Luiz Carlos Azedo: Entre a cruz e a espada

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O Rio de Janeiro marcha para um cenário de muita confusão política, em meio à recessão e ã crise fiscal

O segundo turno das eleições no Rio de Janeiro merece uma reflexão mais profunda sobre seus significados na política nacional. O embate entre o senador Marcelo Crivella (PRB) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSol) sinaliza uma disputa na qual os grandes protagonistas da política nacional — PMDB, PSDB e PT — estão fora do jogo. Entram em cena, de um lado, o dogmatismo de natureza religiosa, representado pelo pastor da Igreja Universal do Reino de Deus; de outro, o dogmatismo ideológico de esquerda, representado pelo PSol.

Depois da derrota acachapante do PT em todo o território nacional, a do prefeito Eduardo Paes (PMDB) — cujo candidato à sucessão, deputado Pedro Paulo (PMDB), ficou de fora do segundo turno, mesmo com o sucesso das Olimpíadas — antecipa um cenário que pode se repetir na política nacional em 2018. Um eventual colapso do governo Temer levaria de roldão não somente o PMDB, mas também o PSDB. Esse risco não decorre apenas da situação da economia, mas em razão do desgaste que ambos os partidos podem sofrer com a Operação Lava-Jato, vide o desastre eleitoral petista.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) promoveu uma ruptura com as lideranças políticas tradicionais, inclusive do seu próprio partido, com a candidatura bem-sucedida do empresário João Doria. No Rio de Janeiro, o que se observa é a aparente exaustão do PMDB, partido que deu as cartas na política do estado desde 2006. Ocorre que seus adversários tradicionais, o PT, o DEM, o PSDB e o PDT, também têm lideranças desgastadas ou incipientes. Sem alternativas ao centro, o eleitorado foi polarizado por duas candidaturas dogmáticas, uma de direita e outra de esquerda; os candidatos de centro-esquerda, centro e centro-direita acabaram descartados pelos eleitores.

Evangélicos

A presença de lideranças evangélicas na política não é nova e chegou ao protagonismo no Congresso após a eleição do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Presidência da Câmara, da qual foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sendo, posteriormente, cassado pelos próprios colegas, em razão de seu envolvimento no escândalo da Petrobras. As características do senador Crivella, porém, são diferentes, do ponto de vista das condutas pessoal e política. Crivella não se tornou evangélico para ocupar espaço numa fatia do eleitorado. É representante orgânico de uma poderosa facção religiosa. Sua candidatura ultrapassa os limites da busca de simples representação parlamentar para representar um ambicioso projeto de poder político.

Sem preconceitos, essa projeção de Crivella é decorrência da presença das igrejas evangélicas e pentecostais nas comunidades pobres de todo o país, em particular no Rio de Janeiro, onde exercem um papel crescente na organização da vida comunitária e preservação dos costumes e da estrutura familiar tradicionais. Não é pouca coisa, diante do cenário de violência e degradação social que predomina nessas comunidades, a maioria desassistida pelo Estado e controlada por milícias e traficantes. Crivella, porém, não tem o perfil do fanático religioso, embora seja o mais orgânico dos representantes de sua igreja. Para se eleger, fará um discurso laico e buscará alianças ao centro.

Socialistas

Freixo representa os setores radicalizados da classe média carioca, principalmente dos servidores públicos e funcionários de empresas estatais. Seu partido, o PSol, é formado por lideranças de esquerda que romperam com o Partido dos Trabalhadores depois do escândalo do mensalão, com um discurso socialista radical impregnado de dogmatismo marxista. Sua projeção política não decorre só do ardor dos militantes de sua campanha, mas da forte atuação parlamentar em defesa dos direitos humanos, das minorias e contra a violência urbana.

Os votos tradicionais da esquerda carioca, pautada pelo velho nacionalismo e por uma visão estatizante, concentrados do Grajaú ao Leblon, porém, não são suficientes para Freixo vencer o pleito. É necessário que ele amplie alianças em direção ao centro, aproveitando o fato de que o PMDB, o PSDB e o DEM foram batidos no primeiro turno. Essa foi a oportunidade que faltou aos candidatos de esquerda que maior projeção conquistaram em pleitos anteriores, Denise Frossard (PPS) e Fernando Gabeira (PV). Ocorre que os militantes do PSol não aceitam essa inflexão política, confundindo o que seria o “aggiornamento” da candidatura com o “transformismo” petista que tanto criticam.
O Rio de Janeiro marcha para um cenário de muita confusão política. Imaginem uma cidade cujo hino é uma marchinha de carnaval governada por um prefeito guardião da família e dos seus costumes, diante de uma oposição aguerrida, que reunirá movimentos sociais, intelectuais e artistas, ou um prefeito radical, contra os principais meios de comunicação e a favor da estatização dos serviços públicos, em meio à recessão e uma crise fiscal sem precedentes no estado. Ou seja, o Rio está entre a cruz e a espada.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br

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