mulheres

Até outubro, foram registradas mais de 13 mil ocorrências de violência contra as mulheres no DF

Thamy Frisselli*, Brasil de Fato

Dados sobre a violência contra as mulheres no Distrito Federal são alarmantes. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF), entre janeiro e outubro de 2022, foram registrados 17 casos de feminicídio. Além disso, nos primeiros dez meses deste ano foram 13.931 ocorrências de violência doméstica registradas em todo o DF. No mesmo período de 2021, foram registradas 13.712 ocorrências.

Um estudo realizado pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) da SSP aponta que, desde março de 2015, quando entrou em vigor a “Lei do Feminicídio”, até o mês de outubro de 2022, 74,5% dos casos ocorreram dentro de residências. Os dados revelam ainda que em 86,6% dos casos a motivação foi o sentimento de posse, ciúme ou não aceitação do término do relacionamento. De março de 2015 a outubro de 2022, 71,5% das vítimas não haviam registrado ocorrências anteriores de violência doméstica pelo mesmo autor.

Outras pesquisas também chamam a atenção para a situação de violência de gênero no Distrito Federal. Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o DF registrou 35.572 medidas protetivas para meninas e mulheres em situação de violência doméstica. É a quarta unidade da Federação com o maior número de Medidas Protetivas de Urgência (MPU). Em todo o país, foram registradas 572.159  medidas – Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais lideram. Os dados foram divulgados em agosto e fazem parte de uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Instituto Avon e o Consórcio Lei Maria da Penha.

Estupro

A Secretaria de Segurança Pública do DF informa que foram registradas 607 ocorrências de estupro no DF nos primeiros dez meses deste ano. Entre janeiro e outubro do ano passado foram 514 registros dessa natureza criminal.

Para Cleide Oliveira Lemos, ativista integrante do Levante Feminista Contra o Feminícidio no DF, "os estupros notificados alcançam entre 10% e 25% do total, o que é uma taxa absurda. Então, para cada 10 violações sexuais cometidas nós teríamos entre 1 a 3 que não são notificadas. E isso por vários motivos: elas sentem vergonha, se sentem culpadas. Existe uma cultura de constrangimento da mulher pelo crime que ela sofre”.

:: Votação do Estatuto do Nascituro na Comissão da Mulher na Câmara é adiada após tumulto ::

“Existe uma dificuldade muito grande, numa sociedade onde as violências contra as mulheres são naturalizadas na lógica do ‘sempre foi assim’, ‘sempre vai ser assim que as coisas funcionam’, de as mulheres identificarem que estão sofrendo violência. Viver em um ambiente onde as pessoas gritam com elas, onde suas opiniões e escolhas são cerceadas, são sinais de relacionamentos abusivos que nunca começam com uma tentativa de assassinato, né? Sempre evoluem entre pequenas violências até se tornarem violências absolutas”, explicou Thaísa Magalhães, secretária de Mulheres da CUT-DF.

CPI

A CPI do Feminicídio, realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, apontou em seu relatório final, em 2019, que era preciso dotar a Secretaria da Mulher (SEMDF) de orçamento e pessoal e recompor o quadro de servidores dos Centros de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica.

Além disso, também apontou a necessidade de vincular, nos Planos Plurianuais e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ações e metas a serem estabelecidas no âmbito do II Plano Distrital de Política para as Mulheres; coordenar e articular, por meio da SEMDF, os serviços integrantes da rede de proteção, especialmente entre órgãos de segurança e das secretarias de Desenvolvimento Social e da Justiça; bem como coordenar e articular políticas públicas que incorporem noções transversais e intersetoriais de enfrentamento ao machismo, ao racismo, à lesbofobia e à transfobia.

O deputado Fábio Félix conta que, durante mais de dois anos, a CPI visitou os serviços de prevenção à violência de gênero para apontar as falhas que contribuem para o assassinato de mulheres. Um dos principais diagnósticos é o de que não existe uma rede integrada, as políticas públicas não estão conectadas. O documento final da Comissão aponta uma série de medidas que devem ser tomadas para superar essas lacunas. "Propusemos a criação de um Pacto Pela Vida de Todas as Mulheres e, agora, estamos batalhando para que o poder público crie este Pacto e adote as recomendações da CPI”.

Dados nacionais

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, uma média de 4 mulheres por dia. Este número é 3,2% mais elevado que o total de mortes registrado no primeiro semestre de 2021, quando 677 mulheres foram assassinadas. Os dados indicam um crescimento contínuo das mortes de mulheres em razão do gênero feminino desde 2019.

Em relação ao primeiro semestre de 2019, o crescimento no mesmo período de 2022 foi de 10,8%, apontando para a necessária e urgente priorização de políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero.

Canais de denúncias

Quatro meios para recebimento de denúncias são disponibilizados pela PCDF: a denúncia on-line, o telefone 197 Opção 0 (zero), o e-mail denuncia197@pcdf.df.gov.br e o WhatsApp (61) 98626-1197.

Fonte: BdF Distrito Federal

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Mulher negra segurando papelão escrito igualdade | Foto: giuseppelombardo/Shutterstock

Dia de luta pelo fim da violência às mulheres, veja a origem da data e os desafios atuais

Gabriela Moncau*, Brasil de Fato

Estabelecido, desde 1981, como o dia internacional de luta pelo fim da violência contra as mulheres, o 25 de novembro traz à tona, neste Brasil de 2022, aspectos antagônicos sobre o tema. 

As estatísticas reforçam, ano a ano, a gravidade e o tamanho do problema, que atravessa geografias e classes sociais. A cada hora, no Brasil, seis meninas ou adultas são estupradas e 26 mulheres são agredidas fisicamente.  

Os números são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, que aponta ainda que, das 1.341 mulheres vítimas de feminicídio no ano passado, 65,6% foram mortas dentro de casa e 62% eram negras. Além disso, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), uma travesti ou mulher trans é morta no país a cada dois dias. 

Ao mesmo tempo, conforme avalia Nalu Faria, psicóloga, feminista e ativista da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), o país vive um momento em que se ampliam a denúncia e a consciência acerca do assunto. 

“Saímos do silêncio e isso mostrou o quanto a violência é estendida em todos os espaços da sociedade: nas nossas casas e comunidades, mas também nas empresas, na política, em todos os lugares onde as mulheres buscam se colocar como sujeitos políticos autônomos”, descreve.   

Reconhecida em todo o mundo, a luta contra a violência às mulheres tem feito crescer, na visão de Nalu, a consciência de que ela deve se dar para além dos debates sobre o que fazer com agressores. “É importante a gente olhar, sobretudo, para como erradicar as causas da violência”, opina.  

A integrante da MMM entende que a “violência patriarcal” é uma dimensão de um “sistema imbricado de várias formas de opressão que combina o capitalismo, o racismo, o patriarcado, o colonialismo e a opressão da sexualidade”. Assim, ela não se manifesta só nos comportamentos individuais, mas nas relações e na própria maneira como a sociedade se estrutura.  

“É uma violência que se instala a partir de uma sociedade de controle, poder e dominação. Então, quando tem o aumento dos controles, por exemplo, dos territórios - seja com as empresas transnacionais, com o extrativismo, com o agronegócio e tantas outras -, há um aumento da violência contra as mulheres”, ilustra Faria. 

Por isso, defende, “nessa luta precisamos sempre combinar a denúncia desse modelo de opressão como um todo, a constituição de outras relações e muita” - Nalu faz uma pausa para reiterar - “muita auto-organização das mulheres”.  

Violência autorizada   

Tendo os arroubos misóginos do presidente Jair Bolsonaro (PL) como síntese caricata, Faria afirma que “existe um mandato patriarcal que autoriza os homens a serem violentos”. 

Para Adriana Mezadri, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), nos últimos quatro anos, o conservadorismo e o machismo foram legitimados institucionalmente, em um país cuja crise econômica e aumento da fome afeta, especialmente, as mulheres.  

“Além da perda de renda, no campo vivemos a perda das políticas públicas. Há uma piora nas condições de soberania alimentar das famílias e comunidades. Isso gera a diminuição da autonomia econômica das mulheres e torna a violência mais escancarada”, diz Adriana.  

