já divulgou conversa telefônica da presidente Dilma Rousseff captada fora do horário legal. Já tentou criar uma fundação bilionária para azeitar seus objetivos. Isso, deixando-se de lado uma indústria de palestras muito bem remuneradas. Nenhuma dessas extravagâncias pode resultar na perda do cargo para seus autores. A invenção dos tais “Rodrigo Felinto” e “David Samuel”, pode.

O procurador-geral Augusto Aras não bica com as forças-tarefas em geral e com a de Curitiba em particular. Negociações com réus do Paraná e do Rio de Janeiro estão travadas por causa disso e, com a visita da procuradora Lindora Araújo, a turma da Lava-Jato recorreu ao velho expediente de atacar do uso dos meios de comunicação. Isso funcionou ao tempo do juiz Sergio Moro e virou pó quando ele assumiu o cargo de ministro. As forças-tarefas de procuradores dizem que precisam ser autônomas, mas querem ser inimputáveis.

Aras diz que precisa racionalizar o trabalho do Ministério Público. Em abril ele recebeu a minuta de um projeto que cria uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, a Unac. Em poucas palavras, seria a criação de um investigador-geral da República, escolhido numa lista tríplice da corporação (põe corporação nisso). A Unac decidiria o que investigar, controlando as ações policiais e acompanhando os inquéritos.

O coronel Golbery do Couto e Silva propôs a criação de um Serviço Nacional de Informações na década de 1950. Conseguiu em 1964 e em 1981 confessaria: “Criei um monstro”. A ditadura criou também uma Comissão Geral de Investigações, sempre comandada por um general. Ela não foi geral nem investigou grandes coisas.

A descentralização do Ministério Público permitiu o surgimento da Lava-Jato, com todos os seus excessos. Uma centralização pode preservar todos esses excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora. Coisa assim: combate-se a corrupção e o crime organizado aqui e ali, mas não mexam com o Rio de Janeiro. Se centralização resolvesse, a Polícia Federal, a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional teriam impedido que as empreiteiras fizessem o que fizeram pelo Brasil afora e, sobretudo, na Petrobras.

Augusto Aras sabia há meses que os procuradores autônomos operavam sistemas de grampos. Para acabar com coisas desse tipo, ou com a divulgação de telefonemas captados fora do prazo legal e até mesmo para impedir a armação de fundações sob medida, não se precisa de uma unidade de investigação geral. Basta que a Corregedoria do Ministério Público funcione. Ela poderá dizer ao doutor Martinazzo quem criou o “Rodrigo Felinto” da planilha enviada ao juiz Luiz Antonio Bonat.

Em tempo: Martinazzo é o sobrenome do meio do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.

Covardia da FGV
O jornalista americano Murray Kempton definiu os editorialistas da imprensa como aquelas pessoas que depois de uma batalha vão ao campo do combate e matam os feridos. Foi isso que a Fundação Getulio Vargas fez com o ex-futuro-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. O falso currículo já o havia derrubado quando a venerável FGV soltou uma nota informando que ele nunca foi professor da instituição, mas apenas “colaborador”.

Podia ter feito isso em 2019, quando o doutor foi nomeado para a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e seu currículo dizia que ele havia sido “professor de Pós-Graduação em Finanças” na FGV.

A Fundação deveria cuidar melhor de sua marca. Uma coisa é um professor do quadro funcional da FGV. Bem outra é uma pessoa que deu uma aula num curso ou numa de suas atividades paralelas. (Faz tempo, um hierarca justificou seu título de professor visitante da Sorbonne dizendo que, como professor, havia visitado a universidade francesa.) O logotipo da FGV é usado para enfeitar eventos semicorporativos e até mesmo seminários de feriadão com verniz acadêmico e essência turística. Entrando no ramo de consultorias, a Fundação viu-se metida nas roubalheiras do governador Sérgio Cabral. Nas suas palavras, a FGV serviu de “biombo para efetivar ilegalidades.” A fundação assinou 58 contratos com a gestão do então governador do Rio, no valor de R$ 115 milhões.

A caça ao dinheiro tornou pandêmica a malversação das marcas de instituições renomadas. A London School of Economics mamou US$ 488 mil nos cofres do ditador líbio Muamar Kadafi e seu diretor embolsou US$ 50 mil assessorando-o.

