Partidos

Foto: Agência Brasil

Alon Feuerwerker: O nó da reforma política não está nos eleitos, está nos eleitores

Busca-se, pela enésima vez, o modelo político-eleitoral ótimo, que idealmente será alcançado por meio de uma reforma amplamente desejada. Mais uma vez, entretanto, a montanha parirá um rato. O motivo disso seria a resistência do sistema, supostamente maligno, a mudanças supostamente benignas. É a explicação óbvia. Convém desconfiar dela.

Não é tão difícil desenhar modelos “melhores” que o atual. Mas, melhores para quem? Um problema é a dispersão de objetivos, conforme as conveniências. Quem está no governo, ou acha que vai chegar lá, quer facilitar a governabilidade. Mas só para si próprio. Além disso, os papéis flutuam conforme a conjuntura momentânea de cada ator.

Há, por exemplo, uma maneira simples de dar ao presidente eleito maioria sólida na Câmara dos Deputados. Basta combinar alguma cláusula de barreira com o seguinte dispositivo: cada partido ou coligação elegeria em cada estado uma bancada, em lista aberta ou fechada, proporcional aos votos válidos recebidos ali pelo seu candidato à Presidência.

Aliás esse mecanismo poderia ser facilmente replicado para governadores e assembleias, e para prefeitos e câmaras.

A dispersão cairia dramaticamente. Se a lista fosse fechada, o custo da eleição de deputado ou vereador iria para perto de zero. Diversos objetivos dos reformistas seriam atingidos. Haveria inclusive mais legitimidade para algum semipresidencialismo, dada a conexão direta entre o voto para o executivo e a escolha dos parlamentares que aprovariam o gabinete.

Mas nada parecido com isso será implantado. Num sistema assim, o PT e aliados próximos fariam em 2018 no mínimo 40% da Câmara. Os aparentemente fanáticos da governabilidade do governo Temer sabem fazer conta, principalmente as de chegada. A governabilidade do próximo presidente é desejável, desde que ele tenha determinada agenda.

O nó da nova reforma política tem a ver com esse detalhe. A caçada atual pelo “bom sistema” é apenas cobertura para a busca de algum mecanismo que garanta o apoio da maioria do próximo Congresso à agenda deste governo. Agenda que, infelizmente para os proponentes, não tem apoio social suficiente para passar tranquila no Legislativo. Neste ou no próximo.

Essa tensão entre o que se gostaria de aprovar no Congresso e o que é possível, dada a correlação social de forças, é o caldo de cultura de uma farta mitologia. Um mito fascinante é o da renovação. Repete-se que o problema está na dificuldade de eleger pessoas novas, e portanto (sic) boas. É o contrário. Nossa Câmara tem uma das maiores taxas de renovação do mundo, perto de 50%. Na dos EUA costuma ser de 10%.

Com o voto distrital ou misto (distrital+lista), a taxa de renovação nas eleições para o Legislativo despencaria. É só olhar pelo mundo. Mas o distrital é apresentado como a melhor alternativa pelos mesmos que insistem na premência de renovar os quadros políticos, para que os maus deem lugar aos bons. E que por isso não aceitam o distritão.

Não perca seu tempo, caro leitor, procurando racionalidade nesse debate. O problema dos nossos reformistas é que em quase qualquer sistema a vontade da maioria acaba se infiltrando em algum grau na representação política. O nó do alto custo político das reformas liberais não está nos eleitos, mas nos eleitores. E esses são mais complicados de reformar.

Sem chance de dar certo

Privatizar faz algum sentido quando é para abater dívida que custa mais do que a estatal entrega para o Tesouro. Ou para ter dinheiro para investir. Vender ativo para cobrir despesa corrente é ruim. Vendido determinado bem, a despesa continuará ali. Os mesmos empresários que pedem isso ao governo demitiriam o executivo que fizesse algo assim nas suas empresas.

O Brasil foi programado para quebrar. As despesas estão protegidas, especialmente as mais indefensáveis. Quando a receita cai, resta caçar fontes extraordinárias para fechar as contas. Se o Brasil não existisse precisaria ser inventado: o Estado quebrou nos três níveis, mas festeja-se a existência de uma lei de responsabilidade fiscal.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


O Estado de S. Paulo: Caciques tucanos têm desaprovação maior que a de Lula

Aécio, Serra, Alckmin e FHC têm imagem mais desgastada que a do petista; João Doria é menos rejeitado entre todos políticos tucanos analisados

Daniel Bramatti, Gilberto Amendola e Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

A pesquisa Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas revela que quatro dos principais caciques do PSDB – Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Fernando Henrique Cardoso (SP) e Geraldo Alckmin (SP) – têm hoje a imagem mais desgastada que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também tucano, o prefeito de São Paulo, João Doria, está em situação mais confortável: é o que aparece mais bem colocado entre os políticos avaliados pela pesquisa. Ainda assim, sua taxa de desaprovação (53%) é bem maior que a de aprovação (19%).

Condenado em um processo e réu em outras cinco ações relacionados à Operação Lava Jato, Lula é desaprovado por dois terços da população, enquanto um terço o vê de forma favorável. Já a desaprovação aos caciques tucanos varia entre 73% e 91%.

O maior desgaste é o de Aécio, que teve 48,4% dos votos na eleição presidencial de 2014 e hoje tem seu desempenho desaprovado por nove em cada dez brasileiros – resultado que o coloca em situação de empate técnico com o presidente Michel Temer (93%) e o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (91%), que está preso desde outubro de 2016 e já foi condenado na Operação Lava Jato a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Logo a seguir aparece o senador e também ex-candidato a presidente José Serra, que foi ministro de Relações Exteriores no governo Temer durante nove meses. Serra é mal avaliado por 82% da população, segundo o Ipsos. FHC e Alckmin são desaprovados por 79% e 73%, respectivamente.

A pesquisa não revela os motivos da rejeição aos políticos. Mas a desaprovação a Aécio teve um salto a partir de junho, quando ele foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de receber recursos ilícitos do grupo JBS. Na época, o tucano chegou a ser afastado do mandato de senador por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Serra e Alckmin, cuja desaprovação também aumentou nos últimos meses, foram envolvidos em delações na Operação Lava Jato. O primeiro é alvo de inquérito por suposto recebimento de recursos ilegais da Odebrecht, e também foi acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de receber doações da JBS via caixa dois. Já o atual governador paulista foi citado por delatores da Odebrecht como beneficiário de recursos ilícitos.

Serra afirma que suas campanhas sempre foram feitas dentro da lei. Alckmin também nega irregularidades.

‘Mito’. Para o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, a desaprovação aos líderes do partido se soma a uma “rejeição à classe política em geral”. Sobre o fato de Lula estar em situação um pouco melhor, Goldman disse que o ex-presidente “tem ainda certa dose de mito, um grau de sentimento popular, e isso abranda a rejeição dele”.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estado, a pesquisa Ipsos mostra o quão imprevisível está o quadro político para as eleições de 2018. “O imprevisto é o provável”, afirmou Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “A situação está tão confusa e o desgaste de lideranças tradicionais é tão grande que fica muito difícil fazer qualquer tipo de previsão. Nesse contexto, abre-se espaço para aventureiros que, hoje, estão fora do radar eleitoral. Talvez o discurso antissistema se transforme em uma vantagem eleitoral.”