O aumento da militarização e das armas de fogo legais no país também é citado pelas ativistas como pontos preocupantes no combate à violência sexista. Dados obtidos pelo Instituto Igarapé e Sou da Paz por meio da Lei de Acesso à Informação revelam que, durante o governo Bolsonaro, o número de armas de fogo registradas triplicou e chega atualmente a quase um milhão.  

Os principais instrumentos usados nos feminicídios, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, são armas brancas (50%), seguido de armas de fogo (29,2%).  

Na avaliação de Nalu Faria, não é coincidência que o eleitorado feminino tenha sido hegemonicamente crítico ao governo Bolsonaro e teve, portanto, um peso na sua derrota nas urnas. “Isso também é fruto da nossa luta e de um patamar de compreensão do que está em jogo para a gente ter uma vida livre de violência. E isso está conectado com ter uma vida digna”, opina.  

Mezadri, do movimento de camponesas, defende que o atual desafio é “construir formas coletivas de combate à violência”: “Se uma mulher é violentada, eu também sou violentada. Então como nós, coletivamente, fazemos com que a violência não seja mais tolerável?”. 

“Las Mariposas”: a origem do 25 de novembro 

A data foi escolhida como uma homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas pelo regime de Rafael Trujillo, que promoveu uma sangrenta ditadura na República Dominicana entre 1930 e 1961.  

As irmãs Mirabal, que ficaram conhecidas como “Las mariposas”, eram militantes contra a ditadura durante a década de 1950 e a grande comoção que houve quando foram mortas, em 25 de novembro de 1960, ajudou a desestruturar o regime. Pouco depois, em 1961, Trujillo – também conhecido como “el jefe” e cuja família chegou a ser dona de 70% das terras cultivadas do país - foi assassinado.  

A história das irmãs Mirabal é retratada ou citada em diversos livros e filmes. Entre eles, o romance A festa do bode, de Vargas Llosa e o livro No tempo das borboletas, da jornalista Julia Álvarez. Este último se tornou um filme de mesmo nome, dirigido por Mariano Barroso. 

“Se me matam, levantarei os braços do túmulo e serei mais forte”, teria dito Minerva Mirabal, sabendo dos riscos do seu engajamento no Movimento Revolucionário 14 de Junho. A promessa se cumpriu. Em 1981, alçando a história das três ativistas a símbolo da luta pelo fim da violência contra as mulheres, o 25 de novembro foi estabelecido durante o primeiro Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, realizado em Bogotá, na Colômbia. Em 1999, a Assembleia Geral da ONU também incorporou a data internacional.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Campanha tem por objetivo conscientizar a população sobre os diferentes tipos de agressão contra mulheres | Foto: Câmara Legislativa

Câmara divulga programação da campanha de 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher

Câmara Legislativa*

Desde 2013, o Congresso Nacional, por meio da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal e Liderança da Bancada Feminina do Senado Federal, participa da Campanha Mundial “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher”, que conta, ainda, com parceria da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara e outras instituições. Internacionalmente, a campanha começa em 25 de novembro (Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres) e termina em 10 de dezembro, data em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, a campanha tem início em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, considerando a dupla vulnerabilidade da mulher negra e, por isso, aqui é chamada de "21 Dias de Ativismo pelo fim da Violência Contra as Mulheres", e também é chamada de “16+5 Dias”.

Realizada em cerca de 150 países anualmente, a campanha tem por objetivo conscientizar a população sobre os diferentes tipos de agressão contra mulheres e propor medidas de prevenção e combate à violência, além de ampliar os espaços de debate com a sociedade. A mobilização é empreendida por diversos atores da sociedade civil e do poder público e contempla as seguintes datas principais:

- 20 de novembro – Dia da Consciência Negra (início da campanha no Brasil);

- 25 de novembro – Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres;

- 29 de novembro – Dia Internacional dos Defensores dos Direitos da Mulher;

- 1º de dezembro – Dia Mundial de Combate à AIDS;

- 03 de dezembro – Dia Internacional das Pessoas com Deficiência;

- 06 de dezembro – Dia dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres (campanha do Laço Branco);

- 10 de dezembro – Dia Internacional dos Direitos Humanos e encerramento oficial da campanha.

Tradicionalmente, além dos eventos, as parlamentares levam aos Colégios de Líderes uma lista de proposições prioritárias para votação em Plenário, e que têm por objetivo ampliar os direitos das mulheres como mecanismo de combate à violência contra a mulher no País. As propostas apresentadas versam não só sobre projetos e iniciativas na área de segurança pública, mas também proposições de âmbito social, de saúde, político e econômico, como as que ampliam a presença feminina na política e as que propiciam maior autonomia financeira para as mulheres — ferramentas essenciais para a quebra dos ciclos de violência doméstica.

Programação - Para este ano, as ações terão início em 21 de novembro, às 15 horas, com sessão solene da Câmara dos Deputados em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra, a partir de requerimento proposto pelas deputadas Sâmia Bonfim (PSOL-SP), Vivi Reis (PSOL-PA) e o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). No mesmo dia (21/11), às 18 horas, será realizada a abertura solene conjunta da campanha, no Salão Nobre, com acendimento das luzes do Congresso Nacional às 19 horas.

Para quarta-feira (23/11), às 18 horas, está programado o lançamento do “Pacto Nacional pelos Direitos das Mulheres”, uma realização da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados que irá congregar diversas organizações governamentais e não governamentais numa ação conjunta em defesa de políticas públicas de garantira de direitos às mulheres. 

Na sexta-feira (25/11), das 9 às 12 horas, será realizado seminário sobre o tema “Brasil e Israel: inovações e iniciativas pela eliminação de violências contra as mulheres", com realização da Procuradoria Especial da Mulher e Liderança da Bancada Feminina do Senado Federal, Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados e Embaixada de Israel no Brasil.

Na terça-feira (29/11), das 10 às 17 horas, outro seminário abordará o “Empreendedorismo Feminino: a autonomia financeira das mulheres como instrumento de empoderamento e combate à violência”, com realização da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados.

No dia 6 de dezembro, será a vez da campanha Laço Branco, ato relacionado ao “Dia dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, com distribuição de botóns e cartazes para os parlamentares, no Plenário Ulysses Guimarães, durante a sessão deliberativa. No dia seguinte, 7 de dezembro, das 9 às 17 horas, será realizado seminário para avaliar as "Eleições 2022: análise de indicadores sob a perspectiva da participação feminina e da nova lei de violência política contra as mulheres", com realização do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP) da Secretaria da Mulher da Câmara. Já o III Encontro Nacional de Procuradorias da Mulher será no dia 8 de dezembro, das 9 às 12 horas, com promoção da Procuradoria da Mulher da Câmara. 

Fechando a programação dos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra mulheres, estão previstas, ainda, duas audiências públicas, com data, horário e local a confirmar: uma sobre "Violência Institucional", com realização conjunta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher) e Secretaria da Mulher da Câmara;  e outra sobre "Visibilidade da Mulher com Deficiência", em alusão ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro, esta com realização da CMulher, Secretaria da Mulher e Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da Câmara.

A programação completa está sujeita a eventuais alterações de data, horário e local e pode ser conferida na página da Secretaria da Mulher: https://bit.ly/3DW23hF

Ascom - Secretaria da Mulher

Texto publicado originalmente no portal da Câmara Legislativa.


A extrema direita está se tornando mais feminina?

Barbara Wesel,* Made for Minds

"Sou mulher, sou mãe, sou cristã!": esse grito de guerra, que Giorgia Meloni tem repetido em inúmeras aparições em público, contém a essência de seu sucesso político na Itália. Após longos anos em que homens como o conservador Silvio Berlusconi atraíram os eleitores com seu comportamento abertamente machista, dominando a política italiana, o êxito eleitoral de Meloni também se fundamenta na ênfase em sua feminilidade.

Ela será a líder de uma nova coalizão governamental cuja lua-de-mel entre os parceiros já parece estar no fim. Em meio à briga continuada pelos altos postos do governo, o conservador Berlusconi desqualificou a chefe do partido Irmãos da Itália (FdI) como "presunçosa, prepotente, arrogante e ofensiva". Em sua campanha eleitoral, contudo, a extremista de direita conseguiu projetar uma imagem bem diferente.

