negacionismo

Sergio Lamucci: Os custos da falta de um plano para a vacinação

Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia

Enquanto os EUA e vários países da Europa, da América Latina e do Oriente Médio já iniciaram a vacinação contra a covid-19, o Brasil fica para trás, sem um plano claro e definido para a imunização. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro se empenha numa campanha de desinformação contra a vacina. Diz que não vai se vacinar, lança dúvidas sobre a Coronavac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan e pela chinesa Sinovac, e afirma não ter pressa em iniciar a vacinação, num país em que já morreram mais de 191 mil pessoas pela doença. Além da tragédia da perda de muitas vidas, a demora tende a prejudicar a retomada da economia, que já vai enfrentar outros ventos contrários em 2021.

A vacinação em massa é o caminho mais eficaz para deter a doença. Diante disso, a estratégia óbvia de grande parte dos países foi planejar com antecedência a aquisição de vacinas para imunizar uma parcela expressiva de sua população, começando o processo o mais rápido possível. Não foi o que fez o governo Bolsonaro. No sábado, o presidente disse que não se sentia pressionado pelo fato de outros países já terem iniciado a vacinação, afirmando não dar “bola para isso”. Em 19 de dezembro, havia dito que “a pressa pela vacina não se justifica”, no mesmo dia em que vaticinou que a “pandemia estava chegando ao fim”. Ontem, porém, afirmou ter “pressa em obter uma vacina, segura, eficaz e com qualidade, fabricada por laboratórios devidamente certificados”, mas que a questão da responsabilidade por reações adversas é “um tema de grande impacto e que precisa ser muito bem esclarecido”.

A coleção de disparates de Bolsonaro a respeito do tema é ampla. Alguns dos mais graves são as seguidas declarações de que não pretende se vacinar, as críticas à imunização obrigatória e as ironias sobre a Coronavac. O presidente, que assinou uma medida provisória (MP) destinando R$ 20 bilhões para a compra da vacina, contribui ativamente para a campanha de desinformação sobre o assunto, que corre solta nas redes sociais e em grupos de WhatsApp.

Pesquisa feita pelo Datafolha neste mês mostra que 22% dos entrevistados não pretendem se vacinar contra a covid-19, percentual que era de 9% em agosto. Um terço dos ouvidos pelo instituto que afirmam confiar sempre em Bolsonaro diz que não vai tomar o imunizante. Além disso, metade dos entrevistados informa que não tomará uma vacina da China. Se uma parcela expressiva da população resiste a se vacinar, é mais difícil evitar a disseminação da doença.

O atraso na vacinação deverá ter consequências negativas para a economia. O maior otimismo em relação à atividade econômica global em 2021, especialmente no segundo semestre, se deve à expectativa de que uma parte expressiva da população em muitos países será imunizada. Se o Brasil ficar para trás nessa corrida, a retomada por aqui vai enfrentar um obstáculo importante.

Na visão dos analistas, o recrudescimento da covid-19 é um dos fatores que podem atrapalhar a recuperação da economia em 2021, num cenário em que as incertezas em relação às contas públicas e o fim do auxílio emergencial tendem a afetar o ritmo de expansão da atividade.

O Itaú Unibanco, por exemplo, estima que a economia brasileira deverá crescer no segundo trimestre 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, considerando uma média diária de 400 óbitos pela covid-19 no fim desse período. No entanto, se a média de mortes por dia no fim do primeiro trimestre ficar em 600, pode haver uma retração do PIB de 1,2% nos três primeiros meses do ano, calcula o banco.

Segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, o que se observou é que “a mortalidade afeta a atividade diretamente, porque as pessoas passam a circular menos e usar menos serviços que implicam aglomeração, mesmo antes de qualquer restrição por parte das autoridades”. Além disso, “elas passam a poupar mais também, pelo efeito precaucional”, diz Mesquita. A média de mortes nos últimos sete dias ficou em 625, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa.

Ainda que não se esperem restrições à mobilidade tão fortes como as adotadas no começo da pandemia, em março e abril, esse movimento deverá ter um impacto negativo sobre a economia brasileira.

Em relatório, o Itaú Unibanco nota que continua a haver “um aumento acelerado na curva de novos casos um pouco mais lento na curva de novas mortes”, com base em números disponíveis até 22 de dezembro. “A utilização de capacidade hospitalar no país segue aumentando. O Estado de São Paulo anunciou a adoção da ‘fase vermelha’ durante os feriados de fim de ano, buscando reduzir o contágio em encontros sociais. É provável que outras regiões do país tomem decisões similares”, afirma o banco.

Se o número de casos e mortes continuar a crescer ou se mantiver em níveis elevados, os segmentos de serviços que exigem maior interação social vão sofrer. É o caso dos setores de alojamento e alimentação, que incluem turismo, bares e restaurantes, e dos serviços prestados a famílias. São segmentos que empregam muita mão de obra.

Com o fim do auxílio emergencial, a recuperação do mercado de trabalho é fundamental para a economia não sofrer um baque muito forte. Desse modo, promover uma vacinação rápida e ampla é a melhor resposta também do ponto de vista econômico. Bolsonaro, porém, continua a tratar a pandemia com descaso. No caso das vacinas, também politizou ao máximo a discussão, por causa de sua disputa política com o governador João Doria (PSDB).

Em São Paulo, o plano do governo paulista é começar a vacinação em 25 de janeiro, mas o adiamento da divulgação do índice de eficácia da Coronavac, que teria ocorrido a pedido da Sinovac, levantou dúvidas a respeito da viabilidade do cronograma. Em entrevista à TV Brasil, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que até o fim de janeiro haverá “vacinas iniciais, algumas em caráter emergencial, e a vacinação em massa, já com registro, a partir de fevereiro”.

Como se vê, o Brasil começará a vacinação atrasado em relação a outros países, e não está claro qual fatia da população será atendida ao longo de 2021. Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia.


Janio de Freitas: 'Feliz Ano-Novo', que perigo

Há um esboço de novidades saudáveis, esse gênero que passou de escasso a extinto

Na passagem do mal vivido para o vamos ver, o Brasil recomenda aos seus filhos muito bom senso ao desejar feliz Ano-Novo. Seja qual for sua sinceridade, convém que esses votos sejam certeiros na destinação. Não só para evitar desperdício. Os votos tradicionais, extensivos e indiscriminados, estão perigosos. Podem ser até suicidas.

