direitos humanos

Foto: Jacqueline Lisboa/WWF-Brasil

Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas 

Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.

Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.  

Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.

Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial. 

Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online

No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.

É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia. 

No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.

São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.

No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.

O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. 

Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.

A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.

O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.

Veja, abaixo, galeria:

Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto: Daiara Tukano/Instagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
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Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
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Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar. 

Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.  

O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”

Sobre o autor

*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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scritório de Direitos Humanos/Anthony Headley Crianças passam por veículos destruídos durante o conflito em Bucha, na Ucrânia

Chefe de direitos humanos da ONU fala de impacto arrasador da guerra na Ucrânia

O alto comissário de Direitos Humanos da ONU encerrou, nesta quarta-feira, uma visita de quatro dias à Ucrânia. Em Kyiv, Volker Turk, participou de uma entrevista a jornalistas.

Ele se disse preocupado com a chegada de um “inverno longo e sombrio” no país e destacou o impacto arrasador da guerra nos direitos humanos.

Falta de alimentos

Turk disse que nestes quatro dias, com temperaturas abaixo de zero, ele testemunhou “os horrores, o sofrimento e o preço diário que esta guerra da Rússia contra a Ucrânia” tem sobre o povo.

Ele alertou que cerca de 17,7 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária e 9,3 milhões de assistência alimentar e subsistência. Um terço da população foi forçado a fugir de suas casas. Cerca de 7,89 milhões deixaram a Ucrânia, a maioria mulheres e crianças, e 6,5 milhões de pessoas estão deslocadas internamente.

O chefe de direitos humanos disse que, todos os dias, seu Escritório recebe informações sobre crimes de guerra, um aumento no número de civis que são atingidos, além dos danos e da destruição, que incluem hospitais e escolas, como ele mesmo viu em Izium.

Volker Turk ressalta que, durante o inverno, isso tem consequências terríveis para os mais vulneráveis, que estão lutando contra apagões, sem aquecimento ou eletricidade, que duram horas.

Ataques a civis

Na segunda-feira, durante a visita, Volker Turk precisou passar um tempo em um abrigo subterrâneo, quando pelo menos 70 mísseis foram lançados na Ucrânia, novamente atingindo a infraestrutura essencial e desligando a energia.

O representante também alertou que continuam surgindo informações sobre execuções sumárias, tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e violência sexual contra mulheres, meninas e homens.

O alto comissário conversou com as famílias dos prisioneiros de guerra, ouviu a dor dos pais daqueles que estão na linha de frente e soube da situação de pessoas com deficiência e idosos que não conseguem chegar a um abrigo seguro quando as sirenes de ataque aéreo disparam.

Turk visitou o local onde ficava um prédio de apartamentos que foi bombardeado em Izium, em Kharkiv, deixando mais de 50 pessoas enterradas sob os escombros. Ele também conversou com uma senhora que mostrou o prédio onde morava, agora destruído. Todos os seus vizinhos morreram.

Crimes de guerra

O chefe de Direitos Humanos da ONU afirma que os prisioneiros de guerra devem ser sempre tratados com humanidade desde o momento em que são capturados, e que esta é uma obrigação clara e inequívoca sob o direito humanitário internacional.

A missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia, chefiada por Matilda Bogner, divulgou nesta quarta-feira, um relatório que detalha as mortes de civis. O documento retrata o destino de 441 civis em partes de três regiões do norte, Kyiv, Chernihiv e Sumy, que estavam sob controle russo até o início de abril. Bucha foi a cidade mais atingida.

Volker Turk disse que seu escritório está trabalhando para validar as alegações de mortes adicionais nessas regiões e em partes das regiões de Kharkiv e Kherson, que foram recentemente retomadas pelas forças ucranianas. Ele afirma que “há fortes indícios de que as execuções sumárias documentadas no relatório constituem o crime de guerra de homicídio doloso”.

Ataques à rede elétrica

A situação humanitária na Ucrânia foi tema de uma sessão no Conselho de Segurança da ONU na terça-feira.

O subsecretário-geral de Assistência Humanitária, Martin Griffiths, disse que mais de 14 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas por causa do conflito.  Deste total, pelo menos 6,5 milhões se tornaram deslocadas internas e 7,8 milhões fugiram para outros países da Europa.

Desde o início da invasão da Rússia à Ucrânia, em 24 de fevereiro, 17.023 civis perderam a vida e 1.148 menores foram mortos ou feridos, mas o número real pode ser ainda mais alto.

Uma das maiores preocupações, é com a chegada do inverno e as temperaturas que devem baixar para -20°C, enquanto os ataques à infraestrutura do país continuam. Griffiths disse que as ofensivas às redes de energia elétrica do país por forças da Rússia criaram um novo nível de necessidade no conflito.

Texto publicado originalmente na ONU News.


A lei Maria da Penha estabelece que, após o registro de boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em no máximo 48 horas | Foto: Folhapress

Bolsonaro cortou 90% da verba de combate à violência contra a mulher

Thiago Resende,* Folha de São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) cortou em 90% a verba disponível para ações de enfrentamento à violência contra a mulher durante sua gestão.

O dinheiro destinado ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos para proteção das mulheres caiu de R$ 100,7 milhões, em 2020 —primeiro Orçamento inteiramente elaborado por Bolsonaro—, para R$ 30,6 milhões no ano passado. Neste ano, sobraram apenas R$ 9,1 milhões, de acordo com dados da pasta.

Para 2023, o governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento que prevê uma leve recuperação dos recursos, atingindo R$ 17,2 milhões. Na comparação com 2020, no entanto, ainda há uma queda acentuada (83%).

Essa verba é usada nas unidades da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres, que atendem vítimas de violência doméstica, com serviços de saúde e assistência. Além disso, tem o objetivo de financiar programas e campanhas de combate a esse tipo de crime.

Num esforço de tentar reduzir a rejeição do presidente no eleitorado feminino, a campanha de Bolsonaro tem dado destaque a ações do presidente nesta área —como a sanção de leis de interesse do público feminino.

Em materiais de campanha, Bolsonaro também tem prometido que vai ampliar os recursos para enfrentar a violência contra mulheres, caso ele seja reeleito. A proposta orçamentária reflete essa promessa, embora os valores ainda sejam distantes da verba destinada a essas ações no início do governo.

Além disso, as restrições de recursos presentes no projeto de Orçamento indicam que, no próximo ano, pode haver paralisação do serviço Ligue 180 —canal de denúncias de violência doméstica. A proposta prevê apenas R$ 3 milhões para a Central de Atendimento à Mulher.