Por um lado, ela foi escolhida por muitos católicos graças a sua visão de uma família tradicional e cristã – embora Meloni, que não é casada no papel com o pai de sua filha, associe esse ideal ao rechaço do aborto e dos direitos LGBTQ+. Aliás, tais ideais conservadores da boa mãe e boa esposa remontam à Itália dos anos 1930, sob o regime fascista de Benito Mussolini.

Além disso, Meloni deve sua vitória aos votos de muitos trabalhadores autônomos. Eles a apreciam como emergente das classes baixas combativa, que conhece os problemas dos pequenos comerciantes e empresários. No entanto, seu êxito junto aos Irmãos da Itália tem caráter excepcional, pois ela é uma dos confundadores e ocupa a presidência do partido há dez anos, tendo-o levado de nanico a governista.

Direita aposta no eleitorado feminino

Descontado o sucesso singular de Giorgia Meloni, contudo, esta eleição foi um revés para as mulheres da política italiana: entre os deputados do Parlamento, sua participação caiu de 35% para 31%. Então será que a estratégia das legendas radicais ou extremistas de direita é fazer uma mensagem, em essência, agressiva, parecer mais "suave" através de uma líder mulher?

A socióloga Katrine Fangen, da Universidade de Oslo, crê que haja um quê de verdade nesse estereótipo: "Há muito tempo, diversos partidos populistas de direita têm líderes políticas, isso não é novo. Mas pode perfeitamente ser uma decisão estratégica apostar mais nas mulheres que podem se identificar mais com uma figura de liderança feminina."

"As siglas populistas de direita seguem sendo eleitas principalmente por homens, mas a diferença não é mais tão grande como no passado: em âmbito internacional, cerca de 40% do eleitorado extremista de direita são mulheres", comentou Fangen em entrevista à revista norueguesa Framtide. Isso, apesar de os partidos ultradireitistas da Europa serem muito diversos: na França e Holanda, por exemplo, eles defendem a igualdade de gênero e, em parte, até mesmo os direitos LGBTQ+.

O modelo Marine Le Pen

A socióloga Dorit Geva, da Central European University, em Viena, considera o exemplo da francesa Marine Le Penparte da nova estratégia populista de direita: "É uma tendência que Le Pen iniciou há cerca de dez anos. Gradativamente, ela tornou mais branda a imagem do partido [então Frente Nacional], cujos aspectos repugnantes incluíam o jeito machista." A política herdou de seu pai, Jean-Marie Le Pen, a sigla que era um ponto de convergência para ex-militares e ex-combatentes da guerra na Argélia.

A italiana Meloni, por sua vez, configurou nos últimos anos a imagem e a orientação do FdI, em grande medida por conta própria, até chegar aos atuais 20% de vantagem na preferência do eleitorado. "Ela compreendeu sua própria força de atração e seu poder", frisa Geva.

Na França, por outro lado, o fato de Le Pen ser mulher tornou-se um aspecto central da mensagem política nas últimas duas campanhas eleitorais. "Trata-se de cuidado e proteção, de uma imagem materna acoplada à política do Estado de bem-estar social." Desse modo, abrandou-se a imagem de uma legenda "lei e ordem".

"O que vemos é uma nova variante da extrema direita, que se apresenta como protetora dos cidadãos, o que não ocorria antes." Meloni enfatiza, por exemplo, que as mães necessitam mais apoio social pelo fato de sua própria mãe ser solteira; enquanto Le Pen promete mais Estado social, subsídios para os aluguéis e salários mais altos, afirmando que até agora os imigrantes têm sido favorecidos.

"É uma estratégia para ampliar a base do eleitorado, em que se dança de ambos os lados, falando de Deus, da família e dos valores conservadores, sem excluir totalmente o outro lado", analisa Dorit Geva. Esses partidos são agora incluídos no bloco de centro-direita, sem que esteja claro quais de seus slogans resultará em medidas da prática política.

Há uma cisão Leste-Oeste?

Nos países do Leste Europeu, seja o governista PiS da Polônia ou o Fidesz da Hungria, por enquanto os homens seguem dominando. No entanto Pawel Zerka, do think tank político Council on Foreign Relations, acredita tratar-se menos de uma cisão geográfica do que da origem diversa das legendas populistas de direita.

"Na Europa Ocidental, em geral eles se apresentavam como formações antielitistas, antimigração, eurocéticas ou pós-fascistas. No Leste da Europa não havia partidos estabelecidos devido ao processo de democratização. Por isso, os maiores entre os considerados populistas ou nacionalistas eram antigos partidos conservadores que resvalaram ainda mais para a direita."

Para Zerka, também eles terão que cada vez mais apelar ao eleitorado feminino, "senão poderão facilmente – e, em geral, corretamente – ser vistos como misóginos". As mulheres votavam menos neles, no que se denominava a "lacuna dos gêneros" do comportamento eleitoral. "Foi assim com Donald Trump nos Estados Unidos, Eric Zemmour na França, Konfederacja na Polônia e Vox na Espanha. É interessante que não haja lacuna dos gêneros para Marine Le Pen ou para os Irmãos da Itália."

A rigor, essa lacuna tampouco existe para o PiS, já que a chefe de governo interina Beata Szydlo concentrou o partido em temas socioeconômicos, como segurança empregatícia, adicionais para quem tem filhos e outros. "Isso ajudou Marine Le Pen na 'desintoxicação' do seu partido e parece ter ajudado o PiS no pleito de 2015." O chefe partidário linha-dura e clandestino Jarosław Kaczyński não teria conseguido isso, supõe Zerka.

O caso do sucesso eleitoral de Giorgia Meloni, contudo, é diverso, pois ela pôde se apresentar como alternativa para as demais siglas do governo de Mario Draghi, e a Liga de Matteo Salvini perdera sua atratividade. Agora é preciso aguardar para ver como será a política da provável primeira-ministra da Itália.

"Seu partido atrai tanto mulheres quanto homens. O gênero não importa, ao contrário da idade e do grau de instrução, apesar de suas metas tradicionais e das raízes fascistas." Pawel Zerka resume: Giorgia Meloni pode ter aprendido com Le Pen, mas seu futuro político depende das especificidades da política e da sociedade da Itália.

Texto publicado originalmente no Made for Minds.


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Como começou o patriarcado – e como a evolução pode mudá-lo

Ruth Mace*, BBC News Brasil

No Afeganistão, o Talebã volta a vigiar as ruas, mais preocupado em manter as mulheres em casa, seguindo os rígidos códigos de vestimenta, que com o iminente colapso do país frente à fome. Enquanto isso, em outro continente, parte dos Estados Unidos vem legislando para garantir que as mulheres não tenham mais acesso ao aborto legal.

Nos dois casos, crenças patriarcais ocultas ressurgiram com o fracasso da liderança política. Temos a estranha sensação de estarmos voltando no tempo. Mas quando o patriarcado começou a dominar nossas sociedades?

A condição das mulheres é uma questão de interesse da antropologia há muito tempo.

Ao contrário da crença popular, pesquisas indicam que o patriarcado não é uma espécie de "ordem natural das coisas". Ele nem sempre foi preponderante e pode, de fato, desaparecer algum dia.

As comunidades de coletores e caçadores podem ter sido relativamente igualitárias, pelo menos em comparação com alguns dos regimes que se seguiram. E sempre existiram mulheres líderes e sociedades matriarcais.

A riqueza dos homens

A reprodução é a moeda da evolução. Mas não só os nossos corpos e cérebros evoluem. Nossos comportamentos e culturas também são produtos da seleção natural.

Para maximizar o seu próprio sucesso reprodutivo, por exemplo, os homens muitas vezes tentaram controlar as mulheres e sua sexualidade.

Nas sociedades nômades onde há pouca ou nenhuma riqueza material, como costuma ser o caso entre os coletores e caçadores, a mulher não pode ser facilmente forçada a permanecer em um relacionamento. Ela e seu parceiro podem viver juntos com os parentes dela, com os parentes dele ou com outras pessoas. E, se estiver infeliz, ela pode simplesmente ir embora.

Isso pode ser difícil se ela tiver filhos, pois os cuidados dos pais ajudam no desenvolvimento e até na sobrevivência das crianças, mas ela pode ir viver com parentes em outro lugar ou encontrar um novo parceiro - sem necessariamente ficar em uma situação pior.