Já a também cientista política Maria do Socorro Braga, da USP, relaciona o baixo índice de aprovação dos políticos à Operação Lava Jato. “No começo, era algo que parecia apenas atingir o PT, mas depois, com o tempo, a sociedade entendeu que os problemas estavam disseminados por outras legendas.”

Para Marco Antônio Teixeira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até políticos que se apresentaram como novidade “acabaram se desgastando rapidamente, porque, pelo menos aparentemente, repetem hábitos da ‘política velha”. Já o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena (FGV) disse que “a bola está com o eleitor”. “A pesquisa mostra uma necessidade de reconstrução e renovação, mas será que o cidadão está realmente pronto para ela?”

 


'Alckmin é o primeiro da fila no PSDB para disputar a Presidência em 2018', diz Tasso Jereissati

Presidente interino do partido afirma que convenção nacional tucana vai abrir espaço para cabeças-pretas 'de mentalidade'

Por Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

O senador Tasso Jereissati (CE), presidente interino do PSDB, revelou ao Estado que não pretende disputar a presidência do partido no dia 9 de dezembro, quando ocorrerá a convenção nacional tucana. A ideia, diz ele, é abrir espaço para um nome que seja "cabeça-preta de mentalidade". O dirigente também afirmou que o governador Geraldo Alckmin é o primeiro na fila para disputar a Presidência da República em 2018. Sobre o fato de o senador Aécio Neves (MG) continuar como presidente licenciado, foi taxativo: "O presidente do partido sou eu e só eu".

O senhor pretende disputar a presidência do PSDB na convenção do partido marcada para dezembro?
Não. Faço questão de conduzir o processo com bastante isenção. Por isso, não devo ser candidato à presidência do PSDB. Defendo que seja um nome novo, alguém da nova geração e com mensagem mais fresca.

Quais nomes se encaixam nesse perfil?
São muitos nomes bons na Câmara, Senado e entre os prefeitos. Se eu falar de algum específico, isso acabaria ferindo ou esquecendo alguém. A quantidade de quadros novos que está surgindo no partido me entusiasmou a fazer esse movimento.

A ideia é que um “cabeça-preta” assuma o comando do PSDB e lidere o partido em 2018?
Um cabeça-preta de mentalidade. Não estou excluindo ninguém.

O que deve mudar no estatuto?
Encarreguei o deputado federal Carlos Sampaio (SP) de organizar um grupo para discutir o novo estatuto. Ele está começando a trabalhar nisso esta semana.

A atual direção executiva nacional do PSDB tem um perfil muito parlamentar. Deve ocorrer alguma mudança na configuração?
A gente sente que há muita distância dos prefeitos. Eles estão na ponta do partido e vivem o dia a dia. Defendo que haja uma participação dos prefeitos, talvez com mais de um na executiva. Deve ter também uma participação dos presidentes regionais.

Desde a fundação do PSDB, em 1988, nunca houve uma disputa de teses em convenção nacional. Ficou essa fama de partidos de caciques. Isso deve mudar?
A disputa é de ideias. Ao longo desse período (até dezembro) serão discutidas ideias e teses. Em paralelo, teremos o novo estatuto e programa do partido. Se não tiver um nome de consenso (para a presidência), então vai ter disputa. Tudo pode acontecer. Sempre tem a primeira vez.

Há vários grupos se aproximando do partido, como o MBL. Qual o objetivo disso?
Estamos abertos. Queremos receber a influência de todos esses movimentos que estão nascendo por aí, que são influenciados pelas redes sociais. Vamos conversar com todos. São muito importantes na formação de opinião pública. Temos que estar antenados com todos.

Avalia disputar o governo do Ceará?
Não pretendo mais voltar ao Executivo. Também defendo a renovação no Ceará. O ideal é um processo de renovação lá também.

Qual é a sua relação com o governador Camilo Santana, do PT?
A relação pessoal é ótima. Nossas posições políticas são diferentes, especialmente no plano nacional. Mas ele é uma pessoa bem intencionada.

Quer dizer que, no Ceará, o PSDB não vai fazer um discurso antipetista, como o do João Doria, em 2018?
Nem no Ceará nem no Brasil. Não é o nosso estilo. Existem no partido várias nuances e o João Doria representa uma delas. Mas na média do PSDB, o discurso que queremos levar para a convenção não é anti, é pró.

Então o PSDB não deve polarizar com o PT?
Essa política de nós contra eles é um desserviço para o Brasil. Além de dividir, traz violência, desrespeito e intolerância. É um péssimo sinal para democracia.

O grupo de tucanos que defendem a permanência do PSDB no governo federal deve tentar emplacar um nome na convenção de dezembro?
Essa discussão de ficar ou sair está vencida no partido. Agora é olhar pra frente.

Acredita que essa bandeira do parlamentarismo vai mobilizar a militância do PSDB?
Vou me empenhar para quem sim. Acredito no parlamentarismo há muitos anos. Essas crises políticas que têm afetado a vida do brasileiro desde a redemocratização têm provado que o presidencialismo de cooptação (termo usado em vídeo mea-culpa do partido criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) está falido, quebrou.

Os quatro ministros do PSDB no governo podem ser considerados da cota pessoal do presidente Michel Temer?
Não acredito em cota pessoal. As posições do PSDB no Congresso em relação às reformas e projetos importantes para o País não mudam um milímetro pelo fato de ter ou não ministro. A presença deles no ministério não tem influência na nossa posição política, nem na agenda de reconstrução do partido. A agenda do governo pode ser uma e a do partido outra. As agendas podem divergir.

A convenção vai marcar prévias para escolher o candidato à Presidência da República?
Se não chegarem a um consenso sobre o candidato, terá prévia.

O senhor esteve na quinta-feira (24) com o governador Geraldo Alckmin em Brasília. Qual foi a pauta?
Alckmin é uma das lideranças mais importantes do partido há muito tempo. Trocamos ideias sobre o futuro do partido.

O governador é hoje o nome mais bem posicionado para disputar o Palácio do Planalto em 2018?
Sim. Ele é o primeiro da fila.

E o João Doria?
Ele também é um quadro. Foi eleito prefeito no primeiro turno e está credenciado para disputar qualquer cargo neste País, mas dentro do partido o Alckmin está à frente.

O que precisa mudar no PSDB, um partido considerado de caciques?
É preciso fazer uma autocrítica. Em alguns setores estamos distantes do que a população quer da política. Temos que ir para a rua e ver onde temos que melhorar. A militância do PSDB está desencantada com a política. A política ainda é a base da democracia.

O senhor tentou entregar o cargo de presidente interino várias vezes, mas o Aécio não aceitou. Por quê?
Eu não queria assumir a presidência do PSDB. Assumi em uma emergência, como coisa temporária. Não fazia parte do meu plano de vida.

Mas o fato é que até dezembro o partido continua tendo dois presidentes, um alinhado com Temer e outra com posição mais independente...
O presidente de fato do PSDB sou eu, e só eu. Isso foi acertado graças ao desprendimento do Aécio.

 


Alberto Aggio: Entre dois polos, como reconstruir o centro?

Postulação centrista traria à cena política um ator indispensável para a estabilidade

O ano de 2018 chegou. A razão disso está no fato de que a polarização política sofreu um claro deslocamento. Depois do impeachment, tudo indicava que ela ficaria contida no encarniçado embate da oposição contra o governo, com a primeira vociferando contra a legitimidade do segundo. Os ecos dessa retórica tornaram-se, dia a dia, menos audíveis e as mobilizações, cada vez menores.