Não, nada a ver com a Covid-19. Mais um ano feliz para os 37% que aprovam o governo resultaria da permanência de toda a alucinação e destrutividade, desprezo pela vida das pessoas e pelo futuro do país, predominantes nestes dois anos. Seria a continuidade de um ano que 63% dos brasileiros sentiram entre reprovável e sufocante. Sim, resgatar o Brasil e retomar o passo da democracia depende de que os felizes com os dois anos passados sejam os infelizes do próximo ano. E o sejam tanto e tão cedo quanto possível.

Nesse sentido, há um esboço de novidades saudáveis, esse gênero que passou de escasso a extinto. Uma delas é a incipiente aliança de MDB, DEM, PDT, Cidadania e PT com o objetivo de fazer o futuro presidente da Câmara.

Um feito devido, sobretudo, à hábil confiança conquistada por Rodrigo Maia e a uma reconsideração experimental do PT em vista das circunstâncias.

Há reações no petismo. O candidato próprio é uma ideia com longo predomínio no partido. No caso atual, como em tantas ocasiões, candidato à derrota, apenas para marcar posição e mobilizar em torno da militância. Nessa altura, não chegaria a uma coisa nem outra. Agora se trata de defender a democracia, por mais exígua que viesse sendo.Eduardo Cunha proporcionou uma exibição completa, como nunca se vira, do que é possível fazer com o domínio da presidência da Câmara: vai da mais variada corrupção ao golpe de Estado parlamentar.E nem o mínimo de lucidez permite duvidar do que a tropa do governo fará se conquistar também esse poder.

A novidade não pretende ser uma frente, com projeto comum mais longo. É uma aliança tática, portanto efêmera, para finalidade delimitada —o que a faz viável.

Outra novidade induzida pelas circunstâncias é a decisão de quatro ministros do Supremo de trabalhar durante suas férias de verão. A atitude de Lewandowski, Marco Aurélio, Moraes e Gilmar está interpretada, sem confirmação, à defesa da criação de juízes das garantias. Sozinho, Fux ficaria com a palavra decisiva sobre essa inovação importante, contra a qual já se manifestou.

Se isso moveu os quatro, não foi só isso. Cármen Lúcia não abandonará o processo que questiona a política antiambiental. E os processos criminais que assustam os Bolsonaros seguem, no STF, sem manobras salvadoras.

É pouco, por certo, diante das circunstâncias. Mas, em um país que passou dois anos sem ver nem sequer uma instituição, ou seus integrantes, mover-se contra o assalto à Constituição, à democracia e aos bens e interesses maiores do país, chega a parecer verdadeira a tão repetida sentença: “As instituições estão funcionando”.


Bruno Boghossian: Palavras de Bolsonaro produzem agenda destrutiva, da segurança à vacinação

Sem força para mudar leis, presidente usa medidas alternativas e estímulos retóricos

Em campanha, Jair Bolsonaro queria "carta branca para policial matar". Após chegar ao Planalto, prometeu "retaguarda jurídica" para blindar as forças de segurança em casos desse tipo. Agora, pelo segundo ano seguido, ele assinou um indulto feito sob medida para perdoar crimes não intencionais cometidos em serviço por esses agentes.

O governo não foi capaz de aprovar mudanças na lei para garantir uma proteção definitiva, mas Bolsonaro ainda consegue empurrar sua agenda de incentivo à violência policial. Com medidas alternativas e estímulos retóricos, o presidente avança na corrosão de políticas de segurança, da preservação ambiental, da democracia e da saúde pública.

Dias antes de editar o indulto, Bolsonaro ofereceu guarida a PMs num discurso para recém-formados, no Rio. "Numa fração de segundo, está em risco a sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira", disse. O presidente sabe que a polícia do estado já mata e morre em níveis recordes.

Bolsonaro também dá respaldo à destruição ambiental, mesmo sem maioria para aprovar mudanças na legislação. O governo afrouxou a fiscalização e encorajou o desmatamento sob a chancela explícita do discurso oficial. A cada vez que o presidente nega a devastação, ele dá sinal verde para que ela continue.

Sem encostar na caneta, Bolsonaro também fabrica desconfianças sobre o sistema de votação brasileiro. Com base em falsas suspeitas, ele ganha seguidores em sua campanha para questionar o resultado das urnas em caso de derrota. "Se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição", declarou.

Um dos efeitos mais evidentes de sua retórica é a crescente inclinação dos brasileiros a não se vacinar contra a Covid-19 –percentual que saltou de 9% para 22% nos últimos meses. O aumento representa um contingente extra de 27 milhões de brasileiros não imunizados. Aqueles que nunca quiseram ver ameaças nas palavras de Bolsonaro poderiam ao menos enxergar os prejuízos.


Marcus Pestana: Nada será como antes

A aventura humana é sempre mistério. Permanentemente nos perguntamos: de onde viemos? para onde vamos? qual é o sentido da existência? Muitos encontram respostas na fé, outros numa causa, alguns flutuam sem nada querer explicar ou entender. A esperança é o fio condutor e o motor da invenção do futuro. Eterno pé na estrada alimentando a fé inabalável de que nada será como antes, amanhã ou depois de manhã.

O ano já vai fechando suas cortinas. O próximo já aponta na esquina. Mas é preciso reconhecer: 2020 foi um ano meio estranho, meio esquisito, meio diferente demais, o ano que parece nunca ter começado. Muitos amigos se foram. Caio Nárcio, Carlinhos, Vivi, Alfredo Sirkis. Tantas pessoas que admirava: Aldir Blanc, Sérgio Ricardo, Lan, Carlos Lessa, Flávio Migliacci, Dom Pedro Casaldaglia. Alan Parker, Ennio Morricone. A pandemia já nos levou 190 mil brasileiros.

Os últimos dez meses foram como coreografia repetitiva em torno de um samba de uma nota só: a COVID-19. Os boletins de casos confirmados e óbitos viraram rotina. As taxas de ocupação de leitos hospitalares entraram no cotidiano da população. Nunca o álcool em gel e as máscaras foram tão populares. A guerra era contra um inimigo único e invisível – um vírus originário da cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, na distante China. Não havia dois lados, erámos todos contra o vírus. Ainda assim, alguns líderes de baixa sensibilidade e empatia humana conseguiram politizar a cloroquina, a vacina, o distanciamento social, o uso de máscaras, a origem do vírus e adotar o negacionismo diante da realidade que saltava aos olhos.

Se é verdade que mais uma vez fomos confrontados com nossas fragilidades e com a provisoriedade e imprevisibilidade da vida, nos encontramos também com o melhor da natureza humana. O ser humano é o único na face da terra capaz de aprender com as crises que aparecem à sua frente. E daí inventar, reinventar, transformar, desafiar, inovar.