Mas o advento da agricultura, que ocorreu até 12 mil anos atrás em algumas regiões, virou o jogo.

Mesmo as hortas relativamente simples exigiam que a produção fosse defendida e, portanto, que as pessoas permanecessem no mesmo local. E os assentamentos aumentaram os conflitos entre os grupos e até dentro de um mesmo grupo.

Os cultivadores de hortas yanomami da Venezuela, por exemplo, viviam em residências coletivas altamente fortificadas, com ataques violentos contra grupos vizinhos e a frequente "captura de noivas".

Nos locais onde evoluiu a criação de gado, a população local precisava defender seus animais contra roubos, gerando combates e militarização. Como as mulheres não tinham tanto sucesso nos combates quanto os homens, por serem fisicamente mais fracas, seu papel caiu em relação a eles. Esse declínio ajudou os homens a ganhar poder, deixando-os encarregados dos recursos que estavam defendendo.

À medida que a população crescia e se assentava, surgiam problemas de coordenação. Desigualdade social florescia às vezes quando líderes (normalmente, homens) se estabeleciam após proverem benefícios à população, talvez na forma de bom desempenho em batalhas ou atendendo ao bem público de outra forma.

A população em geral, homens e mulheres, muitas vezes tolerava elites em troca de auxílio para proteger as suas posses.

À medida que a agricultura e a pecuária ficaram mais intensivas, a riqueza material, agora controlada principalmente pelos homens, tornou-se ainda mais importante. As regras de parentesco e descendência foram mais formalizadas para evitar conflitos sobre riqueza dentro das famílias e os casamentos ficaram mais contratuais. A transmissão da terra ou dos animais ao longo das gerações permitiu que algumas famílias acumulassem riquezas substanciais.

Monogamia x poligamia

A riqueza gerada pela agropecuária permitiu a prática da poliginia (um homem com diversas esposas). Já a poliandria (uma mulher com vários maridos) era rara.

Na maioria dos sistemas, as mulheres jovens eram o recurso mais procurado, pois sua janela para ter filhos era mais curta e elas normalmente cuidavam mais da prole.

Os homens usavam sua riqueza para atrair mulheres jovens para os recursos que eles tinham a oferecer. Os homens concorriam pagando o "preço da noiva" para a família dela. Com isso, os homens ricos podiam ter várias esposas, enquanto alguns pobres acabavam solteiros.

Os homens então precisavam da riqueza para competir pelas noivas, enquanto as mulheres adquiriam os recursos necessários para a reprodução por meio do seu marido. Desta forma, se os pais quisessem maximizar o número de netos, fazia sentido para eles dar sua riqueza para seus filhos e não para as filhas.

Isso fez com que a riqueza e as propriedades fossem transmitidas formalmente para a linhagem masculina. E também fez com que as mulheres, muitas vezes, acabassem vivendo longe de casa, com a família do marido, após o casamento.

As mulheres começaram a perder o controle das suas ações. Se as terras, os animais e os filhos fossem propriedade dos homens, o divórcio era quase impossível para as mulheres.

Uma filha que retornasse para a casa dos pais não seria bem-vinda e o preço da noiva precisaria ser devolvido. O patriarcado estava se estabelecendo com firmeza.

Quando as mulheres saem da casa dos pais para viver com a família do seu novo marido, elas não têm, na sua nova residência, o mesmo poder de barganha que teriam se ficassem na sua casa de origem. Modelos matemáticos indicam que a dispersão das mulheres, aliada ao histórico de guerras, fez com que os homens fossem mais bem tratados que as mulheres.

Os homens tinham a oportunidade de competir por recursos com outros homens por meio das guerras, enquanto as mulheres só competiam com outras mulheres dentro de casa. Por esses dois motivos, tanto homens como mulheres colhiam maiores benefícios evolutivos sendo mais altruístas com relação a homens do que com mulheres, gerando o surgimento dos "clubes de meninos".

Essencialmente, as mulheres entraram no jogo do viés de gênero contra elas próprias.

Em alguns sistemas agrícolas, as mulheres podem ter tido mais autonomia. Em locais onde a disponibilidade de terra para o plantio era limitada, pode ter havido limites para a poliginia, pois os homens não conseguiam sustentar diversas famílias.

Quando a agricultura era difícil e a produtividade era determinada mais pela dedicação ao trabalho que pela quantidade de terra, a mão de obra feminina era uma necessidade básica e os casais trabalhavam juntos em uniões monogâmicas.

Com a monogamia, se uma mulher se casasse com um homem rico, toda a riqueza iria para os seus filhos. Por isso, as mulheres competiam entre si pelos melhores maridos.

Mas, com a poliginia, é diferente. A riqueza da família é dividida entre os filhos de diversas outras esposas, de forma que as vantagens para as mulheres de se casar com um homem rico são menores.

Por isso, o pagamento pelo casamento monogâmico caminha na direção oposta da poliginia, assumindo a forma de "dote". Os pais da noiva dão dinheiro aos pais do noivo ou ao próprio casal.

O dote, que ainda é importante hoje em dia em grande parte da Ásia, é a forma que os pais têm de ajudar suas filhas a competir com outras mulheres no mercado de casamentos. O dote, às vezes, pode oferecer às mulheres maior controle ao menos sobre parte da riqueza da sua família.

Mas existe um fator complicador. A necessidade do dote pode fazer com que as meninas representem um custo mais alto para os pais, às vezes com terríveis consequências - como no caso de famílias que já têm filhas e que matam ou rejeitam novas bebês (ou, atualmente, o aborto seletivo das meninas).

A monogamia também trouxe outras consequências. Como a riqueza ainda era transmitida pela linhagem masculina para os filhos de uma única esposa, os homens faziam todo o possível para garantir que aqueles filhos fossem deles.

Eles não queriam investir inadvertidamente sua riqueza nos filhos de outro homem. Por isso, a sexualidade das mulheres passou a ser fortemente vigiada.

Manter as mulheres afastadas dos homens ("purdah", entre os muçulmanos), colocá-las em "claustros" como monastérios (clausura) na Índia, ou a prática de enfaixar os pés das mulheres para que eles ficassem pequenos, adotada por 2 mil anos na China, podem ser algumas consequências.

E, no contexto atual, a proibição do aborto torna as relações sexuais potencialmente caras, retendo as pessoas em casamentos e prejudicando as perspectivas de carreira das mulheres.

Sociedades matriarcais

É relativamente raro que a riqueza seja passada para a linhagem feminina, mas existem sociedades que adotam essa prática. Os sistemas matriarcais tendem a ser adotados em ambientes marginais, onde existe pouca riqueza a ser disputada.

Existem regiões na África, por exemplo, conhecidas como o "cinturão da linhagem matriarcal", onde a mosca tsé-tsé tornou a criação de gado impossível.

Em alguns desses sistemas de linhagem matriarcal africanos, os homens continuam sendo uma força poderosa nas residências, mas são os irmãos mais velhos e tios que tentam controlar as mulheres, em vez dos pais e dos maridos. Mesmo assim, em geral, o poder das mulheres realmente é maior.

Já sociedades onde os homens se ausentam por grande parte do tempo, devido a longas distâncias de viagem ou alto risco de mortalidade - causado pelos perigos da pesca oceânica na Polinésia ou pelas guerras em certas comunidades nativas americanas, por exemplo -, também adotaram a linhagem matriarcal.

As mulheres no sistema matriarcal muitas vezes dependem do apoio de suas mães e irmãs, não dos seus maridos, para ajudar a criar os filhos. Essa "criação comunitária" pelas mulheres, observada, por exemplo, em alguns grupos de linhagem matriarcal na China, faz com que os homens se interessassem menos (no sentido evolutivo) em investir na residência, que abrigam não apenas os filhos da sua esposa, mas também de muitas outras mulheres com quem eles não têm relação familiar.

Isso enfraquece os laços conjugais e facilita a transmissão da riqueza entre as mulheres da mesma família. As mulheres também são menos controladas sexualmente nessas sociedades, pois a paternidade certamente é uma preocupação menor quando as mulheres controlam a riqueza e a transmitem para suas filhas.