Em média, são necessários R$ 30 milhões por ano para esse canal, que funciona 24 horas por dia e em 16 países, além do Brasil.

O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos justifica a redução de recursos com o argumento de que adota políticas transversais (que englobam diversas áreas). Por isso, afirma a pasta, ações setoriais como de igualdade racial também beneficiam mulheres.

No entanto, iniciativas da pasta, como promoção da igualdade racial, fortalecimento da primeira infância e educação em direitos humanos, já existiam desde o início do governo e mantiveram um patamar de próximo de R$ 2 milhões para cada área.

Jair Bolsonaro (PL), em cerimônia no Palácio do Planalto em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, em março deste ano - Pedro Ladeira - 8.mar.22/Folhapress

"O governo federal acredita que promove e articula políticas públicas universais de direitos humanos, com especial atenção às mulheres", disse a pasta.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março de 2020, início da pandemia no país, e dezembro de 2021, foram registrados 2.451 casos de feminicídios e 100.398 de estupro e estupro de vulnerável com vítimas do gênero feminino.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) ressalta que, no caso das Casas da Mulher Brasileira, que fazem o atendimento às vítimas, o corte na verba pode prejudicar o acompanhamento dado às mulheres, que muitas vezes precisam ser afastadas do seu agressor.

"Deveriam ser investidos mais recursos para que se reduza a violência e também para que as vítimas sejam atendidas. Essa política foi rapidamente desmontada nesse governo", disse Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

"O Bolsonaro vem tentando disputar o voto feminino, mas o machismo dele não é só no gesto, nas palavras, mas também nas prioridades orçamentárias do seu governo", disse a deputada federal e líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).

O partido fez um estudo do histórico das políticas para mulheres e concluiu que Bolsonaro foi o primeiro presidente a "não propor um programa específico que explicite o combate à violência contra a mulher" –os recursos para essa finalidade foram unificados ao programa de promoção e defesa de direitos humanos para todos.

Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou sobre o corte nos recursos para as medidas de enfrentamento à violência doméstica.

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tem ganhado cada vez mais protagonismo na campanha para tentar melhorar a imagem do presidente no público feminino.

A ideia é tentar minimizar a imagem machista do presidente dando voz a Michelle, que desde a convenção para oficializar a candidatura à reeleição faz discursos com apelo religioso e troca demonstrações de carinho com o marido.

Mas, no discurso, em Brasília, durante o 7 de setembro, o presidente, em cima de carros de som, pediu voto, reforçou discurso conservador e deu destaque a Michelle, com declarações de tom machista.

Em peça publicitária da campanha, o PL apresentou feitos de Bolsonaro às mulheres em seu mandato, como a sanção das leis Mariana Ferrer (que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos) e da violência psicológica.

Mas essas iniciativas foram propostas pelo Congresso —coube ao presidente apenas sancionar (confirmando a proposta do Legislativo).

"Se para alguns parece estranho que Jair tenha feito tanta coisa pela proteção das mulheres é porque não conhecem o presidente", disse Michelle em vídeo produzido na corrida eleitoral.

A locutora do vídeo também tenta suavizar a do presidente imagem ao dizer que "não é com discurso que o Jair demonstra respeito com as mulheres, é com realizações".

*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.


Eleições 2022 | Crédito: Maurenilson Freire

Nas entrelinhas: Voto útil não leva ninguém a votar puxado pelo nariz

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.

A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.

O card é munição de baixo custo e alto impacto da campanha de Lula nas redes sociais, nas quais um vídeo do petista orienta seus apoiadores a intensificar a campanha, com aquele estilo inconfundível de líder sindical acostumado a agitar assembleia de trabalhadores com palavras de ordens e tiradas irônicas. “Quem gosta muito de telefone celular, quem fica agarrado o dia inteiro no celular, quem fica usando ‘zap’, fazendo tuíte, quem fica no Tik Tok, no Toc Toc, quem fica… sabe… é utilizar essa ferramenta para a gente conversar com as pessoas indecisas neste país, e pra gente mostrar a responsabilidade de mudar este país.”

Trecho de um discurso de palanque, o vídeo não é dos mais sedutores, mas funciona. A ordem é reproduzir cards, depoimentos, vídeos, tudo que possa de alguma forma esvaziar as candidaturas de Ciro e Simone. O problema é que o cidadão comum não vai votar levado pelo nariz por nenhum candidato. Não adianta terceirizar a responsabilidade. Não são as candidaturas de Ciro e Simone que vão inviabilizar uma vitória de Lula no primeiro turno.

Se o raciocínio for tão simples assim, Ciro e Simone também estão inviabilizando a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, no pressuposto de que os eleitores da chamada terceira via não têm preferência pelo petista. Essa é uma matemática que simplifica, mas não resolve, o problema eleitoral.

Lula queimou os navios com Ciro e vice-versa. O resultado prático pode ser o deslocamento do eleitor não-ideológico do pedetista para os braços de Bolsonaro. Simone está mais ao centro e vem fazendo uma campanha claramente anti-Bolsonaro. Seus eleitores poderiam derivar por gravidade para Lula no segundo turno. Mas como reagirão a esse tipo de ataque petista?

Para vencer no primeiro turno, tanto Lula como Bolsonaro teriam que seduzir os eleitores de centro. O presidente começa a se movimentar nessa direção, empurrado pelo fracasso da estratégia de confrontação ideológica, pelo resultado das pesquisas, pela orientação de seus marqueteiros e pelas pressões do Centrão, cujos políticos não são de pular na cova com o caixão.

Compromissos

Lula não quer conversa antes do segundo turno. Acredita que vencerá no primeiro sem ter que assumir compromissos políticos com essas forças, nos mesmos termos que assumiu com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu vice, e com Marina Silva. Qual a razão?

O Brasil é uma democracia de massas, com uma Constituição democrática de viés social liberal, e não social-democrata. Seu gesto em direção ao centro seria assumir compromisso com a democracia representativa e suas instituições de caráter liberal, não apenas abrir espaço para barganhas de natureza fisiológica, que serão inevitáveis quando precisar dos votos do Centrão, se for eleito.

Ciro tem um projeto neonacionalista, de viés desenvolvimentista, que estaria mais próximo do governo de Dilma Rousseff, que fracassou na política e na economia, do que do próprio governo Lula. A proposta mais populista de Ciro — renegociar as dívidas da população de baixa renda e “limpar” o nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) — foi encampada por Lula, antecipando-se a qualquer acordo que justificasse uma aliança entre ambos no segundo turno. Dificilmente haverá uma reaproximação entre ambos.

