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Palocci

Luiz Carlos Azedo: Monopólio da política

Publicado no Correio Braziliense em 07/03/2017

Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos

Há muito que a política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares. No caso brasileiro, embora pareça o contrário, os atores políticos decisivos para a irrupção de crises que balançam o coreto dos mais poderosos costumam ser personagens à margem do processo decisório, como o motorista do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o caseiro do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e, mais recentemente, a secretária do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Maria Lúcia Tavares, que, por 11 anos, cuidou dos pagamentos nacionais do caixa dois da empreiteira. Os pagamentos internacionais são outra história, que já começa a aparecer.

No Tribunal Superior Eleitoral, Maria Lúcia explicou ao ministro Hermann Benjamin, relator da ação do PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, a atual dor de cabeça do Palácio do Planalto e do stablishment político do país. “A gente recebia uma planilha. Nessa planilha havia uns codinomes, esses codinomes vinham com os valores e a data da entrega. Esperava o chefe mandar pra mim os endereços e eu passava para o prestador de serviço”, disse Maria Lúcia. Uma das planilhas, chamada Programa Especial Italiano, contabilizava os repasses para o Partido dos Trabalhadores. Entre 2008 e 2013, teriam sido R$ 128 milhões.

Ontem, o engenheiro civil Fernando Sampaio Barbosa, ex-diretor da Odebrecht, arrolado como testemunha de defesa do ex-presidente da Odebrecht S.A. Marcelo Odebrecht e, ao prestar depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, confirmou o que os investigadores da Operação Lava-Jato já sabiam: o operador do esquema de caixa dois do PT na campanha de 2010 era o ex-ministro da Fazenda de Lula, que chefiou a Casa Civil nos primeiros meses do governo Dilma Rousseff, posição conquistada por sua atuação na campanha. “A gente sabia que o ‘Italiano’ era o Palocci”, disse Barbosa. O petista é réu no processo porque recebeu R$ 128 milhões em propinas e repassou ao PT, entre os anos de 2008 e 2013. O “Italiano” era citado num e-mail enviado por Marcelo Odebrecht para Barbosa e outros executivos da empresa. Palocci nega. Havia outro italiano no esquema da campanha de 2014: o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, denunciado pelo próprio Marcelo Odebrecht na semana passada.

A débâcle

Ontem, três delatores da Odebrecht prestaram depoimentos sigilosos no Tribunal Superior Eleitoral: os ex-executivos Cláudio Melo Filho, Hilberto Mascarenhas e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, que ocupou a diretoria de Relações Institucionais da Odebrecht; na semana passada, depuseram Marcelo Odebrecht, ex-presidente da companhia; Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura; e Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental. Cláudio Melo Filho era responsável pelo contato da cúpula da empresa com políticos no Congresso. Revelou que a doação de R$ 10 milhões para o PMDB em 2014 foi feita a pedido do presidente Temer, então vice de Dilma Rousseff.

Vem muito mais por aí. Alexandrino de Alencar era o companheiro de viagens internacionais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, patrocinadas pela Odebrecht, na prospecção, digamos, assim, de negócios no exterior, principalmente grandes obras de engenharia. Hilberto Mascarenhas era um dos executivos do “Setor de Operações Estruturadas”, uma engrenagem complexa, com empresas que lavavam dinheiro, como cervejarias, e até mesmo uma transportadora de valores. A conexão entre as investigações da Operação Lava-Jato e o julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer são dois lados de um triângulo de fogo. A incógnita é a temperatura de ignição, ou seja, o clima político no país.

A decisão estratégica de promover uma ampla, geral e irrestrita delação do esquema de propina da Odebrecht, que era considerado inexpugnável até a secretária entregar o ouro, depois de 10 dias de prisão, foi tomada por Emílio Odebrecht, que reassumiu o comando da empresa para tentar salvá-la do colapso total. O acordo de delação premiada deslocou o eixo das investigações do modus operandi das grandes empreiteiras e do nosso capitalismo de laços para o financiamento eleitoral dos partidos e dos políticos, que se confunde com os desvios de recursos públicos, o enriquecimento ilícito e a lavagem de dinheiro. Engenheiros conhecem muito bem a teoria do caos e parece ter sido essa a grande aposta para escapar de longas penas de prisão, como a de Katia Rabelo, do banco Rural, no julgamento do mensalão.

Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos. Para que o país possa reencontrar o rumo do desenvolvimento, terá que fazer escolhas difíceis. O grande problema é que os políticos acreditam que têm o monopólio da política. Temos, porém, uma Constituição democrática, um calendário eleitoral e uma democracia de massas, com 145 milhões de eleitores. Se a Constituição for respeitada, sempre haverá uma saída democrática, mesmo se houver uma implosão do sistema partidário por causa da Lava-Jato.


Luiz Carlos Azedo: A vez dos garantistas

A decisão de Celso de Mello tranquiliza Temer quanto à permanência no governo ministros citados na Lava-Jato

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello que manteve no cargo o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, com direito a foro especial, sinalizou a linha de atuação da Segunda Turma da Corte nos casos dos demais ministros citados na Operação Lava-Jato. Todos serão julgados pelo STF, enquanto permanecem no cargo. A decisão revela uma hegemonia “garantista” nos julgamentos da Lava-Jato, ainda que o ministro-relator, Luiz Edson Fachin, venha a ter a mão mais pesada. Os demais integrantes da turma, Gilmar Mendes, seu presidente, e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli têm a mesma orientação.

Em sua decisão, Celso de Mello afirma que a nomeação para o cargo de ministro não leva à obstrução ou paralisação de eventuais investigações: “A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em mencionado cargo, o ministro de Estado, ainda que dispondo da prerrogativa de foro ‘ratione muneris’, nas infrações penais comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular.”

É o ponto final de uma guerra de liminares na Justiça Federal em torno da indicação de Moreira Franco, na qual juízes e tribunais regionais faziam diferentes interpretações. A decisão de Celso de Mello tranquiliza o presidente Michel Temer quanto à permanência no governo de outros ministros importantes citados na Operação Lava-Jato, como José Serra (Relações Exteriores), Gilberto Kassab (Cidades) e o fiel escudeiro Eliseu Padilha (Casa Civil). Ou seja, o governo ganhou fôlego para lidar com as delações premiadas da Odebrecht.

Na verdade, Temer dá tempo ao tempo e toca para a frente. A sabatina do ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, estava marcada para ontem, mas o pau quebrou entre governo e a oposição. O presidente da Comissão de Constituição de Justiça, Edison Lobão (PMDB-MA), mergulhou e tudo ficou para a próxima terça-feira. A aprovação de seu nome, porém, não subiu no telhado. Moraes peregrina pelos gabinetes dos senadores. Foi simbólico o “beija-mão” do líder do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-RJ), que havia chamado o titular da Justiça de “chefete de polícia” ao protestar contra a operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal nas dependências do Senado, no ano passado. Alguém já disse que “fulanizar” a política tem esses inconvenientes.