2018 chegou e a polarização deslocou-se para a dimensão político-eleitoral. A mudança é perceptível e com ela os dois polos em contraposição deixaram de ser o PT e o PSDB, substituídos por duas postulações à Presidência da República. Lula expressando uma esquerda de discurso sectário em pugna com a direita extremada de Jair Bolsonaro, que representa a mesma coisa em sentido inverso. Na imprevisibilidade reinante, ambos podem chegar inteiros ou acabados a 2018, e, ao invés do acirramento da polarização, paradoxalmente, o discurso dos polos pode se voltar contra postulações diferenciadas que venham a surgir.

Porém, este é um quadro incompleto. O centro político, combatido historicamente pelo PT e conspurcado nos seus governos, é ainda o grande ausente. Ao centro, a fragmentação é expressiva, o que leva a prever grande dificuldade eleitoral para esse campo, que poderá lançar um ou mais postulantes.

Não resta dúvida de que uma postulação ao centro, especialmente se for como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena política de um ator indispensável à estabilidade, com vistas a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o País se afastou injustificadamente. Por opção e convicção, Lula e Bolsonaro ocupam extremos opostos e revelam uma evidente ausência de cultura política democrática que possa fazê-los se aproximar produtivamente do centro político. Uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da política de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência política.

Tema complexo, é um equívoco imaginar que o centro seja algo fixo, incapaz de se ressignificar. Ele se tornou relevante política e analiticamente na avaliação das democracias europeias do pós-guerra. Os restos do fascismo, a presença da esquerda comunista e socialista e a emergência da guerra fria jogaram luz em correntes políticas que buscavam afastar o perigo de os extremismos alcançarem o poder. Desse lugar “defensivo” nasceram e se afirmaram as seguidas metamorfoses do centro político, que ainda marcam nosso tempo.

Nem sempre o centro foi ocupado por um partido hegemônico equidistante entre a direita e a esquerda, responsável pelo equilíbrio do sistema político. No Chile, por exemplo, o Partido Radical cumpriu esse papel, mas quando a Democracia Cristã (DC) assumiu seu lugar, no final da década de 1950, o centro político assumiu nova configuração, passando a ser um centro “excêntrico”, ou seja, mais um polo do sistema político, perdendo a função anterior de equilíbrio. Essa não foi a causa principal, mas foi determinante para que a democracia ruísse em 1973. Na Itália, as lições do Chile levaram o Partido Comunista Italiano e a DC a projetarem o famoso compromesso storico, que ressignificaria o centro político a partir da esquerda, mas essa estratégia fracassou.

A política brasileira desconhece um partido de centro como fator de equilíbrio. Antes de 1964, a exclusão do PCB dispensava essa função, facilitada também pela ausência de autodefinição de um ou vários partidos “de direita”. A nossa geografia político-partidária, cheia de claros e escuros, foi o inverso da chilena, o que não nos aliviou da ocorrência de golpes de Estado no correr do século 20. Aqui, o centro é ocupado de forma instrumental, produzindo inercialmente uma lógica centrípeta que conduz e reproduz o sistema.

Durante o período militar, afirmou-se a disjuntiva “situação” e “oposição”, simplificando o sistema e fatiando o centro entre os dois polos subalternizados. No interior dessa disjuntiva, lideranças do liberalismo e do comunismo, em “frente política” contra o regime, arquitetaram uma aliança da esquerda com o centro, abrindo-se a possibilidade entre nós de circulação da noção de “campo democrático”. Essa estratégia levou a transição à democracia a bom porto.

Apesar da reprodução da disjuntiva situação/oposição na nova situação democrática, a lógica centrípeta permaneceu vigente e se afirmou com a imposição do chamado “presidencialismo de coalizão”, que guiou o País nos últimos anos. Esse arranjo se sustentou fundado em consensos fáticos, como as reformas sociais inclusivas, uma competição eleitoral aceitável, mesmo com graves distorções na representação, e um controle fiscal legitimado.

A conexão desses três pontos se desfez nos governos Dilma. Em termos fiscais, o impacto da decomposição se mostrou insustentável. Foi isso que impulsionou o impeachment, com apoio efetivo de massas. Não corresponde à verdade, portanto, a lenda de que o impeachment ocorreu para resguardar os parlamentares do PMDB do alcance da Operação Lava Jato. Essa é uma interpretação tão simplista quanto ideológica.

O pós-impeachment ensejava o retorno da política e uma reconfiguração do centro. Contudo, o PMDB, carro-chefe do “Centrão”, que se sustentou nos governos petistas e hoje sustenta Temer, perdeu a grande oportunidade de levar adiante projetos de reforma que poderiam criar uma nova base programática para futuros consensos.

Não é equivocada a avaliação de que, do ponto de vista democrático, o centro político foi perdido e não será fácil recuperá-lo. Repor a convivência política como terreno comum e postular uma reforma do Estado, com vistas ao bem-estar efetivo da população, podem se constituir em pontos de partida para uma nova combinação entre “reforma social” e democracia política, a ensejar um novo “arranjo centrista” entre nós.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Reserva do barulho

A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, estaria por trás da extinção da reserva

O líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Trípoli (SP), anunciou que apresentará à Casa Civil da Presidência da República uma solicitação para que sejam sustados os efeitos do Decreto nº 9.142, divulgado ontem, que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), liberando para exploração mineral área localizada entre o Pará e o Amapá. Para Trípoli, além do evidente risco ambiental, a medida foi tomada sem uma discussão adequada, não tendo recebido o aval de importantes setores relacionados ao tema. Por trás do pedido, também há uma reação dos militares contra a medida, adotada sem muita discussão dentro do governo.

Trípoli quer debater os riscos da medida com todos os atores envolvidos, inclusive os ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e da Justiça. Há áreas indígenas demarcadas na região que podem sofrer com a extinção da Renca. “Ao desbloquear essa área, de 47 mil km², abre-se precedente para que outros locais sejam explorados de maneira predatória e inconsequente”, argumenta o tucano. A área estava protegida desde o governo do presidente João Figueiredo. Depois do Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum” e da Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para o Acordo do Clima, analistas veem a decisão como um retrocesso inexplicável, um surto a la Trump, que não tem nada a ver a como a política ambiental e os acordos internacionais assinados pelo Brasil.

A medida faz parte de um programa de privatizações lançado pelo governo sem muito planejamento nem regras claras, com propósito de sinalizar para o mercado o avanço de uma reforma liberal da economia, que ainda requer modelagem consistente para não cair no vazio e encalhar em intermináveis batalhas judiciais, além de dar munição para a oposição petista. A extinção da Reserva Nacional do Cobre (Renca) vem sendo planejada desde março, quando o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, indeferiu os títulos protocolizados desde 1984 pleiteando ocupação de áreas dentro da reserva, mas manteve os requerimentos minerários (autorizações de pesquisa, concessões de lavra, permissões de lavra garimpeira e registros de licença) anteriores à criação da reserva.

Com isso, o governo pretende intensificar a exploração mineral numa área de pré-cambriano da Amazônia, considerada de grande potencial, utilizando técnicas modernas de pesquisa geológica. Esse período se estende da formação da Terra, há cerca de 4,6 bilhões de anos, até ao início do Período Cambriano, cerca de 440 milhões de anos atrás, quando os animais de carapaça dura apareceram pela primeira vez em abundância. Representam 88% do tempo geológico, nos quais apareceram os fósseis, os oceanos, a Lua, muitos minerais, a oxigenação, a formação de algumas vidas multicelulares e as placas tectônicas.