Simone tem um programa liberal social e um compromisso claro com o combate às desigualdades e à defesa dos direitos humanos. Sua agenda social é plenamente coincidente com a de Lula, mas a política econômica, não. O petista faz disso um mistério, mas todo mundo sabe que só há duas maneiras de enfrentar a crise fiscal: reduzindo gastos ou aumentando os impostos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-voto-util-nao-leva-ninguem-a-votar-puxado-pelo-nariz/

Dez anos de cotas raciais nas universidades (Foto: Agência Brasil)

71% dos estudos sobre cotas raciais avaliam política positiva, mostra análise

Geledés*

Levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas em 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro aponta que 71% dessas pesquisas avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais. Os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021.

Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram a política como “bastante positiva”, 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).

Esse é um dos achados que foram apresentados nesta quinta-feira no evento “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

Na primeira parte do evento, dedicada à importância das cotas, Sueli Carneiro, fundadora da Geledes – Instituto da Mulher Negra, defendeu a Lei de Cotas especialmente em um “cenário temerário que clama pela defesa intransigente de projetos de democratização da educação” no país.

— Queremos de volta aquela democracia de baixo impacto que, apesar dos pesares, nos garantiram avanços como a Lei de cotas. Que a coragem demonstrada pela sociedade no dia de hoje nos inspire a defender estas conquistas — afirma a filósofa e escritora que é pensadora central sobre o feminismo negro.

O consórcio, que inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj, foi criada, frisam os acadêmicos, como contraponto à “ausência de propostas do governo federal para a revisão da Lei de Cotas, prevista para este ano”. O grupo tem, entre seus objetivos principais, entender as consequências de uma década com a legislação em vigor no ensino superior, saber se os beneficiários conseguem concluir suas graduações e adentrar no mercado de trabalho, analisar trabalhos acadêmicos sobre o tema e comparar o desempenho entre cotistas e não-cotistas no momento em que entram nas universidades e durante a graduação.

A Lei das Cotas completa dez anos em 2022. No entanto, houve uma fase experimental que durou de 2002 a 2007, quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Depois disso, entre 2008 e 2011 o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal.

De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%. Os dados, amealhados pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas a partir de informações incluídas na Pnad Contínua, são de alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades através da Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas. Eles foram

— Neste período, também houve um aumento de quase 6% do número de pessoas que passaram a se identificar como pretos, pardos e indígenas no país, mas, sozinho, isso não explica tamanha mudança da cara do ensino superior brasileiro. As cotas, como apontam vários estudos produzidos desde 2012, foram fundamentais para aumentar o interesse destas pessoas pela universidade — diz o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-Uerj) e um dos 31 acadêmicos de sete universidades e oito grupos de pesquisa que criaram o Consórcio no fim do ano passado.

Uma das pesquisas destacadas no encontro desta quinta-feira, comandada pelas professoras de ciência política da UFMG Ana Paula Karuz e Flora de Paula Maia compara justamente o desempenho médio de cotistas e não-cotistas no Enem de ingressantes em todos os cursos da universidade (admitidos entre o primeiro semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020) com o desempenho acadêmico no mesmo período. O resultado mostra uma desvantagem significativa dos alunos cotistas pretos, pardos e indígenas de baixa renda em relação aos não-cotistas que não se repete na média da nota semestral global de graduandos da UFMG, em que a diferença se esvai.

— Fica claro que a desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influem no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes — diz Campos, que é coordenador do Observatório das Ciências Sociais (OCS) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas.

Já Ana Paula Karruz, explica que a diferença de desempenho é de apenas 5 pontos numa escala de 0 a 100, em 85 dos 86 cursos analisados.

— A mensagem é clara, uma vez que entram na universidade o desempenho é muito próximo. A lição da UFMG é que não prestamos qualquer apoio às ideias de que haveria queda acadêmica. O foco é o oposto: há um desempenho superior, se relacionado diretamente às notas do Enem — afirmou Ana Paula Karruz, da UFMG.

Um dos casos mais interessantes apresentados no encontro foi o da UFSC, instituicao publica no estado mais branco do país. Em 2005, 8.5% dos estudantes da instituição eram negros para uma população de 11,7% de negros. Com a adoção da lei de cotas em 2008 o quadro foi mudando e em 2000 os números se equipararam: 18.8%. Mais: no curso de Medicina, de 2008 a 2012 apenas 3% dos médicos formados eram negros, de 2017 a 2021 passou para 23%.

— Buscar essa igualdade entre estudantes e o números de pretos e pardos na população era o mínimo que queríamos fazer em uma universidade pública. Mas talvez foi possível conseguir este aumento neste período porque o número de beneficiados não passa de 20%, a grita é menor — afirma o professor Mauricio Tragtenberg, da UFSC.

Outra pesquisa inédita mostrou o aumento do número de estudantes pretos, pardos e indígenas em todas as universidades federais, de 2012 a 2016. Os números mostram o aumento especialmente em cursos tradicionalmente classificados como “de elite”, como Relações Internacionais, Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia

— Os números mostram que as políticas afirmativas aplicadas não criaram guetos de exclusão — afirmou o pesquisador Adriano Senkevics, do INEP.

Senkevics também lembrou que a velocidade do avanço de entrada de estudantes de classe C, D e E (menos favorecidas) diminuiu nos últimos anos e que a pandemia deve ser um fator para a desaceleração, mas faltam dados para se confirmar esta percepção e entender essa detecção “preocupante”.

Outro estudo, qualitativo, do sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas, do IESP-Uerj, e do cientista político João Feres Júnior, também da Uerj, concluído em maio, mostra, através de entrevistas com os graduandos, como as cotas raciais na instituição fluminense ultrapassaram os benefícios individuais e aumentaram a disseminação de valores antirracistas.

O racismo se tornou mais perceptível nas vidas de estudantes pretos e pardos, por exemplo, ao passarem a circular em espaços nos quais a presença de negros ainda é minoritária, e no próprio processo de aprendizado social que os levam a articular melhor a dimensão do problema. Os efeitos sociais e políticos da disseminação de valores antirracistas, proporcionados pelas cotas, ultrapassa, defendem os pesquisadores, os portões das universidades e chega, como revelam os depoimentos, às famílias e locais de trabalho dos beneficiados.

Amparado por pareceres de diversos juristas e da ONG Conectas Direitos Humanos, o Consórcio defende que a Lei de Cotas, não pode, de forma alguma, ser suspensa se a revisão prevista para este ano for adiada para 2023. Na avaliação de especialistas em ensino superior, a lei em vigor não prevê sua revogação após dez anos, mas sim uma reavaliação. Hoje, 109 universidades públicas adotam algum tipo de ação afirmativa, contra 79 em 2012 e apenas 6 em 2003.