Visitar os gabinetes dos senadores é um ritual mais importante do que a sabatina propriamente dita, desde que o indicado não atravesse a rua para escorregar nas cascas de banana da oposição nem assombre os meios jurídicos, principalmente os ministros do Supremo. Ontem, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) leu seu relatório na comissão, no qual enalteceu as qualificações de Moraes para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com o trágico falecimento do ministro Teori Zavascki: “Demonstra ter experiência profissional, formação técnica adequada e afinidade intelectual e moral para o exercício da atividade.”

A próxima cartada de Temer é a indicação do novo ministro da Justiça, uma construção que passa pela bancada de Minas Gerais, que se considera sub-representada na Esplanada. O sinal de insatisfação veio na eleição do vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), que derrotou de lavada o candidato oficial do governo, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Temer pisa em ovos para indicar um ministro da Justiça que não seja identificado como um adversário da Operação Lava-Jato. Uma conversa com o ex-ministro do Supremo Carlos Velloso dobrou as apostas de que o jurista mineiro seria o nome certo, para o lugar certo, na hora certa. Faz sentido.

Dominó

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou ontem que 9 mil homens do Exército e da Marinha vão atuar no policiamento ostensivo no Rio de Janeiro, na capital, Niterói e São Gonçalo, a pedido do governador Luiz Fernando Pezão, que está agindo rápido para evitar que se repita no seu estado falido o que aconteceu no Espírito Santo na segurança pública. “Não existe nenhum descontrole, nenhuma insuficiência ou indisponibilidade dos recursos dos órgãos de segurança para garantia de lei de ordem. Não há descontrole e não há desordem. O efetivo da polícia é de 95%, 97% nas ruas (…) De fato, temos protestos aqui, mas isso não tem impedido que as forças policias trabalhem. Têm sido essas as informações do nosso setor de inteligência. É muito diferente a situação do Espírito Santo”, minimiza Jungmann. O fato é que falta policiamento nas ruas por causa do bloqueio dos quartéis pelas mulheres dos policiais militares.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: Rito de passagem

O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento

A reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a Presidência da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, muito mais do que uma vitória do presidente Michel Temer, foi um sinal de que o país recuperou a estabilidade política, mesmo diante da crise ética. Uma espécie de rito de passagem para as eleições de 2018, para o qual colaboraram o Palácio do Planalto, ao isolar e derrotar os dissidentes de sua própria base, adversários declarados da Operação Lava-Jato, e o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo decano, ministro Celso de Mello, rechaçou a tentativa de judicializar a disputa. Nada disso, entretanto, ofusca o brilho da vitória pessoal de Maia. À frente da Casa, em poucos meses, conquistou a confiança da maioria de seus pares. Maia obteve 293 votos. Esta é a segunda vitória expressiva do governo: na véspera, o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi eleito para a presidência do Senado, também com grande votação.

O segundo colocado, Jovair Arantes (PTB-GO), obteve105 votos. É uma votação significativa, que possibilita ao líder dissidente negociar as condições de sua permanência na base do governo ou liderar a oposição, que acabou isolada e dividida: André Figueiredo (PDT-CE), apoiado oficialmente pelo PT, obteve 59 votos, ou seja, foi traído; Júlio Delgado (PSB-MG) obteve 28 votos; e Luíza Erundina (PSOL-SP), 10 votos. Registra-se o isolamento de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que obteve apenas quatro votos. PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB formaram uma ampla coalizão de apoio ao governo, que incorporou, inclusive, quatro partidos do antigo Centrão (PP, PR, PSD e PRB).

Mas há sinais de turbulência nos dois principais partidos da base, PMDB e PSDB. A eleição do primeiro vice-presidente foi uma zebra. O candidato oficial do PMDB, indicado pelo Palácio do Planalto, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), obteve 133 votos e ficou em terceiro lugar. Irmão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, um dos principais aliados de Temer, foi atropelado facilmente pelo deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que depois derrotou o segundo colocado, o veterano Osmar Serraglio (PMDB-PR), ao obter 265 votos. No PSDB, houve uma disputa surda na bancada, na qual a deputada Mariana Carvalho (RO) deslocou da segunda secretaria um dos caciques da legenda, o deputado Carlos Sampaio (SP). Surpresa também no PSB, onde o candidato do clã Arraes, João Fernando Coutinho (IPE), perdeu a terceira secretaria para seu companheiro de bancada JHC (AL), também no segundo turno.

Reformas
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, que estão no eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento. A primeira tem por objetivo restabelecer o equilíbrio das contas públicas, não somente em nível federal, mas também nos estados e municípios, alguns dos quais com a previdência em colapso; a segunda, visa estancar a onda de desemprego e flexibilizar a legislação trabalhista, pois o problema não é só consequência da crise econômica, mas também da informatização dos serviços e da robotização das indústrias.

Alguns analistas que estudam as votações do Congresso acreditam que a derrota e fragmentação do antigo Centrão facilitará a vida do Palácio do Planalto, mas há que se considerar o fato de que essas reformas enfrentarão forte oposição das corporações encasteladas no Estado, inclusive no Judiciário, como é caso da previdenciária, e também do movimento sindical, que tradicionalmente resiste a todas as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), originária do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. Convém ao governo aprovar as reformas o mais rápido possível, pois a aproximação das eleições de 2018 tende a exercer força centrífuga sobre a sua base e fazer recrudescer o fisiologismo.

No embalo das vitórias no Congresso, o presidente Temer blindou um de seus principais colaboradores: medida provisória recriou a Secretaria-Geral da Presidência da República, para o qual foi nomeado Moreira Franco, atual secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que ganha status de ministro. Temer também deu novas atribuições ao ministro Alexandre de Moraes, cuja pasta passa a se chamar Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Transformou em Ministério a Secretaria de Direitos Humanos, cuja titular é a desembargadora Luislinda Valois. Finalmente, nomeou o deputado tucano Antônio Imbassahy para a Secretaria de Governo. Na contramão do ajuste fiscal, passou de 26 para 28 o número de ministérios.

Dona Marisa
Um gesto de afetividade, solidariedade e tolerância política: o abraço de condolências do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após declarada a morte cerebral da ex-primeira-dama Marisa Letícia ontem à tarde.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: A “convulsão social”

O sujeito atende o celular: “Fora, Temer!” A mulher pergunta: “Vamos à praia?” Ele responde: “Só se for de manhã; à tarde, vou trabalhar!” Ela se despede: “Ok, Diretas já!”.

Virou mantra nos artigos e entrevistas dos viúvos do impeachment da presidente Dilma Rousseff a tese de que o país caminha para uma “convulsão social”, por culpa do governo de Michel Temer, que estaria destruindo todos os avanços econômicos e direitos sociais do país, como se a atual gestão fosse de fato responsável pela recessão e o desemprego em massa e não os desatinos petistas. A tese surgiu nas análises catastrofistas dos intelectuais, mas virou mais uma narrativa política a partir do momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa mensagem de ano-novo gravada em vídeo, oficializou esse discurso do quanto pior, melhor.

