Bolsonaro cortou 90% da verba de combate à violência contra a mulher

Canal de denúncia Ligue 180 pode ficar sem dinheiro em 2023; campanha do presidente tenta reduzir rejeição entre eleitorado feminino
A lei Maria da Penha estabelece que, após o registro de boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em no máximo 48 horas | Foto: Folhapress
A lei Maria da Penha estabelece que, após o registro de boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em no máximo 48 horas | Foto: Folhapress

Thiago Resende,* Folha de São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) cortou em 90% a verba disponível para ações de enfrentamento à violência contra a mulher durante sua gestão.

O dinheiro destinado ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos para proteção das mulheres caiu de R$ 100,7 milhões, em 2020 —primeiro Orçamento inteiramente elaborado por Bolsonaro—, para R$ 30,6 milhões no ano passado. Neste ano, sobraram apenas R$ 9,1 milhões, de acordo com dados da pasta.

Para 2023, o governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento que prevê uma leve recuperação dos recursos, atingindo R$ 17,2 milhões. Na comparação com 2020, no entanto, ainda há uma queda acentuada (83%).

Essa verba é usada nas unidades da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres, que atendem vítimas de violência doméstica, com serviços de saúde e assistência. Além disso, tem o objetivo de financiar programas e campanhas de combate a esse tipo de crime.

Num esforço de tentar reduzir a rejeição do presidente no eleitorado feminino, a campanha de Bolsonaro tem dado destaque a ações do presidente nesta área —como a sanção de leis de interesse do público feminino.

Em materiais de campanha, Bolsonaro também tem prometido que vai ampliar os recursos para enfrentar a violência contra mulheres, caso ele seja reeleito. A proposta orçamentária reflete essa promessa, embora os valores ainda sejam distantes da verba destinada a essas ações no início do governo.

Além disso, as restrições de recursos presentes no projeto de Orçamento indicam que, no próximo ano, pode haver paralisação do serviço Ligue 180 —canal de denúncias de violência doméstica. A proposta prevê apenas R$ 3 milhões para a Central de Atendimento à Mulher.

Em média, são necessários R$ 30 milhões por ano para esse canal, que funciona 24 horas por dia e em 16 países, além do Brasil.

O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos justifica a redução de recursos com o argumento de que adota políticas transversais (que englobam diversas áreas). Por isso, afirma a pasta, ações setoriais como de igualdade racial também beneficiam mulheres.

No entanto, iniciativas da pasta, como promoção da igualdade racial, fortalecimento da primeira infância e educação em direitos humanos, já existiam desde o início do governo e mantiveram um patamar de próximo de R$ 2 milhões para cada área.

Jair Bolsonaro (PL), em cerimônia no Palácio do Planalto em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, em março deste ano – Pedro Ladeira – 8.mar.22/Folhapress

“O governo federal acredita que promove e articula políticas públicas universais de direitos humanos, com especial atenção às mulheres”, disse a pasta.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março de 2020, início da pandemia no país, e dezembro de 2021, foram registrados 2.451 casos de feminicídios e 100.398 de estupro e estupro de vulnerável com vítimas do gênero feminino.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) ressalta que, no caso das Casas da Mulher Brasileira, que fazem o atendimento às vítimas, o corte na verba pode prejudicar o acompanhamento dado às mulheres, que muitas vezes precisam ser afastadas do seu agressor.

“Deveriam ser investidos mais recursos para que se reduza a violência e também para que as vítimas sejam atendidas. Essa política foi rapidamente desmontada nesse governo”, disse Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

“O Bolsonaro vem tentando disputar o voto feminino, mas o machismo dele não é só no gesto, nas palavras, mas também nas prioridades orçamentárias do seu governo”, disse a deputada federal e líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).

O partido fez um estudo do histórico das políticas para mulheres e concluiu que Bolsonaro foi o primeiro presidente a “não propor um programa específico que explicite o combate à violência contra a mulher” –os recursos para essa finalidade foram unificados ao programa de promoção e defesa de direitos humanos para todos.

Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou sobre o corte nos recursos para as medidas de enfrentamento à violência doméstica.

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tem ganhado cada vez mais protagonismo na campanha para tentar melhorar a imagem do presidente no público feminino.

A ideia é tentar minimizar a imagem machista do presidente dando voz a Michelle, que desde a convenção para oficializar a candidatura à reeleição faz discursos com apelo religioso e troca demonstrações de carinho com o marido.

Mas, no discurso, em Brasília, durante o 7 de setembro, o presidente, em cima de carros de som, pediu voto, reforçou discurso conservador e deu destaque a Michelle, com declarações de tom machista.

Em peça publicitária da campanha, o PL apresentou feitos de Bolsonaro às mulheres em seu mandato, como a sanção das leis Mariana Ferrer (que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos) e da violência psicológica.

Mas essas iniciativas foram propostas pelo Congresso —coube ao presidente apenas sancionar (confirmando a proposta do Legislativo).

“Se para alguns parece estranho que Jair tenha feito tanta coisa pela proteção das mulheres é porque não conhecem o presidente”, disse Michelle em vídeo produzido na corrida eleitoral.

A locutora do vídeo também tenta suavizar a do presidente imagem ao dizer que “não é com discurso que o Jair demonstra respeito com as mulheres, é com realizações”.

*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.

Privacy Preference Center