— Há mais pessoas negras e pobres na universidade pública? Sim. Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica. Nossa avaliação é a de que o saldo é claramente positivo e que melhorias pontuais podem ser propostas e feitas a partir de dados e pesquisas – diz Campos.

*Texto originalmente publicado no Geledés.


Dia do fim da censura no Brasil | Foto: Golden Dayz/ Shutterstock

Coluna Leitura Finalizada: Dia do Fim da Censura no Brasil

Renata Camurça*, News Rondônia

Em vários períodos na história, o Brasil foi privado do direito ao acesso livre à informação e a livre manifestação de opinião. Deixou de ser uma sociedade democrática quando censurou a prática do jornalismo, proibiu livros, apresentações teatrais, festivais musicais, pronunciamentos políticos, religiosos etc. Nessa época, muitos artistas, autores e jornalistas foram perseguidos, presos, torturados e obrigados a desistirem de seus ideais.

Para que a democracia retornasse, o nosso direito fundamental à liberdade de expressão fosse garantido e afastasse definitivamente a censura foi elaborada e assinada a nova Carta Constitucional. O direito à livre expressão foi irrevogavelmente colocado na Constituição e outorgada em 3 de agosto de 1988, por isso celebramos o dia do fim da Censura no Brasil.

Essa data pede uma reflexão sobre a importância da garantia desse direito e relevância da imprensa para a sociedade, com o dever de fiscalizar o exercício da atividade pública, bem como informar a sociedade sobre abusos de poder e crimes praticados por membros de instituições públicas.

Como somos uma coluna sobre leitura comemoramos datas listando livros, confira alguns livros censurados no Brasil:

Publicado como folhetim na revista Status, em 1980, certamente é o trabalho mais ousado da escritora apaixonada por temas eróticos, considerada uma das escritoras que mais vendeu livros no Brasil, na década de 1970. Cassandra Rios foi duramente perseguida pela censura.

O livro conta a história de uma cidade que prosperou devido à lenda de Roque Santeiro, um garoto que teria morrido para salvar a população dos cangaceiros, porém quando Roque retorna à cidade, sua presença passa ameaçar a continuidade da mentirosa lenda, o que não é interessante para o poderoso fazendeiro Sinhozinho Malta. Baseado no livro, a novela Roque Santeiro, foi censurada em 1975. Apenas em 1985, a novela pode ser lançada.

Foi o primeiro livro a ser censurado no Brasil, em 1966. Para o governo da época, a obra era considerada um ataque à sagrada instituição da família brasileira, quando, na verdade, o livro é um romance que aborda a história do casamento dos personagens Glorinha e Teófolo, em que o médico amigo da família conta ao pai da noiva que viu seu futuro genro beijando outro homem.

Viva a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e da comunicação!

Boa leitura!

*Texto originalmente publicado no News Rondônia.


O antirracismo na prática | Foto: digitalskillet /Shutterstock

O antirracismo na prática e o tratamento diferenciado às pessoas brancas

Geledés*

Se você é uma pessoa branca e ainda não leu Grada KilombaSueli Carneiro, Lélia GonzalezCida BentoÂngela Davisbell hooks ou Frantz Fanon talvez você esteja longe de exercer seu antirracismo de modo pleno e consciente. Por outro lado, entendo que apenas ler essas autoras e autores não faz de ninguém antirracista automaticamente, até porque, para este tipo de luta, é preciso bem mais que um envolvimento intelectual, mas acredito que ao lê-los, há grandes chances de você, pessoa branca, compreender com mais profundidade as nuances e sutilezas do racismo e, assim, captar as camadas dos argumentos e ações racistas com mais precisão.

Toda vez que vemos episódios de racismo ganhar espaço nas redes e nas grandes mídias geralmente são casos emblemáticos, como xingamentos e agressões racistas. Raramente vemos associados à outras cenas menos explicitas, mas tão violentas quanto. Digo isso, porque as “micros violências” que negros e negras são submetidos todos os dias não ganham relevância nem destaque. Por isso que, para além de denunciarmos esses casos nefastos de racismo explicito, é necessário também um aprofundamento nessa questão e que passa pela leitura dos autores e autoras que citei no início desta coluna.

Dias atrás, veio à tona mais um desses episódios assombrosos de racismo explícito. O caso envolvendo os filhos dos atores Giovana Ewbank e Bruno Gagliasso, rendeu aplausos e apoio público, principalmente à Giovana que partiu para cima de uma senhora racista, em Portugal. Aliás, muito simbólico que este caso tenha acontecido em terras portuguesas, o que demonstra que o país também precisa discutir com mais profundidade e urgência as questões raciais. Creio que Giovana fez o que tinha de ser feito: disse tudo que uma racista deve ouvir. O que evidencia uma postura ética de quem de fato não aceita o racismo de forma alguma.

Portanto, não há dúvidas de que Giovana exerceu o antirracismo na prática, tanto nas palavras, quanto nas ações. Foi de certo modo uma atitude bem didática de como pessoas brancas podem agir diante do racismo. Além disso, o fato de o episódio envolver crianças gerou ainda mais comoção e indignação. Em poucas horas a internet sacudiu com elogios à Giovana e mensagens de apoio. Lembrando também que essa não foi a primeira vez que o casal passou por situações parecidas como essa, por causa de seus filhos negros.

O fato é que o tratamento de apoio dado à Giovana também revela o quanto o privilégio branco incide até nestes momentos de denúncia, porque mostra o quanto esse mesmo privilégio pode mascarar a luta antirracista. Isto significa dizer que, pessoas brancas e famosas como é o caso de Giovana e Bruno, expõe uma sociedade que reconhece com mais facilidade e empatia a luta contra o racismo quando os protagonistas dessa luta são brancos. Essa constatação, por outro lado, não invalida e nem deve servir para inibir outras pessoas brancas de agirem com firmeza diante do racismo.

Pois a questão que se coloca aqui é a de que não há uma igualdade de tratamento entre brancos e negros mesmo quando estão do mesmo lado na luta antirracista. Porque não esqueçamos que homens e mulheres negras são vítimas dessas violências todos os dias, mas dificilmente ganham adesão e apoio popular nesta proporção. Isso quando não são qualificados como agressivos ou que não sabem dialogar. Em outras palavras, uma pessoa branca pode dizer o que quiser diante de um racista, pode pôr o dedo na cara sem qualquer receio de retaliação, ou de ser acusada de barraqueira, o que muito provavelmente não aconteceria com uma mulher negra na mesma situação.