E, nas sociedades com linhagem matriarcal, homens e mulheres podem praticar a poligamia. O povo himba do sul da África é uma sociedade com linhagem matriarcal e tem algumas das mais altas taxas de bebês gerados desta forma.

Mesmo nos ambientes urbanos atuais, a alta taxa de desemprego dos homens gera estilos de vida mais centralizados nas mulheres, com as mães ajudando as filhas a criar seus filhos e netos, muitas vezes em relativa pobreza.

Mas a introdução de riqueza material, que pode ser controlada pelos homens, forçou em muitos casos a mudança dos sistemas de linhagem matriarcal, para que se tornassem patriarcais.

O papel da religião

A visão de patriarcado descrita acima pode fazer parecer que o papel da religião é minimizado.

As religiões frequentemente estabelecem instruções sobre o sexo e a família. A poliginia, por exemplo, é aceita no islã, mas não no cristianismo. Mas as origens dos diversos sistemas culturais pelo mundo não podem ser simplesmente explicadas pela religião.

O islamismo surgiu no ano 610 em uma parte do mundo (a península arábica) então habitada por grupos de pastores nômades, onde a poligamia era comum. Já o cristianismo surgiu no império romano, onde o casamento monogâmico já era a norma.

Por isso, as instituições religiosas certamente ajudam a impor as regras, mas é difícil defender que elas tenham sido a causa original.

Por fim, a herança cultural das normas religiosas, ou de quaisquer outras regras, pode preservar preconceitos sociais hostis muito depois que a causa original já desapareceu.

O patriarcado está acabando?

O que está claro é que as normas, as atitudes e a cultura trazem enormes consequências para o comportamento das pessoas. Essas normas podem mudar e, de fato, mudam ao longo do tempo, principalmente em caso de alterações da ecologia ou da economia vigentes. Mas algumas normas ficam arraigadas ao longo do tempo e, por isso, sua mudança é lenta.

CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,

O controle da natalidade e os direitos reprodutivos das mulheres oferecem mais liberdade, tanto para as mulheres quanto para os homens

Ainda nos anos 1970, filhos de mães solteiras no Reino Unido foram retirados das suas mães e embarcados para a Austrália, onde foram colocados em instituições religiosas e oferecidos para adoção. E pesquisas recentes também demonstram como o desrespeito pela autoridade das mulheres ainda é generalizado nas sociedades europeias e americanas, que se orgulham da sua igualdade de gênero.

Isto posto, fica claro que as normas de gênero estão ficando muito mais flexíveis e o patriarcado é impopular junto a muitos homens e mulheres em grande parte do mundo. Muitos estão questionando a própria instituição do casamento.

O controle da natalidade e os direitos reprodutivos das mulheres oferecem mais liberdade, tanto para as mulheres quanto para os homens. Embora o casamento poligâmico agora seja raro, o acasalamento poligâmico é bastante comum e é visto como uma ameaça, tanto por incels - celibatários que odeiam mulheres - quanto por conservadores.

Além disso, os homens querem participar cada vez mais da vida dos seus filhos e apreciam não precisar ser os principais responsáveis pelo sustento das famílias. Por isso, muitos homens estão dividindo ou até assumindo todo o peso do trabalho de casa e da criação dos filhos.

Ao mesmo tempo, estamos vendo as mulheres mais confiantes, ganhando cargos de poder no mundo do trabalho.

Enquanto homens e mulheres geram cada vez mais sua própria riqueza, o velho patriarcado está achando mais difícil controlar as mulheres. A lógica do investimento dos pais orientado aos filhos homens fica muito prejudicada se as meninas tiverem o mesmo benefício da educação formal e as oportunidades de emprego forem abertas para todos.

É difícil prever o futuro. A história e a antropologia não progridem de forma linear e previsível. Guerras, fomes, epidemias ou inovações estão sempre surgindo, com consequências previsíveis e imprevisíveis para as nossas vidas.

O patriarcado não é inevitável. Precisamos de instituições que nos ajudem a resolver os problemas do mundo. Mas, se as pessoas erradas chegarem ao poder, o patriarcado pode se fortalecer.

* Ruth Mace é professora de antropologia do University College de Londres.

Texto publicado originalmente no portal da BBC News Brasil.


Marcos Santos | USP

Operação Maria da Penha faz mais de 12 mil prisões em um mês

Agência Brasil*

Em apenas um mês, policiais civis e militares dos 26 estados e do Distrito Federal prenderam 12.396 pessoas acusadas de matar ou agredir mulheres em todo o país. O cumprimento dos mandados e as prisões em flagrante ocorreram entre os dias 29 de agosto e 27 de setembro, no âmbito da segunda edição da chamada Operação Maria da Penha.

Durante o período, foram requeridas e/ou concedidas 41,6 mil medidas protetivas para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulheres e registrados 75.525 boletins de ocorrência policial.

Os resultados finais da ação foram divulgados hoje (7), em Brasília, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Responsável por coordenar, em âmbito nacional, a ação que envolveu cerca de 220 mil profissionais de segurança pública federais das 27 unidades federativas, o ministério informou que os estados onde o Disque 190 mais recebeu denúncias de casos de feminicídio e agressões domésticas foram São Paulo e Rio de Janeiro – respectivamente, 9.416 e 5.197.

“Os números demonstram que conseguimos salvar vidas e tiramos mulheres deste ciclo de violência”, disse o coordenador da operação, Julian Rocha Pontes. Em 2021, durante a primeira edição da Operação Maria da Penha, foram efetuadas 14,1 mil prisões e requeridas e/ou expedidas 39,8 mil medidas protetivas.

Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública destacou que, além do aspecto repressivo, a operação tem o objetivo de conscientizar a sociedade e fomentar e induzir a aprovação de políticas públicas destinadas a proteger as mulheres, além de estimular que as boas práticas implementadas pelos estados na proteção e acolhimento de mulheres vítimas de violência sejam reproduzidas.

A Lei Maria da Penha (11.340/2006 configura violência doméstica e familiar contra a mulher e qualquer ação ou omissão baseada no gênero que resulte na morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à vítima.

Como denunciar

O ministério também recomenda que, em caso de suspeita ou em que os direitos de qualquer mulher sejam violados, a vítima ou denunciante procure a delegacia de polícia especializada mais próxima. Ou ligue para os números de telefone 180, 190 ou 197. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas, todos os dias da semana.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), que apoia a Operação Maria da Penha, também mantém a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que oferece escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência, registrando e encaminhando denúncias, reclamações, sugestões ou elogios aos órgão competentes.

Estados e organizações sociais também oferecem auxílio às mulheres em situação de violência. Clique aqui e saiba onde mais é possível encontrar apoio.

Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


As patrulhas da polícia de moralidade têm a tarefa de garantir que as mulheres estejam usando o hijab corretamente

Protestos no Irã: 'polícia da moralidade' é alvo de ira após morte de mulher presa por causa de véu

A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia da chamada "polícia da moralidade" do Irã, provocou protestos furiosos, com mulheres queimando seus lenços em um ato de resistência contra o rígido código de vestimenta da República Islâmica e aqueles que o aplicam

As Gasht-e Ershad (Patrulhas de Orientação) são unidades policiais especiais encarregadas de garantir o respeito à moral islâmica e deter pessoas que consideram estar "indevidamente" vestidas.

De acordo com a lei iraniana, que se baseia na interpretação da Sharia pelo país, as mulheres são obrigadas a cobrir os cabelos com um hijab (véu islâmico) e usar roupas largas para disfarçar seus corpos.

Mahsa Amini supostamente havia deixado alguns fios de cabelo visíveis sob o lenço na cabeça e foi presa pela polícia em Teerã em 13 de setembro.

Ela entrou em coma logo após desmaiar em um centro de detenção e morreu três dias depois no hospital.

A força policial negou relatos de que os policiais bateram na cabeça dela com um bastão e a empurraram contra um de seus veículos.

Mahsa Amini morreu após ficar em coma por três dias enquanto estava sob custódia da polícia

Em uma rara entrevista, um policial da moralidade falou anonimamente à BBC sobre sua experiência trabalhando para a força.

"Eles nos disseram que o objetivo de estarmos trabalhando para as unidades da polícia de moralidade é proteger as mulheres", disse ele. "Porque se elas não se vestirem adequadamente, os homens podem ser provocados e prejudicá-las."