Além da devastadora herança deixada pela pandemia, fica um legado positivo. Reaprendemos que vivemos numa aldeia global e que precisamos não de xenofobia e sim de solidariedade e integração internacional. Valorizamos a ciência e sua ágil corrida para produzir uma vacina. Enxergamos de forma mais nítida o quanto é importante o compromisso com o desenvolvimento sustentável, porque a destruição do meio ambiente é um tiro pela culatra. Revalorizamos o sistema e os profissionais de saúde, que provaram indo ao limite de suas forças, como são centrais na vida de todos nós.

Acordamos para a importância de uma maior atenção aos idosos, elos mais vulneráveis à pandemia. Descobrimos que é possível estar mais próximo aos filhos graças ao home office. Amadurecemos a consciência de que não precisamos de líderes truculentos, intolerantes, agressivos. A vitória de Biden, um líder sereno, moderado, experiente e conciliador, talvez seja a melhor notícia do ano. A derrota de Trump, com sua agressividade, boçalidade e suas fakenews, abre um novo horizonte para o mundo.

Clarice um dia nos alertou: “Sei que cada dia é um dia roubado da morte”. Perdermos muitos dias de pessoas queridas. Mas 2021 bate à porta. Precisamos visceralmente de esperança. E Clarice mesmo nos ensinou: “O que verdadeiramente somos é o que o impossível cria em nós”.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Jamil Chade: 2020 - O ano das verdades inconvenientes

O ano forçou a suspensão de um cegueira coletiva e deliberada. Poderemos fechar os olhos de novo, mas não há mais como apagar do inconsciente as imagens de um mundo insustentável

Na Alemanha, quando fronteiras em março e abril foram fechadas para conter o vírus da covid-19, rapidamente se descobriu que a primavera não seria igual às demais. Os dias eram cada vez mais longos e o desabrochar das flores não poderia ser detido. Mas, no campos de legumes da maior economia da Europa, faltava uma peça fundamental: as mãos escuras e ásperas de imigrantes para colher alimentos.

Em poucos dias, o que era impensável se transformou em um realidade: a Lufthansa organizou voos especiais para ir às margens da Europa buscar justamente aquelas populações indesejadas por uma parcela dos alemães. Com as fronteiras fechadas e sem eles, não haveria o tradicional aspargos nos pratos.

2020 marcará nossa geração. Haverá um antes e um depois na história. Mas seja qual for a forma pela qual o futuro irá narrar os acontecimentos deste período, não restam dúvidas de que 2020 foi o ano de verdades inconvenientes.

Ainda nas primeiras semanas da pandemia, a notícia de que o médico responsável por detectar o vírus pela primeira vez e alertar as autoridades tinha morrido gerou uma comoção. Não por conta apenas de sua descoberta. Mas pelos relatos de que ele foi alvo de uma repressão policial chinesa ao tentar avisar ao mundo de que um novo vírus ameaçava a humanidade. A verdade inconveniente, em 2020, é que a censura de uma ditadura é real e mata.

À medida que o vírus se espalhava, governos travavam batalhas comerciais para garantir máscaras e respiradores. Governos como o de Angela Merkel chegaram a colocar barreiras para impedir a exportação, enquanto relatos e proliferavam de operações já em pistas de decolagem para desviar carregamentos.

Não foi muito diferente quando a vacina chegou. Países ricos esvaziaram as prateleiras, ficando com bilhões de doses e um volume suficiente para imunizar várias vezes suas populações. Enquanto isso, países pobres fazem filas humilhantes em busca de garantias de que pelo menos uma parte desses avanços na pesquisa cheguem às suas populações.

A verdade inconveniente de 2020 é de que a ciência não beneficia todos ao mesmo tempo. E, uma vez mais, as inovações chegam primeiro para Margarets, e não para Marias. Chegam para Steven ou John, e não para Severinos.

Também foi o ano em que uma parcela de economistas foi confrontado por uma dura realidade que minava um discurso bem ensaiado de que o liberalismo cego, a privatização inclusive de serviços básicos e o papel apenas regulador da administração pública eram sinais de avanço e modernidade. Diante do colapso da economia mundial e da crise, se escutava por ruas escuras, corredores higienizados e manchetes: onde está o Estado?

2020 foi o ano ainda em que ouvimos do FMI um apelo aos governos: gastem o que tiverem de gastar para socorrer suas populações. Aquele mesmo que passou décadas ensinando governos as belezas de austeridade. O que está em jogo não são apenas vidas humanas. Mas a estabilidade de um sistema.

Nas periferias dos EUA, nos bairros mais pobres das grandes cidades britânicas ou nas favelas no Brasil, o vírus matou mais. A análise da Kaiser Health News, por exemplo, revelou que os negros americanos de 65 a 74 anos morreram de covid-19 cinco vezes mais do que os brancos na mesma faixa etária.

Quando as escolas fecharam e estudantes foram instruídos a usar a Internet de casa, “descobriu-se” rapidamente que aquele instrumento revolucionário da web não era universal. Dois terços das crianças em idade escolar do mundo - ou 1,3 bilhão de crianças de 3 a 17 anos de idade - não têm conexão à Internet em suas casas, de acordo com um relatório da Unicef e da União Internacional de Telecomunicações.

A verdade inconveniente é que, em 2020, a Internet não é para todos. Não há um fosso entre diferentes grupos. Há um oceano de distância entre a porção conectada do mundo e aqueles que apenas sonham com um lápis.

Quando a OMS sugeriu que todos lavassem suas mãos na esperança de frear a pandemia, descobriu que 25% dos postos de saúde pelo mundo não contavam com água. Também se descobriu que milhões de pessoas viviam no fio de uma navalha e que qualquer abalo os jogaria de volta a uma pobreza profunda. A fome voltou e o futuro ficou mais distante.

Quando governos tentaram sair ao socorro de suas populações, se depararam com a constatação de que direitos, formalidades e redes de proteção se limitavam apenas a uma minoria privilegiada.

Em 2020, mais de 2 bilhões de trabalhadores atuam na informalidade. Ou seja, 62% de todos os que trabalham no mundo. Nos países de renda baixa, essa taxa chega a 90%.

Quando bares, hotéis e restaurantes fecharam na rica e sofisticada cidade de Genebra, das sombras surgiu uma fila inesperada e inconveniente de milhares de pessoas esperando pela entrega de sacos de comida por grupos de caridade. Eram os imigrantes que, escondidos em cozinhas, lavanderias e nos bastidores do luxo, garantiam que o sistema funcionasse.

