Partidos
O eleitor espreita
A mais de um ano das eleições, os políticos não querem ficar no sereno. Precisam da máquina estatal para fazer política nos seus estados e municípios
Uma das características da política brasileira é o fato de que somos uma democracia de massas, do ponto de vista da escala de eleitores e do voto direto, secreto e universal; ao mesmo tempo, temos um sistema eleitoral e partidário que bloqueia o seu desenvolvimento no sentido da renovação de costumes políticos, o que nos faz presas fáceis do patrimonialismo e do clientelismo. Esse tipo de contradição já nos levou a algumas rupturas institucionais e, neste momento, submete a duro teste de resistência o regime constitucional vigente desde 1988, pois as vísceras da nossa política estão expostas pela Operação Lava-Jato.
Na verdade, é um velho dilema nacional: de um lado, a política controlada pelas elites; de outro, a sociedade civil, na qual os cidadãos têm um caminhão de direitos, mas permanecem na arquibancada. É aí que surge um fenômeno que marca o nosso desenvolvimento: a busca de espaços na estrutura do Estado para influir nos destinos do país, uma vez que os partidos políticos mantêm a sociedade à margem da política.
A crise na base do governo Temer reflete isso. Em circunstâncias normais, um governo com 5% de aprovação popular não teria a menor chance de sobreviver, mas não é o que acontece. A mais de um ano das eleições, os políticos não querem ficar no sereno. Precisam da máquina estatal para fazer política nos seus estados e municípios.
Muito provavelmente, o Palácio do Planalto conseguirá barrar a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da República, cuja admissibilidade está na pauta do Congresso para ser votada, quiçá amanhã mesmo. Se houver quórum para votação, bastará Temer ter um de 342 votos para os governistas rejeitarem a proposta. Por essa razão, setores da oposição não pretendem dar quórum para votação enquanto não estiverem em número superior a isso, o que é improvável. Previsões conservadoras do Palácio do Planalto garantem que há pelo menos 250 deputados federais fiéis a Temer.
O imponderável
Historicamente, no Brasil, o liberalismo tem duas vertentes: uma conservadora, que evoluiu do escravagismo para o neoliberalismo; e outra radical-democrática, que evoluiu do abolicionismo republicano para o nacional-desenvolvimentismo. Mas é o positivismo castilhista que acabou levando a melhor na configuração do Estado brasileiro, graças à Revolução de 1930 e ao golpe de 1964. Por causa disso, a forte presença na máquina pública, desde a República Velha, é o principal instrumento de participação política para as camadas “mais esclarecidas” da população.
Positivistas reconhecem os direitos civis e sociais da grande massa trabalhadora, mas não valorizam e prestigiam a democracia representativa. Preferem atuar como poderosas corporações na máquina administrativa ou como “tecnocratas sem partido”. Apostam no paternalismo e na intervenção do Estado para resolver os problemas da sociedade. Há que se considerar também o fato de que o positivismo no Brasil desaguou no nacional-populismo. Sua recidiva mais recente ocorreu nos governos Lula e Dilma, nos quais o jacobinismo foi abduzido pelo “transformismo” petista.
A redemocratização do país, com a Constituição “Cidadã” de 1988, ampliou tremendamente os direitos sociais — desenhou um Estado de bem-estar social que só existe no papel —, mas não resolveu o problema do exercício democrático da cidadania. E ainda “estatizou” os partidos políticos, seja pela via dos meios de funcionamento regulados pela Justiça Eleitoral, seja pela forte presença de seus militantes e quadros na máquina do Estado, que é partidarizada.
Resultado: é muito fácil cooptar os partidos e seus quadros para o governo, mesmo impopular; e muito difícil fazer política e conseguir uma vaga no parlamento estando fora da máquina pública, seja federal, estadual ou municipal. Mesmo partidos robustos, com uma proposta política moderna, têm dificuldade para fazer política fora da estrutura do Estado.
Em contrapartida, devido ao nosso sistema eleitoral e partidário, que privilegia os grandes partidos e o controle dos seus caciques sobre as legendas, cada vez mais o chamado voto de opinião tem dificuldade para se fazer representar no Congresso. Mas isso é agora uma contradição tremenda, haja vista o peso e a influência crescente das redes sociais.
Dois momentos são significativos quanto a isso: as manifestações espontâneas de 2013 e a campanha do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Nas eleições municipais passadas, o imponderável rondou o status quo e um tsunami varreu da cena política prefeitos candidatos à reeleição e seus candidatos; o imponderável de 2018 é um fenômeno parecido. Na verdade, o eleitor “astucia coisas” e espreita a política.
Janot esvazia as gavetas
Raquel Dodge assumirá a PGR com a mesa cheia de processos polêmicos. A presença de procuradores considerados “xiitas” pelos políticos na equipe de transição assustou alguns integrantes do governo
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, promete esvaziar suas gavetas em agosto, antes de concluir seu mandato à frente do cargo. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), já está trabalhando em Brasília, se preparando para a retomada das sessões da Corte, em linha com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Nos meios políticos, por causa disso, especula-se que a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer pode ser encaminhada ao Congresso na próxima segunda-feira, véspera do dia marcado para a votação da primeira.
Janot pretende encaminhar todos os pedidos de investigação e denúncias baseados nas delações premiadas da Lava-Jato até a passagem do cargo para a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, marcada para 18 de setembro. No Ministério Público Federal, há grande expectativa quanto à equipe de transição montada por ela, que deverá se assenhorar dos casos previstos e ficará com um tremendo abacaxi nas mãos. Raquel Dodge assumirá a Procuradoria-Geral da República com a mesa cheia de processos polêmicos, que deverá arquivar ou dar seguimento. A presença de procuradores considerados “xiitas” pelos políticos na equipe de transição assustou alguns integrantes do governo.