No caso de Decotelli a FGV demorou para reclamar e, quando reclamou, exagerou. Ao contrário do que aconteceu com outros títulos do doutor, ele leciona na Fundação, foi bem avaliado pelos alunos e deu uma aula on-line há poucos dias.

Ordem da Gripezinha
Eremildo é um idiota e criou a Ordem da Gripezinha. Ela se destina a homenagear aqueles que contribuíram para o império da treva durante a pandemia.

O primeiro agraciado é o doutor Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil. Ele merece a comenda pela profundidade de sua contribuição.

Novaes entrou em campo com a seguinte reflexão filosófica:

“Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito.”

Em seguida foi para os domínios do conhecimento:

“A ciência médica é tão ou mais imprecisa que a ciência econômica”. (Ele é doutor em economia pela universidade de Chicago.)

Até aí tudo bem, pois pode-se ter uma opinião sobre a valor da vida alheia, assim como cada um pode ter a confiança que bem entende nos médicos e nos economistas.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril o doutor disse que “a minha sensação, de quem não é especialista no negócio, mas que observa os números, é que o tal do pico, o tal do famoso pico, que gerava tantas preocupações, a minha sensação é que esse pico já passou, né?”

Uma semana depois, com 474 mortos, o Brasil ultrapassou a marca da China. No dia 22 de maio eles eram 22.666 e ao fim de junho passaram dos 60 mil.

Novaes reconheceu que não era especialista nesse “negócio” mas Eremildo passou a duvidar da sua capacidade de observar números


Janio de Freitas: Desmandos da Lava Jato atestam que modelo atual é falho e manipulado

Novas transcrições de mensagens dão um salto temático no poço das intromissões americanas na soberania brasileira

As novas, mas não últimas, transcrições de mensagens da Lava Jato curitibana dão um salto temático no poço, tenebroso e sem fundo, das intromissões americanas na soberania brasileira.

Não foi por obra do acaso que esse capítulo a mais da amizade inconfiável se configurou no âmbito da Lava Jato, empreendimento político em área judicial e com bolsonaras consequências também nas relações externas.

As mensagens transcritas e seus aditivos dedicam-se à ação e aos agentes do FBI na América Latina, a título de investigar empresas americanas na corrupção local.

Se provada, a participação sujeita a punições, sobretudo financeiras, nos Estados Unidos. Um tratado Brasil-EUA autoriza tais investigações aqui e estende o acordo à colaboração mútua em investigações, com normas intermediadas pelo Ministério da Justiça. No mesmo gênero, há acordos sobre tráfico de drogas.

As mensagens transcritas expõem a falta de adequação, controle e limite na interação de Lava Jato e pessoal do FBI no Brasil. No muito extenso e um tanto caótico material publicado, sobressaem Deltan Dallagnol e sua tentativa de burlar as regras do acordo para obter, por desvio clandestino, a localização e prisão nos EUA de um alvo da Lava Jato, seguidas de extração para o Brasil.

Dallagnol, de maneira bem característica, prefere não obter o pretendido a se sujeitar às leis e a um acordo internacional do Brasil.

Coordenadora dos agentes secretos da alegada caça à corrupção, na América do Sul, Leslie Rodrigues Backschies não aparece bastante no material transcrito. Mas não pelo melhor.

Trata-se de sua explicação para o empenho do FBI na caça a corruptos aqui e alhures: é a segurança dos Estados Unidos e de seus cidadãos. A corrupção pode financiar o terrorismo. Mas não só. Nas sociedades onde as pessoas se sentem governadas por corruptos, “irão buscar outros elementos […] que veem como limpos. E isso se torna uma ameaça para a segurança”. A deles lá.

Curioso: combatem a corrupção da velha política, mas o novo é “uma ameaça”. A explicação da agente principal nem precisou explicitar a solução: combater a corrupção, que pode financiar o terrorismo, e impedir o novo, porque “se torna uma ameaça” de recusar a subserviência da velha política.

É assim e por isso que o FBI, a CIA, a NSA (a dos grampos em Dilma) se transfiguram em poderes eleitorais. Como sabem, muito bem, Sergio Moro, tão homenageado pelos agradecidos dos Estados Unidos, e Deltan Dallagnol, que, agradecido ele, reconhece nas mensagens o seu aprendizado com os agentes americanos.

Crítico da Lava Jato sem expor os motivos, ainda assim o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem razão. As ilegalidades, os desmandos e desvios de finalidade da Lava Jato atestam que o modelo atual de força-tarefa é falho e manipulado com má-fé, pernicioso.