E quando, já exaustas, sociedades receberam a notícia de que uma empresa alemã havia descoberto uma vacina com uma alta chance de eficácia, a verdade inconveniente é que, de fato, tal conquista havia sido atingida por um casal de imigrantes turcos. Teriam eles conseguido entrar hoje na Europa?

Guias foram elaborados por autoridades sobre como se despedir daqueles que amamos. Mas não existe guia para a falta de um abraço, de um ombro ou de uma mão que oferece um lenço. A verdade inconveniente é de que o luto faz parte da vida.

Em 2020, um espelho foi colocado diante do mundo. E, como uma realidade que não se pode ignorar, esse mundo não teve o poder de escolher apenas os reflexos que interessavam. A imagem que despontou era intransigente. Não tolerou manipulações. Sim, ali estavam a genialidade humana, a solidariedade e a beleza. Mas também verdades inconvenientes que preferiríamos não ver.

Elas nunca estiveram escondidas e 2020 forçou a suspensão de um cegueira coletiva e deliberada.

Poderemos optar por fechar os olhos de novo. E certamente muitos escolherão esse caminho em 2021. Mas, no silêncio envergonhado de alguns, no pesadelo de noites de calor ou na reflexão íntima de nossos destinos comuns, não há mais como apagar do inconsciente as imagens de um mundo insustentável.

*Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


Miguel Nicolelis: Sem vacina, sem seringa, sem agulha e sem rumo

Sem uma ação coordenada de todo o país, envolvendo medidas sincronizadas de isolamento social, bloqueio sanitário das rodovias e uma campanha nacional de vacinação, o Brasil não conseguirá derrotar a covid-19

Apesar de assemelhar-se a um refrão de sucesso de carnavais passados, o título da minha última coluna de 2020 certamente não tem qualquer ambição de servir como inspiração para alguma futura marchinha carnavalesca. Pelo contrário, ao tentar reproduzir o estilo literário predileto do último astrofísico-poeta da humanidade, o persa Omar Khayan, que viveu entre os séculos XI e XII, esta quadra sem rima rica tem como propósito expor, de forma nua e crua, a situação trágica vivida pelo Brasil, depois de nove meses de uma pandemia que nunca esteve sob controle das autoridades governamentais e que ameaça atingir níveis ainda maiores de casos e óbitos nas próximas semanas.

Além dos quatro itens, que fazem parte da “Lista dos Sem”, como a batizei, eu poderia continuar enumerando outras várias razões que transformaram o Brasil num verdadeiro navio à deriva, uma nau “Sem capitão”; um barco gigantesco que, “Sem comando”, se contenta em vagar às cegas num vasto oceano viral, à mercê de ventos e correntes fatais, que ameaçam conduzir este nosso Titanic tupiniquim, depois da maior crise sanitária da nossa história, para dentro de um redemoinho que pode culminar na maior catástrofe socioeconômica jamais vivida abaixo da linha do equador.

O meu alarme decorre de uma simples análise de risco do cenário atual. Por exemplo, apesar de inúmeros avisos prévios, mesmo antes das festas de final e ano, o Brasil já sofre com uma nova explosão de casos e óbitos de covid-19. Esta escalada de casos, gerada pelo afrouxamento das medidas de isolamento social, abertura desenfreada do comércio e pelas aglomerações eleitorais, desencadeou uma segunda onda de superlotação hospitalar em todo país, com algumas capitais atingindo taxas de ocupação de leitos de UTI acima de 90%. Sem qualquer plano de comunicação de massa para alertar a população sobre os riscos que, em razão das aglomerações geradas no período das festas de final de ano, esta nação enfrentará uma explosão ainda maior de casos e óbitos, como ocorrido no período após o feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, quando o “Sem governo” ―ou seria (des)governo?― abandonou sua população à própria sorte. Não é à toa, portanto, que boa parte do país hoje se orienta através do último boato de Whatsapp a viralizar nas redes sociais. Acima de tudo, entre outros crimes lesa-pátria cometidos em 2020, há uma total falta de informações confiáveis e recomendações apropriadas para orientar a população em como proceder para se proteger contra o coronavírus, antes da chegada de uma vacina eficaz e segura.

Mas os absurdos não param aí. No país do “Sem a menor ideia”, técnicos do Tribunal de COntas da União (TCU), depois de minuciosa auditoria, concluíram que não existe planejamento estratégico minimamente aceitável para a distribuição de equipamentos de proteção, kits de testes, bem como de seringas e agulhas, e de vacinas ―até mesmo porque ninguém sabe qual ou quais serão usadas― para todo o território nacional. Se tudo isso não fosse o suficiente para gerar alarme em Pindorama, mesmo depois de vários países terem proibido todos os voos, de passageiros e de carga, oriundos do Reino Unido, para evitar a propagação de uma nova cepa mais contagiosa de SARS-CoV- 2, que provocou o estabelecimento de novo lockdown na Inglaterra, o espaço aéreo brasileiro continua aberto, e nossos aeroportos continuam não checando os passageiros, permitindo desta forma que diariamente novos casos de viajantes infectados possam entrar no Brasil, sem qualquer tipo de controle sanitário.

Diante desta situação dantesca, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste publicou na última sexta-feira o seu Boletim de número 13. Nele, além da análise minuciosa da situação atual e futura de cada um dos Estados nordestinos, o comitê fez uma série de recomendações emergenciais para os nove governadores da região. Dentre elas, a mais urgente é a que os governadores nordestinos levem a seus colegas de todo o Brasil a proposta de criar, em caráter emergencial, uma Comissão Nacional de Vacinação, formada pelos principais especialistas na área, para atuar de forma independente do Ministério da Saúde e do Governo federal e criar um Plano Nacional de Imunização efetivo e seguro, a ser implementado em todo território nacional, através da ação conjunta de todos os Estados brasileiros. Esta proposta traz à luz do dia a verdade que ficou escondida em baixo do tapete durante todo o ano de 2020: sem uma ação coordenada de todo o país, envolvendo medidas sincronizadas de isolamento social, bloqueio sanitário das rodovias em todas as regiões do país, e uma campanha nacional de vacinação, o Brasil não conseguirá derrotar a covid-19 nem a curto prazo, nem a médio prazo. E o custo desta omissão será épico, em termos de centenas de milhares de vidas perdidas.

