Paulo Guedes

Luiz Carlos Azedo: O valor da reforma: R$ 1 trilhão

Maia tem compromisso com a reforma, mas advertiu Guedes de que o governo precisa se esforçar para votá-la em dois meses”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de encontro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que a proposta de reforma da Previdência que o governo Bolsonaro pretende encaminhar ao Congresso poderá representar uma economia aos cofres públicos de R$ 1 trilhão. Guedes também conversa com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Faz articulações junto ao Congresso e ao Judiciário para negociar a tramitação do projeto, que ainda depende de aprovação de Jair Bolsonaro. Guedes disse que o governo fez simulações sobre o tempo mínimo de contribuição e também sobre a idade mínima, mas ainda depende de o presidente bater o martelo.

Guedes esteve também com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na noite de segunda-feira. A conversa foi sobre o risco de judicialização da reforma, que não é pequeno. O governo quer blindar a reforma na Corte. Também trataram da situação dos estados, cuja crise fiscal gerou várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que deverão ser julgadas no próximo dia 27 de fevereiro. O ministro da Economia quer desafogar financeiramente os estados, que estão quebrados e podem complicar o cenário econômico; em contrapartida, espera o apoio dos governadores para que a reforma inclua estados e municípios.

O giro do ministro de Guedes também tem por objetivo evitar que a reforma esbarre numa ampla coalizão institucional, como aconteceu em outras tentativas. Corporações poderosas atuam no Congresso e no Judiciário contra a reforma, que atinge privilégios do setor público. A reforma do ex-presidente Michel Temer estava pronta para ir a plenário, mas não foi adiante depois das denúncias feitas contra ele pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com base na delação premiada do empresário Joesley Batista, do grupo JBS. Enfraquecido, o seu governo não teve como garantir a base necessária para aprovação da reforma. Agora, a situação é completamente diferente, com um governo recém-eleito e com alta taxa de aprovação popular.

Corporações
A articulação da base do governo na Câmara e no Senado para aprovação da reforma, porém, ainda é muito incipiente. Maia tem compromisso com as reformas e pode se empenhar nessa direção, mas advertiu Guedes de que o governo precisa se esforçar para votá-la em dois meses. Como exige emenda à Constituição (PEC), precisa do apoio mínimo de três quintos dos deputados (308 dos 513) para ser aprovada e enviada ao Senado. “O nosso problema é garantir, em dois meses, que a reforma da Previdência tenha 320, 330 deputados a favor. Esse é o desafio”, disse Maia. Quem conhece o Congresso sabe que esse prazo é muito curto.

Maia destacou que o governo precisa esclarecer bem o teor das propostas, com um bom plano de comunicação, para evitar que a opinião pública fique confusa. Caso a Câmara aprove a proposta até maio, o Senado teria condições de sacramentar a reforma até julho. A pressa dificulta a mobilização dos setores contrários à reforma. Os servidores públicos fazem uma oposição muito mais eficiente à reforma do que os trabalhadores do setor privado, cujos sindicatos estão em crise por causa do fim do imposto sindical. Como as corporações estão incrustadas no aparelho de Estado, principalmente a alta burocracia, o poder de fogo de algumas categorias é muito grande e concentrado, ao contrário da mobilização difusa dos trabalhadores do setor privado. Daí a importância, por exemplo, de os militares serem incluídos na reforma. O núcleo fundamental da base eleitoral do próprio presidente da República (militares, policiais, policiais militares, promotores e juízes) não apoia a reforma.

Partilha
As negociações para composição da Mesa e das comissões do Senado estão num impasse. Com a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que quebrou a regra da distribuição de cargos de acordo com a proporcionalidade entre as bancadas, o MDB pleiteou a primeira vice-presidência e o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O grupo vitorioso, porém, exigiu que a legenda derrotada escolhesse um cargo ou outro. Além disso, ameaça levar a presidência da CCJ o a voto se o MDB indicar o senador Renan Calheiros (MDB-AL). O PT quer a presidência da Comissão de Relações Exteriores (CRE), mas também não há acordo; o ex-presidente Collor de Mello, que já ocupava o cargo, reivindica a recondução. As decisões serão tomadas hoje.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-valor-da-reforma-r-1-trilhao/

 


José Casado: Preso no labirinto

Aos 69 anos, Paulo Guedes, ministro da Economia, começa a desvelar na mesa do jogo de poder a sua maior aposta como ativista do liberalismo. Na gélida Davos, Suíça, apresentará o projeto de uma “frente única” de conservadores e liberais-democratas para um programa liberal no Brasil.

Num dos textos publicados no GLOBO no final de 2017, sugeriu o desmonte do “Leviatã moldado pelo nacionalismo estatizante do regime militar”. Na travessia do tempo, ressaltou, ele “acabou —quem diria —aparelhado pelos petistas”.

“Esse aparelho de Estado”, prosseguiu, “antes dirigido por uma tecnoburocracia administrativa de comando central com foco em infraestrutura, foi saqueado por grupos de interesse corporativo e partidos políticos desidratados pela concentração de recursos no governo central. O capitalismo de Estado dos militares tornou-se o capitalismo de quadrilhas dos social-democratas.”

Guedes seduziu um de seus leitores, Jair Bolsonaro, na época candidato à procura de uma ideia.

A eficácia política dessa ideia de uma “frente” de conservadores e liberais-democratas será testada em temas como a reforma da Previdência, a partir da segunda-feira, 4 de fevereiro. É quando o Congresso começa a decidir sobre os limites da ação governamental na desmontagem desse “legado” do regime militar.

Já é possível perceber Guedes se chocando contra paredes do próprio labirinto. Há três semanas prometeu amputar parte dos “braços armados” do capitalismo de Estado, como define o gigantismo dos três bancos públicos, donos de metade do crédito disponível na praça.

Seu dilema é como decepar o segmento financeiro do setor público sem alternativa à subversão ainda maior do ambiente de negócios no país. O risco é o de estimular mais, e exponencialmente, a concentração na tesouraria de três bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander).