Mas seu projeto de uma central das forças-tarefas levaria as deficiências de hoje ao extremo. É um projeto de poder pessoal, não a solução. Que precisa ser buscada, assim como é necessária uma força-tarefa para investigar a força-tarefa da Lava Jato, em nome do país.


Eliane Cantanhêde: Nem heróis nem vilões

Na demolição da Lava Jato, o PT ajuda a PGR e a PGR reforça a vitimização de Lula

O PT e os lulistas em geral esfregam as mãos e comemoram os ataques contra a Lava Jato iniciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), mas deveriam parar, pensar e lembrar da máxima do ex-deputado José Genoino, um dos petistas mais lúcidos, depois abatido, talvez exageradamente, pelo mensalão: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Uma coisa é a PGR e ícones da área jurídica detectarem “excessos” na Lava Jato e ameaçarem até punir os líderes da força-tarefa, o que reforça o discurso de vitimização do ex-presidente Lula. Outra coisa é isso favorecer objetivamente Lula. Muda algo na Justiça e no STF? A PGR, com um escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro fora da lista tríplice, tem alguma simpatia pelo petista?

No limite, os que atacam a Lava Jato na PGR até admitem que houve “algum excesso” no caso do triplex do Guarujá, pelo qual Lula foi condenado em primeira e segunda instância e passou 580 dias preso. Mas, automaticamente, defendem que ele deve ser preso, sim, é pelo sítio de Atibaia, recheado de provas robustas.

Logo, a adesão do PT à demolição da Lava Jato pela PGR é para insistir em Lula vítima, mas principalmente é contra o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro e a força-tarefa. Uma vingança, com forte efeito colateral: uma aliança entre opostos. Ao demonizarem a Lava Jato, quanto o PT ajuda o bolsonarismo na PGR e quanto a PGR bolsonarista reforça a vitimização de Lula?

Ao dar o primeiro tiro em Curitiba, a PGR atraiu a artilharia do PT, OAB, TCU, da Corregedoria do MP e de condenados ou processados (do Centrão, MDB e PSDB?) que pretendem transformar os “heróis” da Lava Jato em “vilões”. Eles, porém, não são heróis, muito menos vilões e, como Moro alertou em Live do Estadão, em 3/7, a Lava Jato foi um benigno “divisor de águas” contra a eterna impunidade. “Não entendo, sinceramente, aonde quem ataca a Lava Jato quer chegar”, provocou.

Há versões opostas para o marco zero da guerra, a ida da procuradora Lindôra Araújo a Curitiba. Considerada a maior bolsonarista da PGR, ela reclamou que foi maltratada ao pedir os arquivos das operações e levar um técnico para uma varredura nos equipamentos. Concluiu que estavam “com medo”. Já o pessoal de Curitiba diz que Lindôra chegou “com tom intimidatório, de interrogatório”, mas eles se dispuseram a liberar arquivos e só ressalvaram que, no caso de dados sigilosos, o acesso depende de procedimentos e justificativas formais, para “não gerar nulidades”. A batalha virou guerra.

A PGR acusa os procuradores de ter gravadores/interceptadores usados para “grampos”. Eles negam com as notas fiscais. Também diz que os procuradores dissimulavam investigações contra políticos com foro privilegiado, registrando só partes dos seus nomes. E eles negam dizendo que esses nomes surgiram inadvertidamente, em investigações que eram contra terceiros. Tudo isso está na Corregedoria, onde Lindôra tem portas abertas.

Na versão dos procuradores, ela chegou em pé de guerra e eles tentaram amenizar o clima e cooperar. E justificam: não dá para confrontar a PGR, é uma guerra perdida. Mas quem perde a guerra? A corrupção e o crime organizado? Ou quem combate a corrupção e o crime organizado?

Não é má ideia atualizar o modelo, corrigir excessos, integrar a PGR nas operações, compartilhar as informações e evitar as críticas recorrentes de que “os fins não justificam os meios”. Mas isso deveria surgir de discussões sérias e da busca de consensos. Aparentemente, a intenção não é essa, é demolir a Lava Jato e demonizar seus líderes. Quem entra nessa? O PT? O PSDB com o senador José Serra (SP) na rede? É melhor definir bem o inimigo antes de entrar em guerra alheia.