Nesse meio-tempo, a temperatura política deve subir, com o acirramento do choque entre o governo e o MPF. Ontem mesmo, houve um bate-boca entre o procurador federal Athayde Ribeiro Costa e o ministro da Justiça, Torquato Jardim. Na entrevista coletiva sobre a prisão de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Costa acusou Jardim de não procurar saber quais são as necessidades da Operação Lava-Jato ao fazer mudanças na equipe da Polícia Federal em Curitiba, extinguindo o grupo que atuava exclusivamente na força-tarefa local: “Sequer consultou a força-tarefa sobre o quanto de investigação tinha e o quanto de necessidade de efetivo havia. É uma responsabilidade dele essa diminuição, e temos que fortalecer a Polícia Federal”, afirmou o procurador.
Segundo Costa, no Ministério Público Federal, está claro que a Lava-Jato é prioridade. “É assim com o doutor Rodrigo Janot e certamente será com a doutora Raquel Dodge”, disse. Desde 6 de julho, a equipe passou a integrar a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor). O ministro da Justiça rebateu as críticas: “Vejo a crítica como infundada. Basta olhar o meu passado profissional (…), você não encontrará nenhum gesto de crítica ou desapreço à Lava-Jato”, disse Torquato Jardim. E tirou por menos o fato de não ter visitado a força-tarefa em Curitiba: “Não me constava do protocolo do ministério que eu devesse fazer visita oficial à Lava-Jato. Se ele acha isso necessário, vamos combinar um café”, declarou. Segundo Jardim, a Lava-Jato atua em 16 capitais e em Brasília, por exemplo, já é maior do que em Curitiba.
Homem da Dilma
O ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine, homem da confiança da ex-presidente Dilma Rousseff, foi preso na manhã de ontem na 42ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Cobra. Ele foi um coringa à frente do banco e da petroleira. Suspeito de receber R$ 3 milhões da Odebrecht, acabou sendo detido na casa da filha, em Sorocaba (SP), às vésperas de viajar para Portugal. O executivo só tinha uma passagem de ida, marcada para hoje. O Ministério Público descobriu sobre a viagem por meio de escuta telefônica legal.
“É importante destacar que o MPF encontrou apenas a passagem de ida, não significa que não havia a passagem de volta”, ressalvou o procurador Athayde Ribeiro Costa. Segundo ele, a prisão foi motivada também pelo fato de Bendine ter nacionalidade italiana e de haver indícios de atividade criminosa após a deflagração da Lava-Jato. O executivo é acusado de pedir R$ 17 milhões à Odebrecht para rolar uma dívida da empresa com o Banco do Brasil, mas não recebeu o valor. Na véspera de assumir a Petrobras, teria pedido R$ 3 milhões para não prejudicar os contratos da estatal com a empreiteira, segundo delação de ex-executivos da empresa. O valor teria sido pago em 2015.
Pesquisa
Pesquisa do Ibope divulgada ontem mostra nova queda na avaliação do governo do presidente da República, Michel Temer (PMDB). Segundo o levantamento, a aprovação de 5% é o menor índice desde o início da série histórica do instituto, que começou em março de 1986. Antes do resultado de Temer, o pior havia sido o do ex-presidente José Sarney, que, em junho/julho de 1989, teve 7% de ótimo/bom. O instituto de pesquisa ressaltou que, por conta da margem de erro da pesquisa de dois pontos percentuais para mais ou para menos, tecnicamente Temer e Sarney estariam empatados. O governo foi considerado “regular” por 20% dos entrevistados, e “ruim/péssimo”, por 70%. O levantamento do Ibope, encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi realizado entre 13 e 16 de julho e ouviu duas mil pessoas em 125 municípios.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-janot-esvazia-as-gavetas/
Caetano Araújo: Razões da crise
A crise ocupa há tempo o centro do debate no país. Em poucos anos rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.
Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidente da República.
Vamos à regra. Praticamos no Brasil nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é definida pela ordem decrescente dos votos obtidos.
Importa lembrar que esse sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.
Alternativas
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.
São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; déficit de legitimidade junto aos eleitores.
Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda. O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos.
Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.
Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula dificuldades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.
Para os eleitores, o resultado da dispersão significa perda em termos de fiscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital essa fiscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis a fiscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.
Voto
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fiscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fiscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria. Em compensação, a fiscalização por parte dos financiadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfiança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.
Esses problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.
A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao financiamento da política no país a partir da década de 1990. Para ficar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o mensalão e, agora, a lava jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm dificuldade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de financiamento. Quando isso ocorre a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.
Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.
Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e a possibilidade de aliança ficou mais distante.
No início do governo Lula a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidade para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fisiologismo e o conservadorismo.
O momento decisivo para a definição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com financiamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.
Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.
O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou constituinte exclusiva.
Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.
Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o seu apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a lava jato.
Erro
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fio? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fisiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.
Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justificar essa opção. Na minha opinião são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.
Em primeiro lugar, a preponderância do estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.
Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afirma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.
Em terceiro lugar, a neutralidade política do fisiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que financiam suas campanhas, como ficou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.
O Globo: A proposta de uma antirreforma política
São inconcebíveis R$ 3,6 bilhões para campanhas e o ‘distritão’, de que se beneficiarão apenas políticos conhecidos, em prejuízo dos partidos e da renovação
A proximidade de outubro, quando se esgota o prazo para que mudanças na legislação eleitoral vigorem no pleito do ano que vem, agita um Congresso preocupado com as finanças da campanha. E como o tempo é curto, amplia-se a margem de risco da aprovação de medidas de um modo geral equivocadas, e, no caso do financiamento dos gastos eleitorais, contrárias ao interesse do contribuinte.
O perigo é real, como demonstra uma miscelânea batizada de reforma, sob relatoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que ganhou notoriedade ao embutir emenda no projeto para que candidato condenado a até oito meses do pleito não seja preso. Logo recebeu o nome de “emenda Lula”, líder máximo do partido do deputado e condenado em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O reluzente chamariz desse projeto é o inconcebível aumento do Fundo Partidário, já em elevados R$ 800 milhões, para R$ 3,6 bilhões ou o equivalente a 0,5% da receita líquida da União. No pleito de 2022, seria reduzido para 0,25%. Em nada alivia para quem paga imposto.