Se Guedes já encontrou a saída, deveria indicá-la o mais rapidamente possível. Sobram dúvidas, e isso nunca é bom para os negócios no Brasil ou na Suíça.


Adriana Fernandes: Gordura para queimar

Estratégia é entregar proposta mais dura e profunda do que aquela que se quer aprovar

O governo vai deixar na proposta de reforma da Previdência gordura para queimar durante as negociações no Congresso Nacional. A mesma estratégia foi usada pelo ex-presidente Michel Temer em 2016, quando encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que agora servirá de base para o texto de Jair Bolsonaro.

Deixar gordura significa entregar uma proposta mais dura e profunda do que aquela que verdadeiramente se espera aprovar. Essa estratégia contém, porém, o risco de contaminação das expectativas ao longo das negociações no Congresso à medida que os peões do xadrez da reforma vão sendo retirados do tabuleiro.

Durante a negociação da reforma de Temer, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles enfrentou o problema. A cada item que foi sendo banido da proposta original, Meirelles tinha de dar explicações de que a reforma não ficaria fraca demais e que o impacto da mudança para o equilíbrio das contas públicas continuava importante ao País.

A proposta de Temer começou com uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. Esse ganho foi desidratado para menos de R$ 400 bilhões e virou motivo de incerteza entre os investidores diante da perda de força do seu impacto para as contas públicas e para a sustentabilidade da Previdência Social no Brasil.

Com Temer, antes mesmo do envio da PEC, caíram as alterações no abono salarial e a inclusão dos militares. Depois, saíram do texto as mudanças na aposentadoria rural e nas regras para policiais militares e bombeiros, a igualdade na idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, a restrição mais dura para o acúmulo de benefícios, a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, regras mais duras para professores, e assim por diante...

Foram muitas as baixas. Deve acontecer o mesmo agora. A gordura para queimar pode aparecer de imediato nas propostas de mudança na aposentadoria rural, desvinculação de benefícios do salário mínimo e criação de um modelo “fásico” para a assistência social. Esse sistema permite aos segurados solicitarem mais cedo a ajuda do governo, desde que aceitem receber um valor abaixo do salário mínimo.

A polêmica proposta de criação no Brasil do sistema de capitalização, com contas individuais para acumular os recursos que bancarão a futura aposentadoria, também deve passar pela tesourada dos parlamentares. Há muitas dúvidas se o País está preparado para uma mudança tão ampla e com custo de transição para as contas públicas.

A gordura a ser deixada para o Congresso motiva a profusão de ideias que estão sendo disseminadas nos bastidores em torno do texto que o presidente e sua equipe vão fechar na próxima semana.

A comunicação das propostas ainda em estudo acaba funcionando como uma espécie de “teste” para a receptividade das propostas mais polêmicas. Por outro lado, alimenta a especulação e pode ter um efeito nocivo na negociação que se seguirá. Há o risco de antemão de se “carimbar” na PEC de Bolsonaro propostas de retiradas de direitos que nem mesmo entrarão no texto final. O mesmo script se deu com Temer. E aí, a comunicação escapa do controle.

Há preocupação entre integrantes da equipe econômica envolvidos diretamente na elaboração da proposta com a estratégia de comunicação até agora. Há muita imprecisão e deturpação partindo de quem não está de fato coordenando a proposta. Tem gente que acha que é para atrapalhar.

Difícil mesmo é conciliar a necessidade de manter a confiança na reforma sem queimar a proposta logo na largada.


Julianna Sofia: Notícia que vem dos Alpes

Muitas dúvidas ainda pairam sobre os rumos da reforma da Previdência

Está nos planos do ministro Paulo Guedes (Economia) apresentar “algum detalhe” da reforma da Previdência ao escol de empresários, acadêmicos e autoridades presentes em Davos na próxima semana. Aqui —abaixo da linha do Equador— muito se fala, muito se vaza, mas pouco se sabe oficialmente. Neste domingo (20), o próprio presidente Jair Bolsonaro deve tomar mais conhecimento da proposta, quando lhe for feito um arrazoado.

As mudanças nas regras das aposentadorias tornaram-se a grande curiosidade dos investidores estrangeiros. Sem elas, o governo do capitão reformado —ou o de qualquer zé-ruela que envergasse a faixa presidencial— submergirá no caos, dada a dramática situação fiscal do país.

É curioso e emblemático que o público nos Alpes venha a saber algo antes, enquanto deputados do partido do presidente dão um rolé na China e não ganha forma a amálgama parlamentar que dará sustentação ao governo. Tampouco trabalhadores ou patrões foram chamados a conhecer o que se pretende mudar.

A expectativa é que em até duas semanas o martelo político seja batido. Conselheiros de Guedes ainda tentam dissuadi-lo da ideia de incluir na reforma um regime de capitalização para as aposentadorias de gerações futuras. Mais vale corrigir distorções do sistema atual, que corroem as contas públicas e abrigam privilégios. Não há sinal de recuo.

Até um desfecho, três diferentes núcleos rivalizam na construção da proposta, o que tem contribuído para a indefinição de pontos importantes. Ao Ministério da Economia se contrapõem Onyx Lorenzoni (Casa Civil) & asseclas e os onipresentes militares. Daí, por exemplo, a incerteza sobre a participação das Forças Armadas nas alterações previdenciárias a partir da blindagem montada pelos generais.

Para aplacar a ansiedade geral, Bolsonaro assinou nesta sexta (18) medida provisória para conter ralos e gastos no INSS. Na hora H e depois de muita boataria, o texto saiu bem menos ambicioso do que o esperado.