Reforço que acho bastante positivo que Giovana tenha tido essa postura diante de um episódio de racismo e que se utilizou do seu lugar de privilégio e de prestígio para a luta antirracista. No entanto, não percamos de vista que ainda estamos longe, muito longe de uma igualdade racial no Brasil.

*Texto publicado originalmente no Geledés.


Armas de fogo | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

Nas entrelinhas: Conceito de “inimigo objetivo” estimula a violência política

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O marco de afirmação dos Direitos Humanos foi a Declaração de 1948, da Organização das Nações Unidas (ONU). Inspirada na declaração francesa de 1789 e na declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é fruto do trauma provocado pela Segunda Guerra Mundial, principalmente pelo genocídio nazista. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito”, proclama o primeiro artigo da Declaração, que enumera em 30 pontos os direitos humanos, civis, econômicos, sociais e culturais inalienáveis e indivisíveis. O texto foi aprovado em Assembleia da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha.

A globalização desses direitos parte da ideia de que sua violação em qualquer lugar repercutiria nos demais. A Convenção da ONU de 1965 para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, são exemplos desse entendimento. A origem dessa compreensão é a violência nazista. A “racionalidade” no campo de concentração em Auschwitz, na Polônia, levou à discussão do tema do mal sob dois aspectos: o mal ativo, infligido pela violência prepotente e sem limites do poder, e o mal passivo, sofrido por aqueles que padecem uma pena sem culpa, no qual se enquadram os preconceitos de gênero e o racismo.

O genocídio foi o maior delito até agora perpetrado por homens contra outros homens. Entre o horror da guerra e o horror do genocídio existe uma diferença de natureza: a guerra pode conduzir ao extermínio, mas o seu fim é a vitória, não o extermínio. No genocídio organizado e premeditado, o extermínio foi o fim em si mesmo. Nas suas reflexões sobre o julgamento do criminoso nazista Adof Eichmann, em Jerusalém, Hannah Arendt mostrou que o conceito de “inimigo objetivo” alimentou esse fim: “o ódio racional, o ódio voltado não contra esta ou aquela pessoa, mas contra um genus e, portanto, contra todos aqueles que pertencem àquele genus independentemente do fato de nos terem trazido algum dano”.

Segundo Arendt, “não existe uma culpa coletiva. A culpa coletiva, admitindo que seja lícito usar essa expressão, é sempre uma soma, grande ou pequena, de responsabilidades individuais”. Já a responsabilidade coletiva tem outra característica: é política e envolve uma preocupação que não é com o próprio ser, mas com o mundo. Chegamos ao ponto que nos interessa, no caso do petista assassinado na sua festa de aniversário por um bolsonarista. Aconteceu em Foz do Iguaçu (PR), mas poderia ser em qualquer outro lugar do país onde houvesse homens armados, mesmo que policiais, supostamente treinados para empregar o uso proporcional da força no exercício da segurança pública e em defesa dos direitos humanos.

Armas de fogo

O conceito de “inimigo objetivo” alimenta a violência política. A narrativa dos grupos de extrema-direita bolsonaristas, cujo ódio aos petistas é generalizado, não é contra uma pessoa, mas contra todos os adversários. Mesmo quem é um liberal que discorde do governo é tratado como inimigo nas redes sociais. A narrativa política do presidente Jair Bolsonaro disseminou o conceito entre seus apoiadores. O caso de Foz do Iguaçu é um evento gravíssimo, porque mostra a ultrapassagem de uma guerra virtual nas redes sociais para um contexto de confrontos físicos.

Isso já estava sendo observado em manifestações e comícios, porém era inimaginável numa festa de aniversário, que reunia familiares e amigos. A radicalização política de indivíduos armados, que estão se mobilizando para a luta política por meios truculentos, é um fato perturbador do processo eleitoral e uma ameaça ao Estado de Direito democrático. A Constituição de 1988 se fundamenta nos direitos humanos. O estímulo generalizado ao porte de armas e à justiça pelas próprias mãos, quando parte do Presidente da República, transforma a violência em política de Estado. A expressão material dessa política está no aumento vertiginoso de armas em poder da população.

Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública registra 1.490.323 armas de fogo com cadastro no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), um crescimento de 21% dos índices de 2021 em relação a 2020, que tinha 1.233.745 unidades. Desse total, 243.806 armas estão no Distrito Federal, que lidera como a unidade federativa com o maior número de registros. São Paulo registrou 50 mil armas de fogo a menos, com uma população 15 vezes maior. Em 2017, o DF tinha 35.693 armas particulares. O crescimento do número de registros de armas de fogo no DF foi de 583%. Nenhuma outra unidade federativa cresceu mais. Estamos falando da capital do país, não dos grotões.

O engajamento de indivíduos armados nas disputas políticas precisa ser desencorajado. Se essa iniciativa não parte do governo federal, como deveria, a sociedade deve reagir. Aliás, já está reagindo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-conceito-de-inimigo-objetivo-estimula-a-violencia-politica/

Contra a LGBTfobia | Foto: Jo Panuwat D/Shutterstock

Dia do orgulho LGBTQIA+: o que foi a revolta de Stonewall

BBC News Brasil*

Os frequentadores do famoso bar Stonewall Inn, no bairro de East Village, em Nova York, se surpreenderam na virada de 2018 para 2019 ano quando uma mãe e seu filho adolescente subiram ao palco do local após a meia-noite para apresentar um número musical.

Antes de entoar os versos de Material Girl com David Banda, seu filho de 13 anos ao violão, Madonna fez um discurso explicando por que estava ali naquela noite de Réveillon.

"Estou aqui orgulhosamente no lugar onde o Orgulho começou, o lendário Stonewall Inn, no nascimento de um novo ano. Unimo-nos esta noite para celebrar os 50 anos da revolução!", falou, gravada por muitos celulares. "Nunca vamos nos esquecer dos motins de Stonewall e daqueles que se levantaram e disseram 'Basta!'"

E prosseguiu: "Nossos irmãos e irmãs antes de nós não eram livres para celebrar como estamos fazendo hoje à noite, e nunca devemos esquecer isso. Stonewall foi um momento decisivo na história, catapultando os direitos LGBT em conversas públicas e despertando o ativismo gay".

Imagem: reprodução/@madonna

O orgulho o qual a cantora se referia era o gay e a revolução, a revolta de Stonewall.

Esse evento ocorrido no bar Stonewall Inn em Nova York, nos EUA, em 28 de junho de 1969, é considerado o marco do movimento de liberação gay e o momento em que o ativismo pelos direitos LGBT ganha o debate público e as ruas.

É por causa da revolta de Stonewall que o orgulho LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual, Transexual, Travesti) é celebrado em junho — o Dia do Orgulho é na mesma data em que aconteceu o levante em Nova York, em 28 de junho.

Entre junho e julho, as principais cidades do mundo realizam suas paradas gay, com multidões nas ruas levantando a bandeira do arco-íris (símbolo do orgulho LGBT).

No primeiro ano da revolta de Stonewall, houve manifestações LGBT em Nova York, Los Angeles, San Francisco e Chicago, para relembrar a data. Em Nova York, os manifestantes caminharam 51 quarteirões, do East Village até o Central Park. No ano seguinte, a marcha para relembrar Stonewall chegaria à Europa, acontecendo também em Londres, em Paris, na parte ocidental de Berlim e em Estocolmo.

Bar Stonewall Inn
Em 2015, o bar Stonewall Inn foi declarado monumento histórico de Nova York; em 2016, tornou-se o primeiro monumento nacional aos direitos dos LGBT nos EUA

"Stonewall funda um novo tipo de movimento LGBT. Criou essa ideia do orgulho, das pessoas LGBT ocupando o espaço público, assumindo suas identidades e se orgulhando dessas identidades e de práticas de sexualidade e de gênero", afirma à BBC News Brasil Renan Quinalha, professor de Direito da USP (Universidade Federal de São Paulo), ativista de direitos humanos e um dos autores do livro A História do Movimento LGBT no Brasil.

Mas o que foi a revolta ou rebelião de Stonewall?

O bar Stonewall Inn

Na Nova York daquele ano de 1969, o bar Stonewall Inn, no East Village, era ponto de encontro dos marginalizados da sociedade — em sua maioria, gays.

Até 1962, relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os Estados americanos. Naquele ano, pela primeira vez, um Estado, o de Illinois, alterou seu Código Penal e a homossexualidade deixou de ser crime. Apenas em 1972 outros Estados começaram a fazer a mesma coisa. Em Nova York, isso aconteceria nos anos 1980. Somente em 2003 essa lei seria abolida de vez.

Nos anos 1960, o Stonewall Inn era um dos mais conhecidos bares gay de Nova York.

Diferentemente de outros lugares que também recebiam o público LGBT na cidade, ali a maioria dos frequentadores eram jovens da periferia, sem-teto (muitos que haviam deixado suas famílias por causa de preconceito, segundo relatos em livros) e drag queens.

A polícia fazia vista grossa ao estabelecimento porque seus donos, que tinham relação com a máfia, pagavam propina para que ele funcionasse. Os proprietários também aproveitavam para chantagear os frequentadores famosos ou com mais dinheiro.

O local não tinha licença para a venda de bebida alcoólica e não respondia a uma série de outras regulamentações como ter saída de emergência. E várias batidas policiais estavam sendo feitas em bares naquela época, principalmente para controlar quem podia vender álcool.

Pessoas participando da parada gay de São Francisco
As paradas do orgulho LGBT que acontecem todos os anos nas principais cidades do mundo começaram por causa da revolta de Stonewall

Revolta ou Rebelião de Stonewall

Na madrugada do dia 28 de junho de 1969, a polícia resolveu fazer mais uma batida no bar. Era a terceira vez em um espaço curto de tempo que policiais faziam essa ação em bares gays daquela área.

Nove policiais entraram no local e, sob a alegação de que a venda de bebida alcoólica era proibida ali, prenderam funcionários e começaram a agredir e a levar sob custódia alguns frequentadores travestis e ou drag queens que não estavam usando ao menos três peças de roupa "adequadas" a seu gênero, como mandava a lei.

Treze pessoas foram detidas. Algumas, ao serem levadas para a viatura, decidiram provocar os policiais fazendo caras e bocas para a multidão. A polícia então começou a usar de mais violência para fazê-las entrar nos carros.

A partir daquele momento, a multidão fora do Stonewall Inn começou a jogar moedas nos policiais e, em seguida, garrafas e pedras. Também tentaram virar de cabeça para baixo uma viatura.

Os policiais fizeram uma espécie de barricada para se defender dos manifestantes e acabaram sendo encurralados dentro do bar.

Alguém atirou um pedaço de jornal com fogo dentro do Stonewall Inn, e começou um incêndio. Os policiais, que usavam uma mangueira para conter as chamas, decidiram também usar aquela água contra a multidão.

A partir deste momento, parte da comunidade gay de Nova York, que até então se escondia, foi às ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn durante seis dias.

Pela manhã, quando o último policial deixou o Stonewall Inn, a gerência do bar colocou um aviso de que o local voltaria a funcionar normalmente, e assim o fez. Mas os manifestantes foram para as ruas novamente protestar por seus direitos naquela e nas noites seguintes.

Os manifestantes demonstravam orgulho de ser quem eram e provocavam a ordem e a polícia, como relata o jornalista Lucian Truscott IV, na reportagem sobre a revolta publicada no jornal Village Voice. "Mãos dadas, beijos e poses acentuavam cada um dos aplausos com uma libertação homossexual que havia aparecido apenas fugazmente na rua antes", escreveu ele.

Em 2015, a Prefeitura de Nova York tornou o bar monumento histórico da cidade. Um ano depois, o ex-presidente Barack Obama decretou que o bar seria o primeiro monumento nacional aos direitos dos LGBTQ.

O coral de homens gay de São Francisco se apresenta em frente ao Stonewall Inn em Nova York
Coral de homens gay de São Francisco se apresenta em frente ao Stonewall Inn em Nova York

Importância para o movimento LGBT

A revolta ou rebelião de Stonewall foi um momento decisivo para o movimento de liberação gay. Seis meses após ela ocorrer, surgiriam as primeiras organizações nos EUA, como a Frente de Libertação Gay.

"Essa revolta acabou assumindo a imagem de um mito fundador pro movimento LGBT", diz Renan Quinalha, da USP.

"Não foi a primeira vez que houve assédio e violência policial contra a população LGBT. Esse é um problema crônico. É constitutivo da identidade LGBT essa relação com a violência de Estado, a violência LGBTfóbica diluída na sociedade."

Segundo Quinalha, o contexto histórico daquele momento nos Estados Unidos contribuiu para o levante em Stonewall.

"Stonewall reúne singularidades importantes. Acontece em 1969 após o movimento de libertação sexual, com uma série de condições específicas de Nova York, uma sociedade extremamemnte desenvolvida com uma série de contradições naquele momento. E acontece numa região do East Village que de fato era um bolsão, onde havia uma diversidade grande de pessoas, de migrantes, de latinos. Havia também (à época) um caldeirão em relação à desigualdade. Teve também a questão da mobilização contra a Guerra do Vietnã", explica.

"Uma série de condições faz com que Stonewall vire um episódio signficativo e bastante singular em relação ao que havia antes (no movimento LGBT). Havia lutas e resistência anteriores, havia o Mattachine Society, em São Francisco."

Stonewall repercutiu no Brasil?

Quando a revolta de Stonewall aconteceu, o Brasil passava por um dos piores momentos da ditadura militar. Menos de um ano antes, em dezembro de 1968, havia sido outorgado o Ato Institucional nº 5, que retirava uma série de liberdades civis e de direitos individuais e que fez aumentar a censura.

Naquele momento, Stonewall não fazia sentindo nenhum para o Brasil, segundo Quinalha. "A ditadura acabou atrasando em dez anos a emergência do movimento LGBT no Brasil", fala.

"Era um período de emergência de movimentos LGBT em países latinos e o Brasil também poderia (fazer parte), porque tinha condições pra que emergissem esses grupos, mas isso acaba não acontecendo por conta da repressão"

O autor e ativista diz que apenas em 1978 começa uma organização mais efetiva do movimento LGBT no país, no período de afrouxamento da ditadura.

Quinalha também conta que não havia um local no Brasil como o Stonewall Inn, que reunisse a comunidade daquela maneira. "Havia lugares de sociabilidade LGBT, de pegação, de interação, mas não havia um lugar que centralizasse tudo isso."

Do ponto de vista simbólico, no entanto, ele acredita que alguns episódios ocorridos no país possam ter uma espécie de vínculo com Stonewall. Por exemplo: quando no Dia do Trabalho de 1980, um grupo LGBT se une à classe trabalhadora num ato do movimento sindical, que estava sob intervenção da ditadura, na Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP).

O outro aconteceria em 13 de junho de 1980, quando várias pessoas protestaram contra a violência policial e o delegado José Wilson Richetti, que comandava ações de repressão. "Foi uma aparição pública forte do movimento LGBT."

'Pequeno Stonewall Inn' brasileiro

Quatorze anos depois da revolta de Stonewall haveria uma relação mais direta daquele evento com o movimento LGBT brasileiro. Em 19 de agosto de 1983, um protesto que ocorreria em um bar frequentado por mulheres gay em São Paulo, o Ferros's Bar, ganharia o nome de "O pequeno Stonewall Inn" brasileiro.

Na véspera, o dono do bar no centro de São Paulo (anos depois o local abrigaria outro famoso ponto da noite paulistana, o Xingu), que era referência para a comunidade lésbica, havia chamado a polícia e impedido algumas mulheres de vender no local uma publicação chamada "ChanacomChana", porque esta "atentava contra os bons costumes".

No dia seguinte, várias frequentadoras e ativistas invadiram o Ferro's para ler ali um manifesto em defesa dos direitos das lésbicas.

Em 2003, a data deste protesto, 19 de agosto, se tornaria o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil.

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil: Título editado.


A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em sessão de abertura do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, em 13 de junho de 2022. — Foto: Denis Balibouse/ Reuters

ONU se diz alarmada com ameaças a ambientalistas e indígenas no Brasil

Por g1

A alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, se disse preocupada com ameaças crescentes a ambientalistas e indígenas no Brasil.

Sem mencionar casos específicos, Bachelet falou do país no discurso de abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira (13) em Genebra, na Suíça.

Na sessão, ela chamou a atenção ainda para a ameaça de ataques a legisladores e candidatos às eleições do Brasil, particularmente negros, mulheres e pessoas LGBTQIA+, e para "casos recentes de violência policial e racismo estrutural" também no Brasil.

"No Brasil, estou alarmada por ameaças contra defensores dos Direitos Humanos e ambientais e contra indígenas, incluindo a contaminação pela exposição ao minério ilegal de ouro", declarou Bachelet. "Peço às autoridades que garantam o respeito aos direitos fundamentais e instituições independentes".

Sobre as eleições no Brasil, a chefe de Direitos Humanos da ONU pediu ainda garantias de que o processo seja "justo e transparente" e de que "não haja interferências de nenhuma parte para que o processo democrático seja alcançado".

Buscas por Dom e Bruno

Montagem com fotos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips — Foto: Divulgação/Funai e Reprodução Twitter/@domphillips

Na semana passada, de Direitos Humanos da ONU criticou a resposta do governo brasileiro ao desparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira no Vale do Javari, no Amazonas.

A porta-voz da agência, Ravina Shamdasani, afirmou que as autoridades brasileiras foram "extremamente lentas" para começar a procura por Phillips e Pereira, que sumiram quando iam de barco para a cidade de Atalaia do Norte.

O indigenista, que também já havia recebido ameaças, e o jornalista britânico o acompanhava em uma vistoria, para coletar material para um livro que escrevia sobre a Amazônia. Após o desaparecimento dos dois, no dia 3 de junho, associações locais denunciaram que o governo destacou alguns poucos soldados para procurar pela dupla e que as forças de busca, lideradas pela Marina, pelo Exército e pela Polícia Federal, demoraram para começar a sobrevoar a área.

Michelle Bachelet

Na sessão desta segunda-feira (13), Bachelet, que já foi presidente do Chile, anunciou ainda que não concorrerá à reeleição ao cargo de chefia dos Direitos Humanos da ONU, que ocupa há quatro anos.

*Texto publicado originalmente em g1


Bruno Araújo e Dom Philips | Imagem: reprodução/BBC News Brasil

O que se sabe sobre desaparecimento de jornalista britânico e indigenista brasileiro

Da BBC News Brasil*

O jornalista britânico Dom Phillips e o servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio) Bruno Araújo Pereira desapareceram quando se deslocavam de barco pelo rio Itaquaí após uma visita à Terra Indígena do Vale do Javari (Amazonas), território que tem sofrido com invasões de caçadores, pescadores e madeireiros.

O sumiço da dupla foi divulgado nesta segunda-feira (06/06) em uma nota assinada pela principal associação indígena do Vale do Javari (Unijava) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI).

A Polícia Federal, a Funai, o Ministério Público Federal e a Marinha estão envolvidos nas buscas.

Phillips e Pereira desapareceram após fazerem uma pausa numa comunidade ribeirinha, quando estavam fora da terra indígena e voltavam para a cidade de Atalaia do Norte, a principal da região, no oeste do Amazonas.

A Unijava e o OPI dizem que a equipe recebeu "ameaças em campo" durante a visita.

Em nota, os órgãos dizem que Pereira e Phillips viajaram em 3 de junho até um posto de vigilância indígena próximo a uma localidade chamada Lago do Jaburu, "para que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas".

No dia 5, segundo a nota, os dois deveriam voltar para Atalaia do Norte, mas antes fizeram uma parada previamente agendada na comunidade ribeirinha São Rafael para visitar um líder comunitário conhecido como "Churrasco".

O objetivo da parada era " consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território bastante afetado pelas intensas invasões".

Segundo a nota, a dupla chegou à comunidade São Rafael por volta das 6h. Como não encontraram o líder, conversaram com sua esposa e partiram rumo a Atalaia do Norte.

A viagem normalmente dura cerca de duas horas. "Assim, deveriam ter chegado por volta de 8h/9h da manhã na cidade, o que não ocorreu", dizem a Unijava e o OPI.

O jornalista britânico Dom Phillips
O jornalista britânico Dom Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos

Os órgãos dizem então que, às 14h, mandaram em busca da dupla uma equipe "formada por indígenas extremamente conhecedores da região".

A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaquaí, "mas nenhum vestígio foi encontrado".

"A última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel - que fica abaixo da São Rafael - com relatos de que avistaram o barco passando em direção a Atalaia do Norte", diz a nota.

Às 16h, dizem os órgãos, "outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado".

A nota diz que a ameaça recebida pela equipe na última semana "não foi a primeira".

Segundo as entidades, várias outras ameaças "já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Unijava, além de outros relatos já oficializados para a Policia Federal, ao Ministério Público Federal em Tabatinga, ao Conselho nacional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International".

O cunhado de Phillips publicou uma mensagem no Twitter em que a família "implora às autoridades brasileiras que enviem a guarda nacional, a polícia federal e todos os poderes à disposição" para encontrar o jornalista.

"Ele ama o Brasil e dedicou sua carreira à cobertura sobre a floresta Amazônica. Entendemos que o tempo é um fato crucial, então encontrem nosso querido Dom o mais rápido possível", escreveu Paul Sherwood, cunhado de Phillips.

Buscas

Em nota à BBC a Funai afirma que "acompanha o caso, está em contato com as forças de segurança que atuam na região e colabora com as buscas".

"Cumpre esclarecer que, embora o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira integre o quadro de servidores da Funai, ele não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares", acrescenta a entidade.

A Polícia Federal disse em comunicado que está trabalhando no caso. Informou ainda que duas testemunhas, cujos nomes não foram divulgados, foram ouvidas nesta segunda.

O Ministério Público Federal diz ter acionado a Polícia Federal, a Força Nacional, a Polícia Civil, a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari e a Marinha do Brasil. "Esta última já confirmou que conduzirá as atividades de busca na região, por meio do Comando de Operações Navais", diz o órgão em nota.

"O MPF seguirá intermediando as ações de buscas e mobilizando as forças para assegurar a atuação integrada e articulada das autoridades, visando solucionar o caso o mais rápido possível."

O Comando Militar na Amazônia afirmou que iniciou uma operação de busca na região do município de Atalaia do Norte com uma equipe de combatentes de selva.

Segundo o jornal O Globo, o governo federal está montando uma força-tarefa com agentes da Polícia Federal, oficiais da Marinha, do Exército, bombeiros, servidores da Funai, da Defesa Civil e da Força Nacional de Segurança em Tabatinga, no Amazonas. O governo federal no entanto ainda não confirmou oficialmente a informação.

Mas o governador do Estado do Amazonas, Wilson Lima, disse que determinou o envio de reforço policial especializado para a região de Atalaia do Norte para ajudar nas buscas.

O jornal The Guardian disse que "está muito preocupado" e buscando informações sobre o caso. "Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e com autoridades locais e nacionais para tentar esclarecer os fatos assim que possível."

Bruno Araújo Pereira junto com indígenas
O indigenista Bruno Araújo Pereira (ao centro), servidor da Funai que sumiu enquanto se deslocava de barco

Servidor experiente

Segundo a nota conjunta do OPI e da Unijava, "Bruno Pereira é pessoa experiente e profundo conhecedor da região, pois foi Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos". As entidades afirmam que a dupla viajava com uma embarcação nova, com 70 litros de gasolina, "o suficiente para a viagem".

Pereira é um dos servidores da Funai com mais conhecimento sobre indígenas isolados e de recente contato.

Segundo o jornal The Guardian, Phillips "está trabalhando num livro sobre o meio ambiente com apoio da Alicia Patterson Foundation".

O jornal acrescenta que Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos, colaborando com veículos como o ; próprio The Guardian, o Washington Post, o New York Times e o Financial Times.

Jonathan Watts, editor de meio ambiente do Guardian, escreveu no Twitter que Dom Phillips, é um "jornalista excelente" e "grande amigo". Ele cobrou autoridades brasileiras a agir para solucionar o caso.

https://twitter.com/jonathanwatts/status/1533816396387434497?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1533816396387434497%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.bbc.com%2Fportuguese%2Fbrasil-61711783

O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) diz ter contatado a Frente Parlamentar Indígena, que também teria se comprometido a cooperar com as investigações.

O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) diz ter contatado a Frente Parlamentar Indígena, que também teria se comprometido a cooperar com as investigações.

*Texto publicado originalmente no BBC News Brasil: Título editado


Arlindo Fernandes aborda direitos políticos e sistema partidário brasileiro

Servidor público, consultor legislativo do Senado Federal, palestrante do curso Jornada Cidadã foi assessor da Assembleia Nacional Constituinte de 1988

João Rodrigues, da equipe da FAP

Na Aula 02 do curso Jornada Cidadã, ministrada na noite desta quarta-feira (21), foram analisados os direitos civis e sociais e o sistema partidário a partir da Constituição de 1988. Arlindo Fernandes, servidor público, consultor legislativo do Senado Federal, também analisou temas como voto facultativo, fundo partidário e o cenário atual da política brasileira.

O curso, destinado a pré-candidatos para as eleições do próximo ano e suas equipes, segue com inscrições abertas por meio da plataforma Somos Cidadania.
          A aula completa está disponível no Youtube da FAP.

Confira o vídeo com parte da aula do professor Arlindo Fernandes.

https://www.youtube.com/embed/HZWDDpLBbuY