É certo que a democracia tem um custo. Mas é preciso debater esta opção de uma contribuição compulsória de R$ 3,6 bilhões, pelo contribuinte, enquanto as contas públicas continuam muito desequilibradas, e persistem efeitos sobre a população da abissal recessão de 2015 e 2016. Na falta de emprego e na queda da renda.
Este projeto também avança em outro desatino, com a instituição do tal “distritão”, pelo qual cada estado seria um distrito, em que os mais bem votados ocupariam os assentos da bancada estadual, em ordem decrescente.
O sistema é muito simples de entender e, à primeira vista, irretocável do ponto de vista de preceitos democráticos. Afinal, entrariam na bancada os mais votados. Mas é positivo só mesmo à primeira vista.
Ao atender o senso comum — algo quase sempre perigoso —, o “distritão" só beneficiará candidatos à reeleição, portanto, já conhecidos, e famosos em geral. Irá em sentido contrário à necessidade de renovação na política, e ainda deixará em plano secundário os partidos, cujo fortalecimento é crucial para a democracia representativa.
Esboça-se a possibilidade da volta daquele clima de feira livre que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha criou em 2015, ao tentar votar uma reforma política a toque de caixa, sem qualquer maior reflexão.
Enquanto isso, está em fase final de tramitação na própria Câmara proposta de emenda constitucional, já aprovada no Senado, com uma reforma eficaz, na medida certa: cláusula de desempenho para exigir que partidos tenham um mínimo de votos, a fim de ter acesso a prerrogativas como o uso do dinheiro do Fundo; e a extinção das coligações em pleitos proporcionais, para não ser distorcida a intenção do eleitor. Não se deve perder esta oportunidade.
Editorial O Globo
Luiz Carlos Azedo: O busílis é a política
As forças que hoje dão sustentação ao governo Temer não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral
Deve-se ao marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Em 1991, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, havia vencido a Guerra do Golfo e resgatado a autoestima dos americanos após a dolorosa derrota no Vietnã. Assim, era o favorito absoluto nas eleições de 1992 ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas. Clinton apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e a frase de Carville virou a cabeça do eleitor.
Desde então, virou uma espécie de varinha de condão para governantes e candidatos em apuros, que apostam tudo na economia para enfrentar seus desafios eleitorais. Foi assim nas últimas eleições, quando a oposição achava que ganharia a eleição por causa da máxima de Carville. Logo no começo do segundo turno, Aécio Neves (PSDB) estava à frente de Dilma e os dados da economia eram muito negativos. As projeções do PIB em 2014 não passavam de 0,3%, mesmo com as pedaladas. A inflação chegava a 6,75% nos últimos 12 meses, com a taxa de juros (Selic) na casa dos 11% e do congelamento dos preços administrados, principalmente o preço da gasolina. Dos 48.747 empreendimentos da segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento, apenas 15,8% estavam concluídos.
Mas a oposição perdeu. Não apenas porque houve abuso de poder econômico (eis uma discussão vencida, que ironia, porque o TSE, em julgamento inédito, absolveu a chapa dessa acusação), mas porque Dilma, Lula e o PT politizaram a eleição na base do “nós contra eles”. Acusaram a oposição de querer acabar com os programas sociais petistas para favorecer os interesses dos mais ricos. Era música para 14 milhões de beneficiários do Bolsa Família, ou seja, 56 milhões de pessoas. Além disso, havia 1,5 milhão de beneficiados no Minha Casa, Minha Vida e um exército de 97 mil ocupantes de cargos comissionados defendendo o governo com unhas e dentes, temerosos de perderem o que tinham. O tempo da política não é o da economia, a recessão só veio depois, para embalar a campanha do impeachment.
O economicismo é uma praga na análise política, cuja origem é atribuída ao determinismo econômico marxista. É uma injustiça com Marx, embora essa responsabilidade seja dos teóricos social-democratas do começo do século, principalmente do teórico alemão Eduard Bernstein, para quem o desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo levaria ao socialismo. Outros teóricos marxistas criticaram essas interpretações. O economicismo sobrevaloriza os fatores considerados econômicos na evolução dos processos sociais e políticos, porém, a política é a economia concentrada.
Quem tiver oportunidade de ler o 18 Brumário, de Luís Bonaparte, que trata da restauração da monarquia na França após a revolução burguesa — na verdade, uma grande reportagem sobre os acontecimentos da época — , verá ali a centralidade da política na visão do autor d’O Capital. Na década de 1930, por exemplo, a ascensão do fascismo na Itália foi vista como uma via de industrialização de um país economicamente atrasado. Pois bem, não era um fenômeno determinado pela economia, mas pela política. Tanto que assombrou o mundo quando a Alemanha, um dos países mais desenvolvidos da Europa, sucumbiu à loucura nazista. No pós-guerra, o economicismo tornou-se uma presa fácil do nacionalismo e do populismo, que nos rondam novamente, inclusive na Europa.
Qual é a agenda?
Temos um governo que assumiu o poder e herdou o desgaste de Dilma Rousseff — até porque Michel Temer era o vice-presidente da República e o PMDB, o aliado principal do PT —, com o país em recessão e o desemprego em massa, além de ser assediado por denúncias de corrupção contra o próprio presidente da República. O governo adotou uma política de ajuste fiscal de longo prazo — a meta fiscal é um deficit de 139 bilhões — e promoveu reformas de cima para baixo, necessárias para enfrentar a crise e reorganizar a economia, mas sem apoio popular. Além disso, não cortou na própria carne como deveria: a relação dívida/PIB se aproximará de 80% no final do próximo ano.
As forças do impeachment de Dilma, que hoje dão sustentação ao governo Temer, não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral. As reformas não garantirão um crescimento espetacular, capaz de resgatar os empregos perdidos na escala necessária. Não haverá sequer um voo de galinha da economia, embora possa haver um ganho real com a redução da inflação. Além disso, espinafrar a Operação Lava-Jato não resolve o problema da crise ética, pode até agravá-la. No máximo, nivela na lama a disputa entre governo e oposição. O país precisa de um novo projeto político, que reinvente o Estado e a economia, a partir dos interesses da sociedade, e combata a corrupção, a violência e os privilégios. Esse é o desafio principal para tirar o país do atraso e garantir o futuro das novas gerações.