Míriam Leitão: O bom e o péssimo no mesmo governo

Há expectativas positivas na economia, com o programa de Paulo Guedes, e fartos temores em outras áreas, como educação, índios e o meio ambiente

Há sinais bons de que a economia brasileira pode avançar com o programa do ministro Paulo Guedes. Um desses é que o custo do seguro contra o risco-país já caiu. Há fatos assustadores, como o desastre ambiental contratado com decisões e palavras que estimulam invasão de terra indígena ou levam à paralisia no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Esses não são os únicos pontos de alívio e ou de preocupação, essa polaridade tem havido no governo Bolsonaro.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, explicou sobre sua decisão de suspender todos os convênios do Ministério, que vai dar prioridade às análises dos contratos que “necessitem de medidas imediatas”. Segundo o ministro, “se estiverem em ordem serão prontamente liberados, caso contrário serão encaminhados para auditoria por parte da CGU”. É normal que um novo governo ao chegar avalie tudo o que está acontecendo e mude o que considera ser ruim. O problema é, numa penada, suspender tudo sem avaliar as consequências.

Há inúmeras ONGs, fundações, fundos que não usam dinheiro público, pelo contrário, transferem recursos para o poder público. O Fundo Amazônia, por exemplo, foi formado com dinheiro do governo da Noruega, doado ao país, e é gerido pelo BNDES, que decide onde os recursos devem ser aplicados. Há avaliações frequentes da eficiência das ações.

Há o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), que é o maior programa de apoio à conservação das florestas tropicais. “Sem esse recurso, a conservação da biodiversidade, a fiscalização, proteção e diversas frentes de trabalho serão duramente prejudicadas”, me disse um funcionário do MMA. O Arpa foi formado com doações internacionais e de fundações. Não é dinheiro público.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, disse que dependendo da dimensão dessa suspensão pode ser dramático para as organizações locais de apoio às Unidades de Conservação e lembrou que atinge também as organizações que fornecem dados para dar suporte ao governo.

— Nós criamos uma ferramenta para pegar cada alerta de desmatamento gerado pelo Deter/Inpe e pelo Sad/Imazon e avaliar em alta resolução quando e onde exatamente aconteceu o desmatamento, é o MapBiomas Alerta. Tudo foi desenhado em colaboração com o governo e o Ministério Público e temos um acordo de cooperação técnica que não envolve recursos. Isso vai entrar em operação em março —diz Tasso.

Como eles não dependem do governo, vão rodar os dados. Mas essas informações são úteis para ter aviso antecipado de todos os biomas sobre o local do desmatamento. São ações assim que podem ser vistas por qualquer pessoa que vá a campo para entender o trabalho de proteção ambiental. Ligado à questão ambiental, está o grave risco indígena. Tenho alertado, como fiz no blog ontem, que já começou a haver invasão de terra indígena. Pode aumentar quando chegar o período de menos chuva, a partir de maio.

Na área econômica, trabalha-se com foco e pressa. Neste momento, todas as atenções estão voltadas para a reforma da Previdência, e o deputado Rogério Marinho, secretário especial para Previdência e Trabalho, montou uma boa equipe com especialistas no assunto, como Solange Vieira, que fez o fator previdenciário, e vários integrantes da equipe de Marcelo Caetano, ex-secretário da Previdência. Tem consultado economistas, falado com políticos e integrantes do governo para preparar o projeto e trabalhar para que ele seja bem recebido. Tem aparado as arestas dentro do governo sobre o assunto. São muitas.

Os juros futuros despencaram desde a eleição do presidente Bolsonaro, o seguro contra a dívida brasileira, o CDS, está no melhor momento desde março de 2018. O CDS reflete a avaliação feita pelos investidores estrangeiros sobre a economia brasileira. Estava em 307 pontos e caiu para 182 pontos. Isso é aposta de que o governo vai aprovar a reforma e reduzir a crise fiscal. O presidente argentino, Maurício Macri, que visitou o Brasil ontem, assumiu com expectativa ótima junto ao mercado, mas sua opção por soluções graduais trouxe a desconfiança e a crise de volta. Esse erro não se pode cometer.

Mesmo num cenário de acerto na economia, se o governo errar em outras áreas como meio ambiente, educação, política indigenista, o custo para o país pode ser muito alto.


Benedito Rodrigues de Moraes Neto: Brasil nunca teve social-democracia que Paulo Guedes combate

Economista retraça políticas desde governo FHC para mostrar que país passou longe da centro-esquerda

Em mais de uma ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que, no período recente, o Brasil foi aprisionado pela social-democracia e que sua proposta objetivava libertar o país dessa prisão. Tentaremos verificar em que medida a avaliação de um excesso de social-democracia corresponderia à realidade histórica de nosso país.

Evidentemente, o ministro se referia ao período que vem desde o governo FHC, pois não haveria qualquer sentido em incluir as presidências de José Sarney e Fernando Collor, por motivos bastante claros: o primeiro esteve inteiramente às voltas com sucessivos fracassos na luta contra a inflação; o segundo levou essa luta ao paroxismo do voluntarismo inconsequente, além de pôr em prática, ainda que de forma incipiente, algumas das propostas mais caras à economia liberal.

Também o período do presidente de um partido que tem em seu nome a social-democracia, o PSDB, não se ajusta bem às críticas de Guedes. Isto porque a luta contra o monstro da inflação continuou dominando a cena, com o bem-sucedido Plano Real, que começou no governo Itamar Franco e se consolidou no governo FHC. Sem dúvida brilhante em sua concepção e implantação, o plano sofreu forte crítica dos partidos mais à esquerda.

Depois desse momento, houve a continuidade da preocupação com a gestão macroeconômica, com a criação do chamado tripé, constituído por meta de inflação, equilíbrio fiscal e flexibilidade cambial. Se juntarmos tudo isso ao grande esforço pelas privatizações, com destaque para a área das comunicações, fica a pergunta: onde está aí a “prisão social-democrata”?

Pode ser que o envolvimento com a questão macroeconômica tenha tolhido esse lado do PSDB, que talvez pudesse desabrochar em outro contexto. De qualquer forma, fica claro que a crítica de Guedes se refere mesmo aos quase 14 anos do PT na Presidência. Nossa questão se coloca, então, de modo mais específico: em que medida a crítica ao excesso de social-democracia se ajustaria às gestões petistas?