Depois de quase 200.000 mortes, não há mais nenhum tempo a perder se a sociedade brasileira deseja realmente evitar que no Natal de 2021 tenhamos mais de meio milhão de mortos como consequência daquela que já entrou para a história brasileira como a pandemia dos “Sem Noção”.

Miguel Nicolelis é um dos nomes com maior destaque na ciência brasileira nas últimas décadas devido ao trabalho no campo da neurologia, com pesquisas sobre a recuperação de movimentos em pacientes com deficiências motoras. Para a abertura da Copa de 2014, desenvolveu um exoesqueleto capaz de fazer um jovem paraplégico desferir o chute inicial do torneio. Incluiu recentemente à sua lista de atividades a participação no comitê científico criado pelos governadores do Nordeste para estudar a pandemia da covid-19. Twitter: @MiguelNicolelis


Yascha Mounk: Verniz de invencibilidade de Trump se desfaz com vitória de Biden

Republicano lançou tentativa de golpe mais incompetente desde 'Bananas', de Woody Allen

O presidente Donald Trump deixou uma coisa dolorosamente clara: depois de deixar a Casa Branca a contragosto, ele vai seguir fazendo tudo o que puder para continuar a ser notícia. Vai postar insultos e teorias conspiratórias no Twitter. Talvez abra seu canal de televisão próprio. E, segundo membros de seu círculo interno, é possível que se candidate a presidente em 2024.

Após meia década sob sua influência, muitos observadores políticos imaginam que Trump vai conseguir conservar a atenção da nação voltada para ele. Entendo por quê. Uma minoria considerável dos americanos acredita que a eleição foi fraudada e permanece profundamente devota ao presidente que está de saída.

Mesmo agora que a derrota de Trump libertou o Partido Republicano de seu captor, os políticos republicanos parecem estar sofrendo de um caso grave de síndrome de Estocolmo. E a única área na qual o 45º presidente já comprovou reiteradamente possuir talento real é sua capacidade de se manter no centro da atenção pública.

Mas, embora Trump ainda possa acabar se mostrando uma influência tão dominante sobre a política na década de 2020 quanto foi na década de 2010, esse resultado é menos provável do que muitos supõem.

Sobram teorias para tentar explicar a ascensão de Trump ao poder em 2016. De acordo com algumas, ele falou em nome dos economicamente despossuídos. Segundo outras, suas mensagens racistas disfarçadas atraíram eleitores preconceituosos.

Entretanto, embora as duas hipóteses ajudem a explicar parte de sua atração, a verdade é muito mais simples: milhões de americanos que não pensam muito em política encaravam Trump como um vencedor, um realizador.

Desde seus primeiros momentos de fama local em Nova York, ele vem moldando sua imagem pública cuidadosamente para dar ênfase a seu poder e seu sucesso.

Os insiders de Manhattan sabem que a verdadeira elite da cidade sempre o desprezou. Mas os leitores de seu livro “A Arte da Negociação” o encaram como exemplo rematado de um negociador dominante que sabe como usar seu poderio financeiro.

Jornalistas de negócios sabem que muitos dos empreendimentos de Trump foram à falência em pouco tempo e que ele poderia estar muito mais rico agora se tivesse simplesmente aplicado sua herança no mercado acionário. Mas, para a maioria dos americanos, o apresentador de “O Aprendiz” é a personificação de um empreendedor que construiu um grande império graças a seu incrível tino para os negócios.

Agora, porém, o verniz de invencibilidade de Trump está se desfazendo. Ele perdeu sua tentativa de reeleição e lançou a tentativa de golpe mais incompetente desde “Bananas”, de Woody Allen. Ele pode se enfurecer e falar loucuras sobre o que aconteceu em novembro, mas não poderá impedir seus seguidores de verem Joe Biden tomar posse em janeiro. O medo de qual pode ser seu próximo passo está dando lugar às gargalhadas. Trump está parecendo mais fraco e assustado a cada dia que passa.

Tampouco está claro se o presidente em final de mandato vai conseguir construir uma “Rede Trump de Jornalismo”. Se ele tiver um programa diário de uma hora na televisão, seus fãs mais devotos com certeza vão assistir. Mas, para ser comercialmente viável, seu canal teria que ampliar aquele público fundamental, atrair outros apresentadores que fossem capazes de conservar a atenção do público, contratar jornalistas que pudessem cobrir de fato o que acontece no mundo e atrair publicidade de empresas comuns.

Competir com a Rede Fox não seria fácil para ninguém que estivesse lançando uma nova rede de jornalismo conservador. Dado o histórico de incompetência de Trump tanto nos negócios quanto em seu cargo público, parece improvável que ele tivesse êxito nessa empreitada.

Tampouco é evidente que Trump pudesse realisticamente se candidatar à Presidência outra vez. Em 2024 ele pode estar falido, na prisão ou com a saúde muito fragilizada. E, mesmo que esteja em condições de disputar a candidatura presidencial republicana, ele não necessariamente a conquistaria.

O Partido Republicano teve uma composição ideológica relativamente estável no último meio século. O chamado “banquinho de três pés” unia conservadores sociais, defensores do livre mercado e figuras de linha dura na política externa, formando uma aliança intranquila, mas durável. Mas, precisamente pelo fato de a composição política do partido ser tão heterogênea, seus líderes mais influentes —de Richard Nixon a George W. Bush e de John McCain a Donald Trump— não guardam muita semelhança uns com os outros.

Que ninguém se engane: ainda é muito cedo para encarar Trump como carta fora do baralho. Pode ser que os americanos continuem a acompanhar seu feed no Twitter com horror ou fascínio pelos próximos quatro anos. Talvez os eleitores das primárias escolham Trump como candidato republicano em 2024. Pode até ser que Trump faça um retorno triunfal à Casa Branca.

Mas o que é possível não precisa ser provável. E as chances são muito boas que os americanos se entediem com as palhaçadas cada vez mais risíveis do mau perdedor que acabam de expulsar do cargo.

*O cientista social Yascha Mounk é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".


Carlos Andreazza: A semana do presidente

Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença, difunde desconfiança, atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização

A semana passada foi especialmente rica em manchetes oferecidas — forjadas — pelo presidente da República. Acuado, Jair Bolsonaro disparou. É o que faz. Ameaçado, reage com novos graus de irresponsabilidade. Provoca. Agride. Trai. Mente. Conspira. Comete crimes. Promove conflitos. Dedica-se ao seu nós contra eles total — obra por meio da qual será capaz de atiçar policiais contra o inimigo jornalista. Obra por meio da qual transformou uma vacina — a chinesa, a comunista — em inimiga da liberdade.