A crise dos estados e, agora, dos municípios — em muitos deles, os cofres foram esvaziados de vez na campanha eleitoral —, supostamente corroboraria a tese. Foi alimentada ao longo de anos de afrouxamento da responsabilidade fiscal, mas agora virou um dos fatores da tal “convulsão social”. Nos estados e municípios, mesmo com toda a roubalheira e a queda de arrecadação, a principal causa da crise fiscal são dois fatores que se retroalimentam: o aumento da folha salarial e o deficit previdenciário. Poderosas corporações, com seu poder de pressão focado nos próprios privilégios e não nas políticas públicas, agora se mobilizam contra os ajustes e pressionam prefeitos e governadores a apresentarem a conta para a União. É uma maneira de socializar o prejuízo, à custa dos contribuintes. Como a União não tem obrigação nem recursos suficientes para resolver o problema, o governo Temer é responsabilizado pela situação e chantageado pelo risco de “convulsão social”.

Sindicatos e organizações populares, como a CUT e a União Nacional dos Estudantes (UNE), controlados pelo PT e pelo PCdoB, respectivamente, e outros partidos contrários aos ajustes, financiam e organizam manifestações que quase sempre resultam em confrontos com a polícia e muitas depredações. As regras do jogo democrático não são respeitadas nos protestos. Pichações, destruição de patrimônio público e privado, invasões de repartições públicas e de casas legislativas são frequentes; a polícia acaba reagindo de forma indiscriminada, com bombas de efeito moral, lacrimogêneas, gás de pimenta e cassetetes. São situações que se repetem, nas quais as lideranças parecem querer que algo mais grave aconteça, como a morte de um manifestante nos confrontos. Assim, a tese da “convulsão social” ganharia uma bandeira nacional ensanguentada.

A recessão e o desemprego, obviamente, ampliam as tensões sociais. O crescimento da população de rua, do número de “noiados” e dos crimes contra o patrimônio e contra a vida, também. A crise fiscal agrava os problemas sociais, é verdade, por falta de recursos para as políticas compensatórias. Tudo isso entra no balaio da tese de que o Brasil caminha inexoravelmente para a ingovernabilidade. Seu ingrediente mais novo é a superlotação dos presídios, nos quais explodiu a violência. O presidente Michel Temer, fleumático como sempre, foi infeliz na primeira declaração sobre os massacres de Manaus (AM) e Rio Branco (RR). Seu ministro da Justiça, Alexandre Moraes, não ficou atrás. Há, porém, um evidente exagero ao atribuir ao atual governo a responsabilidade pela superlotação dos presídios.

A guerra nas prisões decorre da luta travada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), dos traficantes paulistas, pelo controle das rotas de transporte de cocaína na fronteira do Paraguai, tomadas do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e no Rio Solimões, controladas pela Família do Norte, do Amazonas. Talvez o acordo de paz entre o governo da Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tenha mais a ver com o confronto do que a superlotação dos presídios, que cria um ambiente favorável ao ajuste de contas, mas não é sua causa. Os presídios brasileiros sempre foram uma vergonha nacional.

Virou piada

A tese de que o governo Temer é a causa de iminente “convulsão social” é falsa. Decorre, na melhor das hipóteses, de uma visão voluntarista, que aposta numa mudança brusca da correlação de forças a favor das forças afastadas do poder pelo impeachment da ex-presidente Dilma, embora as eleições municipais tenham apontado exatamente o contrário. Na pior, é apenas um discurso oportunista de quem foge da autocrítica em relação aos próprios erros. Na verdade, uma narrativa que mira a sobrevivência nas eleições de 2018.

A tese da “convulsão social” é complementada pela palavra de ordem “Diretas já!”, que qualquer político com mandato sabe que é inconstitucional, porque implicaria na cassação de mandatos de senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais. Seria como convidar o peru para uma ceia depois do Natal. A eleição direta para presidente da República é prevista apenas em caso de cassação da chapa eleita, antes de completados dois anos da eleição. Depois disso, a eleição é indireta, pelo Congresso. A palavra de ordem, porém, virou uma espécie de saudação carioca. O sujeito atende o celular: “Fora, Temer!” A mulher pergunta: “Vamos à praia?” Ele responde: “Só se for de manhã; à tarde, vou trabalhar!” Ela se despede: “Ok, Diretas já!”. Com o calor da lascar, ninguém quer saber de passeata.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: A herança maldita

Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça

O governo Temer herdou de Dilma Rousseff uma herança pesada, a começar pelo desgaste político dele próprio, que não goza de popularidade e enfrenta uma oposição encarniçada, que não prima pela honestidade no discurso e, em alguns casos, pela propriamente dita. É uma herança maldita, para usar uma expressão cunhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para maldizer seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Primeiramente, como diria o Odorico Paraguaçu — o impagável personagem criado por Dias Gomes e personificado por Paulo Gracindo —, Temer herdou a Operação Lava-Jato, que pode levar o ex-presidente Lula para a cadeia, como outros petistas e seus aliados, mas agora ronda o miolo do atual governo e ameaça boa parte da elite política do país. Essa é a variável mais imponderável.

Segundo (vamos deixar o Odorico de lado), enfrenta a maior recessão da história do país, resultado, de um lado, da roubalheira na Petrobras e seu “capitalismo de laços”; de outro, do experimentalismo irresponsável da “nova matriz econômica” (eufemismo de um projeto de capitalismo de estado nacional-desenvolvimentista) da ex-presidente Dilma Rousseff. Estamos com uma brutal taxa de desemprego e somente agora a inflação cedeu. A curto prazo não teremos reversão desse quadro.

Terceiro, uma base política muito heterogênea, da qual fazem parte as forças de centro-direita que apoiavam o governo anterior, a começar pelo PMDB, e as de centro-esquerda que protagonizaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essa base é ampla para garantir a estabilidade do governo, mas rasa demais para aprovar reformas profundas. Além disso, em parte, padece dos velhos males do fisiologismo e do patrimonialismo que caracterizam a política tradicional brasileira, o que dificulta o ajuste fiscal.

Resumidamente, essa é a herança maldita com a qual teremos que conviver até 2018, quando haverá eleições gerais, conforme o calendário estabelecido pela Constituição brasileira. O tempo é curto para enfrentar os desafios do presente, e o futuro, incerto, principalmente por causa do julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer.

A tutela

Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça. Tudo bem que decorre do acúmulo de processos, mas é um problema político grave. O devagar-quase-parando do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga parlamentares e ministros; do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os governadores; e do TSE, que aprecia as contas de campanha, na medida em que aumenta o estoque de políticos enrolados na Justiça, tutela os demais Poderes e desequilibra as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Essa questão tende a agravar a instabilidade política no decorrer do ano, no qual os desdobramentos das delações premiadas de Emílio e Marcelo Odebrecht prometem fortes emoções políticas. Os tribunais não julgam, não separam o joio do trigo, não põem na cadeia quem merece, não livram a cara de quem não tem culpa no cartório. Com isso, o bloco dos que querem mudar as regras do jogo para garantir a impunidade no Congresso só aumenta. É inevitável, a não ser que os julgamentos ocorram.