Comecemos com um aspecto absolutamente crucial para caracterizar uma gestão social-democrata, em contraposição a uma de matiz liberal: a política tributária. Talvez a mais característica propositura social-democrata seja a implementação de uma tributação bastante progressiva, ou seja, que cobre impostos proporcionalmente maiores dos que auferem renda maior.

Sabe-se que as alíquotas de imposto sobre a renda são extremamente elevadas para níveis elevados de rendimento nos países de presença mais forte da social-democracia, como os da península escandinava. Mesmo no caso dos Estados Unidos, país que apresenta distância bem grande em relação à social-democracia, essa questão da progressividade da tributação diferencia fortemente as gestões dos partidos Democrata e Republicano, algo reforçado nos anos recentes.

Uma gestão democrata se aproxima, nesse caso, respeitando os limites americanos, de uma proposta social-democrata, com elevação da progressividade dos impostos. Uma gestão republicana, inteiramente impregnada da concepção liberal, rapidamente trata de aumentar a regressividade tributária, sob o argumento de que a ideia social-democrata inibe o ímpeto das pessoas para o esforço produtivo.

Pois bem, isso tudo é bem conhecido. O interessante é observar o rebatimento por aqui dessa questão tributária. Ao ler a observação de Guedes, pode-se imaginar que a implantação de uma estrutura tributária extremamente progressiva pelos “social-democratas de centro-esquerda” no poder por 14 anos precisaria ser revertida com força pelos ultraliberais de direita.

Mas esse não é um tema por aqui, pois o PT não mexeu uma vírgula em nossa estrutura tributária regressiva, muito dependente dos socialmente injustos impostos indiretos e, no caso dos impostos diretos, muito branda com os que auferem rendimentos de propriedade e muito dura com os que obtêm rendimentos do trabalho.

Cada vez mais dura, aliás, na medida em que se deixou de corrigir as tabelas do Imposto de Renda de acordo com o ritmo de inflação. Os assalariados de todos os níveis de renda tiveram que pagar cada vez mais nesse período.

Considero que não seria fácil para um estrangeiro entender uma coisa dessas: como é possível que um dos países de maior desigualdade social do planeta, que possui uma tributação de rendimentos extremamente regressiva, não tenha apresentado uma vírgula de alteração em sua política tributária durante 14 anos de um partido “de centro-esquerda” (para muitos, “de esquerda”) no poder?

Mas nós, brasileiros, teríamos que nos associar à questão: como é possível? De qualquer forma, o que nos interessa aqui é marcar que, no item fundamental da política tributária, a social-democracia nem passou perto daqui.

Continuemos a perscrutar nossa “prisão à social-democracia”, agora caminhando em direção à política social. Nesse caso, ganha grande destaque o Bolsa Família, programa tornado bastante extenso pelo PT.

Não é nosso objetivo aqui discutir o programa, mas verificar seu ajuste à crítica de Guedes.

Sabe-se que esse tipo de política social, de focalização, foi gerado no interior do Banco Mundial por economistas de extração liberal. Contrapunha-se, enquanto proposta de ação pública, à proposta social-democrata de universalização da intervenção do Estado através da política educacional, de saúde etc.

Foi justamente na gestão do partido que tem a social-democracia no nome que a política de focalização teve seu início, ainda tímido, com a criação, por FHC, das Bolsas Escola e Alimentação e do auxílio-gás.

Inteiramente imbuído da crítica social-democrata, de centro-esquerda, a essa política de focalização, Lula chamou-as de “Bolsa Esmola”. Posteriormente, já na Presidência, depois do fracasso do seu primeiro programa, o Fome Zero, Lula fez a unificação das bolsas num programa único, batizou-o de Bolsa Família, e o incrementou de forma extremamente significativa.

Para nosso propósito aqui, cabe uma única pergunta: onde temos aqui a “prisão social-democrata”? Guedes terá que propor ao presidente Jair Bolsonaro que elimine imediatamente o Bolsa Família, por ser uma das faces dessa prisão? Pelo contrário, o presidente já propôs implementar o 13º salário para os que recebem esse tipo de rendimento.

Continuemos com a política social. Se não encontramos social-democracia no Bolsa Família, talvez a encontremos na política habitacional, com o Minha Casa Minha Vida. De novo, temos a crítica de Lula em sua fase pré-presidencial, quando afirmou, com acuidade, que o pobre, quando comprava casa própria, não podia beber uns goles a mais, pois havia o forte risco de entrar na casa do vizinho.

Pois bem, o Minha Casa Minha Vida levou essa triste característica arquitetônica de nossos programas de moradia popular ao paroxismo, adicionando uma outra triste característica, urbanística, sobretudo nas grandes cidades, ao situar os conjuntos habitacionais a grande distância dos locais de emprego de seus habitantes.

Se a proposta social-democrata implica generalizar qualidade de vida, não vejo como o Minha Casa Minha Vida possa se ajustar a isso. Aliás, nesse caso, é particularmente desanimador verificar como tantos anos de um governo “de centro-esquerda” (para muitos, “de esquerda”) foram inteiramente incapazes de utilizar a reconhecida competência e criatividade de nossa arquitetura.

Seguindo adiante, um dos traços mais fortes da social-democracia é resguardar para o Estado, protegendo-as da interferência mercantil, as esferas da educação e da saúde. É inclusive a generalização da qualidade da educação pública que tem dado grande destaque a alguns dos países mais fortemente social-democratas, com ênfase recente para a Finlândia.

Basta um olhar muito rápido ao que acontece no Brasil nessas duas áreas para constatar que estamos muito longe dessa matriz. Realmente, em saúde e educação, não há que se criticar excesso de social-democracia após 14 anos de PT —muito pelo contrário.

Finalizemos com uma estatística significativa, que recolhemos no jornal O Estado de São Paulo de 9 de dezembro de 2018. Segundo pesquisa realizada pela consultoria Mercer em 601 empresas de 130 países, a diferença de rendimento entre executivos e operários é, em média, de 34 vezes no Brasil. Na Alemanha, país com relevante presença social-democrata, essa diferença é de cinco vezes.