Ele disse que eles trabalharam em equipes de seis, compostas por quatro homens e duas mulheres, e se concentraram em áreas com alto tráfego de pedestres e onde multidões se aglomeram.

"É estranho, porque se vamos apenas orientar as pessoas, por que precisamos escolher um lugar movimentado que potencialmente significa que podemos prender mais pessoas?"

"É como se estivéssemos saindo para uma caçada."

O oficial acrescentou que seu comandante pode repreendê-lo ou dizer que ele não está trabalhando corretamente caso não identifique um número suficiente de pessoas em violação ao código de vestimenta e que acha particularmente difícil quando as pessoas resistem à prisão.

"Eles esperam que nós os forcemos a entrar na van. Você sabe quantas vezes eu chorei enquanto fazia isso?"

"Quero dizer a eles que não sou um deles. A maioria de nós é de soldados comuns cumprindo nosso serviço militar obrigatório. Eu me sinto muito mal."

Decreto pós-revolução

A luta das autoridades iranianas contra o "mau hijab" - o ato de usar um lenço na cabeça ou outra roupa obrigatória incorretamente - começou logo após a Revolução Islâmica de 1979, cujo objetivo principal era fazer com que as mulheres se vestissem com "recato".

Muitas mulheres já faziam isso na época, mas minissaias e cabelos descobertos não eram incomuns nas ruas de Teerã antes da derrubada do xá pró-Ocidente Mohammad Reza Pahlavi. Sua esposa Farah, que costumava usar roupas ocidentais, era considerada um exemplo de mulher moderna.

Protestos anti-hijab no Irã se estenderam por vários dias. Na foto, mulheres estão sendo protegidas por um grupo de jovens no terceiro dia de protestos em março de 1979

No entanto, poucos meses após a fundação da República Islâmica, as leis que protegiam os direitos das mulheres que haviam sido estabelecidas sob o governo do xá começaram a ser revogadas.

"Não aconteceu da noite para o dia, foi um processo passo a passo", diz Mehrangiz Kar, 78, advogada e ativista de direitos humanos que ajudou a organizar o primeiro protesto anti-hijab no país.

"Logo após a revolução, havia homens e mulheres nas ruas oferecendo véus gratuitos para mulheres embrulhados em papel de presente."

Em 7 de março de 1979, o líder da revolução, o aiatolá Ruhollah Khomeini, decretou que os hijabs seriam obrigatórios para todas as mulheres em seus locais de trabalho e que considerava as mulheres descobertas "nuas".

"Esse discurso foi recebido por muitos revolucionários como uma ordem para forçar o hijab na cabeça das mulheres", disse Kar, que agora vive em Washington DC, nos EUA. "Muitos pensaram que isso ia acontecer da noite para o dia, então as mulheres começaram a resistir."

Eles responderam imediatamente. Mais de 100.000 pessoas, a maioria mulheres, se reuniram nas ruas de Teerã no dia seguinte - Dia Internacional da Mulher - para protestar.

'Fomos criativos'

Apesar do decreto do aiatolá Khomeini, levou algum tempo para as autoridades decidirem o que era considerado uma roupa "adequada" para as mulheres.

"Não havia instruções claras, então [eles] criaram cartazes e faixas mostrando modelos, que foram pendurados nas paredes dos escritórios. Eles disseram que as mulheres deveriam seguir essas instruções [sobre usar um hijab] ou não poderiam entrar", explica Kar.

Em 1981, mulheres e meninas passaram a ser legalmente obrigadas a usar roupas "islâmicas" modestas.

Na prática, isso significava usar um xador - um manto de corpo inteiro, muitas vezes acompanhado por um lenço menor por baixo - ou um lenço na cabeça e um manteau (sobretudo) cobrindo os braços.

"Mas a luta contra o hijab obrigatório continuou em níveis individuais. Fomos criativos para usar o lenço na cabeça ou não cobrir o cabelo adequadamente", disse Kar.

"Toda vez que eles nos paravam, estávamos brigando."

Em 1983, o parlamento decidiu que as mulheres que não cobrissem o cabelo em público poderiam ser punidas com 74 chibatadas. Mais recentemente, acrescentou a pena de até 60 dias de prisão.

As autoridades, no entanto, têm dificuldade para que as leis sejam cumpridas desde então e mulheres de todas as idades são frequentemente vistas "ultrapassando os limites" em público usando casacos justos na altura das coxas e lenços coloridos empurrados para trás para expor os fios de cabelo.

Abordagem agressiva

A extensão em que essas regras foram aplicadas e a severidade das punições impostas variaram ao longo dos anos, de acordo com o presidente no poder.

O então prefeito ultraconservador de Teerã, Mahmoud Ahmadinejad, procurou parecer mais progressista na questão quando fazia campanha para a presidência em 2004. "As pessoas têm gostos diferentes e temos que servir a todos", disse ele em um entrevista na televisão.

Mas logo após sua vitória eleitoral no ano seguinte, o Gasht-e Ershad foi formalmente estabelecido. Até então, os códigos de vestimenta eram policiados informalmente por outras unidades policiais e paramilitares.

A polícia da moralidade é frequentemente criticada pelo público por sua abordagem agressiva, e as mulheres são frequentemente detidas e liberadas apenas quando um parente fornece garantias de que seguirão as regras no futuro.

"Fui presa com minha filha quando fomos parados por causa de nosso batom", disse uma mulher da cidade central de Isfahan à BBC.

"Eles nos levaram para a delegacia e pediram ao meu marido para vir e assinar um pedaço de papel dizendo que ele não nos deixaria sair sem um hijab".

Outra mulher, de Teerã, disse à BBC que uma policial afirmou que suas botas poderiam ser "eróticas demais" para os homens e a deteve.

"Liguei para meu marido e pedi que ele me trouxesse um par de sapatos", disse ela.

"Assinei um papel admitindo que estava usando roupas inadequadas e agora tenho ficha criminal".

Outros relatos de experiências com a polícia da moralidade, que foram compartilhados com a BBC, incluem espancamentos e punições mais cruéis e inusitadas.

Uma mulher disse que a polícia ameaçou colocar baratas em seu corpo durante uma de suas prisões.

Nova repressão

O presidente Ebrahim Raisi, um clérigo linha-dura que foi eleito no ano passado, assinou uma ordem em 15 de agosto para impor uma nova lista de restrições.

Elas incluem a introdução de câmeras de vigilância para monitorar e multar mulheres sem véu ou encaminhá-las para "aconselhamento" e uma sentença de prisão obrigatória para qualquer iraniano que questionar ou publicar conteúdo contra as regras do hijab online.

As restrições levaram a um aumento nas prisões, mas também provocaram um aumento no número de mulheres postando fotos e vídeos de si mesmas sem véu nas redes sociais - algo que se intensificou ainda mais nos dias seguintes à morte de Amini.

Masih Alinejad, jornalista e ativista agora radicada nos EUA, diz que os protestos que eclodiram desde a morte de Amini parecem profundamente pessoais.

Ao longo dos anos, ela fez várias campanhas virais contra as leis do hijab, e muitos, incluindo o governo, a veem como uma força instrumental por trás da agitação atual.

As mulheres começaram a tirar seus lenços e agitá-los no ar no funeral de Amini na cidade ocidental de Saqez no sábado.

Nos dias que se seguiram, elas saíram às ruas em todo o país e algumas foram filmadas incendiando seus hijabs e sendo aplaudidas por manifestantes masculinos.

"Quando elas fizeram isso, me lembrei da época em que as pessoas começaram a derrubar o muro de Berlim, é esse momento", disse Alinejad.

"O que me deixa muito emocionada e esperançosa é que esta é a primeira vez que essas meninas não estão sozinhas. Agora os homens estão juntos com as mulheres."

*Texto publicado originalmente no portal da BBC News Brasil.


A lei Maria da Penha estabelece que, após o registro de boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em no máximo 48 horas | Foto: Folhapress

Bolsonaro cortou 90% da verba de combate à violência contra a mulher

Thiago Resende,* Folha de São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) cortou em 90% a verba disponível para ações de enfrentamento à violência contra a mulher durante sua gestão.