Deixemos de lado a Lava-Jato. Vejamos o caso das contas de campanha de Dilma Rousseff. Até o flanelinha do estacionamento que separa a Câmara do STF sabe que já estão comprovados o uso de caixa dois da Odebrecht e a lavagem de dinheiro na campanha da petista. O que não sabe é se Michel Temer será condenado também ou se suas contas serão apartadas e aprovadas.

Caso o julgamento tivesse ocorrido, Temer estaria menos vulnerável ou já estaríamos com um novo presidente eleito pelo voto direto. Como não ocorreu (é a tal história, se vovó tivesse barba, era vovô), caso seja condenado como Dilma, teremos uma inédita eleição indireta no Congresso e muita “balbúrdia”, como diria o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Quem tira partido dessa situação? O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em cinco processos, a maioria em Curitiba. Jararaca criada, o petista agora prega abertamente a antecipação das eleições gerais, com o argumento de que Temer não tem legitimidade para governar nem o Congresso para fazer reformas. Lula finge que a herança maldita não é sua também, só de Dilma. Quer ser absolvido da Lava-Jato pelas urnas.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/


Luiz Carlos Azedo: Propina made in Brazil

A casa caiu no Brasil e ainda vai cair nos 12 países envolvidos, pelo menos naqueles que têm imprensa livre e eleições democráticas

A Odebrecht admitiu ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos ter pago propina a funcionários do governo, a representantes desses funcionários e a partidos políticos de 12 países entre 2001 e 2016; a Braskem, subsidiária da empreiteira, também reconheceu o pagamento de US$ 250 milhões em subornos de 2006 a 2014. As informações constam do acordo de leniência assinado pelas duas empresas com a Suíça e os Estados Unidos, em decorrência da Operação Lava-Jato, no “maior caso de suborno internacional na história”. Mais de 100 projetos, em Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela, estão sendo investigados. Era uma espécie de “internacional da propina”.

O acordo foi divulgado ontem pelo Departamento de Justiça norte-americano, enquanto no Brasil ainda corria em segredo. A Odebrecht pagou aproximadamente US$ 788 milhões em suborno a funcionários do governo, lobistas e partidos político com o objetivo de vencer negócios nesses países, diz o departamento. Somente no Brasil, a Odebrecht admite o pagamento de cerca de US$ 349 milhões (R$ 1,16 bilhão) em propinas, entre os anos de 2003 e 2016. Ainda de acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Braskem, que também firmou acordo de leniência com os EUA e com a Suíça, admitiu ter pago US$ 250 milhões em propina entre 2006 e 2014 no Brasil.

Segundo o Departamento de Estado, em troca, a Braskem recebeu tarifas preferenciais da Petrobras pela compra de matérias-primas utilizadas pela empresa; contratos com a Petrobras; e legislação favorável e programas governamentais que reduziram os passivos tributários da empresa no Brasil. Em nota, as autoridades brasileiras confirmaram que a força-tarefa da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, em conjunto com o grupo de trabalho da Lava-Jato que atua junto ao Procurador-Geral da República, em 1º de dezembro passado, também firmou acordo de leniência com a Odebrecht S.A., holding do grupo Odebrecht, que se responsabilizou por atos ilícitos praticados em benefício das empresas pertencentes a esse grupo econômico. Com a mesma finalidade, o MPF firmou acordo de leniência autônomo também com a Braskem S.A. no dia 14 passado. Em consequência, todos os executivos das empresas que estavam presos foram libertados, com exceção de seu ex-presidente Marcelo Odebrecht.

Os acordos foram homologados pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF, mas ainda serão submetidos aos juízos competentes, entre eles o da 13ª Vara Federal de Curitiba. “Nos dois acordos, as empresas revelaram e se comprometeram a revelar fatos ilícitos apurados em investigação interna, praticados na Petrobras e em outras esferas de poder, envolvendo agentes políticos de governos federal, estaduais, municipais e estrangeiros. Tais ilícitos, no âmbito do grupo Odebrecht, eram realizados com o apoio do setor de operações estruturadas, que teve suas atividades denunciadas pela Operação Lava-Jato”, destaca o MPF.
O outro lado da moeda é o compromisso de as empresas fornecerem informações e documentos relacionados às práticas ilícitas, ou seja, entregarem os políticos e agentes públicos envolvidos no esquema, nos diversos países. “A cooperação das empresas com as investigações em curso foi essencial para revelar os ilícitos praticados por empresas, agentes públicos e políticos no âmbito interno e internacional.” É aí que casa caiu no Brasil e ainda vai cair nos países envolvidos, pelo menos naqueles que ainda têm imprensa livre e eleições democráticas.

Paradigma
A Braskem se comprometeu a pagar R$ 3,1 bilhões na assinatura do acordo, dos quais R$ 2,3 bilhões ao Brasil, para fins de ressarcimento das vítimas. Já a Odebrecht se obrigou a pagar o equivalente a R$ 3,8 bilhões, dos quais aproximadamente R$ 3 bilhões também serão destinados ao Brasil, para ressarcir vítimas. Com a atualização dos valores, a Odebrecht pagará, por exemplo, R$ 8,5 bilhões, o que corresponde a aproximadamente US$ 2,5 bilhões. Segundo o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, “embora seu principal objetivo seja apurar condutas ilícitas e expandir as investigações, a leniência permite também às empresas signatárias, que agora passam a atuar ao lado da lei, sanear os seus passivos e retomar a capacidade de investir, contribuindo para a preservação dos empregos e a retomada da atividade econômica”.

Há duas dimensões a se considerar nessa afirmação do procurador: primeiro, é o desmantelamento da rede de financiamento dos partidos políticos envolvidos no esquema; segundo, a refundação da Odebrecht e da Brasken, que se comprometem a adotar as boas práticas de governança corporativa, o que pode representar uma mudança de paradigma na relação entre os governos e as empreiteiras do país.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: Acabou a blindagem

Maia liderou a rebelião da base governista, com o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), no gabinete de Meirelles, fingindo que negociava

O forte do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não é a paixão ideológica, é o cálculo político. Foi esse atributo que levou o ex-senador Jorge Bornhausen a ungi-lo muito jovem seu sucessor na presidência do partido, anos atrás, numa tentativa de renovação precoce da legenda, que acabou voltando ao controle do veterano senador Agripino Maia (DEM-RN). Ontem, friamente, após articular a aprovação da renegociação das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União, sem as necessárias contrapartidas, Maia liquidou com a blindagem da equipe econômica do ministro Henrique Meirelles: “Não dá para o pessoal da Fazenda, do mercado financeiro, que tem um coração que não bate com a emoção, ganhar tudo”, disparou.

Foram 296 votos a favor, 12 contrários e três abstenções. A proposta aprovada aumenta em até 20 anos o prazo para o pagamento de dívidas de estados e do Distrito Federal com a União. Aos estados que enfrentam crises financeiras mais graves, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o texto permite que o pagamento das dívidas seja suspenso por até três anos. Sem as contrapartidas defendidas por Meirelles: o aumento da contribuição previdenciária de servidores estaduais, a proibição da criação de cargos e o congelamento de salários.