Depois desse dado, somos forçados a concluir que o problema do Brasil não é, como afirma Paulo Guedes, de excesso de social-democracia, mas sim de excesso de falta de social-democracia. Conforme afirmou a escritora argentina Beatriz Sarlo, o que a América Latina necessita é de uma social-democracia séria.

*Benedito Rodrigues de Moraes Neto é professor aposentado do Departamento de Economia da Unesp.


Míriam Leitão: As duas guerras da Previdência

Grande batalha da Previdência ainda nem começou e se dará no Congresso. Por isso, preocupa a falta de sintonia interna sobre o projeto no governo Bolsonaro

A principal batalha da reforma da Previdência ainda nem começou. A briga para valer será depois da posse do novo Congresso, em fevereiro, e da eleição da nova CCJ, que deve acontecer no final de março. Só aí os lobbies entrarão em campo. O que houve até agora é disputa interna, que tem emitido péssimos sinais. No governo passado, Temer, Padilha e Meirelles jogavam afinados a favor da reforma e tiveram que suar a camisa atrás dos votos que a fizesse avançar. No atual, há desencontros no trio: o presidente e os ministros da Economia e da Casa Civil.

A opção de começar do zero é a pior ideia que surgiu. Por isso no Ministério da Economia bate-se para que seja aproveitado o projeto que já caminhou contra todas as críticas do então deputado Onyx Lorenzoni. A tramitação, no caso de ter um novo projeto, seria longa demais e desperdiçaria o período de lua de mel com o Congresso, o mercado e o eleitorado. Neste caso, a discussão só teria início após a formação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no final de março. Depois, seria constituída uma Comissão Especial para discutir a PEC. O primeiro semestre seria perdido refazendo-se os passos da reforma de Temer.

Esse é o argumento mais forte do ministro Paulo Guedes. Ele sempre diz que a reforma do Temer é “remendo em calça velha”, porém esse remendo será o veículo para a proposta de Bolsonaro avançar. Quem já esteve negociando no governo passado explica que há uma margem de manobra enorme para se mexer no texto. Mais de 200 emendas foram apresentadas ao projeto original, na Comissão Especial que analisou a PEC. Essas emendas servem de base para alterações no substitutivo do relator Arthur Maia (PPS-BA), incluindo a capitalização. O próximo passo então seria a votação em plenário.

Será preciso contornar o fato de que o chefe da Casa Civil e o presidente fizeram duras críticas à reforma de Temer. Bolsonaro chegou a dizer que ela era dura demais e que não se podia “matar idoso” para salvar o Brasil. Onyx se juntou ao PT, na época, para negar a existência do déficit. A oposição e os lobbies contrários às mudanças vão usar isso contra o governo.

Há vários grupos com muita força que são adversários da reforma. Os funcionários públicos de alto escalão, inclusive alguns servidores legislativos que assessoram os parlamentares e que conhecem como ninguém o funcionamento do Congresso. Junto deles, os funcionários do poder judiciário e as forças de segurança. A bancada de servidores aumentou nesta eleição.

Outro grupo é composto pelos ruralistas, influentes no atual governo. Eles não são exatamente contra a reforma mas não querem alteração que afete os privilégios do setor rural. E há também os militares, que continuam falando em alto e bom som que são diferentes. Na verdade, Bolsonaro em si é representante desse grupo. Ele fez sua carreira política defendendo interesses corporativos das Forças Armadas e dos policiais. No caso dos policiais é fundamental para os estados que eles se aposentem mais tarde. Hoje muitos deles se aposentam antes dos 50 anos.

O economista Fábio Giambiagi, especialista em Previdência, avalia que propor o regime de capitalização será um erro, porque vai causar muito ruído e gerar pouca economia para se combater a crise fiscal. Pelas suas contas, se for aprovado o projeto sugerido pelos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, que tem uma transição de regimes lenta, apenas 1,5% das despesas do INSS seriam afetadas.

—Das duas uma: ou se faz uma capitalização mais rápida e aí o custo é alto demais, praticamente impagável. Ou se faz uma capitalização mais lenta, e aí o ganho é muito pequeno e não vale a pena —argumenta. Giambiagi também vê com preocupação a estratégia política de negociar com as bancadas e não com os partidos. A maioria dos cientistas políticos concorda que ignorar os partidos vai aumentar o custo da aprovação de medidas difíceis como a Previdência.

Paulo Guedes quer uma capitalização mais rápida. A proposta de só estar disponível para quem nasceu após 2014 é lenta demais, na opinião dele. O problema é que sobre esse assunto a Casa Civil tem projeto pronto. Em suma, o governo está ainda em plena guerra interna para saber que reforma afinal apresentará. A segunda grande guerra será no Congresso.


Luiz Carlos Azedo: A volta do otimismo

“A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares já foi precificada”

Nada parece abalar as expectativas em relação a uma virada na economia a partir deste ano. O mercado financeiro tem dado sinais de alívio com as medidas anunciadas pelo novo governo. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o real é a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar e a Bovespa tem o segundo melhor desempenho mundial. Não é um fenômeno isolado, tem a ver com os desgastes do presidente norte-americano Donald Trump, por causa da guerra comercial com a China e da crise com o Congresso, provocada pela proposta de construção do muro com a fronteira do México. O rublo, da Rússia (3,9%), e o rand, da África do Sul (3,6%), também se fortaleceram, porém, menos do que o real, que acumula valorização de 4,3% frente ao dólar, negociado a R$ 3,71.

Um sinal de que os agentes econômicos apostam no êxito da política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o desempenho da Bovespa, que fechou a semana em 6,57%, abaixo apenas do índice Merval, da Argentina (11,95%). No ano passado, a alta do dólar era uma preocupação recorrente dos economistas, mas houve uma inflexão depois que Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, decidiu abrandar a política de juros norte-americana. A economia dos EUA sinaliza desaceleração, o que melhora a posição relativa do nosso mercado de ações. Entretanto, iniciativas do novo governo também pesam na avaliação de investidores, como as mudanças no Conselho de Administração da Petrobras, cuja composição está sendo alterada para se ajustar à orientação da nova equipe econômica e acelerar a venda de subsidiárias e outros ativos, e a anunciada venda de estatais, entre as quais, a Eletrobras.