O dinheiro destinado ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos para proteção das mulheres caiu de R$ 100,7 milhões, em 2020 —primeiro Orçamento inteiramente elaborado por Bolsonaro—, para R$ 30,6 milhões no ano passado. Neste ano, sobraram apenas R$ 9,1 milhões, de acordo com dados da pasta.

Para 2023, o governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento que prevê uma leve recuperação dos recursos, atingindo R$ 17,2 milhões. Na comparação com 2020, no entanto, ainda há uma queda acentuada (83%).

Essa verba é usada nas unidades da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres, que atendem vítimas de violência doméstica, com serviços de saúde e assistência. Além disso, tem o objetivo de financiar programas e campanhas de combate a esse tipo de crime.

Num esforço de tentar reduzir a rejeição do presidente no eleitorado feminino, a campanha de Bolsonaro tem dado destaque a ações do presidente nesta área —como a sanção de leis de interesse do público feminino.

Em materiais de campanha, Bolsonaro também tem prometido que vai ampliar os recursos para enfrentar a violência contra mulheres, caso ele seja reeleito. A proposta orçamentária reflete essa promessa, embora os valores ainda sejam distantes da verba destinada a essas ações no início do governo.

Além disso, as restrições de recursos presentes no projeto de Orçamento indicam que, no próximo ano, pode haver paralisação do serviço Ligue 180 —canal de denúncias de violência doméstica. A proposta prevê apenas R$ 3 milhões para a Central de Atendimento à Mulher.

Em média, são necessários R$ 30 milhões por ano para esse canal, que funciona 24 horas por dia e em 16 países, além do Brasil.

O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos justifica a redução de recursos com o argumento de que adota políticas transversais (que englobam diversas áreas). Por isso, afirma a pasta, ações setoriais como de igualdade racial também beneficiam mulheres.

No entanto, iniciativas da pasta, como promoção da igualdade racial, fortalecimento da primeira infância e educação em direitos humanos, já existiam desde o início do governo e mantiveram um patamar de próximo de R$ 2 milhões para cada área.

Jair Bolsonaro (PL), em cerimônia no Palácio do Planalto em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, em março deste ano - Pedro Ladeira - 8.mar.22/Folhapress

"O governo federal acredita que promove e articula políticas públicas universais de direitos humanos, com especial atenção às mulheres", disse a pasta.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março de 2020, início da pandemia no país, e dezembro de 2021, foram registrados 2.451 casos de feminicídios e 100.398 de estupro e estupro de vulnerável com vítimas do gênero feminino.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) ressalta que, no caso das Casas da Mulher Brasileira, que fazem o atendimento às vítimas, o corte na verba pode prejudicar o acompanhamento dado às mulheres, que muitas vezes precisam ser afastadas do seu agressor.

"Deveriam ser investidos mais recursos para que se reduza a violência e também para que as vítimas sejam atendidas. Essa política foi rapidamente desmontada nesse governo", disse Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

"O Bolsonaro vem tentando disputar o voto feminino, mas o machismo dele não é só no gesto, nas palavras, mas também nas prioridades orçamentárias do seu governo", disse a deputada federal e líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).

O partido fez um estudo do histórico das políticas para mulheres e concluiu que Bolsonaro foi o primeiro presidente a "não propor um programa específico que explicite o combate à violência contra a mulher" –os recursos para essa finalidade foram unificados ao programa de promoção e defesa de direitos humanos para todos.

Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou sobre o corte nos recursos para as medidas de enfrentamento à violência doméstica.

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tem ganhado cada vez mais protagonismo na campanha para tentar melhorar a imagem do presidente no público feminino.

A ideia é tentar minimizar a imagem machista do presidente dando voz a Michelle, que desde a convenção para oficializar a candidatura à reeleição faz discursos com apelo religioso e troca demonstrações de carinho com o marido.

Mas, no discurso, em Brasília, durante o 7 de setembro, o presidente, em cima de carros de som, pediu voto, reforçou discurso conservador e deu destaque a Michelle, com declarações de tom machista.

Em peça publicitária da campanha, o PL apresentou feitos de Bolsonaro às mulheres em seu mandato, como a sanção das leis Mariana Ferrer (que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos) e da violência psicológica.

Mas essas iniciativas foram propostas pelo Congresso —coube ao presidente apenas sancionar (confirmando a proposta do Legislativo).

"Se para alguns parece estranho que Jair tenha feito tanta coisa pela proteção das mulheres é porque não conhecem o presidente", disse Michelle em vídeo produzido na corrida eleitoral.

A locutora do vídeo também tenta suavizar a do presidente imagem ao dizer que "não é com discurso que o Jair demonstra respeito com as mulheres, é com realizações".

*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.


UNODC/Laura Rodriguez Navarro Meninas em comunidade indígena na Colômbia

Dia Internacional dos Povos Indígenas foca no papel da mulher

ONU News*

Este 9 de agosto é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O tema deste ano é o papel das mulheres indígenas na conservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais.

Em mensagem de vídeo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que elas são as guardiãs de sistemas tradicionais de alimentação e remédios naturais.

Desenvolvimento sustentável e voz das mulheres

Para Guterres, são também as mulheres indígenas que transmitem as línguas e as culturas dos povos indígenas e defendem o meio ambiente e os direitos humanos.

O chefe da ONU afirma que sem dar voz às mulheres indígenas será impossível alcançar equidade e sustentabilidade como previsto na Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável.

A ONU News ouviu a indígena e filósofa brasileira, Cristine Takuá, que falou do estado de São Paulo, sobre a data.

"Se hoje existem florestas, é porque os indígenas são guardiões, grandes sabedores, que dialogam com os espíritos, com as montanhas, os rios, as árvores, com todos os seres, animais, vegetais e minerais. O dia 9 de agosto deve ser lembrado como uma forma de resistência. Uma resistência onde todas as avós, todas as mães, no momento do parto, trazem as crianças ao mundo com uma sabedoria ancestral."

A ONU Mulheres lembra que a transmissão do conhecimento indígena é passada de geração a geração pelas mulheres como um valor imensurável.

Exploração de recursos indígenas sem autorização

E apesar do compromisso internacional para preservar e proteger a cultura e tradições indígenas, ainda existe exploração desses recursos. Em alguns países, objetos sagrados dos indígenas são usados, ameaçados ou patenteados para uso comercial sem autorização.

Para a agência da ONU, é preciso criar regimes legais para garantir que as mulheres indígenas possam ser beneficiadas de seu próprio conhecimento com reconhecimento internacional, evitando o uso ilegal por terceiros.

Por isso, as mulheres indígenas têm que ser parte do processo de decisão de como sua própria herança é usada, mantida e gerenciada.

Pnud Peru Indígenas em área protegida da Amazônia.

Biodiversidade e perspectivas

Em março, a Comissão sobre o Estatuto da Mulher encorajou Estados-membros a assegurar que as perspectivas de todas as mulheres e meninas indígenas e rurais fossem levadas em consideração.

A agência da ONU afirma que o conhecimento tradicional dos indígenas tem potencial na erradicação da pobreza, na segurança alimentar biodiversidade e para expandir o desenvolvimento sustentável.

*Texto originalmente publicado no ONU News. Título editado


A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em sessão de abertura do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, em 13 de junho de 2022. — Foto: Denis Balibouse/ Reuters

ONU se diz alarmada com ameaças a ambientalistas e indígenas no Brasil

Por g1

A alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, se disse preocupada com ameaças crescentes a ambientalistas e indígenas no Brasil.

Sem mencionar casos específicos, Bachelet falou do país no discurso de abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira (13) em Genebra, na Suíça.

Na sessão, ela chamou a atenção ainda para a ameaça de ataques a legisladores e candidatos às eleições do Brasil, particularmente negros, mulheres e pessoas LGBTQIA+, e para "casos recentes de violência policial e racismo estrutural" também no Brasil.

"No Brasil, estou alarmada por ameaças contra defensores dos Direitos Humanos e ambientais e contra indígenas, incluindo a contaminação pela exposição ao minério ilegal de ouro", declarou Bachelet. "Peço às autoridades que garantam o respeito aos direitos fundamentais e instituições independentes".