Cobiça

O maior defensor da reserva foi o almirante Gama e Silva, que liderou os estudos na área. Em 1969, após a descoberta de Carajás, o geólogo Décio Meyer descobriu o complexo alcalino-ultramáfico do Maraconaí, o que deu início a outras expedições de pesquisa entre os rios Jarí e Paru. Em 1981, a British Petroleum (BP) requereu direitos de exploração de cobre na região. Chefe do Grupo Executivo do Baixo Amazonas, Gama e Silva temia que Daniel Ludwig, do Projeto Jarí, dono de ações da BP, pretendesse dominar e internacionalizar a região. Conseguiu, porém, que o Conselho de Segurança Nacional vetasse a concessão dos alvarás da BP.

Hoje, as unidades de conservação e terras indígenas ocupam 80% da área, o que libera apenas 20% para exploração mineral. Há unidades federais (três) e estaduais (quatro) na Renca, mas o que impediu a pesquisa geológica na região foi a inércia do governo federal, que praticamente abandonou os estudos. Sabe-se, porém, que há na área enormes reservas de ferro, manganês, nióbio, níquel, cobre, ouro e petróleo. O assunto mais polêmico é o nióbio, que já chegou a ser relacionado até com o mensalão, após o empresário Marcos Valério afirmar na CPI dos Correios, em 2005, que o Banco Rural havia conversado com o ex-ministro José Dirceu sobre a exploração de uma mina na Amazônia.

Em 2010, um documento secreto do Departamento de Estado americano, vazado pelo site WikiLeaks, incluiu as minas brasileiras de nióbio na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são considerados estratégicos e imprescindíveis aos EUA. A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, supostamente estaria por trás da extinção da reserva.

Em 2011, um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas fechou a compra de 30% do capital da mineradora com sede em Araxá (MG) por US$ 4 bilhões. O fato é que 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil, que responde atualmente por mais de 90% do volume do metal comercializado no planeta, seguido pelo Canadá e Austrália. Nossas reservas são da ordem de 842 milhões de toneladas e as maiores jazidas conhecidas se encontram nos estados de Minas Gerais (75% do total), Amazonas (21%) e em Goiás (3%).


Maria Cristina Fernandes: Velório sem cachaça 

Decano do PSDB diz que vitória de Aécio matará o partido. Euclides Scalco é um tucano atípico. Não faz rodeios naquilo que é incontornável. Por telefone, de Curitiba, decreta: "Se Aécio derrotar o Tasso nessa disputa o PSDB acaba". Acompanha pelos jornais e em esparsas conversas com correligionários a crise por que passa o partido, mas a quilometragem acumulada no tucanato lhe franqueia a afirmação categórica de que se trata da mais grave crise na sua história.

Às vésperas de completar 85 anos, Scalco forma, junto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a dupla de decanos do PSDB. Gaúcho, fez política no Paraná. Foi deputado constituinte do grupo pemedebista que se rebelou contra o rumos do governo José Sarney e assinou a Carta sob nova filiação partidária.

Coordenador das duas campanhas presidenciais de Fernando Henrique, diretor-geral de Itaipu e secretário-geral da Presidência, Scalco sempre integrou, no partido, a ala, cada vez mais escassa, dos intransigentes defensores de um PSDB vacinado contra as benesses do poder.

Não faz, por exemplo, uma única ressalva ao mea culpa que o partido levou ao ar na semana passada em horário nobre. Aprovou forma e conteúdo, inclusive a ausência de tucanos na tela. Atribui a reação interna à carapuça que alguns de seus correligionários vestiram. "Tava na hora de o partido ter alguém que desse um murro na mesa e pusesse ordem na tropa", diz, em respaldo ao senador Tasso Jereissati.

É avesso a cerimônias de panos quentes. Não hesitou em se afastar politicamente do atual governador do Paraná, filho do tucano com quem cultivou suas relações mais estreitas na política, José Richa. Padrinho de crisma e de casamento de Beto Richa, além de coordenador de suas campanhas, Scalco tomou distância de suas gestões há oito anos, quando o afilhado ainda ocupava a prefeitura da capital. Ao se afastar, declarou que não compactuava com a mistura entre negócios privados e o bem público. Nas últimas eleições, apoiou o ex-prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, que trocou o PSDB pelo PDT depois de desentendimentos com Richa.

Não transige nem mesmo em relação à retomada da bandeira do parlamentarismo. Descrê que a mudança no sistema de governo sirva de atalho para tirar o país da crise. Esta história não precisa de repetição. Já embute uma tragédia na origem.
Scalco relembra a pactuação com os militares que condicionarm a posse de João Goulart à instituição do parlamentarismo, depois derrotado em plebiscito, para referendar sua crítica. "Se somos parlamentaristas teríamos que ter insistido na mudança desde o princípio. Agora é inoportuna."

Vê uma clara crise de liderança com a indisposição de Fernando Henrique para assumir funções executivas no partido e faz um chamado à responsabilidade dos fundadores do PSDB que hoje se mantêm indiferentes à perspectiva de piora daquilo que parece estar no limite da deterioração. Não lhe falem do prefeito de São Paulo, João Doria, ou de sua alegada herança covista. "[Geraldo] Alckmin bancou Doria e agora ele está percorrendo o país em campanha. Essas coisas não podem acontecer. Ele [o prefeito] não tem nada de Covas".

A rapidez com a qual o PSDB decidiu entrar no governo Michel Temer abre uma fenda entre o partido de hoje e aquele que ajudou a criar. Diz que os tucanos, desta vez, tinham alternativa à participação no governo. Não equipara a responsabilidade do PSDB, decorrente do impeachment, àquela dos pré-tucanos na transição que desembocou no governo José Sarney.

Advoga que hoje o PSDB poderia ter ficado de fora com apoio pontual a agendas convergentes, como a privatização da Eletrobras. Com a adesão a Temer, produziu-se o inverso. Os tucanos estão aboletados no poder e, graças ao apego da bancada aecista a Furnas, colhem divergências em temas que deveriam estar pacificados no partido como a privatização.

Vê na sucessão de 2018 o rubicão do PSDB e teme que a disputa interna impeça a travessia. Mede a distância que separa a luta fratricida de hoje pela candidatura ao Planalto à resistência de Mário Covas em 1989. O então senador paulista queria passar pelo governo estadual antes de partir para uma eleição nacional, mas foi convencido pelos pares a encabeçar a primeira disputa presidencial do partido.

Atribui os descaminhos do PSDB, em grande parte, à falta de discussão interna, a começar de suas instâncias locais. Reconhece que o partido ainda é prisioneiro da dicotomia do Real. Como se tratasse de uma guerra contra a hiperinflação, talvez não tivesse como ser diferente, mas o fato é que o plano responsável pela projeção política do partido foi fruto da tecnocracia e não de suas bases.

A situação fiscal do país o pressiona a outra virada de mesa. O que está em jogo é a liderança, no campo liberal, desse movimento. É este o jogo em que o presidente da República se movimenta para tentar manter o PSDB como satélite de seu poder. Por que Temer, em 1988, não seguiu com os pemedebistas paulistas para o novo partido? Seus aliados costumam dizer que Franco Montoro, seu patrono, o aconselhou a ficar no PMDB para servir de ponte entre os novos tucanos e o quercismo. Scalco tem outra explicação, mais curta: "Porque não foi convidado".

Em meados dos anos 1980, quando fervilhava a vida partidária da abertura, a Fundação Pedroso Horta editava uma publicação chamada 'Revista do PMDB'. Fernando Henrique e Serra compunham o conselho editorial. No número de julho de 1987, às vésperas dos trabalhos da Constituinte, quando os pemedebistas já não escondiam o desconforto com a gestão Sarney, o partido lamentava não ter podido se preservar, a exemplo dos socialistas espanhóis, para o governo pós-transição. A instabilidade e o precário equilíbrio de forças, reconheciam os futuros tucanos, impunham desgaste ao partido.

Passaram-se 30 anos desde que a revista do PMDB fez aquelas reflexões. Tempo suficiente para os tucanos delas tirarem lições, mas quem parece tê-lo feito com mais competência foi o pemedebista outrora rejeitado. O presidente Michel Temer atraiu o PSDB, dá corda ora a um, ora a outro e se vale privatizações e TLPs para testar o credo liberal dos seus aliados e mantê-los permanentemente divididos. Vale-se ainda da lambança tucana na Lava-Jato para lhes vender proteção. Se for bem sucedido, cravará no partido de seus antigos correligionários o carimbo de satélite do PMDB. Um movimento de volta às origens que, no Paraná de Scalco, dá-se o nome de velório sem cachaça.

* Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor Econômico


Luiz Carlos Azedo: Um partido pra chamar de meu

O PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão

A dialética do processo político brasileiro, digamos assim, será ditada por duas tendências que se fortalecem na medida em nos aproximarmos da eleição: o enfraquecimento do governo Temer, de um lado, e o surgimento de candidaturas mais ou menos competitivas de outro. Duas já estão postas: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a de Jair Bolsonaro (PSC). A única alternativa possível para o presidente Temer reverter essa tendência e não ficar isolado e moribundo no fim de seu mandato é apoiar uma candidatura forte o suficiente para reagrupar sua base e gerar uma nova expectativa de poder.

Essa é a operação em curso no Palácio do Planalto, mas passa por uma definição do PSDB em relação ao candidato da legenda, que hoje se digladia em torno de dois nomes: o governador Geraldo Alckmin, que seria o candidato natural, e o prefeito de São Paulo, João Doria, que entrou em campanha aberta, atropelando o seu criador político. Como o PSDB é uma variável sobre a qual Temer não tem controle, o presidente e os aliados começaram a meter a colher na luta interna dos tucanos, o que pode não ser uma boa ideia, mas nada impede que dê certo. Essa é a magia da política.

Em razão do poderio político e econômico do governo de São Paulo, o governador paulista ocupa o vértice de um sistema de poder controlado pelos tucanos, que passa pela estrutura partidária, mas é ancorado nos governadores, senadores, deputados federais e prefeitos da legenda. Por essa razão, como nas eleições de 2006, quando o senador José Serra (PSDB-SP) foi preterido, será muito difícil deslocar a candidatura de Geraldo Alckmin, ainda mais porque as alternativas que lhe restariam seria disputar uma vaga ao Senado ou ficar no cargo até o fim do mandato. Ocorre que a candidatura que empolga os aliados do PSDB no governo Temer é a de Doria.

Essa é a questão por trás da polêmica sobre o recente programa do partido, que ensaiou uma autocrítica em relação à Operação Lava-Jato e certa posição de apoio crítico ao governo Temer, cuja frase síntese é “O PSDB errou”. O eixo político do programa foi a crítica ao “Presidencialismo de cooptação”. O resto é detalhe.

No período imediatamente anterior à elaboração do programa, houve a votação do pedido de afastamento de Temer para a investigação da denúncia contra o presidente da República, que rachou a bancada do PSDB. Logo após, um caloroso encontro do presidente Temer com Doria, em São Paulo, sem a presença de Alckmin. Depois, uma afetuosa conversa de Doria com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a acalorada visita a Salvador, a convite do prefeito ACM Neto (DEM), na qual o prefeito paulista transformou a ovada que levou de um manifestante numa fortificante gemada política.

Novo bloco
A movimentação do prefeito Doria sinalizou para Temer e seus aliados do DEM a possibilidade de se antecipar à convenção do PSDB e iniciar as articulações para fazer de Doria o grande candidato de centro democrático, num movimento no qual a ala tucana que apoia o governo ameaça deixar o partido, da mesma forma como estão trocando o PSB pelo DEM os políticos dessa legenda que apoiam o governo.

Há duas alternativas: a primeira é a incorporação de Doria e todos os dissidentes pelo DEM; a segunda, o surgimento de um novo partido, que teria Doria como candidato, aproveitando a estrutura de um dos partidos aliados. Há vários, de médios a pequenos, à esquerda e à direita do PSDB, à disposição das manobras de Temer. Para Doria, poderia ser a melhor alternativa para não desconstruir a imagem de representante do novo na política, com o puro e simples ingresso no PMDB. Além disso, pode funcionar como um xeque-mate no alto tucanato.

Tudo isso ocorre em meio a uma reforma política feita sobre medida para mudar deixando tudo como está. Trata-se de mais uma faceta do nosso “transformismo” político, no qual recentemente o PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa parece que pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão.

O fenômeno é característico de processos políticos nos quais os partidos se descolam das bases eleitorais e buscam se reposicionar com objetivo de manter ou voltar ao poder. Com o colapso de certas utopias e a formação de uma classe dirigente que detém o domínio político do Estado, não importam suas mazelas, as lideranças moderadas e conservadoras buscam absorver os quadros mais ativos de grupos aliados e, eventualmente, até antigos adversários.

 


FHC: Escolha do candidato do PSDB à Presidência recairá sobre favorito

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, nesta quinta-feira (17/8), que vai apoiar o pré-candidato do PSDB à Presidência que for “capaz de falar com o Brasil”. FH destacou que ainda é cedo para o partido definir quem será o escolhido para disputar o cargo — o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria, se movimentam nesta direção.

Durante evento com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o ex-presidente ressaltou a importância de o candidato tucano “ser nacional” e não restringir o discurso ao eleitorado paulista.

— É muito difícil para um paulista ser nacional, porque São Paulo tem especificidades. O Brasil é complicado. Tem que ter uma abrangência mais ampla. O candidato tem que falar com o Brasil. Não adianta falar só com a sua turma. Deles (possíveis candidatos do PSDB), o que for capaz de falar com o Brasil, vai ter meu apoio — defendeu FH.

Para Fernando Henrique, a escolha do candidato tucano será pragmática:

— Os partidos vão procurar quem tem mais possibilidade de ganhar. É cedo para dizer isso com relação ao PSDB. Não quero nominar, mas tem dois que tem aí mais chance. Qual dos dois? Queira eu, não queira eu, vou ver o que vai acontecer com a sociedade e o que vai refletir sobre o partido, senão vai perder a eleição.

Fernando Henrique lembrou que, durante o processo de escolha do candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, no ano passado, apoiou Andrea Matarazzo. FH reconheceu que o desempenho de Doria o surpreendeu.

— Eu errei, disse isso ao João (Doria). Eu não acreditava que ele fosse capaz. Foi, deu show — afirmou o ex-presidente, que brincou com jornalistas quando perguntado sobre quem estava se comunicando melhor, Doria ou Alckmin:
— Acho que sou eu.