O que teve mais impacto na bolsa, porém, foi a mudança de posição do presidente Bolsonaro em relação à venda da Embraer para a Boeing, à qual havia feito restrições. Na sexta-feira, os termos do acordo foram ratificados e, segundo a Embraer, as negociações devem ser concluídas até o fim deste ano, um negócio de US$ 5,26 bilhões. Como a Embraer é a mais importante empresa de tecnologia do país, a venda da empresa consolidou no mercado a ideia de que os militares não se oporão à política ultraliberal de Paulo Guedes, muito pelo contrário. Foram os comandantes militares que convenceram o presidente da República de que a venda era a melhor alternativa para manter a capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico da aviação no país, sobretudo porque foi criada uma empresa em parceria com a Boeing para fabricar os aviões militares, principalmente o cargueiro KC-390, de fabricação nacional, mas com controle acionário da Embraer.

Nem mesmo a crise de segurança pública no Ceará, que permanece fora do controle, ameaça o otimismo do mercado. Já era para ter ocorrido uma intervenção militar no estado, mas uma queda de braços entre o governador Camilo Santana (PT) e Bolsonaro, que perdeu a eleição presidencial no estado, complica o enfrentamento da crise. O petista pediu ajuda ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, mas não solicitou ao presidente da República uma operação de “garantia da lei e da ordem”, que permitiria o emprego das forças armadas. A onda de violência no estado chegou ao 11º dia seguido, com 194 ataques em 43 municípios, mesmo com a transferência de 35 líderes das facções criminosas para presídios federais e a detenção de mais de 330 suspeitos. Na madrugada de ontem, os bandidos destruíram uma torre de transmissão de energia elétrica em Maracanaú (CE).

Previdência
A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares à reforma já foi precificada. O ministro Paulo Guedes anunciou uma reforma profunda, com objetivo de “democratizar” o sistema previdenciário, equiparando as aposentadorias dos funcionários públicos às do setor privado, com a criação também de um sistema de capitalização. Essa é a aposta para acelerar o crescimento e aumentar a produtividade da economia brasileira. Para Guedes, a Previdência está em colapso, com um saldo negativo superior a R$ 300 bilhões neste ano. No regime atual, de repartição, o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado; no sistema de capitalização, a poupança de cada um é que garantirá o complemento da aposentadoria.

Falta combinar com os beques, como diria o Mané Garrincha. O ministro reconhece as dificuldades: “Um sistema de capitalização como estamos desenhando é algo bastante mais robusto, é mais difícil, o custo de transição é alto. Mas estamos trabalhando para as futuras gerações”, justifica. A nova Previdência e as mudanças no sistema atual serão encaminhadas para o Congresso num pacote único, que precisa de aprovação da Câmara e do Senado, com duas votações, cada, no caso de emendas constitucionais. A exclusão dos militares da reforma da Previdência é um precedente para outras carreiras de Estado — policiais militares e policiais civis, auditores-fiscais, diplomatas, procuradores e magistrados, principalmente — se mobilizarem contra a reforma. Como se sabe, o lobby em defesa de interesses corporativos é muito mais concentrado e poderoso do que a defesa de direitos difusos, como os dos trabalhadores do setor privado.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-volta-do-otimismo/


Zeina Latif: Devagar com o andor

Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia

Volto ao tema da fraqueza da indústria, pela sua importância na dinâmica da economia e pelos cuidados que inspira na condução da política econômica.

A produção industrial está estagnada. Ela pouco reagiu ao corte inédito de juros promovido pelo Banco Central. É verdade que o estímulo monetário promovido pode ser menor do que se imagina (discuti esse assunto em março de 2018). Mas isso parece muito pouco para explicar o fraco dinamismo da indústria. Não seria uma taxa Selic 1 ponto porcentual mais baixa que mudaria radicalmente a situação da indústria.

São muitas as consequências desse quadro: o empresário da indústria está inesperadamente menos confiante do que o do comércio (índice de confiança em 94,8 em dezembro de 2018, ante 105,1); investiu menos na aquisição de máquinas e equipamentos (-0,5% até novembro de 2018) e gerou poucos empregos (apenas 11 mil empregos com carteira nos últimos 12 meses, e perdendo fôlego).

O mercado de trabalho sofre impacto em função da importância da indústria na geração de emprego formal. Apesar de o número de ocupados total já ter recuperado o patamar pré-crise, o mesmo não ocorre com o emprego com carteira (10% abaixo do patamar pré-crise). Isso acaba limitando o aumento do consumo, um ponto já analisado por Affonso Celso Pastore e Marcelo Gazzano. Com renda mais incerta por conta da informalidade, o consumidor tende a ser mais conservador.

Ainda que choques temporários tenham prejudicado a indústria em 2018, como a greve dos caminhoneiros, parece haver algo mais grave acontecendo. Fatores estruturais podem estar pesando mais na performance no setor.

A indústria está tecnologicamente muito defasada. Desde 2010 não aumenta seu investimento em bens de capital. Com o avanço da fronteira tecnológica no mundo, a indústria brasileira tornou-se obsoleta rapidamente. Provavelmente, nem sequer consegue compensar a depreciação das máquinas em um parque industrial que envelhece.

Vale lembrar que a indústria é particularmente afetada pelo custo Brasil. Além de ter carga tributária mais elevada do que os demais setores, sofre mais com a reduzida e cara infraestrutura, o elevado custo da energia, a baixa qualidade da mão de obra e a complexidade regulatória. O resultado é sua baixa produtividade.

Assim, mesmo com a queda dos salários em dólar em 2018, por conta da pressão cambial, o que implicaria maior competitividade externa do setor, tem havido um aumento da participação de bens industriais importados no consumo interno. A correlação histórica entre essas variáveis inverteu-se em 2018. As importações em alta não são a causa da fraqueza da indústria, mas sim a consequência.