Isto é Bolsonaro. Aquele que, sob pressão, espalha-se para lançar estímulos em direções diversas; para difundir pautas-isca, apostando em que o volume de suas descargas resulte num conjunto de reações difusas que embaralhe a hierarquia das gravidades.

São muitas as gravidades. Uma maior que as outras, porém. Óbvio que o Bolsonaro particularmente cafajeste dos últimos dias é produto do caso Abin. Evidente que seu último pacote de barbáries pretendeu também dissolver em boçalidades as novas revelações sobre o que seria a privatização da Agência Brasileira de Inteligência pela sua família. Nada se soube de mais comprometedor — de mais perigoso para Bolsonaro — numa semana em que galgou novos parâmetros em sua pregação antivacina.

O caso Abin: uma apuração jornalística, da revista “Época”, informou-nos que um órgão de Estado — aparelho de inteligência impessoal a serviço da Presidência — teria operado, com relatórios, para orientar a defesa do filho do presidente numa investigação relativa ao tempo em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual. Escândalo a que se somou a notícia, pela revista Crusoé, de que haveria — dentro da agência — uma espécie de Abin do B trabalhando, à margem da estrutura convencional, pelos interesses de Bolsonaro e turma.

Então, para embaçar: onda e espuma. Também para camuflar a imposição do mundo real — seu governo, derrubando-lhe a palavra-veto, terá de comprar a vacina do Doria — à sua mistificação de macho-mito: onda e espuma.

Impressiona que ainda haja quem se surpreenda com Bolsonaro. Ingenuidade pela qual ele é gratíssimo; e que explora com engenho e arte. Por exemplo: em visita à Ceagesp, chocou os bocós liberais retardatários que, em dezembro de 2020, creem em que este governo privatizará alguma coisa. Nem a Ceagesp! Oh! Fomos traídos...

Em que planeta vivem? Como nenhum entre os limpinhos percebeu que o populista-estatista manipularia os manés liberais-só-na-economia para promover uma das facetas do grande estelionato eleitoral que aplica há quase dois anos? É como acreditar que de uma jaqueira pudesse cair uva. Como se um sujeito que engordou aboletado no sofá do Estado — um tipo que constituiu família, que ergueu bem-sucedida empresa familiar, dentro do Estado — pudesse se mover para diminuir a superfície que lhe enche e ampara a pança. Oh! Fomos enganados!

O presidente anunciou também que não montará o novo partido. Que não fundará o tal Aliança pelo Brasil; e que deverá se filiar a um já existente, decerto uma dessas legendas de aluguel que lhe assegurariam a escada formal para poder disputar a reeleição. Ah! Quem poderia imaginar que um notório depredador da democracia representativa — uma força destruidora que prosperou explorando a criminalização da política — não fosse investir na construção de um partido? Oh!

Também nos informou que Fabrício Queiroz pagava suas contas e que os R$ 89 mil que o amigo, amigo também de milicianos, depositou na conta da primeira-dama Michelle eram para ele — e que aquilo, aquela merreca, não poderia ser considerado propina. Ocorre que ninguém disse que a transação consistiria em pagamento de propina.

Como faz com frequência, Bolsonaro respondeu, com indignação, a uma acusação jamais feita. É mestre nisso; em criar uma falsa imputação, um falso problema, como o da vacinação obrigatória, e lhe responder com energia. Concebe um mundo paralelo — no qual estará sempre com a razão. Ninguém pode ser forçado a se vacinar — e assim brigará contra tirano inexistente. Com o que desvia a verdadeira questão: Queiroz foi denunciado como operador de um esquema de peculato havido no gabinete de Flávio Bolsonaro, tendo sido o mesmo Queiroz a fazer depósitos na conta da mulher do presidente. Essa é a fotografia no mundo real; a pergunta sendo: de onde veio o dinheiro depositado na conta de Michelle Bolsonaro?

Nenhum, porém, entre os atos graves encenados para diluir-distorcer a gravíssima investigação sobre a captura da Abin pela famiglia, teve maior gravidade do que o presidente da República declarar que não se vacinará. Foi o investimento desinformante mais violento em sua campanha — genocida – de dilapidação de nossa cultura vacinal. Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença. Difunde desconfiança. Atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização — atentado que não apenas chama de volta o sarampo, mas também mina as bases de uma teia que costura mesmo, na prática, a própria ideia de República entre nós.

Essa malha de confiança — que alinhava a nação (como o sistema eleitoral) — é empecilho para o autocrata tanto quanto lhe será impulso ter uma Abin, uma Polícia Federal, particular.


Eliane Cantanhêde: O mundo dá voltas

Obscurantismo, negacionismo e terraplanismo estão passando. Bolsonaro é capaz de entender?

Uma pergunta envolta de desânimo se alastra pelos meios políticos e diplomáticos: Jair Bolsonaro vai dar um cavalo de pau na política externa para repor o Brasil nos trilhos, abrir um diálogo produtivo com os Estados Unidos de Joe Biden, reencontrar os parceiros tradicionais e retomar o pragmatismo, a tradição diplomática e a defesa dos interesses nacionais?

Assim como serão necessárias décadas para tentar recuperar nossas perdas na Amazônia e demais biomas, há também previsões nada otimistas sobre o tempo e as condições de Bolsonaro para liderar o recomeço da política externa. E assim como a culpa pelo desmanche do Meio Ambiente recai sobre o ministro Ricardo Salles, também a culpa pela política externa é jogada diretamente sobre o chanceler Ernesto Araújo. O responsável pelas políticas de governo, porém, é o presidente. Ministros só executam.

O que esperar de quem nomeia para o Meio Ambiente do Brasil um cidadão que jamais havia sequer pisado na Amazônia? E para o Itamaraty um embaixador júnior que escreve coisas sem nexo, muda de ideia de acordo com os ventos e compara Donald Trump a “Deus”, único capaz de salvar o Ocidente da China?

O governo Bolsonaro e, aliás, o próprio Bolsonaro, deram caneladas na China, França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Mundo Árabe... E jogaram todas as fichas não nos Estados Unidos, mas em Trump – que perdeu. Como em tudo, como na Saúde, que opera entre a vida e a morte, Bolsonaro não se deu por satisfeito e dobrou a aposta. Manteve-se firme e resolutamente trumpista e levou o Brasil a ser o último país do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) a fazer o óbvio: reconhecer a vitória do democrata Joe Biden.

Os telegramas do embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, divulgados pelo Estadão, mostram constrangedoramente que ele estava mais preocupado em falar o que Bolsonaro queria ouvir e em escrever o que Planalto e Itamaraty queriam ler, do que em relatar a realidade. Em live do Cebri, Celso Lafer disse que, se ainda fosse chanceler, demitiria o embaixador do cargo na hora. Forster, porém, é um coadjuvante, seguiu a linha do general Eduardo Pazuello de que “uns mandam, o outro obedece”. Apenas compactuou, mas não interferiu na realidade paralela de Bolsonaro e Araújo.

Com ou sem as 22 páginas papagaiando Trump, presidente e chanceler insistiriam na versão de “fraude”, “judicialização”, “guinadas”. Uma maluquice. Fica no ar: é possível recolocar a política externa no trilho do pragmatismo e do interesse nacional com Forster em Washington, Araújo no Itamaraty e Bolsonaro na Presidência? Mais: como corrigir a imagem do Brasil com Salles e o desastre ambiental?

Nunca a imagem do País esteve tão deteriorada entre governos, parlamentos, mídias, entidades e cidadãos do mundo inteiro. O chanceler tem de parar de achar bacana a posição de “pária internacional”, Bolsonaro tem de dar sinais para Biden, Eduardo Bolsonaro tem de torrar seu boné “Trump 2022”, todos têm de sentar com diplomatas, generais, políticos, acadêmicos e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para tentar entender o mundo, parar de atacar a China, voltar à racionalidade com Europa e vizinhos.

Biden já começou a mudar os EUA, a voltar ao Acordo de Paris e ao multilateralismo, a trocar retrocessos por avanços. É esse o caminho que o Brasil precisa fazer, abandonando as pisadas tortuosas de Trump e olhando para a frente. Não porque “um manda (os EUA) e outro obedece (o Brasil)”, mas porque os tempos de obscurantismo, terraplanismo e negacionismo estão passando. O difícil é acreditar que Bolsonaro, que chegou atrasado nas vacinas e na era Biden, esteja entendendo alguma coisa. Provavelmente, não. Nem quer.


Fernando Gabeira: Uma vacina contra a estupidez

A dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu

Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond.

Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra.

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular.

Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação.

Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan.

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade.

A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação.

Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte.

A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias.

Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus.

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.


Juan Arias: Sadismo de Bolsonaro com a vacina chega ao limite da loucura

O presidente é um caso único no mundo em meio à tragédia que vive. Chegou a caçoar de quem toma a vacina, dizendo entre gargalhadas que as pessoas “vão virar jacarés”

Enquanto o mundo inteiro sonha com a vacina como única solução para sair do pesadelo em que vive, o presidente Jair Bolsonaro zomba dela publicamente. Assim como no início da epidemia ele ria dizendo que era apenas uma “gripezinha”, que já fez quase 200.000 mortes, agora ri da vacina com seu sadismo habitual que parece gozar com a dor das pessoas. Acaba de dizer que “não haverá vacina suficiente para todos”. Além disso, acrescentou, não faz falta porque “a epidemia está acabando”. Ele não entende que o mundo inteiro está preocupado porque a segunda onda da covid-19 já chegou com uma virulência 70% maior, o que levou as autoridades mundiais a afirmar que em janeiro, depois das festas, a epidemia poderá ser assustadora. Por isso, na maior parte do mundo, as autoridades proibiram as festas públicas de Natal e de fim de ano.

E o pior do presidente brasileiro é que, enquanto o mundo está em pânico com o crescimento da pandemia que está amargando o fim de ano em que todos nós sempre desejamos um ano melhor, ele não só continua negando as evidências como até se concedeu a liberdade de fazer piadas homofóbicas sobre a vacina. É um caso único no mundo em meio à tragédia que vive. Chegou a caçoar de quem toma a vacina, dizendo entre gargalhadas que “nascerá barba nas mulheres”, que os homens “vão começar a falar fino” ou que as pessoas “vão virar jacarés” .

Que Bolsonaro carece completamente não apenas de empatia com a dor alheia e com aqueles que sofrem já não é um mistério. Ele vai além, a ponto de parecer simplesmente insensível às lágrimas das pessoas. Isso está levando não poucos psiquiatras a pensar que se acumulam nele vários problemas de tipo psíquico e até de psicopatia que o tornariam alguém inviável para dirigir o país.

O presidente do Câmara, Rodrigo Maia, o acusou publicamente de “mentir” à nação, o que em qualquer país civilizado seria motivo para retirá-lo do cargo. E não é que minta todos os dias, mas que tenha feito da mentira uma de suas armas de defesa.

Bolsonaro, como um obsessivo, segundo os analistas políticos, hoje tem apenas duas preocupações: salvar os filhos e a família das graves acusações de corrupção e se reeleger em 2022. Todo o resto —a crise econômica, o aumento da fome no país, a dor dos que morrem na epidemia— não lhe interessa. Nesse caso, ele chegou a usar a Abin, a agência de inteligência brasileira, para sua defesa, algo que em qualquer democracia normal seria um crime imperdoável.

Enquanto isso, e para se blindar contra um impeachment, está sendo criada uma couraça de defesa que engloba todas as forças de segurança do Estado. Ele encheu de privilégios todos os segmentos da polícia e do Exército e até das milícias que sempre estiveram ao seu lado.

Na sexta aconteceu uma cena terrível. Ele fez um discurso feroz contra os meios de comunicação aos comandantes da Polícia Militar. Disse-lhes que a imprensa e as televisões independentes estão todas contra eles, que são seus maiores inimigos, tentando desprestigiá-los perante toda a polícia, a qual encorajou a buscar informações nas redes sociais porque os meios de comunicação estão contra ela, só mentem e são seus piores inimigos.

Desta forma, e com seu amor quase sexual pelas armas, Bolsonaro está se preparando para que em um momento de desespero possa recorrer às Forças Armadas em sua defesa, enquanto continua defendendo a ditadura. Acaba de dizer que nas prisões da época até os terroristas “eram tratados com respeito”. Nada de novo, pois, desde que era um obscuro deputado, defendia a tortura e se acaso acusou a ditadura foi por ter perdido tempo torturando, já que o que deveria ter feito era simplesmente “matar”. Os sentimentos de Bolsonaro desaguam sempre no culto às armas, no ódio à democracia e no desprezo pelas liberdades. Todos os ingredientes dos velhos caudilhos.

Há quem tema que Bolsonaro, incomodado com as instituições independentes da República, esteja cansado de ter que harmonizar seu Governo contando com elas.