Quando respondeu uma pergunta da plateia, questionando se o PSDB havia morrido, FH concordou.

— Na medida em que os outros partidos também acabaram. A crise é geral, o que não significa que os partidos vão desaparecer. Na próxima eleição eles estarão aí. O PSDB tem possibilidades. É preciso ver que ideias o PSDB vai ter e que pessoas vão incorporar isso. Se eu puder ajudar, ajudo. Vou pensar primeiro no Brasil.

Fernando Henrique manifestou apoio ao presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), que encomendou um programa de TV em que o partido admite erros. O tom da propaganda causou desconforto em parte do PSDB.

— Nessa nova sociedade, mentiu, morreu. Tem que dizer as coisas. Tem que dizer com sinceridade: “Acredito, não acredito, penso, não penso, estou errado, errei”. Se o PSDB fizer isso... Vi muita crítica ao Tasso (Jereissati) por causa do programa, mas ele (programa) falou isso: “Erramos? Erramos, fazer o quê?” Vai dizer que não erramos? Não foi um erramos, alguns erraram, mas está bem, você está falando pelo partido, tem que dizer que erramos, não tem outro jeito. Isso quer dizer mea-culpa, máxima culpa? Não é isso, o erro em política se resolve com nova proposta. Se (os partidos) forem capazes de avançar, sobrevivem — disse FH.

Reforma Política
O ex-presidente criticou ainda a possibilidade de a reforma política em discussão na Câmara implementar o distritão como sistema eleitoral para a escolha de deputados. Pelo modelo que está sendo debatido, os deputados mais votados seriam eleitos, em um processo majoritário. Hoje, os deputados são escolhidos de acordo com um sistema proporcional.

— Nosso sistema está muito deformado, mas o distritão é uma deformação maior ainda. Não resolve — disse Fernando Henrique. — Acho que essa reforma (política) ainda está mal parada. Na verdade, não tem clareza, muita confusão. O meu partido, o PSDB, é favorável ao voto distrital misto. Acho que devíamos começar pelos vereadores, para aprender, ir pouco a pouco. No Brasil, a gente sempre pensa que vai salvar tudo. Não é assim. Introduz o voto distrital na eleição de vereadores e vamos ver se dá certo. Se der certo, damos outro passo — afirmou.

Fernando Henrique também defendeu um novo modelo de financiamento, com a volta das doações privadas. Para ele, seriam necessárias duas restrições: a proibição da doação para mais de um partido; e a vedação das contribuições diretamente às legendas — elas seriam feitas aos tribunais eleitorais.

— Tínhamos que voltar ao bom senso. Tem que baixar o custo das campanhas. Esse é o ponto inicial. Não vejo por que proibir a doação privada, desde que seja só para um grupo ou um partido, não para todos. Segundo, doa ao tribunal eleitoral, e o partido vai lá e leva a conta (com as despesas), para evitar corrupção. Senão, o povo vai pagar (pelo financiamento público), e o povo está cansado de pagar — afirmou.

 


Luiz Carlos Azedo: Descida da ladeira

Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado, a sucessão de 2018 vai para a rua.

É bom o Palácio do Planalto verificar os freios, porque começou a descida de uma sinuosa ladeira, que pode ser suave se o trem não descarrilar numa das curvas que nos levam às eleições de 2018. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo não tem os votos mínimos para aprovar a reforma da Previdência no plenário. Defende a reforma, mas a prioridade dos integrantes da base do governo, depois de salvarem o presidente Michel Temer do afastamento, é cuidar da própria eleição. “Hoje, nós não temos voto para aprová-la, e eu estou deixando bem claro isso entre os líderes”, disse.

A reforma precisa de 308 votos dos 513 deputados para ser aprovada no plenário da Câmara. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), apesar de amplamente negociado e com consistência técnica, nunca teve apoio suficiente para ser aprovado. Estava chegando perto disso quando foi anunciada a delação premiada do empresário Joesley Batista, que gravou Temer numa conversa no Palácio do Jaburu e descarrilou, para usar a linguagem ferroviária. A prioridade do governo mudou, passou a ser salvar o presidente da República à custa da negociação de cargos no governo e distribuição de verbas para a banda mais fisiológica do Congresso.

Passado o sufoco, o Palácio do Planalto deparou-se com uma nova realidade. A eleição de 2018 está logo ali para os deputados. Eles voltaram do recesso assustados com o desgaste político causado pela votação que rejeitou a denúncia do Ministério Público contra Michel Temer e mudaram de prioridade: em vez de reformas necessárias, que consideram impopulares, mudanças nas regras do jogo das eleições para garantir seus mandatos. Como? Com o “distritão”, que dispensa o voto de legenda e maiores composições partidárias, e o “fundão” de R$ 3,6 bilhões, com o qual poderão formar seus exércitos eleitorais, já que os partidos estão cada vez mais desgastados e com lideranças queimadas. Não é à toa que muitos senadores acompanham com lupa a reforma, pois concorrerão à Câmara e não ao Senado, por falta de apoio para disputar eleições majoritárias.

Maia registrou a insatisfação da base do governo após uma reunião com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, além de deputados líderes de bancada na Câmara. A pauta foi o desajuste fiscal do governo, que havia hasteado a bandeira da austeridade e aprovado a Lei de Teto de Gastos, sobre a qual ainda repousa a credibilidade da equipe econômica. Politicamente correto, o presidente da Câmara destacou a importância da reforma: “A mais estruturante, a mais definitiva, aliás, a única definitiva”.

Não será fácil garantir os votos porque a maioria dos deputados está de olho mesmo na reforma política, com seu “fundão” de R$ 3,6 bilhões para gastar nas eleições. A comissão especial da Câmara que analisou a reforma política concluiu ontem a votação do relatório, que agora seguirá para análise do plenário. Emenda à Constituição, a proposta também deve passar por dois turnos e obter em cada um o apoio mínimo de 308 dos 513 deputados. Se for aprovada, seguirá para o Senado. Essa é a prioridade, que promete ainda algum barulho, porque a repulsa da sociedade aos políticos só aumentou. É que as mudanças para valerem nas eleições de 2018 precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado até 7 de outubro. E esse trem tem preferência de tráfego.

Sucessão
Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado (Meirelles anunciou ontem a necessidade de o Congresso aumentar a meta de deficit para R$ 159 bilhões neste ano e no próximo), a sucessão de 2018 vai para a rua. Tucanos se bicam no ninho com dois candidatos paulistas, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria. Ambos estão em campanha aberta para atrair o PMDB e o DEM como aliados. As chances de alguém voar do ninho para outra legenda não é pequena.
Lula já pôs a caravana na rua faz tempo, mas sua campanha é híbrida: trata-se de uma blindagem contra a Operação Lava-Jato e, ao mesmo tempo, uma alternativa de poder. À sombra de Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad se movimenta para ser o “regra três” ou virar vice de Ciro Gomes (PDT), o que parece ser o plano B do ex-presidente da República se for impedido de disputar as eleições pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Hoje, quem polariza com Lula é Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ocupa o espaço do chamado “partido da ordem” com um discurso de extrema-direita. À esquerda, Marina Silva tenta domar a Rede e recuperar o espaço que ocupava há duas eleições. Álvaro Dias, do Podemos, já está em campanha, e outra estrela do Senado, o senador Cristovam Buarque (DF), colocou o seu nome à disposição do PPS para disputar a Presidência.