O fraco desempenho da indústria, mesmo com expressivo corte da taxa Selic e sensível pressão na taxa de câmbio, reforça a visão de que o problema de baixa produtividade do setor não será resolvido pela política macroeconômica do BC. O que o setor precisa é de um ambiente de negócios mais saudável. Para problemas estruturais, reformas estruturais.

A entrega de reformas não é caminho fácil e tampouco gera frutos imediatos. Assim, vale um alerta para este ano: mesmo com o avanço nas reformas, a fraqueza estrutural da indústria poderá atrapalhar a aceleração do crescimento do PIB em 2019.

Os frutos virão ao longo do tempo. Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia. Mas será necessário compensá-las com medidas para a redução do custo Brasil, de forma a não fragilizar ainda mais a saúde do setor. Combater a complexidade e cumulatividade de impostos que tanto penalizam a indústria merece especial atenção.

A agenda de Paulo Guedes promete ser ambiciosa. No entanto, na economia, o presidente não parece tão reformista assim. Os sinais recentes não foram bons, com o apoio à manutenção do tabelamento do frete e autorização dos incentivos tributários regionais, sem contar as falas que foram corrigidas por assessores. Precisamos aguardar os próximos passos do presidente.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Bruno Boghossian: Governo ignora a própria promessa ao dar cargo a filho de Mourão

Bolsonaro quer denunciar abusos passados, mas precisa se adequar a regras rigorosas

A promoção do filho de Hamilton Mourão para um cargo de confiança no Banco do Brasil uma semana depois da posse é, no mínimo, um erro político. Um governo que faz propaganda de devassas no serviço público, expurgos na máquina estatal e supremacia de critérios técnicos deveria pensar mil vezes antes de assinar qualquer nomeação.

Ao tocar as trombetas da “nova era”, o time de Jair Bolsonaro achou que denunciaria apenas abusos do passado, mas também passou a se submeter a critérios rigorosos.

Até o pai subir a rampa ao lado do presidente, Antônio Hamilton Rossell Mourão era um funcionário concursado da área de agronegócio do banco, com salário de R$ 12 mil. Nos primeiros dias da nova era, ganhou um cargo de assessor especial, com vencimentos de R$ 36,3 mil por mês.

A nomeação foi criticada até por ministros de Bolsonaro. Não é preciso ser opositor do governo para perceber que triplicar o salário do filho do vice-presidente era péssima ideia.

Rossell Mourão tem 18 anos de carreira no banco. O pai diz que a promoção se deu por mérito e que seu filho havia sido “duramente perseguido” na instituição em governos anteriores por causa do parentesco.

Se achava que a troca da guarda no Palácio do Planalto resolveria o problema, o vice deixou de levar em conta os simbolismos que o próprio Bolsonaro criou. O governo prometeu ser implacável com a cultura de privilégios. Agora, não pode simplesmente dizer que não é bem assim.

O presidente e seus auxiliares emitem um cheque sem fundos ao anunciar compromissos que não conseguem ou não querem cumprir.

O chefe da Casa Civil anunciou uma demissão em massa para “despetizar” a máquina, mas seus colegas acharam a ideia uma baboseira. O governo ainda alardeou metas ambiciosas para os primeiros cem dias, mas não tratou do assunto até agora.

O general Augusto Heleno até se espantou. “Que história é essa? Tem um livrinho aqui, acho que fala qualquer coisa de cem dias... Não tem nada disso”, afirmou o ministro.


Bernardo Mello Franco: O novo governo prometeu secar tetas. Falta ajustar a teoria à prática

O ministro Paulo Guedes prometeu secar as tetas que jorram recursos públicos para apaniguados. Falta ajustar a teoria à prática do novo governo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou uma nova era no uso do dinheiro público. “Vamos acabar com falcatrua, com esse tipo de coisa”, disse, na segunda-feira. “O povo brasileiro cansou de assistir a esse desvirtuamento das funções públicas”, prosseguiu.

No mesmo dia, o economista afirmou que o Estado brasileiro foi “ocupado”. “Cada grupo de interesse pegou um pedaço, uma teta, sempre perguntando o que podia tirar. Nosso grupo tem outra mentalidade”, garantiu.

A teoria de Guedes está perfeita. O problema é ajustá-la à prática, onde as tetas não pararam de jorrar por obra de discursos ou tuítes.

Ontem a revista Época revelou que Antonio Hamilton Rossell Mourão foi promovido a assessor especial do novo presidente do BB. Seu salário vai triplicar de R$ 12 mil para R$ 36 mil. Ele ainda terá direito a um bônus polpudo quando deixar o emprego no banco.

Como o nome indica, o funcionário é filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Ganhou o upgrade dias depois de o pai se mudar para o Jaburu. O vice disse que o herdeiro “foi favorecido por suas qualidades”. Pode ser, mas a imagem passada pela nomeação é de outro tipo de favorecimento.

O ministro Onyx Lorenzoni é outro campeão de discursos a favor da meritocracia. Na semana passada, ele anunciou a exoneração de 320 servidores da Casa Civil. Batizou a medida de “despetização” da máquina, embora o PT tenha deixado o poder há quase três anos.

Na prática, o resultado foi a paralisia de órgãos como a Comissão de Ética da Presidência. Enquanto o ministro promovia sua caça às bruxas, o Diário Oficial registrava outro tipo de aparelhamento: a nomeação de blogueiros de direita para o Planalto e o Ministério da Educação.

Onyx já admitiu ter recebido dinheiro de caixa dois, mas disse que “se resolveu com Deus”. Ontem o jornal “Zero Hora” informou que ele usou 80 notas fiscais da consultoria de um amigo para receber R$ 317 mil em verbas de gabinete. Parte dos recibos foi emitida em sequência, dando a entender que a empresa não tinha outros clientes. O truque é conhecido na Câmara, cujas tetas também são fartas e generosas.