Foi para o espaço o acordo duramente negociado pelo líder do governo, Aloysio Nunes (PSDB-SP), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no Senado. Como o acordo resultou numa alteração do projeto que havia sido aprovado pelos deputados, foi preciso essa nova votação na Câmara. Maia liderou a rebelião da base governista, com o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), no gabinete de Meirelles, fingindo que negociava uma saída boa para a equipe econômica. “Os técnicos da Fazenda sempre querem mais, sempre querem um arrocho maior. Só que a crise que o país vive não foi vista nem na Primeira Guerra Mundial”, justificou Maia.

Em plenário, houve uma espécie de casamento do cachorro com a porca: o relator do projeto, Espiridião Amin (PP-SC), fez um acordo com o líder do PT, Afonso Florence (BA), que liderava a obstrução, para garantir a aprovação do texto sem as contrapartidas. Depois da votação, o líder André Moura, que andava sumido do plenário e enrolava Meirelles, apareceu para minimizar a situação: “Eu estava no Ministério da Fazenda negociando. Por isso, não estive na discussão da proposta. Não dá para estar em dois lugares ao mesmo tempo, não sou onipresente”, justificou. Moura argumentou que o projeto não significa uma derrota do Ministério da Fazenda, mas será para os estados se eles não aproveitarem a renegociação para equilibrar as contas. Ou seja, lavou as mãos.

Reeleição

Há dois aspectos importantes a serem considerados. O primeiro é o ambiente na Câmara, cada vez mais pantanoso, por causa da Operação Lava-Jato. Há uma espécie de salve-se quem puder na base governista, desde a saída do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, situação agravada pelo fato de o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ter sido bastante chamuscado pela delação premiada do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho. O segundo é a recessão econômica e a crise nos estados, que fazem aumentar a pressão dos governadores sobre os deputados federais, que disputarão eleições em 2018. São forças gravitacionais, digamos, que vão influenciar fortemente o comportamento das bancadas daqui para frente, contra as quais o Palácio do Planalto pouco pode fazer em matéria de exigir sacrifícios.

Outro aspecto relevante é o comportamento do próprio Maia, que pleiteia a reeleição e rearticula as forças que o apoiam na disputa passada, contra Rogério Rosso (PSD-DF). Maia fez aliança com o PT, com o PCdoB e com a antiga oposição (PSDB, PSB e PPS) contra os partidos do chamado Centrão, o bloco informal constituído por 13 legendas da base aliada do governo Michel Temer, liderado por PP, PSD, PR, SD e PTB. A disputa ameaça cindir a ampla base do governo na Câmara e já impediu que o novo ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy (PSDB-BA), fosse nomeado para o cargo.

“Queremos ver se fazemos uma confluência máxima entre os partidos do grupo para não dar trombada”, disse o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), que pretende disputar a Presidência da Câmara. Também é candidato o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), que já disputou a vaga para o mandato-tampão neste ano, mas foi derrotado por Maia. A situação do presidente Temer na contenda é delicada, pois sua interferência pode implodir a base. O resultado da votação de hoje foi um grito de independência de Maia. Pode ficar somente nisso, mas pode ter outros significados, à medida que a crise ética avance em direção ao Palácio do Planalto. O presidente da Câmara é o sucessor legal de Temer nas interinidades.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Sérgio Henriques: Partidos, intelectuais, democracia

Na vigência do regime democrático, que facilita e promove a vida intelectual, não soubemos construir figuras de referência

Inimaginável qualquer nostalgia dos tempos duros do regime autoritário, mas é fato que, então, além de sonhar com a volta do irmão de Henfil, contávamos com referências seguríssimas que eram a garantia de uma transição sábia e prudente rumo à vida democrática. De fato, reconfortava ter ao alcance da vista personalidades laicas ou religiosas – um Barbosa Lima Sobrinho ou um dom Paulo Evaristo Arns – cuja presença, no mínimo, indicava o roteiro básico e assinalava o reencontro do Brasil consigo mesmo.

Não haveria mais exilados ou clandestinos, presos ou perseguidos políticos, fato raro em nossa História. Prestes e os comunistas, Brizola e os trabalhistas, para não falar do novo mundo sindical que se cristalizaria em torno de Lula e do PT, se fariam presentes nas ruas e nas instituições, ampliando estas últimas e dando-lhes plena legitimidade. Tempo, ainda, de elaborações sofisticadas, que, mesmo pagando o inevitável tributo às ilusões do momento, perguntavam-se, e respondiam positivamente, sobre as possibilidades da democracia em sociedades marcadas por imensas desigualdades. Ela seria – como se chegou a dizer numa fórmula de rara felicidade, trazida dos comunistas italianos – um “valor universal”, meio e fim dos processos de democratização e modernização.

No coração das trevas, as eleições de 1974 registraram o surgimento de uma elite dirigente em potencial, que, de fato, iria assegurar o governo do País dali a poucos anos. Políticos de gerações anteriores, como Ulysses, Tancredo e Montoro, misturavam-se a “jovens” de pouco mais de 30 ou 40 anos, como Itamar Franco, Pedro Simon e Marcos Freire. E nesse âmbito mais diretamente ligado à política profissional, o lugar privilegiado de gestação daquela promissora elite era, nem mais, nem menos, o velho MDB, o partido da “oposição consentida”.

Deve-se admitir que o MDB, um sucesso de público, como o comprovariam as sucessivas vitórias eleitorais, jamais teve fortuna crítica à altura. Ser “consentido” era já um estigma forte: quem estava no partido lutava só pelas “liberdades burguesas”, declinando de responsabilidades revolucionárias, tal como ensinavam a lição chinesa ou a cubana. Os fantasmas do voto nulo e da autodissolução o rondaram em conjunturas críticas. E seu sentido mais essencial – ter sido, desde sempre, o lugar de convergência de oposicionistas da primeira hora e dissidentes do regime, de liberais, comunistas do PCB e democratas em geral – talvez não haja sido apreendido pelos que viriam depois, inclusive e paradoxalmente as próprias figuras da esquerda nova.

Antes de mais nada, o PT. Construído ao longo de décadas em torno de um mito operário de “base”, o partido mostrou-se substancialmente alheio às tratativas da transição, como se sua mera existência ressignificasse toda a História e, por exemplo, o dispensasse de votar em Tancredo ou permitisse infantilidades antes de assinar a Carta de 1988. Trouxe ainda, como pecado de origem, uma cultura política que, enfatizando um “espírito de cisão” em relação à frente emedebista, excluía e separava, subordinava e impunha um mando. A afirmação “classista” inicial, que o distinguiria de “todo o resto burguês”, implicava uma das modulações clássicas do discurso populista, fundamentado na afirmação exasperada do “nós contra eles”. Uma lógica binária que marcaria as relações políticas, e não só elas, especialmente nos anos de poder incontrastado.