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Luiz Carlos Azedo: Uma porta fechada
Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos
O esgotamento do modelo nacional desenvolvimentista baseado no capitalismo de laços, que entrou em colapso com as revelações sobre seus mecanismos mais perversos e corruptos pela Operação Lava-Jato, e o fracasso da política de adensamento da cadeia produtiva nacional têm outra face: a implosão do modelo de financiamento dos partidos, a partir do uso e abuso do caixa dois eleitoral por meio do desvio sistemático de recursos públicos pelos chamados “campeões nacionais”, como os grupos Odebrecht e JBS e outros financiadores de campanha. Isso provocou a atual crise ética.
Esse duplo colapso agravou a crise econômica, que se somou à crise política e nos levou ao impeachment de Dilma Rousseff. O presidente Michel Temer, que a sucedeu, deu uma resposta relativamente bem-sucedida à crise econômica, mas não se pode dizer o mesmo em relação às crises política e ética. Mesmo fragilizado pelas denúncias de corrupção e pela impopularidade, manteve a rota das reformas propostas por seu governo como um ciclista que não pode parar de pedalar para não se estatelar no asfalto.
Esse ímpeto reformador, que conta com a adesão das forças que apoiaram o impeachment em relação à economia, porém, esbarra na lógica conservadora da reforma política que está sendo alinhavada no Congresso. Talvez seja esse o nó górdio da crise política e ética, porque as mudanças que estão sendo discutidas no sistema eleitoral têm o objetivo de salvar os políticos enrolados na Lava-Jato de uma debacle eleitoral e nada mais. Em consequência, já surgem no Congresso os sintomas mórbidos e patológicos de uma situação na qual a velha política está morrendo e a nova ainda não emergiu.
Os mecanismos de financiamento eleitoral criados a partir da Constituição de 1988 se degeneraram e foram desarticulados pela Operação Lava-Jato. Agora, precisam ser substituídos. Os caciques das legendas preparam uma reforma cujo objetivo é mantê-los no poder. Para isso, querem determinar — a priori e pela força da grana — quem tem chances de se eleger e quem não tem. Até o sistema eleitoral será modificado com esse objetivo, de maneira a que os grandes partidos possam canibalizar os menores antes mesmo da eleição, e neutralizar os danos eleitorais decorrentes da Lava-Jato.
Uma reforma política de verdade, a essa altura do campeonato, debateria uma alternativa ao presidencialismo de coalizão. Um sistema híbrido, por exemplo, com características parlamentaristas, na qual a Presidência da República cuidaria das questões de Estado — Relações Exteriores, Defesa, Interior — e um governo de maioria parlamentar, da Fazenda, da Justiça, da Agricultura, da Saúde e da Educação… É como acontece na França e em Portugal.
Não é o que ocorre. O que está sendo tramado é a criação de um bilionário fundo de financiamento eleitoral e a concentração desses recursos e a distribuição do tempo de televisão nas mãos das cúpulas partidárias, bem como a adoção do chamado “distritão”, no qual são eleitos os mais votados por estado. O conjunto da obra seria liquidação da possibilidade de renovação dos partidos, que passariam a ser monopólios dos atuais deputados federais e senadores.
Na distribuição de recursos do fundo e do tempo de televisão, não é considerado o desempenho eleitoral para os demais cargos eletivos do país, ou seja, dos candidatos a presidente da República, a governador, a deputado estadual, a prefeito e a vereador, nas diversas esferas de governo. O mais justo seria a distribuição entre os partidos de acordo com a votação em cada eleição. Mas o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), propõe a distribuição de 49% dos recursos divididos pelos votos na eleição de 2014 para deputado federal; 15% pela atual bancada de senadores; 34% pelo atual número de deputados titulares; e 2% para todos os partidos.
Troca-troca
Antes mesmo de ser aprovada, a reforma abala as relações políticas no Congresso, ao provocar intenso troca-troca entre partidos que já estão a funcionar como balcões de negócios. A decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece punição drástica para os parlamentares que mudarem de partido sem justificativa desde 2008 virou letra morta: ninguém perderá o mandato por trocar de legenda. Para tangenciar essa jurisprudência, o Congresso já havia aprovado uma emenda à Constituição (PEC) que abriu duas “janelas” para mudança de partido, a primeira em 2016, para as eleições municipais, e a segunda entre março e abril de 2018. Uma nova janela de 30 dias será aberta em agosto.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos artífices da reforma. Transformado em alternativa de poder em razão das denúncias contra o presidente Michel Temer, Maia articula fortemente para que dissidentes governistas do PSB, partido que resolveu passar à oposição, engrossem as fileiras de sua legenda. A movimentação gerou tensão no Palácio do Planalto e provocou reações do presidente Temer, que também resolveu participar do leilão com os meios de que dispõe: verbas e cargos governamentais. Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos, para barrar a possibilidade de renovação da política e perpetuar o controle dos partidos pelos enrolados na Lava-Jato. A porta de saída da crise ética está sendo trancada.
Roberto Freire: O novo pede passagem
É preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos
Em meio à descrença generalizada que se espraia pela sociedade em relação à política partidária e aos políticos, especialmente em função da degradação moral que envergonha o país, parece consensual a tese de que é necessária a aprovação de novas regras válidas já a partir das próximas eleições de 2018. A grande questão é se haverá disposição e coragem para que se leve adiante uma reforma que modifique profundamente as estruturas estabelecidas e, sobretudo, crie condições para o surgimento de mecanismos que libertem a cidadania e possibilitem uma outra política.
No bojo desse inadiável debate, é preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos que buscam criar “cortinas de fumaça” para confundir a opinião pública, oferecendo respostas simples para problemas complexos, de modo que nada significativo venha a ser de fato alterado. Em nome dos grandes partidos — justamente os protagonistas das malfeitorias reveladas pela Operação Lava-Jato —, o que tem se buscado é “mudar algo para que tudo continue como está”, para citarmos a frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo”, imortalizada no cinema por Luchino Visconti.