A crescente desconfiança em relação aos demais Poderes do Estado, que ficou clara em suas turbulentas relações com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso, aos quais desejaria ter a seus pés e que já ameaçou fechá-los, revela que sua própria essência de político é ter um poder absoluto com as instituições a seus pés.

Nasce daí nos analistas políticos o temor de que, se as forças democráticas não se unirem em 2022 para tirá-lo do poder, seu segundo mandato poderá ser muito mais autoritário e ele até poderia aproveitar para dar um golpe com o qual sonha desde que chegou ao poder sem perceber que na política não se pode trabalhar como nos quartéis.

A política é a arte do compromisso e conjugar a liberdade das diferentes instituições, caso contrário é a morte da democracia. E Bolsonaro sempre foi alérgico a mediações e a saber conviver com o diálogo.

Com tudo isso, se começa a pensar que se o presidente continuar em seu atual mandato a boicotar abertamente as instituições, com ausência de empatia com as dores da nação, trancado em seu labirinto de autoritarismo e mentindo como até agora, as outras instituições democráticas deveriam começar já a buscar uma forma de retirá-lo de um poder para o qual nestes primeiros dois anos de mandato está se revelando totalmente incapaz, causando um caos com seu Governo negacionista em todos os espaços.

O Brasil é maior que seus políticos. É um país que merece respeito e não pode estar nas mãos de uma pessoa que humilha todos os dias o seu povo, que mente com a maior desenvoltura, que não é capaz de organizar a economia, que ignora os problemas estruturais do país. Um presidente que zomba dos direitos humanos, que mente com o maior descaro e continua a caçoar do racismo estrutural de que o país ainda sofre, bem como dos direitos da mulher, e que não demonstrou num só instante um sentimento de compaixão com a perseguição aos diferentes e a todos aqueles que o capitalismo insensível está arrastando todos os dias para a pobreza, a fome e a violência.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Janio de Freitas: Os mortos de um e os mortos de outro

A última semana, como um início de cerco a Bolsonaro, deu-lhe os ares e os atos de desespero

 “Periculosidade social na condução do cargo”. Uma qualificação judicial que parece criada para resumir as razões de interdição de Bolsonaro.

Embora a expressão servisse ao ministro Og Fernandes (STJ) para afastar o secretário de Segurança da Bahia, ajusta-se com apego milimétrico a quem incentiva a população a riscos de morte ou sequelas graves, com a recusa à prevenção e ao tratamento ​científico.

Já em seu décimo mês, e sem qualquer reparo das instituições que, dizem, “estão funcionando”, a campanha de Bolsonaro e as medidas de seus militares da Saúde chegam ainda mais excitadas e perigosas ao seu momento crucial.

Quem observou os movimentos reativos que o caracterizam por certo notou que é também dele a vulgar elevação da agressividade quando o medo, a perda de confiança, o pânico mesmo, são suscitados pelas circunstâncias. A última semana, como um início de cerco a Bolsonaro, deu-lhe os ares e os atos de desespero.

confisco da vacina Sinovac-Butantan pelo governo federal, toda a vacinação concentrada no militarizado Ministério da Saúde, a exigência de responsabilização do vacinado por hipotéticos riscos foram alguns dos foguetes hipotéticos que mostravam um Bolsonaro se debatendo, aturdido. Nem a liberação total para armas importadas abafou a onda crítica.

revelação de participações da Abin na defesa de Flávio Bolsonaro (feita por Guilherme Amado na Época), apesar da rápida e óbvia negação da agência e do general Augusto Heleno, desarvorou Bolsonaro.

Estava em mais uma de suas fugas reeleitoreiras de Brasília, em desavergonhadas advertências de deformações ridículas em vacinados, quando o Supremo desmontou suas trapaças contra a liberdade de ação dos estados e municípios na pandemia.

E, boa cereja, a advogada Luciana Pires confirmou o recebimento de instruções da Abin para a defesa de Flávio, um truque para anulação do inquérito.

A explosão, incontível, não tardou. Na mesma quinta (17), Bolsonaro investe contra a imprensa, atiça as PMs contra jornalistas. Em fúria, faz os piores ataques aos irmãos donos de O Globo. Sem apontar indícios das acusações.

Se verdadeiras, por que não as expôs, para uma CPI, quando na Câmara representava os “militares anticorrupção”? Ou, presidente, não determinou o inquérito, como de seu dever? Nos dois casos, o silêncio é conivência criminosa. Sendo inverdadeiras as acusações, desta vez feitas a pessoas identificadas, sua entrada no Código Penal é pela mesma porta, a dos réus.

O gravíssimo uso da Abin, entidade do Estado, para proteger Flávio Bolsonaro e o desvio de dinheiro público, caiu em boas mãos, as da ministra Cármen Lúcia no Supremo. Troca de vantagens não haverá, medo não é provável.

Isso significa atos mais tresloucados de Bolsonaro. E um problema para e com os militares que, no governo, em verdade são a guarda pessoal de Bolsonaro.

Não só, porque o general Augusto Heleno, o Heleninho sempre protegido e bem situado, está comprometido dos pés à cabeça. A distância pode ser pequena, mas bastante para o autoritarismo militar sacudir a pouca poeira que resta.

A propósito, a menção ao general Heleno no artigo anterior o levou a vários adjetivos insultuosos a mim, concluindo por me dizer “pior como ser humano”. Essa expressão, ser humano, me lembrou uma curiosidade de muitos e que o general é o indicado para esclarecer: quantos seres humanos mortos pesam em suas costas, pela mortandade que ordenou sobre a miséria haitiana de Cité Soleil?

A ONU pediu ao governo brasileiro sua imediata retirada de lá, exclusão sem precedente nas tropas de paz, e a imprecisão sobre as mortes, dezenas ou centenas, perdura ainda.

Já no caso da Abin, pode-se desde logo esperar algumas respostas interessantes. E cáusticas.

O CERTO E O OUTRO

Diretor do Butantan, Dimas Covas venceu a divergência sobre o surgimento das vacinas. Militares da Anvisa só a previam para meado de 2021, até mesmo só no segundo semestre. Muitos pesquisadores e médicos. Dimas esteve só, ou quase, antevendo a vacina ainda para este ano.

Por fim, o Natal vem aí, sim, mas certifique-se. Na quinta, o general-ministro Pazuello disse três vezes, sempre com a segurança de suas estrelas, que “janeiro é daqui a 30 dias”. E depois, sobre a aplicação da vacina: “A data precisa é... janeiro”.

Sem dúvida, é um grande general, como disse Bolsonaro ao apresentá-lo.