Sobre as eleições no Brasil, a chefe de Direitos Humanos da ONU pediu ainda garantias de que o processo seja "justo e transparente" e de que "não haja interferências de nenhuma parte para que o processo democrático seja alcançado".

Buscas por Dom e Bruno

Montagem com fotos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips — Foto: Divulgação/Funai e Reprodução Twitter/@domphillips

Na semana passada, de Direitos Humanos da ONU criticou a resposta do governo brasileiro ao desparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira no Vale do Javari, no Amazonas.

A porta-voz da agência, Ravina Shamdasani, afirmou que as autoridades brasileiras foram "extremamente lentas" para começar a procura por Phillips e Pereira, que sumiram quando iam de barco para a cidade de Atalaia do Norte.

O indigenista, que também já havia recebido ameaças, e o jornalista britânico o acompanhava em uma vistoria, para coletar material para um livro que escrevia sobre a Amazônia. Após o desaparecimento dos dois, no dia 3 de junho, associações locais denunciaram que o governo destacou alguns poucos soldados para procurar pela dupla e que as forças de busca, lideradas pela Marina, pelo Exército e pela Polícia Federal, demoraram para começar a sobrevoar a área.

Michelle Bachelet

Na sessão desta segunda-feira (13), Bachelet, que já foi presidente do Chile, anunciou ainda que não concorrerá à reeleição ao cargo de chefia dos Direitos Humanos da ONU, que ocupa há quatro anos.

*Texto publicado originalmente em g1


Mulher vive vulnerabilidade desde o momento que sai de casa, mostra pesquisa

Elas também são a parcela da população que declara sentir mais medo. E, para isso, não importa o meio de transporte que utilizem

Gabriela Bernardes / Correio Braziliense

Do momento em que saem até a hora de voltar para casa, as mulheres brasileiras são o grupo mais vulnerável à violência durante o percurso. Elas também são a parcela da população que declara sentir mais medo. É o que revela a pesquisa "Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade", realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva, com apoio da Uber e suporte técnico e institucional da ONU Mulheres.

Os dados do levantamento demonstram que 69% das mulheres já foram alvo de olhares insistentes e cantadas inconvenientes ao se deslocarem pela cidade. Nada menos que 35% já sofreram importunação/assédio sexual, e 67% das negras relataram ter passado por situações de racismo quando estavam a pé.

importunacao mulher andando na rua

Apesar de consideravelmente maior no sexo feminino, há uma sensação geral de insegurança durante os deslocamentos urbanos. Apenas 16% das mulheres e homens que circulam pela cidade utilizando as mais diversas modalidades de transporte sentem-se plenamente seguros.

A pesquisa aponta, ainda, que antes de sair de casa, as mulheres tomam muitas medidas preventivas e de segurança. Evitar o uso de alguns acessórios, dispensar um caminho mais longo ou demorado e evitar locais escuros estão entre os recursos que as brasileiras recorrem nos seus trajetos.

Os números do estudo revelam que pelo menos oito em cada 10 brasileiras fazem uso de alguma medida de segurança nos seus trajetos: 92% evitam sair à noite, 87% escolhem o lugar em que vão se sentar no transporte coletivo pensando na sua segurança e 96% evitam passar em local deserto/escuro.

As porcentagens de outras medidas de segurança adotadas pelas mulheres em comparação com homens também são altas. Oitenta e cinco por cento das entrevistadas pedem para que outras pessoas as esperem em casa ou aguardam notícias delas quando chegam ao destino, enquanto que no caso dos homens isso só é verificado por 68%. Além disso, enquanto 82% das mulheres evitam usar alguns tipos de roupa ou acessórios, a porcentagem masculina é de 72%.

Não importa se em transportes individuais ou coletivos, públicos ou particulares, as mulheres são abusadas e assediadas nos diversos meios de deslocamento pela cidade. A pé e de ônibus são as formas com maior incidência de casos, de acordo com a pesquisa. Ao menos 69% das mulheres já foram alvo de olhares insistentes e cantadas inconvenientes durante o trajeto e 78% temem isso no meio de transporte que utiliza.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/11/4965435-mulher-vive-vulnerabilidade-desde-o-momento-que-sai-de-casa-mostra-pesquisa.html


Fernando Gabeira: Absorvente e as regras do jogo

Mulheres afirmam, com razão, que, se os homens menstruassem, o caminho do projeto seria mais fácil

Fernando Gabeira / O Globo

É um tema que trata de uma questão íntima, mas se tornou um grande debate político: a distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres, presidiárias, mulheres em situação de rua. O projeto é de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE) e foi vetado por Bolsonaro.

Desde a década de 1960, alguns homens, como eu, foram alertados sobre a importância da menstruação na psicologia feminina. A aparição do livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo” nos despertou para essa e outras importantes realidades da vida da mulher. Lembro-me de sua célebre frase: é difícil sentir-se uma princesa com um pano ensanguentado entre as pernas.

O projeto aprovado na Câmara não se limita apenas ao marco psicológico da menstruação, mas também a sua dimensão social e econômica: milhares de estudantes pobres deixam de ir à escola por falta de absorventes adequados.

De uma certa maneira, o tema já foi discutido na administração de Fernando Haddad em São Paulo e no próprio governo Dilma. Não prosperou. Com o avanço da presença feminina na Câmara, foi possível aprovar o projeto, mas não está havendo, acho eu, o debate necessário com Bolsonaro.

Muitas mulheres afirmam, com razão, que, se os homens menstruassem, o caminho do projeto seria mais fácil. Não se pode aplicar o argumento à Câmara, onde a ideia triunfou apesar da maioria masculina.

Mas é aplicável a Bolsonaro, e há argumentos para isso. Quem acompanha, como eu, as declarações dele, sabe que, em muitos momentos, revelou preocupação com a higiene íntima masculina.

Talvez pela experiência em quartéis com soldados pobres e menos escolarizados, Bolsonaro acha que esse problema deveria ser abordado pelo governo. Segundo ele, por falta de água, sabão e uma campanha educativa, muitos homens deixam de lavar adequadamente o pênis, expondo-se a doenças e mutilações.

Bolsonaro não lê meus artigos, não ajudam sua autoestima, mas alguma pessoa próxima poderia despertar sua consciência, estimulando-o a abordar as duas questões simultaneamente e a financiá-las pelo SUS. Esses atalhos que o diálogo propicia são praticamente impossíveis no Brasil de hoje. Quase não se discute verdadeiramente.

Estou muito sensível a esse impasse porque leio no momento um interessante livro chamado “A armadilha da inteligência”, de David Robson.

A tese do autor é que pessoas inteligentes às vezes fazem coisas estúpidas, às vezes porque partem de um forte viés político, às vezes porque acham que sabem demais — enfim, é um longo estudo sobre o funcionamento do cérebro.

A parte que me interessa destacar: a tecnologia acaba dificultando nossa capacidade de raciocínio por causa do volume de informações que nos traz e, com ele, o hábito de navegar rapidamente entre elas. No momento em que discutimos o bombardeio de fake news, vale a pena examinar o combate por outro ângulo. Discutimos leis e mecanismos de controle.

Nos Estados Unidos, já existem alguns cursos universitários que ensinam a refletir sobre os fatos: quem disse isso, quais são suas fontes, quais as evidências, existem visões alternativas? — são algumas perguntas que, ao lado de mostrar lógicas falaciosas, também introduzem o aluno na leitura das estatísticas.

Em alguns casos, são estudadas as técnicas mais avançadas para enganar as pessoas. Um clássico exemplo é a indústria do cigarro, que financiou uma poderosa campanha para negar os efeitos do tabaco na saúde humana.

Essa tática foi transplantada para a negação do aquecimento global e esteve muito presente também não só no movimento antivacina, mas em vários aspectos da pandemia de coronavírus.

Alguns analistas com que concordo acham que será impossível escapar completamente das fake news, simplesmente porque não há tempo de examinar com um olhar crítico toda a informação que nos chega. Essa digressão foi apenas para acentuar que uma das maneiras de contornar os aspectos odiosos da polarização política não passa apenas pela crítica aos atores do processo.

Por meio da rapidez e do estímulo ao conflito, as grandes plataformas digitais envenenaram o mundo. O problema é como sair dessa.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/absorvente-e-regras-do-jogo.html