Raymundo Costa: Caravana para blindar Lula 2018

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderava uma caravana pelos sertões, quando foi ultrapassado por Fernando Henrique Cardoso nas pesquisas eleitorais para a Presidência da República, em 1994. Lula esteve à frente até o fim de junho. Em abril, tinha cerca de 30% das intenções de voto, contra 12% de FHC. Nesta quinta-feira 17, o ex-presidente volta à estrada. Novamente lidera as pesquisas. Em 1994, Lula foi atropelado pelo Plano Real, ao qual se opôs. Desta vez, o trem que vem da direção oposta são os seis processos a que responde na Justiça Federal, sendo que já foi condenado em um deles, em primeira instância.

Nessa primeira fase, o "Projeto Lula pelo Brasil" deve ter a duração de 20 dias, começa pela Bahia e termina no Maranhão. Em 1994, Lula e o PT subestimaram o Plano Real e não se deram conta a tempo do enorme apoio popular a um projeto que acabou com o flagelo da superinflação e levou Fernando Henrique para o Palácio do Planalto, logo no primeiro turno. Desta vez o PT e Lula sabem muito bem com o que estão lidando. Tanto que a nova caravana de Lula tem por objetivos "reforçar a popularidade" do ex-presidente no Nordeste - região que assegurou as sucessivas reeleições do PT -, mas também, nas palavras de um dirigente, "criar uma base social para blindar a candidatura Lula".

O que ameaça a candidatura Lula são os seis processos. O ex-presidente foi condenado na ação que diz respeito ao tríplex do Guarujá. Em princípio, basta que a segunda instância da Justiça Federal confirme a decisão do juiz Sergio Moro para Lula ficar inelegível, nos termos da Lei da Ficha Limpa. Mas sempre haverá algum expediente - como o efeito suspensivo da sentença - capaz de devolver Lula à disputa. É para isso que serve a tal "base social para blindar a candidatura". No mínimo o PT terá criado um grande constrangimento: Lula não seria candidato por ser culpado da prática de crimes, mas por uma manobra dos adversários que temem a sua eleição.

Se colar, Lula entra na eleição com a rejeição recorde de 46% segundo o Datafolha. Mas rejeição é algo que uma boa campanha pode reduzir a um patamar eleitoralmente viável. O PT nega que tenha feito corpo mole para tirar o presidente Michel Temer do Palácio do Planalto por entender que um presidente e um governo impopulares o ajudarão na campanha de 2018. Não tirou porque não tinha os votos para isso. Mas Lula efetivamente avalia um ataque ao coração do governo Temer: o fracasso da equipe econômica. O discurso é que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, simplesmente não entregou nada do que o PMDB prometeu para tirar Dilma Rousseff do governo. Prova disso é o rombo fiscal de 2017 e aquele previsto para 2018, algo em torno de R$ 20 bilhões acima do prometido.

Mas não é um Lula fiscalista que deve emergir da caravana. A ideia é dizer que o povo voltará a ter crédito para consumir. Ele tem sido aconselhado e avalia dizer que uma de suas primeiras providências no governo será derrubar a PEC do teto dos gastos, pois ela impediria qualquer programa de recuperação social, do ponto de vista petista. Somente assim seria possível investir mais em saúde e educação. O ex-presidente também pode modular o discurso sobre a regulamentação da mídia, falar a mesma coisa de maneira mais facilmente perceptível pela população. Aliás, até Rui Falcão, ex-presidente do PT e um dos principais defensores da medida, acha que Lula pode ser mais suave ao falar da regulação.

Como acontecia em 1994, agora Lula está novamente preocupado em não assustar a classe média. Tanto que condenou, em conversas reservadas, o apoio incondicional que a nova presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, prestou ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e a ocupação da mesa do Senado por senadoras petistas, num protesto contra a votação da reforma trabalhista. Não só Lula, mas boa parte do PT não endossou a nota que Gleisi publicou sobre as agressões sofridas pela jornalista Miriam Leitão por militantes do partido. Em todos os casos, mesmo sem consultas mais amplas, assinou as notas como sendo da Executiva Nacional.

Do ponto de vista do PT, olhando de hoje o adversário de Lula em 2018 será o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não será Jair Bolsonaro contra Lula como indicam as pesquisas. Alckmin seria o candidato mais confiável para o espectro da política que vai do centro à direita. A candidatura de Ciro Gomes é bem vista, porque atrai o militante "nem, nem", aquele eleitor de centro que não quer Lula, mas também não quer Alckmin por considerá-lo muito conservador. Há dúvidas sobre se João Doria será candidato por outro partido que não o PSDB - há especulação sobre o DEM mas também o PMDB.

Em 2002, Lula se deslocou da esquerda para o centro, a fim de ganhar a classe média e a eleição, em sua quarta tentativa de chegar à Presidência da República. Segundo seus amigos, o desafio do ex-presidente agora é levar a classe média do centro para a esquerda. Uma empreitada e tanto para um candidato que perdeu o discurso da ética e também contribuiu para o desastre econômico que foi o governo de sua escolhida para a Presidência. O PT, no entanto, registra que Lula não caiu nas pesquisas de opinião, depois da sentença de Moro condenando-o a nove anos e meio de prisão.

Rebaixamento
Até o 17 de maio havia um presidente com uma ampla base de apoio e maioria no Congresso, conforme ficou demonstrado em votações como a da PEC do teto de gastos. Depois que Temer sobreviveu à delação da JBS, a impressão é que em Brasília há uma maioria parlamentar que tem um presidente. O Congresso responde cada vez menos às demandas do Planalto. A semana passada foi um exemplo, com a desistência de se votar a MP 774, que trata da reoneração. A expectativa é que até a eleição não haverá mais reformas estruturantes e muito menos aumento de impostos.

* Raymundo Costa é jornalista, escreve no Valor Econômico

 


Urna eletrônica e pessoas | Foto: reprodução/Agência Brasil

Alon Feuerwerker: As dificuldades de cada um na disputa por 2018

A consciência coletiva já entregou os pontos: o presente vai deixando de ter maior importância em outras esferas para além da judicial-policial, as atenções/esperanças orientam-se para 2018. Concluiu-se: o resto do governo Temer será dedicado e com razoável probabilidade de sucesso à sobrevivência. Assuntos menos importantes ficam para depois.

Se vai ser assim mesmo só os fatos dirão, e eles costumam ser além de teimosos surpreendentes, mas leva jeito. Haverá alguma mudança nas normas da previdência social, alguma mexida nas regras eleitorais, e só. O desafio de como crescer e gerar os empregos para absorver o trabalho, especialmente o jovem, ficará para depois de janeiro de 2019.

Se é que ficará. A acomodação na mediocridade parece tática, mas há o risco/sintoma de ser estratégica. Vide a convivência pacífica com resultados econômicos medianos, infraestrutura mediana, educação mediana, política mediana, cultura mediana. Faltam ambição e energia. Há alarido, mas prevalece a indiferença, prima do cansaço e do ceticismo.

Nesse teatro modorrento, as forças políticas estão orientadas para o próprio umbigo. O governo que sobreviveu anda às voltas com o desafio de estender-se além de 31 de dezembro de 2018. A utopia é a reeleição do presidente hoje impopular. Mas qualquer solução que garanta ao grupo um bom alojamento na esplanada será vista com simpatia. Por exemplo Doria.