Houve algo de novo nas alianças partidárias a partir de 2003. Se observarmos sem indulgência, ocorreu menos uma homogeneização das práticas do partido dominante às da “velha política” do que a decapitação sistemática dos aliados do petismo e a introdução sistemática de modos agressivos de cooptação e subordinação: inicialmente, as legendas menores e, depois, o próprio PMDB. Assim, na hora de contribuir para renovar as elites, o petismo comportou-se de forma irresponsável. E se a capacidade de renovar ideias e práticas for o critério para avaliar uma força política, não há dúvida de que hoje estamos diante de um fracasso histórico de custosa reparação.

Verdade que ele teve diante de si partidos cujas direções estavam envelhecidas ou que, no caso do arqui-inimigo tucano, se dividiram entre lideranças inconciliáveis. Tais grupos, mesmo com a implantação “capilar” no território típica do PMDB ou com a orientação social-democrata (ou social-liberal) do PSDB, se comportaram de modo tradicionalíssimo e se desligaram progressivamente da vida associativa, dos centros de cultura e dos locais de trabalho. Têm votos e ganham eleições, elegem bancadas, governadores e até presidentes, mas são exércitos dispersos, sem capitães ou bandeiras capazes de gerar uma certa visão dos problemas razoavelmente difundida na sociedade.

Por isso, como diz José de Souza Martins, incorremos massivamente num tempo agônico de partidarização sem politização. Na vigência do regime democrático, que facilita e promove a vida intelectual, não soubemos construir figuras de referência. Parece não falarmos a linguagem geral que consente a divergência e a pluralidade. Perdemos – quem sabe, momentaneamente – a ideia de que deve existir, por força das coisas, um terreno comum entre os contendores, algo, em suma, que permite explicitar radicalmente as divergências e manter como âncoras valores compartilhados e princípios de lealdade mútua.

Quando partidos e classes quase se confundiam e os antagonismos respondiam a uma lógica bruta, ainda assim houve quem tivesse a consciência de que a exacerbação irracional do conflito só pode levar à ruína generalizada. Mal começou, entre nós, a pesquisa sobre as razões por que o petismo, como “ideologia” e como prática, contribuiu tão pouco para o refinamento dessa consciência, a qual, porém, é condição inescapável para dirigir a mudança social contemporânea.

*Luiz Sérgio Henriques:  Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,partidos-intelectuais-democracia,10000095268


Luiz Carlos Azedo: O que fazer?

O país andará na corda bamba (a pinguela já era) até as eleições de 2018, com todos os grandes partidos sangrando, inclusive o PSDB

O país vive a maior crise política de sua história republicana, com a diferença de que ainda não ocorreu uma revolução, como a de 1930, ou um golpe de Estado, como em 1964. Estamos enfrentando a situação num ambiente democrático, embora uma parcela dos protagonistas da crise insistam na narrativa do golpe parlamentar para fugir à própria responsabilidade sobre o que está acontecendo. Não foi de uma hora para outra, mas a delação premiada do executivo da Odebrecht Cláudio Mello Filho, cujo teor vazou no fim de semana, desnudou um modelo de acumulação de capital e reprodução política que atenta contra o Estado de direito democrático. Esse é o xis da questão.

Uma só das delações — de 77 que serão feitas, as mais importantes de Emílio e Marcelo Odebrecht, os donos da maior empreiteira do país, não vieram à luz — sistematizou o funcionamento do nosso “capitalismo de laços”, com apoio da elite política do país, para promover a maior transferência de renda possível do Estado para empresas que atuavam nos setores mais dinâmicos da nossa economia urbana — complexo petroquímico, energia, indústria automotiva e construção pesada. Deixa claro também o mecanismo utilizado para emendar a Constituição e modificar as leis com objetivo de favorecer e garantir privilégios a essas empresas: a propina para os políticos, que garantiria a reprodução dos mandatos e o enriquecimento pessoal. Outro mecanismo de transferência de renda do Estado para os interesses privados, no caso os representantes de velhas e novas oligarquias. Segundo o relato de Cláudio Mello, 52 políticos receberam cerca de R$ 90 milhões em pagamentos de propinas, caixa dois e doações legais entre 2006 e 2014. É muita grana.

No vértice desse sistema de poder estava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país de 2003 a 2010, cujo partido foi protagonista de uma espécie de divisão de trabalho entre as empreiteiras e os políticos, estabelecendo as regras do jogo. R$ 17 milhões daquele montante foram pagos a parlamentares em troca da aprovação de matérias que favoreceram a Odebrecht, mas há que se considerar as outras empreiteiras, montadoras de automóveis e empresas periféricas que atuavam no processo, inclusive do agronegócio. Seria má-fé ou ingenuidade acreditar que tudo começou no governo Lula, mas com certeza foi nele que o esquema atingiu a quase “perfeição”, acabando com o cada um por si e Deus por todos no Congresso. Um grupo restrito de políticos aliados, com controle da pauta de votações e das maiores bancadas, comandava a farra.

Também somente a ingenuidade ou a má-fé exclui a ex-presidente Dilma Rousseff, com sua caneta cheia de tinta, do processo. O modus operandi político após a saída de Lula não funcionaria sem sua omissão; além disso, foi desse esquema que veio o dinheiro de suas campanhas milionárias de 2010 e 2014. Dilma não foi citada na delação do executivo, mas nas investigações sobre sua campanha eleitoral já há elementos que comprovam a vinculação do esquema com seu projeto político, haja vista as investigações sobre a atuação de João Santana e da mulher, Mônica Moura, nas eleições. As denúncias contra o presidente Michel Temer e integrantes de seu estado-maior, de parte de Cláudio Mello Filho, apenas corroboram que o esquema supostamente continuou funcionando, mesmo depois do governo Lula.

A propósito, vale destacar que a narrativa nacionalista da defesa do petróleo e da engenharia nacional, utilizada para tentar barrar a Operação Lava-Jato, era parte integrante de um projeto político que, ideologicamente, apostou no “capitalismo de Estado” como via de desenvolvimento e projeção política mundial. Um ambiente internacional favorável, do ponto de vista econômico, e as relações políticas do PT no plano internacional serviram para azeitar negócios no exterior, de onde parte da propina também saiu, graças a financiamentos do BNDES e relações políticas com regimes autoritários ou corruptos. Entre 2003 e 2015, Lula realizou 150 viagens pela América Latina, quase sempre acompanhado um diretor da Odebrecht, hoje um dos delatores do esquema: Alexandrino Alencar. Mantinha relações incestuosas com a Odebrecht e outras empreiteiras.

O colapso

O que fazer diante de tudo isso? Esse é o dilema que o país vive. A cassação do mandato de Dilma Rousseff pelo Congresso não arrefeceu a crise econômica, muito menos zerou a crise ética. Foi a saída encontrada pelo establishment e a oposição para salvar o país da completa bancarrota. As novas denúncias e as manobras para encerrar a Operação Lava-Jato, que fracassaram, desgastaram muito o Palácio do Planalto. Além disso, a crise econômica não arrefeceu, porque se trata do colapso de um modelo de acumulação perverso, tecido ao longo de décadas, sob o olhar cúmplice de uma alta burocracia federal acomodada em seus privilégios. Temer não está livre de ter o mandato cassado no julgamento da campanha de Dilma, mas isso não resolveria a crise, pois haveria uma eleição indireta por um Congresso desmoralizado.