A legislação que regula a atividade partidária no Brasil impõe uma série de restrições que impedem a oxigenação do ambiente político e praticamente afastam a possibilidade do surgimento de novas forças representativas da cidadania. Tudo o que se discute no Congresso são meros remendos que continuam a beneficiar a velha ordem. Pouco importa se serão fechadas ou abertas as listas de candidatos ou, em especial, o grande achado das cláusulas de barreira, pois todas essas alterações asseguram a manutenção e a primazia dos atuais grandes partidos. Tais reformas impedem que novos atores de representação da cidadania surjam e se afirmem nos processos eleitorais.
Entre as inúmeras distorções do sistema atual, talvez a mais grave seja o acesso indiscriminado e irrestrito aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Diante das facilidades para que todas as legendas recebam o dinheiro do Fundo, foi criado um balcão de negócios à custa do dinheiro público. Isso tem de acabar. Entretanto, ao invés da restrição arbitrária e antidemocrática à criação de novas agremiações, o que se deve limitar é o acesso ao Fundo Partidário apenas às legendas que alcançarem, pelo voto, uma representação mínima na Câmara.
É preciso construir novas regras que, ao romperem com o monopólio dos atuais grandes partidos, garantam o mínimo de visibilidade aos novos entes partidários ou movimentos políticos, inclusive às candidaturas avulsas. A democracia brasileira só avançará se levarmos a cabo uma reforma política que preze a liberdade total e uma maior participação da cidadania, sem nenhum tipo de tutela ou restrição. Que tenhamos coragem de defender e aprovar uma reforma que seja digna do nome e que, efetivamente, mude regras, práticas e costumes que a sociedade brasileira não tolera mais. O novo pede passagem.
* Roberto Freire é deputado federal (PPS-SP) e presidente nacional do PPS
Luiz Carlos Azedo: Os quarenta e um
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer
O presidente Michel Temer pode ter salvo o mandato ontem, graças à tropa de choque que rejeitou o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e aprovou, por 41 votos a 24, um novo parecer, de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), recomendando a rejeição da denúncia contra o primeiro presidente da República a ser denunciado criminalmente pelo Ministério Público. O relatório de Abi-Ackel (PSDB-MG) já estava pronto quando o governo conseguiu derrotar Zveiter, por 40 votos a 24 e uma abstenção; e foi imediatamente referendado.
A próxima batalha será em plenário, mas a votação da CCJ aumentou as expectativas quanto à capacidade de Temer permanecer no poder, ainda que a correlação de forças na comissão tenha sido alterada a fórceps, com a substituição de nove deputados da base considerados infiéis. Novo relator, Abi-Ackel afirma que as acusações contra Temer foram resultado de ação “suspeitíssima” do empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, e que a denúncia “peca por omissão” ao não demonstrar “o nexo causal entre o presidente da República e o ilícito que menciona”.
Com a decisão de ontem, a incerteza migrou da situação para a oposição. O novo parecer somente será aprovado se tiver o apoio de dois terços do total de 513 deputados, ou seja, 342 votos. Somente assim será autorizada a instauração do processo no Poder Judiciário. No caso de rejeição da denúncia pelo plenário, o Supremo ficará impedido de dar andamento à ação, que será suspensa. O processo será retomado após o fim do mandato do presidente. Esse é agora o cenário mais provável, com Temer na condição de “pato manco” até 2018.
O outro cenário depende de um fato novo que abale o Palácio do Planalto e mude novamente o ambiente na Câmara. Caso a denúncia seja aceita, será analisada pelos 11 ministros do STF e Temer pode se tornar réu, sendo afastado por 180 dias. Só perderá o cargo definitivamente se for condenado pelo Supremo. O comando do país ficaria a cargo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No caso de condenação, Maia teria de convocar eleições indiretas no prazo de um mês. Segundo a Constituição, o novo presidente da República seria escolhido pelo voto de deputados e senadores.
Consequências
Esses dois cenários estão balizando a movimentação do Palácio do Planalto no Congresso. Na hipótese de rejeição, Temer será blindado contra a Lava-Jato, mas a base governista estará dividida irremediavelmente, porque o PSDB está à beira da implosão. Na última reunião de seus caciques, o presidente interino Tasso Jereissati queria anunciar o desembarque do governo, como deseja a maioria da bancada na Câmara, mas foi impedido pelo governador Geraldo Alckmin e pela maioria dos senadores, liderados por Aécio Neves (MG). Na CCJ, ontem, quatro deputados tucanos votaram a favor do acolhimento da denúncia e dois contra, sendo um escolhido relator da rejeição, o mineiro Abi-Ackel.
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação, mesmo com o governo fragilizado pela Lava-Jato, funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer. O próximo passo é a aprovação da reforma da Previdência, após a rejeição da denúncia. Seria a prova de que o “pato manco” nada como um cisne em águas turvas. Outra consequência será o fortalecimento dos parlamentares que rejeitaram a denúncia, principalmente aqueles que foram os primeiros a pôr a cara a tapa na Comissão de Constituição e Justiça. Com certeza, quererão tomar os espaços ocupados pelos partidos cujas bancadas, majoritariamente, votaram contra Temer.
Mais uma consequência diz respeito ao segundo cenário. Antes da votação na CCJ, a expectativa de poder em relação a Rodrigo Maia era ascendente. O parlamentar era o Plano B de muitos palacianos e dos parlamentares da base que defendiam a aprovação da denúncia. De certa maneira, a possibilidade de afastar Temer e continuar no governo com Maia já havia saído do campo das especulações para as articulações políticas. Quem foi flagrado fazendo jogo duplo será tratado como traidor e perderá os cargos após a votação em plenário. É a guerra.
Finalmente, a Lava-Jato. A rejeição da denúncia não absolve Temer. O processo será retomado quando encerrar seu mandato. Isso levará o governo a avançar na tentativa de conter o Ministério Público, a partir de setembro, quando acaba o mandato do procurador-geral Rodrigo Janot. De certa forma, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, a nove anos e seis meses de prisão, e a denúncia contra Temer tecem um amplo espectro de adversários da Operação Lava-Jato, que estão em quase todos os partidos e poderes da República.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quarenta-e-um/
Fernando Gabeira: O futuro dos predadores
Os bandidos comem, por ano, 2% do PIB. Sempre que ligo a tevê no noticiário político, o PSDB está deixando o governo ou decidindo ficar com ele. O partido não conhece aquela teoria da dissonância cognitiva. Ela afirma que, uma vez feita uma escolha, a tendência é reforçá-la com racionalizações. Se escolhemos rosas brancas no lugar das amarelas, tendemos a ressaltar a beleza das brancas e a enfatizar os defeitos das amarelas. O PSDB ou está saindo ou ficando. Se decide ficar, faz precisamente o contrário do que acontece na dissonância cognitiva: começa a refletir sobre as vantagens de sair. No momento em que toma a decisão do desembarque, certamente vai falar muito das vantagens de ficar no governo. Enfim, parece ter uma permanente incapacidade de tomar decisões e seguir com elas.
O drama do PSDB se acentuou com as denúncias contra Aécio Neves. Sua tendência quase genética a subir no muro torna-se mais compulsiva no momento em que tem de escolher entre a Lava-Jato e o sistema político em colapso.
O interessante é observar como a existência das investigações mexe com a sorte dos partidos. O PT, por exemplo, torce para que Aécio Neves não seja preso, pois isso destruiria o argumento de que o partido é, seletivamente, perseguido. A prisão de Aécio pode tornar mais fácil a de Lula. Ambos olham com esperança para Temer, não porque o admirem e sim porque é o único com instrumentos potencialmente capazes de salvar todo mundo.
Escolha de Procurador Geral, mudanças na direção da PF — o sonho de consumo das estruturas partidárias cai nas mãos de Temer, por sua vez, preocupado com sua própria situação, sobretudo com o avanço das delações premiadas.
Janot deixa o cargo em setembro. Fala-se em corrida de delações. Ao mesmo tempo, fala-se num acordo para fixar a diferença entre receber dinheiro pelo caixa 2 sem oferecer nada em troca, ou receber em troca de favores oficiais. Quando setembro chegar, talvez termine o primeiro ato. O PSDB vai hesitar muitas vezes, os adversários políticos continuarão fingindo que não estão umbilicalmente ligados no barco que naufraga.
As raposas políticas trabalham para que Temer escolha um substituto amigo para Janot. É preciso ver como isto vai se passar na instituição, se ela se rende com sem luta, ou resiste ao lado da sociedade. Diz a imprensa que a candidata Raquel Dodge tem apoio de Sarney, Renan e Moreira Franco. Se a eleição dependesse do voto popular, esse apoio seria um abraço mortal.
Tudo é possível num país como o nosso. Surreal mas não o bastante para apagar de nossa consciência o gigantesco processo de corrupção que arruinou o país.
Terça-feira acordei em Curitiba e olhei pela janela do hotel: manhã fria, cinzenta e chuvosa. Pensei nos presos que estão por aqui. O inverno será duro para eles. E, certamente, alguns outros virão para cá.
Mas ainda assim, creio que uma fase esteja acabando. Ela não resolve nada sozinha. Mas abre a possibilidade do país enterrar o sistema politico partidário, buscar algo novo, ainda que questionável, como fizeram os franceses, por exemplo.
O esforço de Sarney, Renan, Moreira e outras raposas do PMDB para deter o curso das mudanças é patético.
Pessoalmente não acredito que uma procuradora de alto nível iria se prestar ao papel histórico de se tornar cúmplice da quadrilha que mantém o país oficial na lata do lixo.
Quando setembro chegar, com o ritmo intenso dos acontecimentos, o perigo de um retrocesso talvez já não esteja no ar. Qualquer substituto, minimamente decente, terá de concluir o trabalho já feito. Muitos fatos ainda devem ser desvendados. Algumas delações devem ajudar. Não creio que a de Eduardo Cunha possa ser uma delas. Cada vez que se fala em sua provável delação, é possível que ele enriqueça mais, vendendo o silêncio, inclusive para inocentes.
Mas a carta de Cunha revela uma reunião entre ele, Lula e Joesley que o dono da Friboi não mencionou sua delação premiada. Isso reforça a suspeita de que Joesley esteja escondendo jogo.
Semanas favoráveis, semanas negativas, semanas no muro, tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema político partidário se acumulam. No entanto, o debate sobre a renovação ainda não ocupa o espaço merecido.
Com os dados que temos, é possível que as instituições que sobrevivem realizando seu trabalho e a sociedade que as apoia saiam vitoriosas dessa luta.
De nada adiantará essa vitória se não houver uma alternativa de mudança. Nem todos os bandidos serão presos e a força da inércia pode trazê-los de novo ao topo da cadeia alimentar. Eles comem, anualmente, cerca de dois por cento do PIB.
Por que mantê-los, sobretudo agora que estão se desintegrando? O preço do silêncio e da indiferença pode nos levar a perder uma nova chance de tirar o Brasil do buraco.
* Fernando Gabeira é jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/o-futuro-dos-predadores-21516407
Luiz Carlos Azedo: Descompressão
Governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), é autor do pedido a ser julgado hoje no STF para que Fachin deixe a relatoria do caso JBS
Em decisão surpreendente, que para muitos alivia a pressão sobre os réus, o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), tirou da alçada do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, quatro investigações relacionadas às delações premiadas dos executivos da construtora Odebrecht. A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o próprio Fachin havia remetido os trechos das delações que mencionam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância. Ontem, porém, voltou atrás.
Advogados de Lula e Cunha haviam recorrido ao relator da Lava-Jato, com o argumento de que os quatro episódios citados pelos delatores da empreiteira não têm relação com as irregularidades cometidas na Petrobras. Os executivos e ex-dirigentes da Odebrecht disseram que o ex-presidente da República teria favorecido a empreiteira em Angola. Também há referências a irregularidades na construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO), e suposto pagamento de mesada a um dos irmãos de Lula. Em relação a Cunha, a cotação trata da contratação da empresa de investigação Kroll para supostamente barrar as investigações da Lava-Jato.