Angela Bittencourt: Aposta em Guedes blinda mercado contra ruídos

Magnitude de derivativos justifica Campos Neto no BC

Reforma da Previdência, privatização acelerada e simplificação tributária com redução e eliminação de impostos são os três pilares da política econômica do governo Jair Bolsonaro. Dois desses três pilares - regime de aposentadorias e tributação - foram alvo de declarações desencontradas na primeira semana do novo comando no Palácio do Planalto, a ponto de o presidente ter sido desmentido por um ministro e um secretário especial na sexta-feira. O bate-cabeça foi perturbador e só não provocou desordem nos preços dos ativos financeiros porque bancos, gestores e investidores apostam 100% no sucesso do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas tamanha confiança não é sinônimo de conforto para grandes investidores que estão atentos à falta de sintonia no primeiro escalão.

Afirmações do presidente sobre temas que envolvem inúmeros interesses provocaram uma profusão de declarações, sugeriram conflito de opiniões dentro do governo e em torno de reformas essenciais para que a economia brasileira avance e abriram um flanco para que adversários políticos classificassem o presidente da República de "desinformado".

O "x" da questão foi a sanção do presidente à prorrogação de incentivos fiscais para investimentos nas regiões Norte e Nordeste, transferida do governo Temer para Bolsonaro que, numa só tacada, também acenou com a possibilidade de redução da idade mínima para aposentadoria, elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e corte da alíquota do Imposto de Renda (IR) de 27,5% para 25%. A fala de Bolsonaro repercutiu. Um aumento do IOF não havia sido aventado pelo governo até então.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, corrigiu a declaração do presidente. Ponderou que Bolsonaro, ao informar a idade mínima de 57 anos para a aposentadoria das mulheres e de 62 anos para os homens, "quis dizer" que a transição do regime de Previdência será lenta. Uma forma de tranquilizar a sociedade que resiste às mudanças. A redução do IR é uma "tese", disse Lorenzoni, que negou o aumento do IOF.

O secretário especial da Receita, Marcos Cintra, esclareceu que a prorrogação dos benefícios fiscais nas áreas da Sudam e da Sudene - fonte de despesa para a União - está prevista no orçamento e dispensa, portanto, compensação. Na versão presidencial, a prorrogação desses incentivos estaria assegurada com aumento do imposto sobre o crédito.

Entrevistas, discursos e tuítes do presidente Jair Bolsonaro semearam inquietação nos primeiros três dias do novo governo, mas sem maiores consequências. Não à toa, a queda monotônica do dólar e dos juros foi mantida e o Ibovespa renovou o recorde de pontuação no encerramento dos negócios, na sexta-feira.

Com valorização de 4,5% acumulada em três pregões de 2019, o principal índice da bolsa brasileira, a B3, colou em 92.000 pontos. E se avançar mais 8% alcançará 100.000 pontos - a projeção mais otimista de analistas consultados pelo Valor há algumas semanas.

Na sexta-feira, o Ibovespa foi contagiado pelo mercado americano, onde as ações dispararam em reação às declarações mais moderadas de Jerome Powell, presidente do banco central dos EUA, quanto à trajetória da taxa de juros. Na ponta oposta ao Ibovespa, o dólar negociado no Brasil caiu 4% em três dias, para R$ 3,7180.

Esse comportamento fortaleceu a convicção de profissionais que ainda não identificam investidores estrangeiros determinados a trazer dólares para o Brasil neste início de governo. Inclusive porque alguns já estão posicionados, sobretudo, em instrumentos financeiros derivados da taxa de câmbio.

Há menos de um mês, esses investidores elevaram suas posições "compradas" em contratos de dólar futuro e juro em dólar, na B3, ao patamar inédito de US$ 41,7 bilhões, equivalentes a 11% das reservas internacionais do país. Nos últimos dez dias, essa posição diminuiu em cerca de US$ 10 bilhões. O movimento foi interpretado como desmonte de operações de "hedge" uma espécie de seguro que investidores estrangeiros fazem contra eventuais perdas na variação da taxa de câmbio.

Esse desmonte é uma demonstração de confiança na nova administração? Talvez. Mas a manutenção de US$ 30 bilhões em instrumentos cambiais no país ainda é extraordinária. E os estrangeiros não estão firmemente posicionados apenas nesse segmento. Eles também são destaque no mercado acionário. Em 2 de janeiro, a carteira consolidada de estrangeiros em operações de venda à vista e futura do Ibovespa atingiu R$ 23,57 bilhões, segundo a CM Capital Markets. Nesse mercado, as negociações são registradas em reais, não em dólares.

A presença do investidor estrangeiro nesses dois mercados (câmbio e ações) é amparada por investidores institucionais. Fundos de pensão compõem a única categoria de investidor com recursos suficientes para atuar como contraparte dos estrangeiros. Na B3, o ano de 2018 terminou com os estrangeiros respondendo por 50% do total de operações com lastro em ações, com os institucionais na segunda posição com fatia de 26,7%. As pessoas físicas bancaram 17,8%, os bancos 4,6% e as empresas, 1%.

A magnitude das operações em derivativos no Brasil justifica o convite de Paulo Guedes ao economista Roberto Campos Neto - ex-Santander - para a presidência do Banco Central (BC). Campos Neto é um reconhecido especialista em derivativos e terá, na linha de frente da política monetária, Bruno Serra Fernandes, ex-Itaú, também especialista em derivativos e renda fixa. A futura Diretoria do BC vai se compondo. João Manoel Pinho de Mello, até há pouco secretário de Política Econômica da Fazenda, foi convidado e aceitou comandar a Diretoria de Organização do Sistema Financeiro, em substituição a Sidnei Corrêa Marques, que deixa o BC após oito anos no cargo.

Mesmo com a saída de Marques, a diretoria tende a um saudável equilíbrio de representantes do setor privado e do setor público. As áreas mais técnicas devem permanecer com funcionários de carreira. O economista Carlos Viana de Carvalho seguirá no comando da Política Econômica e Tiago Berrial continua como diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos.