mulheres

O Brasil precisa olhar para as mulheres vítimas de violência

26% das vítimas de homicídio com emprego de arma de fogo em 2019 sofreram a agressão fatal em casa

Cristina Neme / El País

A violência contra a mulher é um fenômeno que afeta a sociedade globalmente, produz impactos do ponto de vista individual e social em diversas esferas, como saúde, educação, trabalho e renda, e cujos danos podem se estender por gerações. No âmbito da violência doméstica, prevalece aquela provocada pelo parceiro íntimo, que passa a se manifestar e a atingir as mulheres desde a juventude, avançando na fase adulta e comprometendo sua vida ao longo das fases reprodutiva e produtiva. Relatório global da Organização Mundial da Saúde estima que na região da América Latina e Caribe a violência provocada por parceiro íntimo atinge 25% das mulheres entre 15 e 49 anos.

No recente estudo elaborado pelo Instituto Sou da Paz, o comportamento dos indicadores criminais do estado de São Paulo durante o primeiro semestre de 2021, chama a atenção, por um lado, a redução geral de ocorrências violentas, como homicídios e roubos, e, por outro, o aumento de ocorrências de violência contra a mulher e de estupros, em comparação com o primeiro semestre de 2020. Se em 2021 os homicídios sofreram redução de 3% no estado, os homicídios de mulheres cresceram 2,6% e as lesões corporais dolosas contra mulheres, 5,4%. As ocorrências de estupro, que atingem majoritariamente as mulheres, também aumentaram, sobretudo as de estupro de vulneráveis, que correspondem a 77% desses casos de violência sexual e tiveram crescimento de 17,5% neste primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior.

É preciso observar esses indicadores no contexto da pandemia da covid-19, visto que o isolamento social afetou a dinâmica de crimes e violências. No primeiro semestre de 2020, quando tivemos o primeiro isolamento amplamente instituído, observou-se uma queda dessas ocorrências em relação a 2019, não só em São Paulo mas também em outros estados. Considerando que as agressões contra as mulheres e a violência sexual contra vulneráveis prevalecem no ambiente doméstico, nota-se que a queda nos registros de lesões corporais e de estupros durante o primeiro momento de isolamento social refletiu antes a subnotificação desses crimes do que sua redução. Com maior exposição e vulnerabilidade a violências que ocorrem dentro de casa e maior dificuldade de acessar canais institucionais para denúncia e atendimento dos casos, os registros sofreram uma redução expressiva no primeiro semestre de 2020.MAIS INFORMAÇÕESInstituto Sou da Paz: O acesso às armas é a única resposta de Bolsonaro para melhorar a segurança pública?

Assim, o aumento observado em 2021 sinaliza para uma retomada dos registros que vem resultar em estatísticas mais aproximadas da realidade, ou menos subnotificadas, dando visibilidade para a gravidade e recorrência desse tipo de violência. No Brasil, pesquisas de vitimização —como as realizadas pelo Datasenado, em 2019, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021— indicam que ao menos 1/4 das mulheres já sofreram algum tipo de agressão, que seu parceiro, companheiro ou ex-companheiro, prevalece entre os agressores, assim como a casa permanece como o principal local onde ocorre o evento violento. E que não chegam a 30% as vítimas que recorrem a instituições como a polícia ou o Disque 180 para fazer a denúncia.). A denúncia é um passo importante para romper o ciclo de violência que caracteriza a violência doméstica e pode se agravar até chegar ao feminicídio, que é o assassinato de mulheres por razões de gênero.

Em relação à morte violenta de mulheres, a partir de dados da saúde, estima-se que no país 1/3 dos assassinatos estão relacionados à violência de gênero, visto que provocados por um parceiro ou ex-parceiro e ocorridos em residências. Os dados da segurança pública, que passaram a ser produzidos a partir da Lei do Feminicídio (2015), se alinham à estimativa ao indicar que os casos de feminicídio corresponderam a 34,5% dos homicídios de mulheres brasileiras em 2020 e, no estado de São Paulo, essa proporção chegou a a 42% (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021).

Aqui um ponto merece atenção: a arma de fogo é o principal instrumento empregado no assassinato de mulheres, estando presente em cerca de 50% dos casos ocorridos nas últimas duas décadas, conforme indicado em outra análise do Instituto Sou da Paz sobre o Papel da Arma de Fogo na Violência contra a Mulher.

De modo geral a violência armada e os homicídios acontecem nas ruas, sobretudo no caso da vitimização masculina. Mas, entre as mulheres, chama atenção que 26% das vítimas de homicídio com emprego de arma de fogo em 2019 sofreram a agressão fatal em casa. Ainda, 40% das mulheres atendidas no sistema de saúde, vítimas de algum tipo de violência com arma de fogo que não resultou fatal, sofreram a agressão armada em casa —casa que se tornou em 2019 o principal local deste tipo de incidente, à frente da rua. Esses dados evidenciam o risco que a arma de fogo representa no agravamento dos conflitos interpessoais e domésticos ao contribuir para desfechos fatais e/ou danos graves à saúde das vítimas.

Frente à complexidade do problema, já temos grandes desafios para fortalecer e expandir as políticas públicas de enfrentamento da violência contra a mulher, garantindo a implementação de mecanismos de proteção e de acolhimento. No contexto atual, frente aos retrocessos na política de controle de armas, é preciso atentar para o risco que a facilitação do acesso às armas de fogo pode representar em relação ao agravamento dos conflitos interpessoais e da violência doméstica. Defender uma política responsável de controle de armas no país é também um requisito fundamental para avançarmos no enfrentamento da violência contra a mulher.

Cristina Neme é coordenadora de Projetos do Instituto Sou da Paz

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-05/o-brasil-precisa-olhar-para-as-mulheres-vitimas-de-violencia.html


Brasileiro quer mais mulheres na política, aponta pesquisa Ipsos

Apesar da baixa representatividade, País é o que mais defende participação feminina

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo

Números do Congresso confirmam o que um olhar já revela: embora sejam maioria entre a população, as mulheres têm cerca de 15% de representação política nas duas Casas legislativas, ocupando 12 das 81 cadeiras do Senado e 77 das 513 na Câmara. Para sete em cada dez brasileiros, no entanto, isso não deveria ser assim. O Brasil é o país que mais defende a participação feminina na política, segundo levantamento global feito pelo Instituto Ipsos.

Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores fizeram a mesma pergunta em 28 países: O mundo seria um lugar melhor, mais pacífico e bem-sucedido se mais mulheres estivessem no poder? A média global dos que responderam que sim é de 54%. Depois do Brasil, primeiro lugar no ranking com taxa de 70%, Peru e Colômbia empatam na segunda colocação. Ambos os países, porém, têm maior participação feminina na política que o Brasil. No Peru as mulheres são 40% do Parlamento, e na Colômbia, 19,7%. 

Homens e mulheres responderam de forma parecida ao levantamento. Em todos os países, as entrevistadas apresentaram maiores taxas de concordância à questão que os homens. A diferença foi de 12 pontos porcentuais na média global, e 10 no Brasil. 

Na pesquisa, online, foram ouvidos 19 mil entrevistados entre 16 e 74 anos, em todos os continentes. Os dados foram colhidos entre 23 de julho e 6 de agosto deste ano. A margem de erro para o Brasil é de 3,5 pontos porcentuais, para mais e para menos.

Embora o ímpeto seja culpar o eleitor, a disparidade começa antes do dia da eleição. Dados da plataforma 72 horas, que analisa a distribuição de recursos financeiros para campanhas, mostram que candidaturas de mulheres receberam 30% dos valores repassados pelos partidos em 2020. O valor foi apenas o suficiente para cumprir a lei que naquela eleição definia o repasse mínimo de 30% do fundo especial de financiamento de campanha para mulheres. https://datawrapper.dwcdn.net/3yzjT/6/

Segundo a especialista em financiamento de campanhas Fefa Costa, co-idealizadora da plataforma 72 horas, no ano passado observou-se um número muito baixo de representatividade feminina em todos os partidos. Muitas legendas nem chegaram a respeitar a cota, como é o caso do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), que destinou 17% dos recursos a candidaturas femininas. “O ideal seria que houvesse paridade. Precisamos falar de 50 a 50”, afirmou. “30% já é muito pouco perto da nossa real condição, e, mesmo assim, boa parte dos partidos não cumpre.”

Bônus. Proposta aprovada pelo Congresso em setembro deve contribuir para transformar esse cenário. A norma, promulgada no último dia 28, prevê um “bônus” financeiro para os partidos que mais conseguirem votos em candidatos negros e mulheres, o que já provocou uma “corrida” dos partidos para aumentar o número de candidaturas desses grupos. 

“Claro que todo avanço para a igualdade de gênero e racial é visto com bons olhos, mas é preciso entender o que acontece na prática”, avaliou Fefa. O mérito da proposta, segundo ela, é incentivar os partidos a impulsionarem candidaturas destes segmentos, conferindo mais visibilidade a lideranças que querem fazer parte do processo político, mas que carecem de apoio das legendas para ganhar relevância. “O ponto mais importante é se haverá transparência para que a sociedade e os próprios candidatos tenham meios para fiscalizar os recursos, saber se (a regra) é aplicada da maneira correta”.

A pesquisa do Instituto Ipsos chancela o interesse da população nesse tema, disse Helio Gastaldi, porta-voz da empresa no País. Ele afirmou que o “ambiente beligerante” da política brasileira não passa despercebido pela população, que valoriza a lógica parlamentar de busca pelo consenso. “O levantamento permite inferir que a maioria das pessoas não concorda com a hostilidade reservada às mulheres nos espaços de poder”, diz.  

“Vemos mulheres sendo tratadas de maneira agressiva. Pessoas que, em vez de debater a pauta que se apresenta, tentam desqualificar o interlocutor, no caso a mulher, e enfraquecer seus argumentos”, acrescentou Gastaldi. Exemplo disso aconteceu durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no mês passado, quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi chamada de “totalmente descontrolada” pelo depoente Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União (CGU). 

Quando acontecem longe das câmeras, casos como o da senadora Simone podem ser denunciados aos canais do Ministério Público Eleitoral de cada Estado. No âmbito da Câmara, as queixas também podem ser apresentadas à Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados. O órgão não recebe apenas denúncias de violência política, mas de não cumprimento das leis perante casos de violência doméstica e familiar.

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiro-quer-mais-mulher-na-politica-aponta-pesquisa-ipsos,70003860977


Por que as mulheres negras não podem parar de marchar

A luta do movimento das negras da Amazônia fica “imprensada entre o racismo do feminismo branco e o machismo do movimento negro”

Roberta Brandão / Amazônia Real

Belém (PA) – “Os nossos passos vêm de longe”, repetem como um bordão as mulheres negras. Na região Norte, mais especificamente na Amazônia paraense, a luta de mulheres negras é uma longa jornada que nasce a partir de lideranças ancestrais e se mantém viva até os dias atuais. Maria Felipa Aranha, liderança de um dos maiores quilombos do Brasil, o Mola, localizado em Cametá, nordeste do Pará, certamente foi uma das pioneiras. Na frágil documentação sobre o protagonismo das mulheres na maior revolução popular do país, a Cabanagem, surge o nome de outra Maria, Lira Mulata. As erveiras da Feira do Ver-o-peso, mulheres negras, afroamazônidas, remanescentes dos povos originários que usam a tecnologia de seu povo como uma espécie de contra poder se somam nessa caminhada. Assim como as militantes do Centro de Estudos do Negro do Pará (Cedenpa), associação composta 75% por mulheres negras, que combate o racismo há mais de quatro décadas.

Relembrar as Marias e tantas outras lideranças já se tornou uma tradição da Marcha das Mulheres Negras Amazônidas, que ocorre em Belém. Uma vez por ano elas saem às ruas da capital paraense para marcar os muitos passos longínquos e resistentes da caminhada de outras mulheres negras. Na sexta edição da marcha, foi o momento de celebrar as conquistas, mas também lutar pela garantia de direitos básicos.

A marcha anual em 25 de julho é uma alusão ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A importância da data surgiu em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras, na República Dominicana. E no Brasil, a data celebra também o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que resistiu à escravidão.

Neste ano, a marcha pode voltar a ser presencial, ao contrário de 2020, que precisou ser virtual por conta do momento de maior gravidade da pandemia do novo coronavírus. A satisfação de poder se reunir animou as cerca de 100 mulheres nas ruas e 20 na organização. Com máscaras PFF2 e álcool em gel, elas iniciaram a concentração da marcha no Quilombo da República (QR), um espaço preto simbólico. “A presença do QR, enquanto território de negritude é importante. Belém tem poucos espaços de negritude, a implementação do QR naquele espaço que, simbolicamente pela historiografia seria um antigo cemitério das pessoas escravizadas. A presença do QR é uma forma de demarcar o direito à cidade e a presença do território da negritude, por vezes, incomoda”, explica Maria Malcher, militante do Cedenpa há 11 anos.

O QR da República é um espaço de empreendedorismo e de manifestação da cultura afro. Atualmente, é um espaço que acolhe o coletivo de mulheres negras empreendedoras, Preta Paridas. São mais de 18 empreendimentos de mulheres pretas que vão desde tecidos vindo do continente africano até marcas autorais com designers amazônicos.

A luta nacional paraense

Cena da Marcha das Mulheres Negras Amazônidas
Professora Nilma Bentes na 6ª Marcha das mulheres Negras, em Belém (Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real)

Na capital paraense, a Marcha das Mulheres Negras Amazônidas foi iniciada em 2016. A partir da articulação da juventude do Cedenpa com a Rede Fulanas Negra da Amazônia Brasileira (NAB), uma rede composta por 250 mulheres negras, com as presenças de representantes dos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Tocantins e Rondônia e da Amazônia maranhense. Mas os passos iniciais da organização dessa marcha foram iniciados um ano antes, em Brasília, quando cerca de 20 mil mulheres negras e não brancas invadiram a Esplanada do Ministério lutando por políticas públicas.

A proposta dessa articulação pioneira de mulheres negras no âmbito nacional, que resultou na Primeira Marcha de Mulheres Negras, partiu da intelectual preta paraense,  Nilma Bentes. “A luta das mulheres negras fica imprensada entre o racismo do feminismo branco e o machismo do movimento negro”, explica Nilma, que nasceu em um bairro periférico de Belém e é uma das fundadoras do Cedenpa e cofundadora da Rede Fulanas.

Na verdade, a Marcha das Mulheres Negras foi proposta por Nilma Bentes algum tempo antes, em novembro de 2011, em um evento internacional que ocorreu na Bahia. Segundo a professora-émerita da Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA), militante do movimento negro desde 1980, Zélia Amador de Deus, o mais importante no episódio da realização da Marcha das Mulheres Negras foi o processo de articulação que antecedeu o ato. “O momento preparatório da Marcha abriu a oportunidade do encontro. Ativou a participação das mulheres negras do Norte. Foi um período muito frutífero. Fui ao Amazonas, no Amapá. Até hoje, existem grupos criados nesse período que se mantêm ativos”, explica Zélia.

Bianca Alves, que esteve na Marcha Nacional em 2015, no Distrito Federal, agora, em Belém, no ano de 2021, segura nos braços a filha Zola Ayana Nzinga, de 7 meses. Trancista há 12 anos, integra o Cedenpa e o Pretas Paridas. À Amazônia Real, ela afirma que foi simbólico participar da Marcha acompanhada da filha. “Nossos passos vêm de longe e vamos fazer com que as nossas dêem continuidade nisso, que é a sobrevivência, a nossa luta diária, mas também esse encontro, onde tem troca de afeto, fortalecimento emocional, psicológico, afetivo e financeiro”, diz Bianca, enquanto se equilibra entre trabalhar, alimentar e trocar a fralda da pequena, com auxílio do companheiro. 

O objetivo da Marcha é o de dar o protagonismo para as mulheres negras, e uma das formas é lutar pela visibilidade. Dentro do próprio movimento negro nacional, por vezes não se reconhece a negritude amazônica por causa da aproximação de território com a população indigena, explica Maria Malcher. Várias questões, assim, atravessam a Marcha, e uma delas é o racismo. “A gente não quer ser apenas cota, até porque a gente tem um modo de vida muito peculiar. A nossa negritude é diferente da do Rio Grande do Sul”, afirma. Ela considera um privilégio as mulheres negras amazônidas terem contato direto com mulheres indígenas. 

Segundo o último Censo publicado no ano  de 2010,  são 97.348.308 mulheres vivendo no Brasil, sendo que 27,8% delas são negras. Mas na região Norte, elas somam 7.859.539 de mulheres, ou seja, 72,6%  são mulheres negras. O Pará tem uma população feminina de 4.024.244 de mulheres negras (40,3%).

Para a professora Joana Chagas, a categoria raça é uma invenção do colonizador. “Isso é uma questão política do estado racista baseado no mito da democracia racial. ajudado por Gilberto Freyre, através da criação de um imaginário de uma relação amistosa entre o negro da senzala com as pessoas da Casa Grande”, afirma, para acrescentar: “São lógicas criadas que não permitem a emancipação desse sujeito racializado. Essa coloração diferenciada vai surgir não por conta de um cruzamento, mas devido à variabilidade humana. Como os colonizadores queriam criar uma categoria humana estabeleceu-se essa ideia de mestiçagem”.

No Brasil, o Censo adota a categoria pardo. “O colorismo é muito senso comum e não nos ajuda em nada. Foi a hegemonia que criou esse elemento identitário dentro da variabilidade humana”, avalia a professora.

Os 41 anos do Cedenpa

Cena da Marcha das mulheres Negras Amazônidas
Bianca Alves, na 6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021 – (Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real)

Em 10 de agosto, o Cedenpa comemorou 41 anos de sua fundação, sendo que pouco mais de duas décadas de sua existência foi atuando num bairro periférico da capital do Pará. A entidade já teve 60 militantes, onde 75% são mulheres. Atualmente, são 8 pessoas na coordenação, todas mulheres. Do Cedenpa, saíram nomes relevantes para o movimento nacional de mulheres negras, como a professora Zélia Amador de Deus, a engenheira agrônoma Nilma Bentes,  a  coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena do IFPA (Neabi), Maria Malcher, e a doutora em educação, Joana Chagas.

“Há 41 anos, a gente trabalha propondo políticas públicas para a eliminação do racismo através de políticas que envolvam a saúde, o meio ambiente, a área da cultura. Trabalhando com quilombolas e, particularmente, com as mulheres negras”, explica a professora Zélia. O Cedenpa faz parte da Articulação Nacional de Mulheres Negras (AMNB) e há mais de uma década promove o Encontro das Mulheres Quilombolas do Pará.

A associação tem atuação marcante no Legislativo, tendo participado ativamente pela inserção dos artigos 68 e 322 para a regularização das Terras Quilombolas. Na década de 1980, o Cedenpa organizou os encontros de Comunidades Negras Rurais e, posteriormente, de mulheres negras quilombolas. Até 2010, a entidade era organizadora deste evento, passando depois a ser co-organizado com a das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungo). 

Foi no Pará, no alto Rio Trombetas, que a primeira comunidade de remanescentes de quilombos recebeu o título coletivo e definitivo de suas terras, em 1995. Das 178 comunidades quilombolas no Brasil, 62 foram reconhecidas no Pará. O maior quilombo titulado do Brasil é o da comunidade de Cachoeira Porteira, em Oriximiná (PA). No Marajó, apenas em Salvaterra, 18 quilombos são titulados e ligados à coordenação da Malungo.

“Sempre houve resistência. Quando a população não servia mais ao colonizador, quando a tecnologia dessas populações não serviam mais ao capital, elas se insurgem. Quilombo vem de África, mas aqui tem proporções gigantescas por que junta esse povo da floresta, dos terreiros e das sociedades urbanas”, lembra a professora Joana Chagas.

Os esforços do movimento de mulheres negras no Pará foram refletidos nas últimas eleições. Quatro mulheres negras foram eleitas. Uma deputada federal, Vivi Reis (Psol), e as vereadoras Lívia Duarte (Psol), Bia Caminha (PT) e Enfermeira Nazaré (Psol). De acordo com a Organização Mulheres Negras Decidem, apenas 5% das vereadoras eleitas no Brasil são negras. No Pará, 9,5% das vereadoras são negras – o estado ficou à frente da Bahia que elegeu 8% de mulheres negras vereadoras.

As ações do movimento negro em despertar o orgulho e a consciência racial na população brasileira, através de políticas públicas, parecem estar surtindo efeito. Houve aumento de pessoas se declarando negras no último Censo, em 2010. Segundo um estudo apresentado pelo IBGE, de 2012 para 2018 houve aumento de 32% da população se declarando preta. 



6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
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6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
6ª Marcha das mulheres Negras Belém 2021. Foto: Nay Jinkss/Amazônia Real
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As lutas das mulheres negras 

O estudo liderado pelo Departamento de Engenharia Industrial do Centro Técnico Científico da PUC-Rio indicou que o número de pessoas pretas e pardas que morreram em decorrência da Covid 19 foi de 55%, enquanto que entre os brancos esse número ficou em 38%. No Pará, esse recorte se confirma.

Segundo informações cedidas pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) foram registrados, até o momento, 572.520 casos de Covid-19, sendo que deste total 305.838 foram de pessoas do sexo feminino. Deste contingente, pelo menos 62% foram de mulheres pretas ou pardas. A Sespa informa ainda que foram registrados 16.058 mortes, sendo amarela (55), Branca (803), Índigena (27), Parda (4.088), Preta (181) e não informaram (1.418).

Foi o caso da jornalista e estilista, Uliana Mota, que morreu em maio de 2020 vítima da Covid-19. Durante o seu tratamento no hospital e para os trâmites do enterro foi preciso que amigos fizessem uma vaquinha virtual para arcar com custos e dívidas que sobraram da doença. Uliana deixou uma filha de 13 anos, da qual era mãe solo e uma mãe idosa a qual ajudava na dinâmica financeira da casa. Segundo o IBGE, 64% das mulheres pretas e pardas criam filhos com ausência do cônjuge, enquanto o percentual de mulheres brancas nesta mesma situação é de 56%. 

Na ocupação do trabalho informal, as mulheres negras representam 46,9% desse universo. O serviço doméstico é ainda um cargo de mulher. No Brasil, apenas 1,1% dos homens deixou de trabalhar para cuidar do filho, casa ou algum ente que precise de cuidados. Mas 20,7% das mulheres já enfrentaram essa realidade. E as mulheres pretas representam o dobro das mulheres brancas exercendo essa atividade. A primeira vítima fatal de covid-19 no Brasil foi uma mulher preta e  empregada doméstica. Cleonice Gonçalves, 63, foi contaminada após o retorno da patroa da Itália.

Negras mães, chefes de família, trabalhadoras braçais e vítimas também do genocídio da juventude preta. São incontáveis chacinas nas periferias da capital paraense. A família de Keyvison de Freitas Lima precisou enterrá-lo com apenas 11 anos, em julho deste ano. O menino foi vítima de bala perdida, no bairro do Barreiro, enquanto brincava na frente da casa da avó. O garoto estava de férias e visitava pela primeira vez a matriarca. 

As necessidades de reverter essa situação movem as Marchas das Mulheres, sempre tidas como fundamentais para o movimento. “Hoje, não é um dia qualquer. É um dia histórico. Belém é a capital que realiza a Marcha das Mulheres Negras Amazônidas. Belém é mulher e Belém é preta. Belém é uma mulher que luta, é mulher ancestral. Belém é uma mulher que caminha no Círio de Nazaré. Belém é uma mulher que marcha ao lado das mulheres de axé. Liberdade a todas nós.” Foram com essas palavras e mais um banho feito pelas mãos pretas de Jucy D’Oyá, mãe de santo e sacerdotisa, que foi iniciada a 6ª edição do evento.

A jornalista Flávia Ribeiro, ou @afrontosaribeiro, como muita gente a conhece nas redes sociais, também caminhou de mãos dadas com a filha, que ora dava as mãos para a avó, a família presente na Marcha. “Eu quero que a minha filha tenha, e ela já tem, essa identidade negra. Não só da gente saber das dores de ser negra, mas que ela saiba das potências de ser negra. A força, a gente já sabe que a gente é forte, né? A importância de ver outras mulheres bonitas, articuladas, mulheres que estão falando, mulheres que não puderam estar aqui, porque a gente fala também dessas mulheres. Olhar para essa marcha e saber que a gente é  realizadora’, afirma.

É esse sentimento de orgulho em ser uma mulher negra que Maria das Graças ensina com seus 68 anos. Sentada enquanto outra mulher preta trança seus grisalhos cabelos, Maria afirma que já marchou muito em sua vida, como cozinheira ou costureira. E diz se orgulhar de usar os penteados afros desde criança. Quando questionada por que escolhia esse tipo de penteado como adornos, responde sem hesitar: “Por que eu  durmo e acordo linda. A mulher negra tem que se orgulhar de quem é”. O único momento em que o semblante de Maria muda é quando ela fala do racismo. Seu tom de voz aumenta e ela diz: “Isso é uma coisa que tem que acabar. O racismo, essa cretinice. Isso tem que acabar”.

 Roberta Brandão é graduada em Jornalismo, Publicidade e Propaganda, e Mestranda do Programa de Comunicação da Amazônia (PPGCOM-UFPA), Bolsista CAPES. É fotógrafa, produtora, ativista cultural, carimbozeira, batuqueira, mãe do Gaitán e mulher na Amazônia. (roberta@amazoniareal.com.br)

Fonte: Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/marcha-das-mulheres-negras-amazonidas/


Bolívar Lamounier: Dois degraus a mais na escala do horror

A sobrevivência da civilização dependerá de muita lucidez, tirocínio e poder militar

Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo

Não consigo conceber a humanidade convivendo com um país que submete as mulheres a rigorosa escravidão, impondo-lhes um tratamento atrocíssimo do nascimento à morte. Mas de agora em diante, com o Afeganistão dominado pelo Taleban e disputado pelo Estado Islâmico (EI), a realidade será essa.

O erro político do governo norte-americano foi deveras impressionante, pois não só deixou ao deus-dará um aliado que dele dependeu durante 20 anos, como saiu do país atabalhoadamente, entregando de mão beijada ao radicalismo islâmico grande quantidade de armas. É lógico que o Afeganistão, com sua população de apenas 39 milhões e sua enorme pobreza, não tem, sozinho, condições de se abalançar a uma aventura bélica. Mas aí, paradoxalmente, é que reside o perigo: uma teocracia totalitária, de inspiração claramente fundamentalista, poderá superestimar suas forças, agindo como uma faísca, tentando atiçar conflitos entre outros países, ou se engajando em alguma alucinação terrorista como a empreendida por Bin Laden 20 anos atrás. Nesse quadro, o Irã também precisa ser levado em conta, não obstante ser o seu poder também limitado.

Entendam-me: estou expondo uma hipótese e nem de longe pretendo generalizá-la para todo o universo islâmico. O islamismo não é um conjunto homogêneo. Compreende cerca de 60 países e a maioria não se encaixa no modelo de regimes totalitários. A vertente fundamentalista a que pertencem o Taleban e o EI, essa, sim, é capaz de perpetrar todo tipo de crueldade contra a sociedade e claramente propensa à expansão geográfica. O Estado Islâmico consegue ser muito pior que o Taleban. Destroçado na Síria, transferiu-se para o Afeganistão. A guerra entre ambos é um cenário altamente provável. Com a sobriedade que o caracterizava, o grande historiador Otto Hintze definiu movimentos como o EI como aqueles cujo objetivo último é se tornarem “impérios universais”. Em linguagem caseira, são culturas ou religiões que trazem em seu DNA um afã de ocupar e dominar militarmente outros países, a começar pela unificação de todo o mundo islâmico sob um só governo. Seguindo essa linha de raciocínio, não descabe afirmar que o horizonte do Taleban seja estender seu modelo de teocracia totalitária até o limite do possível.

O Ocidente demorou a perceber o risco da ascensão de Hitler na Alemanha, mas cumpriu, ao fim e ao cabo, junto com a URSS, seu dever de destruir a máquina de guerra responsável por todo tipo de atrocidades, culminando no frio extermínio de judeus, exemplificado por Auschwitz. Mas as lições da História nem sempre são assimiladas na devida proporção. Finda a 2.ª Guerra Mundial, o mundo acomodou-se à precária paz a que a vitória militar deu ensejo, aceitando-a como relativamente “normal”. Aceitando-a sem atentar para o fato de que ela continuava a se basear numa gigantesca desumanidade – com menos conflitos armados, é certo –, paz que não mantém sequer uma pálida semelhança com a paz perpétua cogitada por toda uma linhagem de filósofos utópicos. No mundo atual, essa desumanidade está corporificada em quase 8 bilhões de seres humanos, a maioria em estado famélico. O desafio de construir uma paz segura, assentada em fatores de realidade é, pois, simplesmente hercúleo. Mas a humanidade não tem como abrir mão sequer desse precário ideal. Os países democráticos e todos os outros que preferem a ordem à desordem e a civilização à barbárie têm o dever de colaborar na construção de uma paz manejável e duradoura, que assegure a cada nação a conservação de sua identidade e a possibilidade de prosperar e se beneficiar comercialmente de suas complementaridades com o resto do mundo.

Como sonhar com tal objetivo, mesmo na escala modesta a que me refiro, num mundo onde bilhões de seres humanos mal e parcamente conseguem resistir a seu miserável cotidiano, mundo no qual o terrorismo e o crime organizado mudaram de escala, mercê do avanço tecnológico, internacionalizando-se e beneficiando-se do efeito surpresa em escala antes impensável?

Empreitada hercúlea, sem dúvida. Muito maior que a visualizada pelos governos ignorantes e corruptos que não cessam de se reproduzir em nossa triste América Latina.

As explosões da última quinta-feira (26/8) no aeroporto de Cabul, provavelmente organizadas pelo Estado Islâmico, que causaram mais de 180 mortes, dão bem a medida do horror a que me refiro. Após o malfadado episódio da tomada da capital pelo Taleban, salta aos olhos que o curso dos acontecimentos será decisivamente determinado pelas grandes potências. Entre estas se inclui a China, cujo regime interno é declaradamente totalitário, mas precisa comerciar com o mundo inteiro, em nada lhe interessando, portanto, um sistema internacional conturbado. Com a Rússia, que nunca se desvestiu sinceramente de seu passado autocrático, a situação é mais ou menos a mesma.

Em resumo, a sobrevivência da civilização dependerá de muita lucidez, tirocínio e poder militar.

*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,dois-degraus-a-mais-na-escala-do-horror,70003823602


'Mulher veio ao mundo para ser o que desejar', diz escritora

Autora do livro Incrível Lenda da Inferioridade aborda vazio feminino nas sociedades, em artigo na Política Democrática online de agosto

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O livro “Incrível Lenda da Inferioridade” (Chiado), da jornalista e escritora Vânia Coelho e que foi lançado neste ano, reflete sobre o que foi ocultado acerca do poder feminino na sociedade. De acordo com a autora, não se pode aceitar mais o vazio do feminino nas sociedades, como ela mesma diz em artigo que escreveu para a Política Democrática online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em Brasília.

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

“A mulher não nasceu para ser esposa, filha cativa, mãe ou freira, necessariamente; ela veio ao mundo, assim como o homem, para ser o que desejar. A ausência dos feitos e das produções femininas, nas páginas oficiais da história, anula seu conhecimento”, destaca a escritora do livro.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

 O livro reúne fragmentos da vida e obra de 33 mulheres que foram silenciadas, de uma forma ou de outra, pelo sistema patriarcal. “Esse silenciamento deu-se e, infelizmente, ainda se dá de modo físico, emocional e psicológico”, afirma Vânia, na revista.

“Os paradigmas da inferioridade feminina estão alinhavados à incapacidade e à fragilidade da mulher, são modelos pré-estabelecidos que brotaram de raízes tão profundas, um sentimento de insignificância que até hoje permeia o universo feminino, sempre preenchido de culpa, pecado e certo aspecto profano”, assinala ela.

De acordo com a autora, há um peso extra na existência da mulher, cujos degraus “autorizados” pelo masculino para uma resumida e controlada ascensão vêm acompanhados de intolerância, recriminação, restrição e um fardo difícil de suportar. “E, assim, as mulheres ficaram sem registro, sem notoriedade, sem condição de ser e de existir por elas mesmas”, diz. 

A importância das sufragistas, segundo a jornalista, por exemplo, deve ser divulgada, comemorada e cultuada com imensa gratidão, porque, hoje, a mulher pode votar e envolver-se politicamente graças a elas, que lutaram e morreram por esse direito. “A história das sufragistas deve ser mencionada de modo extensivo, e deve, também, fazer parte da grade escolar, seja do ensino médio, seja da graduação”, acentua.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra do artigo de Vânia pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.

Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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Racismo: Caminhada ainda é longa para as mulheres negras

O Brasil, sistematicamente, impede novas Rebecas através das suas profundas desigualdades de oportunidades que são marcadas por raça, classe, gênero e território

Márcia Lima / El País

No mês julho comemorou-se o dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Nessa data, em 1992, foi realizado o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana. No Brasil, em 2014, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a lei nº 12.987 criando no dia 25 de julho o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A data tem se destacado cada vez mais no debate público, propiciando uma reflexão sobre o papel e a importância das mulheres negras na sociedade brasileira, suas conquistas e desafios. tratando da questão da mulher negra sob múltiplas dimensões, chamando atenção para a ideia de amefricanidade. Suas reflexões sobre a mulher negra focam a análise da mãe-preta, da empregada doméstica e da profissão de mulata, representações fortemente marcadas pela exploração econômica e pela subordinação racial e sexual.

Começando pelos avanços, é impossível abordar esse tópico sem citar a já clássica frase de Jurema Werneck, atual diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil: “Nossos passos vêm de longe”. A existência de associações negras compostas unicamente de mulheres ou sua participação ativa em organizações em prol da justiça racial são de longa data. Entretanto, desde o início dos anos 80, há um crescimento contínuo e um fortalecimento do ativismo das mulheres negras que contribuíram de forma crucial para a ampliar sua visibilidade no debate público, na pauta das agendas socioeconômica e política. É digno de nota que, em menos de um ano, foram lançadas obras de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, a biografia de Sueli Carneiro. Djamila Ribeiro ganhou o prêmio Jabuti com um livro que já vendeu mais de 300.000 exemplares. Somam-se a esse feito as traduções para o português de autoras negras consagradas como Ângela Davis e Patrícia Hill Collinsbell hooks, Audre Lorde, dentre outras, demonstrando o crescimento do mercado editorial para o pensamento feminista negro.


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O fortalecimento do pensamento feminista negro também contou com uma inflexão importante: a disseminação e o amadurecimento da perspectiva interseccional. Cunhado, nos anos 80, pela advogada e ativista de direitos humanos Kimberle Crenshaw, o termo evoca as experiências das mulheres negras nas quais os marcadores de raça, gênero, classe são acionados de forma a especificar suas trajetórias e vivências que não podem ser enquadradas separadamente como discriminação racial ou como discriminação de gênero. O conceito ultrapassou os estudos e pesquisas de cunho acadêmico, ingressou no debate público e até na agenda das políticas públicas. No Brasil, em período similar, Lélia Gonzalez se dedicou a entender esses entrecruzamentos tratando da questão da mulher negra sob múltiplas dimensões, chamando atenção para a ideia de amefricanidade. Suas reflexões sobre a mulher negra focam a análise da mãe-preta, da empregada doméstica e da profissão de mulata, representações fortemente marcadas pela exploração econômica e pela subordinação racial e sexual.

Por fim, no que concerne aos avanços, há que se destacar outra importante inflexão. A transformação do perfil universitário brasileiro com o ingresso de um número expressivo de discentes oriundos das camadas mais pobres e negras da sociedade, com destaque para o crescimento da inserção feminina. Isso aumentou os coletivos negros, dentro e fora das universidades, ampliando os espaços de participação intelectual e política e fortalecendo ainda mais o feminismo negro. Soma-se a isso o crescimento, ainda que tímido, da representação política, considerada por muitos um “efeito Marielle Franco”, em referência à vereadora assassinada em 2018, que completaria 42 anos no dia 27 de julho.

Por outro lado, quando entramos na seara das desigualdades sociais e das transformações socioeconômicas, nossos avanços são mais tímidos, e, com a pandemia, identificamos retrocessos. Embora sejam inegáveis os avanços educacionais de uma parcela das mulheres negras brasileiras, há inúmeros fatores que dificultam uma mudança de patamar mais expressiva das desigualdades interseccionais no país.

Na pesquisa sobre desigualdades raciais e covid-19 que coordenei no Afro-Núcleo de pesquisa sobre raça, gênero e justiça racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, foi possível captar como as mulheres negras permanecem vulneráveis às desigualdades sociais. E na pandemia essas desigualdades não estão relacionadas somente à sua gestão (contaminação, óbito e vacinação), mas também à suas consequências econômicas e sociais.

Ao longo dessa crise, as mulheres negras estiveram mais expostas nas linhas de frente de combate à pandemia como agentes comunitárias de saúde, como auxiliares de enfermagem, cuidadoras, trabalhadoras dos serviços de limpeza hospitalar, ocupações que concentram um número expressivo de mulheres desse grupo. No caso das empregadas domésticas, elas viveram dois dramas: a perda do emprego (redução de 24,7% dos postos de trabalho em 2020) ou a exposição ao vírus deslocando-se pela cidade para manter seu sustento e o de sua família (mais de 50% das domésticas são pessoas de referência no domicílio). As mulheres negras têm as maiores taxas de desemprego, recebem 44% da renda de um homem branco e foram o grupo que apresentou a maior taxa de pobreza no ano de 2020.

O último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em 2020, 61,8 % das mulheres vítimas de feminicídio eram negras. E, embora o perfil das vítimas de mortes violentas intencionais seja composto de homens (91,3%), jovens (54,3%) e negros (76,2%), esse quadro também afeta as mulheres negras. A dor e o medo constantes das mães negras e periféricas, causados pelo desaparecimento e pela morte de seus filhos, são tratados como uma dor menor, como se elas sofressem menos em virtude da violência que as cerca. Kátia, Luciana, Simone, Maria, Vanessa, Mirtes, Rafaela, Jéssica são algumas das mães que enterraram seus filhos e filhas nos últimos doze meses. E é por elas e com elas que o feminismo negro avança no Brasil.

Neste momento, o Brasil celebra as medalhas e a trajetória de Rebeca Andrade. Para mães como Dona Rosa, celebra-se acima de tudo a sua sobrevivência num país onde crianças negras têm suas vidas ceifadas pela violência, pela indiferença e pelo racismo. O Brasil, sistematicamente, impede novas Rebecas através das suas profundas desigualdades de oportunidades que são marcadas por raça, classe, gênero e território.

Márcia Lima é professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora sênior do Cebrap onde coordena o Afro-Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial.


Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-08-06/nossos-passos-vem-de-longe-mas-a-caminhada-ainda-e-longa-para-as-mulheres-negras.html

*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


Crítica de cinema aponta filme que completa percurso de sucesso

Cleomar Almeida, Coordenador de Produção da FAP

Testemunho singular de seu tempo, o filme Nomadland, de Chloé Zhao, completa um percurso de sucesso, tendo vencido também quatro prêmios Spirit, os “Oscars” do cinema independente: melhor filme, melhor realização, melhor montagem e melhor fotografia. É o que lembra a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (31ª edição).

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, a publicação tem todos os seus conteúdos disponibilizados, na íntegra, gratuitamente, no portal da entidade.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

“Não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade”, afirma Lilia.

O filme de Zhao, segundo Lilia, apesar de não focar no político, tem a crise econômica norte-americana de 2008 como ponto de partida e a questão do trabalho (ou da falta dele) como locomotiva da história.

“Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo”, diz a crítica de cinema.

Ela lembra que o historiador Marc Ferro afirmou que os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. “São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades”, salienta.

“Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado!”, afirma, para continuar: “Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida”.

Veja todos os autores da 31ª edição da revista Política Democrática Online

A íntegra da crítica de Lilia está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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Quando o envelope com o nome do ganhador do Oscar de melhor filme foi aberto na histórica Union Station de Los Angeles, ninguém ficou surpreso ao ver ali impresso o título Nomadland. Afinal, desde que a temporada de festivais e premiações começou – Veneza, Globo de Ouro, BAFTA, PGA Awards… – só dá ele!  

O curioso é que não estamos falando aqui de nenhuma superprodução de 200 milhões de dólares, como foi o caso de Tenet (2020). Nomadland, baseado no livro homônimo de Jessica Bruder e adaptado por Chloé Zhao, custou 5 milhões, não tem efeitos especiais e conta uma história simples por meio de uma narrativa linear, com jeitão mais de documentário do que daquelas ficções estrambólicas que costumam levar as mais prestigiosas estatuetas. 

O que faz então de Nomadland uma quase unanimidade em meio a tantos críticos de diferentes nacionalidades e backgrounds

Vamos lá. 

Talvez um primeiro fator a considerar seja o de que 2020 foi um ano de poucas superproduções em função das restrições impostas pela pandemia. Os grandes estúdios preferiram guardar seus maiores trunfos comerciais – os blockbusters – para quando as coisas melhorarem e as pessoas puderem voltar às salas de cinema. Com isso, abriu-se espaço para produções menores, que em geral ficam relegadas aos festivais ou às salas de cinema de arte. 

Um segundo ponto que podemos levantar é o fato de Nomadland ser um filme introspectivo, que trata de questões existenciais, com reflexões que vêm ocupando as mentes de quase todos nestes loucos tempos pandêmicos. Quem não parou para repensar a vida durante os mil confinamentos a que fomos submetidos? Quem não se questionou sobre o que de fato importa? O filme de Zhao, embora rodado em grande parte no exterior, em meio a desertos, montanhas e oceanos, é também um roadmovie interior, uma viagem pelos sentimentos de pessoas que escolheram ou foram obrigadas a puxar a âncora e partir rumo a uma vida de incertezas, descobertas, simplicidade e autoconhecimento. 

Isso nos leva a um terceiro ponto, que é a mescla de realidade e ficção a partir da qual o filme é construído. Com exceção de Fern – interpretada magistralmente por Francis McDormand (agora detentora de três Oscars) –, e de mais um ou dois personagens, o que vemos ali são histórias reais de não-atores que interpretam suas próprias vidas. Claro que há um roteiro, uma organização e mesmo uma encenação por parte de todos os que compõem a trupe de Nomadland. Mas as histórias e sofrimentos apresentados na tela são genuínos, o que gera grande empatia na plateia, que se sente mais próxima das sensações ali compartilhadas e instigada a refletir sobre suas próprias questões. É quase uma sessão de terapia!  

Finalmente, vale ressaltar que, em um ano em que tanto se fala de igualdade de gênero e que tanto se tenta combater a violência contra a mulher – e mais recentemente contra os asiáticos –, o fato de a diretora, roteirista, montadora e coprodutora do filme ser mulher e asiática tem também seu peso. Não que isso diminua o mérito de Nomadland, muito menos o dos louros recebidos até aqui. Mas não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade. O que não está de todo errado! E o filme de Zhao, apesar de não focar no político, tem a crise econômica norte-americana de 2008 como ponto de partida e a questão do trabalho (ou da falta dele) como locomotiva da história. 

Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo. Pode ser. Mas, como afirmava o historiador Marc Ferro, que nos deixou há pouco, os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades. 

Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado! Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida. 

*Lilia Lustosa é formada em publicidade, especialista em marketing, mestre em história e estética do cinema pela Universidade de Lausanne e doutoranda nesta mesma instituição de ensino superior.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Fonte:


Nomadland encanta pelas contradições e se consagra como vencedor do Oscar 2021

Análise é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), a crítica de cinema Lilia Lustosa acredita que o ano de 2021 pode representar um grande avanço para a conquista feminina no cinema.

“Ao que tudo indica, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina”, afirma Lilia, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição).

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.

Dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos, Nomadland vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada, na avaliação de Lilia Lustosa. O filme se tornou o segundo dirigido por uma mulher a receber a estatueta maior da grande premiação hollywoodiana (Melhor Filme) – e Chloé Zhao também repetiu o feito no prêmio de direção (Melhor Diretor).

Roadmovie

“Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand”, conta a crítica de cinema, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online.

A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que, conforme ressalta Lilia, a sociedade está assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra pessoas nascidas naquela região, “a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus”.

“Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta!”, critica Lilia. “Mas, enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo”, destaca o artigo da revista online da FAP.

Globo de Ouro

Em fevereiro último, como lembra Lilia, Cloé Zhao se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito.

“No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filme foi laureado mais uma vez como o melhor do ano”, diz.

Para saber todos os detalhes da crítica de cinema produzida por Lilia, acesse diretamente a versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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Ana Cristina Rosa: Cultura do estupro está até em fala de professor de direito

Banalização da violência contra a mulher é realidade frequente no Brasil

cultura do estupro e a banalização da violência contra a mulher constituem realidade tão frequente no Brasil que chegaram ao absurdo de virar exemplo ensinado em aula de direito, conforme notícia na imprensa neste fim de semana.

Calcado em argumentos tão frágeis e infundados como o estilo de vestir, um professor de uma faculdade do interior paulista sugeriu que o comportamento da vítima pode interferir na prática do crime de estupro. E arrematou o raciocínio dizendo que mulheres passivas e quietinhas tendem a apanhar menos.

O resultado prático dessa mentalidade machista, misógina e retrógrada, que atribui à vítima a culpa pelo crime, pode ser aferido na verdadeira tragédia traduzida em números no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A cada oito minutos, uma pessoa é estuprada no país. São 180 estupros por dia, sendo as mulheres a maioria das vítimas segundo as estatísticas feitas a partir de registros em boletins de ocorrência.

O número é assustador por si só, mas se torna ainda mais aterrorizante quando considerado o fato de que muitos casos não são denunciados e, portanto, estão fora das estatísticas. Como estupro é uma questão de poder e subjugação, medo e impotência sustentam a subnotificação.

Quase 30% dos crimes de estupro registrados no anuário foram cometidos contra crianças de zero a 9 anos, das quais mais de 11% eram bebês de até quatro anos. Barbárie é uma palavra que parece adequada para qualificar essa violação de direitos humanos, que atinge a vida, a saúde e a integridade física, causando danos irreparáveis.

Diante de fatos tão graves, deveria ser evidente a existência de apenas um culpado: o estuprador. E isso precisa ser repetido como mantra, divulgado em campanhas de educação sexual, até que seja introjetado no inconsciente coletivo.

Quem sabe assim um dia as conversas e as aulas girem em torno do absurdo de ter havido um tempo em que a culpa pela violência sexual era atribuída às vítimas.

*Ana Cristina Rosa é jornalista especializada em comunicação pública e coordenadora da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA) - Seção Distrito Federal.


Alma Preta: CPI da Covid não possui nenhum senador negro ou mulher

O grupo de trabalho é composto por quatro apoiadores de Jair Bolsonaro, cinco membros independentes e apenas dois membros da oposição; entenda o que a investigação significa

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/Senado em Foco

Entre os 11 senadores que compõem o grupo de trabalho da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid não há nenhum negro e nenhuma mulher. O único senador negro em exercício da função é Paulo Paim (PT), que não foi convocado sequer como suplente, e a Casa conta com 12 senadoras em suas 81 cadeiras, equivalente a cerca de 15% do total.

Na última quinta-feira (15), o presidente do senado Rodrigo Pacheco definiu os nomes do colegiado nesta primeira fase da CPI. Os senadores escolhidos, que apoiam o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) são: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

Já os cinco membros independentes, que votam a favor do governo e em algumas ocasiões criticam o combate à pandemia são: Otto Alencar (PSD-BA), Eduardo Braga (MDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Na oposição, apenas dois senadores fazem parte da CPI: Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE). Em uma coletiva de imprensa, acompanhada pela Alma Preta, Rodrigues afirmou que o objetivo desta CPI é apurar os fatos sobre o enfrentamento à Covid-19 e não apontar culpados.

“O presidente [Jair Bolsonaro] pode ficar tranquilo, mas iremos apurar todas as ações e omissões no combate à Covid. Quem será ouvido é a ciência”, declarou o parlamentar.

A formalização da CPI da Covid ocorreu após determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, que atendeu a solicitação dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Entenda o que a CPI da Covid pode fazer

A primeira reunião da CPI da Covid deve acontecer na próxima quinta-feira (22), convocada pelo membro mais velho do colegiado, Otto Alencar, e definirá quem será o presidente do grupo.

Sobre esse cargo, Randolfe Rodrigues diz estar “disposto para qualquer trabalho que ajude o Brasil a sair dessa situação”. Quando escolhido, o presidente da comissão é quem define quem será o relator da investigação, que é o membro responsável pelo relatório final a ser entregue ao Ministério Público para que as medidas legais adequadas sejam tomadas.

O objetivo da investigação - que irá durar 90 dias - é identificar possíveis irresponsabilidades do governo federal diante da morte de mais de 365 mil pessoas no Brasil em decorrência da infecção pelo novo coronavírus. A CPI também investiga a aplicação da verba enviada aos estados para o enfrentamento à pandemia.

Na prática, a comissão pode inquirir testemunhas sob juramento da verdade, ouvir suspeitos, prender alguém em caso de flagrante de delito, solicitar informações e documentos à administração pública e tomar depoimento de autoridades. O colegiado também pode convocar os ministros do Estado, quebrar o sigilo bancário, de dados e fiscal - desde que por ato fundamentado -, solicitar o auxílio de servidores de outros poderes e também se deslocar a qualquer local do Brasil para realizar as investigações de maneira mais minuciosa ou para audiências públicas.

Desde fevereiro já havia apoio à investigação de ao menos 27 senadores, mas o presidente do senado Rodrigo Pacheco recusava a solicitação sob o argumento de que o foco do Parlamento deveria estar no avanço da vacinação contra a doença.

O senador Randolfe Rodrigues ainda salienta que é essencial entender as razões que façam o país ter se tornado o epicentro da Covid no mundo, ouvindo os quatro ministros da saúde que ocuparam o cargo durante a pandemia: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich - os dois primeiros -, Eduardo Pazuello e o mais recente, Marcelo Queirog.


RPD || Lilia Lustosa: Cinema feminino e plural

Apesar da tragédia da pandemia do novo coronavírus,  2021 marca positivamente a história do cinema ao destacar a presença feminina, com duas mulheres concorrendo à categoria de Melhor Direção

Quantas diretoras de cinema você conhece? Dá para encher uma mão? E diretores? Muito mais fácil de lembrar, não? Eles são tantos! 

A verdade é que a indústria cinematográfica sempre foi dominada pelos homens, embora as mulheres tenham tido participação fundamental em sua consolidação. No entanto, como costuma acontecer em outras áreas, muitas dessas personagens femininas foram apagadas, esquecidas, editadas ou simplesmente cortadas da História. Ora, todos já ouvimos falar dos Irmãos Lumière, de Méliès, de Edison, certo? Mas quem conhece Alice Guy ou Lois Weber? Mulheres que, desde os primórdios do cinema, já atuavam por detrás das câmeras, mas cuja passagem pelos estúdios e salas escuras ficou perdida lá no passado! 

No Brasil, também foram muitas as que atuaram na construção do nosso cinema, como Carmem Santos, atriz, roteirista, diretora e produtora, que, já nos anos 20, criou a Film Artistico Brasileiro (F.A.B.) e, nos anos 30, com a chegada do sonoro, a Brasil Vita Filmes. Ou ainda Cléo de Verberena, atriz e produtora, primeira mulher a dirigir um longa de ficção no país, o desaparecido O Mistério do Dominó Preto (1931).  Isso sem falar de Adélia Sampaio, Helena Solberg, Helena Ignez… Tantas, mas das quais sabemos tão pouco! 

Ao que tudo indica, porém, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina! Isso porque o filme que vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada é Nomadland, dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos. Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand. 

A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que estamos assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra essa gente, a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus. Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta! Mas enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo. Em fevereiro último, ela se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito. No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filmefoi laureado mais uma vez como o melhor do ano.  



Resta agora o prêmio mais badalado da terra do tio Sam: o Oscar. No dia 25 deste mês, Nomadland concorrerá ali em seis categorias: melhor longa, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia e atriz. Dessas indicações, quatro levam a assinatura de Zhao. Uma proeza e tanto para tempos em que a desigualdade de gênero ainda é a regra do mercado! 

E o melhor de tudo é que a diretora nascida em Pequim não está sozinha nessa empreitada, já que a britânica Emerald Fennell também concorre ao prêmio de direção por seu inusitado Bela Vingança (2020), sendo este o primeiro Oscar a ter duas mulheres disputando essa categoria. Até então, em suas 93 edições, apenas cinco haviam sido indicadas por direção, mas nunca duas ao mesmo tempo. Fennell concorre ainda por roteiro original, e Bela Vingança, que tem a violência contra mulher como tema central, por melhor filme e montagem. Uma trama cheia de dores, cores e dissabores, e que traz uma Carey Mulligan esbanjando talento no papel da vingativa Cassandra, o que lhe rendeu, aliás, a indicação ao Oscar de melhor atriz. 

Fora Zhao e Fennell, outras tantas profissionais estão concorrendo nas mais diversas categorias. Sem dúvida, um grande passo para a tão almejada igualdade, mas que não deixa de sublinhar o triste fato de que, em pleno século 21, ainda tenhamos que aplaudir de pé a indicação de duas mulheres às categorias principais do Oscar. Pergunto-me então o que teria gerado essa “evolução”? A luta de tantos anos? Mudanças na composição dos boards dos prêmios? Ou será que o confinamento levou à reflexão, fazendo-nos entender de uma vez por todas que há espaço para talentos de todos os gêneros e raças nos sets de filmagem?  

Que venham as estatuetas! 

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).

  • ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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