Nos bastidores, essas decisões foram interpretadas como uma espécie de volta ao leito do chamado “devido processo legal”, pois o que estava em questão era o princípio do juiz natural. Fachin foi muito criticado por aceitar a delação premiada da JBS, protagonizada pela gravação de uma conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer. Como o caso não está ligado à Petrobras, o relator da Lava-Jato não seria o juiz natural. Outra interpretação dada à decisão é mais política do que jurídica: ao tirar as acusações da alçada de Moro, Fachin sinaliza que abrirá mão do caso JBS.
O plenário do STF julgará hoje o pedido do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), para que Fachin deixe a relatoria do caso JBS. Citado nas delações, o governador tucano argumenta que os fatos narrados pelos delatores da JBS não têm relação direta com o esquema de corrupção que atuou na Petrobras e, portanto, as delações estão fora da Lava-Jato. Essa não é, porém, a posição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que ontem enviou parecer ao Supremo defendendo a permanência de Fachin.
Também foram tomadas, ontem, pela Primeira Turma do STF, decisões que ajudaram a reduzir as tensões entre o STF e o Congresso. A prisão preventiva de Andréa Neves e Frederico Pacheco, respectivamente irmã e primo do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), foi convertida ontem em prisão domiciliar, com monitoramento com tornozeleira eletrônica. Por 3 votos a 2, os ministros da turma estenderam a ambos o mesmo tratamento anteriormente dado a Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).
Os três são investigados junto com Aécio por suposta prática de corrupção, organização criminosa e embaraço às investigações. Eles já foram denunciados e estavam na cadeia desde o último dia 18 de maio. Votaram por medidas alternativas os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Luís Roberto Barroso e Rosa Weber foram derrotados. Na Operação Patmos, Andréa Neves foi denunciada pela suposta prática de corrupção, por supostamente pedir ao empresário Joesley Batista R$ 2 milhões. A defesa de Andréa alega que ela pediu o dinheiro para bancar a defesa de Aécio Neves na Lava-Jato, depois de tentar vender um apartamento de R$ 40 milhões no Rio de Janeiro ,a Joesley. Sem sucesso.
Adiamento
Também contribui para desanuviar as tensões o adiamento do julgamento do pedido de prisão de Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de tentativa de obstrução da Justiça pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A defesa de Aécio requereu que a decisão de afastá-lo do exercício do cargo seja revista. O relator do caso, Marco Aurélio Mello, que preside a turma, disse que vai decidir individualmente se leva ou não o processo para deliberação do plenário da Corte, como pleiteiam os advogados. Essas decisões do Supremo desanuviaram o ambiente político ontem, que estava muito tenso em razão do julgamento em meio a uma queda de braços com o Ministério Público Federal.
Até breve
A partir de amanhã, estarei em férias.
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Luiz Carlos Azedo: O homem que virou suco
A saída de João Batista da Cultura não foi boa para o governo, a senadora Marta Suplicy (PMDB) recusou convite para voltar à pasta
O drama da resistência de um poeta popular diante de uma sociedade opressora, que o obriga a eliminar suas raízes, é simultaneamente uma alegoria do desenraizamento, da clandestinidade e do exílio, aos quais muitos dos opositores do antigo regime militar foram submetidos. Esse é o enredo do filme O homem que virou suco, do diretor João Batista de Andrade, lançado num momento decisivo da história política do país, após a anistia e o fim do bipartidarismo. Em 1981, a oposição ao regime militar já havia ganho as ruas, mas enfrentava a resistência terrorista dos porões da ditadura, cujo momento mais dramático foi o frustrado atendado à bomba do Rio Centro, em 30 de abril daquele ano.
Deraldo é um nordestino esclarecido que busca sobreviver em São Paulo apenas de suas poesias e folhetos, o que ainda hoje é comum na capital paulista. De camiseta, calção e chinelos, Plínio Marcos, o consagrado dramaturgo de Dois perdidos numa noite suja e Navalha na carne, por exemplo, era visto com frequência vendendo seus livros nos eixos São João-Ipiranga, São Luiz -Augusta, Angélica-Consolação. Tudo vai muito bem com o herói do filme, até ele ser confundido com um funcionário de multinacional que matou o patrão na festa em que recebeu o título de operário padrão.
Perseguido pela polícia, Deraldo perde a identidade e a cidadania. Para sobreviver, refaz a trajetória da maioria dos nordestinos numa grande metrópole: vai trabalhar na construção civil, aceita realizar serviços domésticos, vaga pelo metrô, sofre toda sorte de humilhação e violências. Até que resolve contar a história do assassino e escreve o livro O homem que virou suco.
Além de consagrar seu diretor, o filme revelou o grande talento de José Dumont, ao lado de Denoy de Oliveira, Raphael de Carvalho, Ruth Escobar e Dulcinéia de Moraes. Colecionou prêmios em festivais: Melhor Filme em Moscou; Melhor Ator (José Dumont) em Nevers (França); Prêmio da Crítica em Huelva (Espanha); Melhor Roteiro, Melhor Ator (José Dumont), Melhor Ator Coadjuvante (Denoy de Oliveira) no Festival de Gramado; Melhor Roteiro, Melhor Ator (José Dumont) em Brasília; São Saruê da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro; e Prêmio Qualidade (Brasil) no Concine.
Liquidificador
Na sexta-feira, para não virar suco na crise ética e política, João Batista de Andrade entregou sua carta de demissão ao presidente Michel Temer. Ministro da Cultura interino, pegou o boné porque já estava sendo moído pelo Palácio do Planalto, depois de uma queda de braços em torno da indicação do presidente da Ancine. Queria emplacar no cargo um nome de consenso no meio artístico: “A Débora Ivanov era a indicação de todas as entidades do cinema e também do Ministério da Cultura. O governo resolveu que vai nomear outra pessoa”. O candidato de preferência do presidente Michel Temer é Sérgio Sá Leitão, que já ocupa uma diretoria da Ancine.
O cineasta foi para a secretaria executiva do Ministério da Cultura a convite do ex-ministro Roberto Freire (PPS), a quem é ligado por laços partidários. Foi destacado membro do chamado “Setor Cultural” do antigo PCB, ao lado de outros cineastas, como Alex Viany, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos e Zelito Viana. Ex-secretário de Cultura de São Paulo, Batista presidia o Memorial da América Latina quando foi convocado por Freire, em meio à crise provocada pela barulhenta demissão do seu antecessor: o ex-ministro Marcelo Calero gravou uma conversa politicamente incorreta com Temer, na qual o presidente da República pedia que atendesse um pleito do ex-ministro da Articulação Política Geddel Vieira Lima, que também acabou caindo.
Batista pavimentou o caminho para Freire assumir a pasta, desarmando bombas junto à classe artística, na qual sempre foi muito respeitado. Com a saída do titular, a seu pedido, permaneceu à frente do ministério, interinamente, com toda a equipe que havia sido montada pelo presidente do PPS. O cineasta, porém, nunca foi um homem de aparelho partidário. Antes mesmo da saída de Freire, já se queixava das pressões do Palácio do Planalto em relação à Ancine.
Na semana passada, sua posição tornou-se insustentável. Temer mandou um oficial de gabinete ligar para o ministro interino e comunicar sua indicação para a presidência da Ancine, Sá Leitão. Batista já havia anunciado publicamente o nome de Débora Ivanov e disse ao auxiliar de Temer que a nomeação seria acompanhada de sua exoneração. A saída de João Batista não é uma boa notícia para o governo, ainda mais porque logo veio acompanhada da informação de que a senadora Marta Suplicy, que já foi ministra da Cultura, já havia recusado o convite para voltar à pasta. A bancada do PMDB na Câmara, agora, pleiteia o cargo para o deputado André Amaral (PB). Temer só pretende anunciar o próximo ministro quando voltar da viagem à Rússia.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-homem-que-virou-suco/
Luiz Carlos Azedo: Mudança de eixo
As reformas da Previdência e trabalhista estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi embora cedo ontem da Câmara, depois de aprovar em votação simbólica a primeira das medidas necessárias para o “pacote de bondades” que o Palácio do Planalto preparou para ver se melhora a popularidade do presidente Michel Temer. Como sempre acontece nos momentos de crise política grave, o governo raspa o fundo do tacho com uma das mãos para poder gastar com a outra. No caso, trata-se da restituição aos cofres públicos dos precatórios depositados há mais de dois anos que não foram sacados pelos beneficiários. Com a aprovação da proposta, o governo federal espera reforçar os cofres da União com R$ 8,6 bilhões.
Precatórios são dívidas do poder público decorrentes de condenações judiciais definitivas. Para dar um caráter social ao projeto aprovado, foram incluídas duas exigências: que 20% desse montante seja aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino e, pelo menos, 5% no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). No embalo, foram incluídas as requisições de pequeno valor (RPV), oriundas de ações contra o poder público, mas com valor limitado a 60 salários mínimos.
Logo após o encerramento da sessão, quem também deixou a Câmara foi o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), cujo parecer está pronto. Indagado sobre a votação da reforma, foi curto e grosso: “Vamos ter que esperar, agora não dá”. Pra bom entendedor, isso significa que o governo ainda não tem votos para aprová-la, apesar da retórica oficial. A prioridade não é esticar a corda com a Câmara, é recompor a base do governo.
No outro lado do Congresso, acontece a mesma coisa. A reforma trabalhista caminha lentamente no Senado. Ontem, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) fez a leitura do relatório favorável à aprovação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Manteve o projeto aprovado pela Câmara, mas indicou os vetos que serão recomendados ao presidente Temer, em troca do apoio da base aliada no Senado. Versam sobre ambiente insalubre para gestantes e lactantes; descanso de 15 minutos a que as mulheres têm direito antes de iniciar a hora-extra; acordo individual para determinar jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga; a “comissão de representantes dos empregados” em empresas com mais de 200 funcionários; e intervalo intrajornada de 30 minutos para horários acima de seis horas de trabalho.
O relatório será votado em 20 de junho e, depois, será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça. Ferraço faz parte do time de tucanos que defende o desembarque do PSDB do governo Temer, mas afirma ter compromisso com as reformas. Uma coisa não teria nada a ver com a outra. Essa, porém, não é a posição da maioria da bancada de senadores tucanos, que defende a permanência do partido no governo. Na crise, a prioridade da bancada é evitar a cassação do senador Aécio Neves (MG), que está com mandato suspenso e precisa ser blindado pela legenda na Comissão de Ética, controlada pelo PMDB. Não é esticar a corda por causa das reformas.
Chantagem
O agravamento da crise ética, porém, começa a criar problemas para a equipe econômica. Não bastam as entrevistas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre os problemas na economia. Analistas já alteraram as projeções para 2017. A previsão de crescimento caiu de 0,5% para 0,2%. A economia fecharia o ano em aceleração ascendente de 0,8% no último trimestre, ou 3,2%, a taxa anualizada, mas agora a projeção é declinante: 0,4%, 0,12% e 0,% no segundo, terceiro e quarto trimestres, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).
Para alguns economistas, esse é o resultado das “bondades” do governo: reajustes nas faixas de renda e de financiamento para compra de imóvel; ampliação do volume de crédito subsidiado; não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados; subsídio para a renovação da frota de veículos e à indústria automobilística; medidas de compensação à indústria nacional da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local.
Na verdade, as reformas da Previdência e trabalhista, que serviriam para reduzir o ajuste fiscal e aumentar a produtividade, estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base. Nada é feito para acabar com os cartórios na burocracia federal, que tanto encarecem a produção e favorecem a corrupção, além de servir de trincheira para os setores que apostam no “quanto pior, melhor” para manter seus privilégios. É ou não uma mudança de eixo?
* Luiz Carlos Azedo é jornalista