Já o PSDB tem um problema novo. Como deslocar Bolsonaro? O senso comum diz que ele se desidratará sozinho, mas vai que não? De todo modo, o PSDB e/ou o temerismo poderão contar, como habitual, com a opinião pública para atingir o objetivo. Enquanto isso, o tucanismo quebra a cabeça para conter dissidências. Tarefa mais complexa hoje do que foi ontem.

O PT navega como um governo Temer de sinal trocado, concentrado na luta pela sobrevivência jurídica do líder. É um jeito de manter reunido o capital político, de Lula evitar a dispersão interna e externa, e de prevenir a contestação da sua liderança. E sempre há a hipótese, muito provável, de não aparecer nenhum concorrente de peso para o PT em seu campo.

São os três grandes vetores. Os demais orbitam em torno, na esperança de, finalmente, abrir-se o espaço definitivo para a novidade. Em comum com o velho, exibem a mesma fraqueza de visão sobre o futuro, sobre o que fazer com a economia, com a política, com os serviços públicos. Buscam beneficiar-se do cansaço. Mas também são vítimas dele e da indiferença.

Indiferença alimentada pelo fato de que o doente, a economia, mesmo à deriva, flutua. Parece pouco, mas para quem se via na UTI pode não ser.

Só barulho

A eventual implantação do “distritão" não alterará substancialmente a composição das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados. Parece mais uma moeda de troca para evitar o bloqueio dos pequenos partidos à proibição das coligações nas eleições proporcionais. Se for mesmo (ah, o eterno otimismo) um caminho para o distrital misto, pode valer a pena.

Judicialização

Onde está o problema? O financiamento empresarial foi proibido. Se todo o dinheiro para eleição passar pelo partido, como será distribuído aos candidatos da sigla aos legislativos? Com a lista aberta ou com o distritão, o igualitarismo não faz sentido. Vai depender portanto da vontade do dono de cada legenda. Tem tudo para dar errado. Certamente acabará na Justiça.

Blindagem

Os resultados na economia são medíocres, o produto mais vistoso da política econômica é a queda na arrecadação de impostos, o investimento público bate recordes negativos, enquanto as despesas de custeio não param de crescer, apesar da contenção do gasto decorrente dos juros dos títulos do Tesouro. Mas não se veem maiores críticas. Haja blindagem.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 

 


Luiz Carlos Azedo: A revoada dos perus

O “distritão” seria um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”

A aprovação do chamado “distritão” (depois explico) e do fundo de financiamento eleitoral de R$ 3,6 bilhões pela comissão especial que discute a reforma política na Câmara pode despertar forças que estavam adormecidas desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a começar pelo movimento Vem Pra Rua, que convocou manifestação de protesto para 27 de agosto intitulada “Marcha Contra a Impunidade”, em todo o país. A reação às duas propostas é tão forte que alguns políticos já estão se descolando da reforma, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que criticou os dois projetos.

Na Câmara, a reação de grande número de deputados parece uma revoada de perus às vésperas da ceia de Natal, para voltar à analogia avícola. Todos os deputados que se sentiram ameaçados pelo “distritão” (sistema no qual são eleitos os deputados mais votados, independentemente da votação de sua legenda) estão contra a mudança. São em número suficiente para barrar a emenda constitucional que viabilizaria a medida. O “distritão” é um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”, digamos assim.

O novo sistema está sendo criado para viabilizar a reeleição dos atuais deputados e blindar os políticos enrolados na Operação Lava-Jato. Não é o caso aqui, mas seria um bom exercício checar a lista de votação das eleições passadas e verificar quem hoje manteria o mandato e quem o perderia. No caso de São Paulo, por exemplo, seriam beneficiados os 70 mais votados; de Minas, os primeiros 53; do Distrito Federal, oito. Os votos nos demais candidatos da legenda seriam desprezados, o que mudaria completamente as características da Câmara, que bem ou mal representa hoje 100% do nosso eleitorado.

Deve-se ao diplomata e jurista Assis Brasil a criação do atual sistema proporcional, idealizado em 1932, mas somente sacramentado na Constituinte de 1945. Fundador do Partido Libertador, com Raul Pilla, só apoiou a Revolução de 1930 porque Getúlio Vargas havia se comprometido a aceitar o voto secreto. “Menino, todo homem tem seu preço. O venal se deixa comprar por dinheiro. O meu preço é o Código Eleitoral. E como vale mais a pena ladrar dentro de casa do que fora dela, aceito o ministério”, disse, ao justificar sua breve passagem pelo Ministério da Agricultura no Governo Provisório, ao qual renunciou em protesto pelo empastelamento do Diário Carioca.

Na sua obra Democracia representativa: do voto e do modo de votar, Assis Brasil antevia uma “máquina de votar”, o que seria hoje a nossa urna eletrônica. No sistema proporcional, cada estado (ou distrito eleitoral) elege um determinado número de representantes de acordo com sua população. O objetivo do sistema proporcional é garantir um grau de correspondência entre votos e cadeiras recebidas pelos partidos em uma eleição. Por exemplo, um partido que tenha recebido 15% dos votos teria direito a cerca de 15% das cadeiras. Nesse sistema, o partido apresenta uma lista de candidatos para as eleições; a distribuição das cadeiras é feita de acordo com os votos dados em cada lista.

Mas há outros métodos, como o voto distrital clássico, no qual o estado seria dividido em vários distritos, e cada distrito elegeria um deputado por maioria simples, isto é, 50% dos votos mais um. Assim, o candidato mais votado é eleito. E o distrital misto, uma combinação do voto proporcional e do voto majoritário. Neste caso, os eleitores têm dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas (partidos). Os votos em legenda (sistema proporcional) são computados em todo estado ou município, conforme o quociente eleitoral (total de cadeiras divididas pelo total de votos válidos). Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.

“Fulanização”

O sistema proporcional teve como objetivo viabilizar a existência dos partidos, num país que emergia do Estado Novo e cuja tradição de “fulanizar” a política é tão velha como o costume de comer castanhas e perus na ceia de Natal. Essa cultura vem das primeiras câmaras municipais, que surgiram a partir de 1532. Eram compostas por 3 ou 4 vereadores, denominados “homens-bons”, geralmente grandes proprietários de terras. Escravos, judeus, estrangeiros, mulheres e degredados não podiam se tornar vereadores.

Essa “fulanização” era mais do que presente na época da Constituinte de 1945, na qual um mito político deixava o poder, Vargas, e outro era libertado da prisão, o líder comunista Luiz Carlos Prestes, de mãos dadas pelo “queremismo” (Constituinte com Getúlio), que fracassou. No século passado, ambos foram “reencarnações” do nosso velho sebastianismo, movimento místico secular que surgiu após a morte do rei português D. Sebastião, durante a batalha de Alcácer-Quibir, no ano de 1578. Como não possuía herdeiros, o trono de Portugal ficou sob o controle do rei Filipe II, da Espanha.

Como o corpo de D. Sebastião nunca foi encontrado, o sebastianismo se traduziu na esperança da vinda de um salvador, em meio à inconformidade e ao sentimento de insatisfação com a situação política da época, mesmo que para isso acontecer fosse necessário um verdadeiro milagre, como a ressurreição do rei morto. No Brasil, o sebastianismo influenciou movimentos populares desde o Rio Grande do Sul até o Norte do país, sendo representado como alegoria nas folias de reis, principalmente no Nordeste. Não é exagero dizer que o “distritão” leva água para esse moinho.