A Constituição não permite a antecipação das eleições nem a convocação de uma Constituinte. A fleuma de Temer e sua base política é que garantem a sobrevivência do governo, tão impopular quanto o de Dilma. O país andará na corda bamba (a pinguela já era) até as eleições de 2018, com todos os grandes partidos sangrando, inclusive o PSDB. Que o seja, para garantir a democracia.

*Luiz Carlos Azedo: Jornalista, colunista do Correio Braziliense e Diretor Geral FAP.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Roberto Freire: Por um Brasil parlamentarista

Com a recente instalação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, a reforma política voltou à pauta do Congresso Nacional. Após o desfecho do grave impasse político enfrentado pelo país, com o processo democrático e constitucional do impeachment que levou ao fim do governo de Dilma Rousseff, este é um bom momento para que os parlamentares se debrucem sobre mudanças necessárias que tornem o sistema político-eleitoral brasileiro mais avançado e dinâmico. A principal delas é justamente aquela que permite a superação de crises agudas sem traumas institucionais: o parlamentarismo.

No ano passado, participei de algumas sessões e audiências públicas em uma outra comissão especial da Câmara que analisava propostas para a reforma política. Lamentavelmente, na ocasião, houve pouquíssimos avanços e quase nenhuma alteração substancial – apenas algumas modificações pontuais ou propostas descabidas que configuravam uma verdadeira “contrarreforma”.

Em minhas intervenções, defendi que fosse enviada ao plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/1995, de autoria do então deputado Eduardo Jorge, que institui o parlamentarismo no Brasil. O texto está pronto para ser votado desde 2001 e, caso aprovado, poderia entrar em vigor talvez já para 2018, após o encerramento do mandato do presidente Michel Temer. No regime parlamentarista, quanto maior a crise, mais radical é a solução.

Mesmo no processo deflagrado contra a ex-presidente da República, o impedimento votado pela maioria acachapante dos deputados e senadores ganhou contornos do “voto de confiança” característico do parlamentarismo. Só que, neste sistema, a queda do gabinete se dá sem que haja turbulência política ou institucional. Quando não é possível formar uma nova maioria, o Congresso é dissolvido e novas eleições são convocadas, o que proporciona uma participação maior da cidadania.

Outro ponto fundamental que a comissão deveria tratar é o acesso das legendas aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. O maior problema da democracia brasileira não é a quantidade de partidos em funcionamento. Partido político é direito da cidadania e não deve ser tutelado, regulamentado ou restringido pelo Estado. Impedir a criação de novas agremiações, além de antidemocrático e inconstitucional, não passa de uma solução fácil e equivocada para um problema complexo.

O que se deve fazer para corrigir graves distorções é limitar o acesso indiscriminado aos recursos do Fundo e ao tempo de TV. Diante da enorme facilidade para que os partidos tenham acesso a esse montante, forma-se um amplo mercado de negociações espúrias à custa do dinheiro do contribuinte. De certa forma, é algo semelhante ao que ocorre no sindicalismo, dependente dos recursos provenientes das contribuições sindicais compulsórias, e também com as igrejas e templos religiosos, que muitas vezes se transformam em um negócio promíscuo em função da imunidade tributária garantida pela legislação.

Ao invés de restringir a criação de novos partidos, nossa proposta é de que apenas as legendas que alcançarem uma representação mínima na Câmara dos Deputados tenham acesso aos recursos do Fundo e à TV. Seria criada, então, uma espécie de cláusula de barreira, mas não aos mandatos. Os partidos que não obtivessem o índice mínimo funcionariam normalmente, assim como o parlamentar eleito exerceria o seu mandato, mas essas legendas ficariam sem a verba partidária e o tempo de propaganda televisiva.

A reforma política de que o Brasil precisa não será feita a partir de propostas paliativas ou remendos inócuos que nada resolvem. A essência do atual modelo precisa ser modificada, e a principal mudança será a instituição de um regime mais dinâmico, flexível e democrático, com partidos fortes, não tutelados, e uma sociedade mais atuante e participativa. O parlamentarismo é o primeiro passo, e também o mais importante, de uma longa caminhada. (Diário do Poder – 17/11/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Rio, 40 graus

Agora, a Operação Calicute investiga a conexão entre o escândalo da Petrobras e a política do Rio de Janeiro

Com dois ex-governadores na cadeia, Anthony Garotinho (PR) e Sérgio Cabral Filho (PMDB), em menos de 48 horas, e um governador que ninguém sabe como terminará seu mandato, Luiz Fernando Pezão (PMDB), seja em decorrência da Operação Lava-Jato (ele também é investigado, mas tem foro privilegiado), seja em razão do colapso financeiro, o Rio de Janeiro chegou ao fundo do poço. É o fim melancólico de um projeto concebido para ser a sede do capitalismo de Estado no Brasil, no auge do sonho de Brasil potência do governo Geisel. E da tentativa de revivê-lo, durante os governos Lula e Dilma, para se contrapor e neutralizar o peso econômico e político de São Paulo.

Sim, porque esse foi o objetivo da fusão da antiga Guanabara, o centro nervoso da política nacional, após a inauguração de Brasília, com o antigo Estado do Rio de Janeiro, cuja política gravitava de Niterói a Campos, enquanto a economia girava no eixo Duque de Caxias-Volta Redonda. De um lado, o mandachuva era o governador Chagas Freitas, do MDB, aliado do regime disfarçado de oposição; do outro lado da baía, Raimundo Padilha, da Arena, remanescente do Integralismo. A decisão foi autocrática, com a nomeação de um interventor para comandar a fusão, o brigadeiro Faria Lima, mas o desenho da estrutura do novo estado foi traçado por uma Constituinte eleita em 1974.

A memória política dos dois estados cultuava dois governadores: o udenista Carlos Lacerda (1914-1977), na capital, que fora cassado mas ainda estava vivo, e o petebista Roberto da Silveira (1923-1961), no antigo Estado do Rio, que morrera num desastre de helicóptero. O projeto de transformação do novo estado numa potência econômica, a partir do setor produtivo estatal, era ancorado nas sedes das principais empresas estatais: a Petrobras e a Vale do Rio Doce, bem como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Nacional de Habitação (BNH), na capital, além da Refinaria Duque de Caxias, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Brasileira de Álcalis e a Companhia Siderúrgica Nacional, no interior.

O primeiro sinal de que isso daria errado foi até prosaico. A larga Avenida Norte-Sul, dos Arcos da Lapa à Rua da Carioca, fora projetada para fazer a ligação rápida entre as sedes das estatais, tanto na Avenida Chile como na Presidente Vargas, e a Avenida Perimetral. Nada que não pudesse ser feito, se o tradicional Bar Luiz não estivesse no caminho. Artistas e intelectuais boêmios do Rio de Janeiro resolveram fazer uma campanha para salvar o Bar Luiz e tombar a Rua da Carioca. A nova avenida morreu ali.

Como Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel, a fusão também foi um tremendo desastre na política. Vitorioso em 1974, o MDB também fez bigode, cabelo e barba nas eleições de 1978, o que levou Faria Lima a uma composição com os políticos mais adesistas e fisiológicos dos dois estados. Resultado: na Constituinte, as antigas estruturas dos estados foram superpostas e ampliadas: a administração da antiga Guanabara foi servir à Prefeitura do Rio; a do antigo estado do Rio, ampliada para atender as necessidades do novo estado. O novo estado já nasceu inchado: de um lado, pelos apadrinhados de Chagas; de outro, por apaniguados de Padilha; e, finalmente, pela turma que chegou com Faria Lima. Todos efetivados pela Constituinte. Depois, vieram os governos de Leonel Brizola (PDT), em 1982, e de Moreira Franco (PMDB), em 1986, aos quais se seguiu a Constituinte de 1988. Mais uma leva de funcionários foi efetivada.

Calicute

Seguiram-se o segundo governo de Brizola, que renunciou ao mandato, e os governos Nilo Batista, Marcelo Alencar, Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha Garotinho, um nascendo praticamente dentro do outro, até a eleição de Sérgio Cabral, em 2006. Seu governo foi dos mais exitosos, por causa da economia do petróleo e da política de segurança pública. Carioca da gema, Cabral parecia redimir seus conterrâneos da frustração com a fusão, até que entrou no oba-oba do petróleo da camada pré-sal e aceitou a mudança do regime de concessão para o de partilha. Também embarcou nos delírios de Eike Batista e apostou as fichas no novo Maracanã da Copa do Mundo e nas obras das Olimpíadas. Além disso, não se contentou com o apoio da velha elite carioca – resolveu fazer parte dela.

A mudança do regime de concessão para regime de partilha seria mais do que suficiente para uma ruptura entre Cabral e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como fora a ruptura de Moreira Franco com José Sarney por causa do polo petroquímico, cuja planta foi transferida do Rio para Camaçari (BA). Por que não houve a ruptura? Ora, porque essa aliança – que possibilitou a reeleição de Lula e Cabral e, depois, a eleição e reeleição de Dilma Rousseff e Pezão – estava muito bem azeitada pelas empreiteiras, e contou com apoio maciço da massa de servidores federais e estaduais e funcionários das estatais que hoje pagam essa conta. Agora, a Operação Calicute, desfechada ontem pelos juízes federais Marcelo Bretas, do Rio, e Sérgio Moro, de Curitiba, investiga a conexão entre o escândalo da Petrobras e a política do Rio de Janeiro.

https://youtu.be/AhuJ3dUVQvc


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: O grande operador

O discurso em defesa da Petrobras serviu para a montagem do esquema de propina e financiamento de campanhas eleitorais

O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, aceitou ontem a denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra o ex-ministro Antônio Palocci e outras 14 pessoas, por crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia é um “case” de como funcionava o esquema de propina da Petrobras e da escala de desvio de recursos públicos para financiamento do PT e enriquecimento dos envolvidos. Foram pagos, segundo o MPF, R$ 252,5 milhões em propinas em 21 contratos de afretamento de sondas para exploração do pré-sal, por meio da Sete Brasil. A propina foi fixada em 0,9% sobre o valor total dos contratos: R$ 28 bilhões. Seis sondas foram negociadas com o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, da Odebrecht.

Tal operação não seria possível se a Lei de Licitações não tivesse sido escanteada pelo “regime especial” criado para a contratação de obras e serviços pela Petrobras, a pretexto de dar agilidade à empresa nos seus investimentos e operações comerciais. Também não seria possível se não houvesse uma lei para favorecer a formação de empresas nacionais de tecnologia, estabelecendo a obrigatoriedade de componentes nacionais. E não ocorreria se o governo não tivesse financiado, a juros camaradas, a criação de estaleiros para salvar a indústria naval. Muito menos se não houvesse uma lei que obrigasse a Petrobras a ter 30% de participação na exploração do petróleo da camada pré-sal.

Ou seja, o discurso em defesa da Petrobras e da tecnologia nacional, de salvação da indústria naval e de estímulo aos “campeões nacionais” serviu para a montagem do grande esquema de desvio de recursos públicos e financiamento de campanhas eleitorais que quebrou a Petrobras e levou de roldão a economia do país. Naturalmente, pagando um pedágio altíssimo para seus operadores: “Conforme planilha apreendida durante a operação, identificou-se que entre 2008 e o final de 2013 foram pagos mais de R$ 128 milhões ao PT e seus agentes, incluindo Palocci. Remanesceu, ainda, em outubro de 2013, um saldo de propina de R$ 70 milhões, valores estes que eram destinados também ao ex-ministro para que ele os gerisse no interesse do Partido dos Trabalhadores”, afirma a denúncia.

A lista dos envolvidos não tem pé de chinelo: Antonio Palocci, Branislav Kontic, Marcelo Odebrecht, Fernando Migliaccio da Silva, Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, Luiz Eduardo da Rocha, Olivio Rodrigues Junior, Marcelo Rodrigues, Rogério Santos de Araújo, Monica Moura, João Santana, João Vaccari Neto, João Ferraz, Eduardo Musa e Renato Duque. Na época em que o escândalo da Sete Brasil estourou, a presidente Dilma Rousseff moveu mundos e fundos para tentar salvar a empresa, mas o rombo era grande demais.

Campanha eleitoral
Foi de um contrato da Sete Brasil que saíram as nove transferências feitas por Zwi Skornick, de US$ 500 mil cada uma, para contas mantidas no exterior em nome da offshore Shellbill, descobertas pela Lava-Jato, que levaram à prisão do casal de marqueteiros de Lula e Dilma: “Tanto João quanto Mônica tinham pleno conhecimento de que tais recursos haviam sido auferidos pelo Partido dos Trabalhadores em decorrência de crimes praticados contra a Petrobras”, diz a denúncia. “A utilização de tão refinada técnica de lavagem de dinheiro revelou claramente a consciência de ambas as partes de que os US$ 4,5 milhões eram produto de crime anterior e que, exatamente por isso, não poderiam ser repassados à campanha eleitoral da forma legalmente estabelecida.”

A casa começou a cair quando Pedro Barusco, ex-presidente da Sete Brasil, em delação premiada, entregou à Lava-Jato US$ 96 milhões que estavam escondidos em contas secretas ligadas a offshores. Foi um espanto na Petrobras, onde o montante passou a ser considerado pelos técnicos e executivos da empresa uma unidade de valor na hora de discutir projetos e orçamentos: “um barusco, dois baruscos…” Na verdade, o dinheiro não era só dele, era uma espécie de caixa 2 do esquema cujo principal operador seria Palocci.

O ex-ministro da Fazenda entrou na alça de mira dos investigadores da Lava-Jato quando o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que acaba de se livrar da tornozeleira eletrônica, disse que, em 2010, o doleiro Alberto Yousseff lhe pediu R$ 2 milhões da cota de propinas do PP para a campanha presidencial da ex-presidente Dilma Rousseff. O pedido teria sido feito por encomenda de Palocci.


Fonte:

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-grande-operador/