Militares

Vinicius Torres Freire: A nova roupa do governo militar

Oficiais ocupam um terço do ministério e querem coordenar ações de governo

O general Hamilton Mourão é chamado de “primeiro-ministro” por um de seus camaradas. O colega de generalato e bolsonarismo faz a piada, ri e logo diz ao jornalista: “Não vai escrever uma coisa dessas, hein?”.

No entanto, minutos depois, esse general também da reserva explica que o vice-presidente eleito é capacitado para a supervisão “estratégica” de planos e metas de governo. Que Mourão deveria ter mesmo tal função no governo de Jair Bolsonaro. Que não se encaixa no papel de conselheiro do presidente, pois muito voluntarioso, mas por isso mesmo seria um excelente executivo-chefe.

Um CEO? Não, apenas um coordenador-geral, responde o general. O governo seria ainda mais militar.

Ainda que alguns tenham faz tempo caído na vida civil, capitães, um tenente-coronel, um almirante e generais devem ficar com um terço dos ministérios. Além do mais, militares de Bolsonaro acham que é preciso ainda diminuir os “poderes de governar” do Tribunal de Contas da União e de agências reguladoras.

O vice-presidente eleito praticamente chegou a anunciar que seria uma espécie de chefe de gabinete, um “centro de governo”, entre outros papéis que se atribuiu, em palavras e na prática.

Mourão conversa com empresários. Faz teleconferência com financistas estrangeiros. Faz inspeção na Petrobras. Desde o começo da campanha, divulgava e apoiava uma versão genérica, mas completa, do programa de Paulo Guedes para a economia. Fez a propaganda da privatização entre os militares mais desconfiados. Conversa com gente do governo de Michel Temer sobre comunicação e publicidade oficiais.

Como se não bastasse, Mourão dá entrevistas aparando extravagâncias de política externa do governo de transição, os disparates jecas dos aiatolás do ministério e as jeremiadas de Bolsonaro sobre invasões estrangeiras, a chinesa em particular.

A conversa sobre a gerência-geral de Mourão arrefeceu faz uns 15 dias, diz parte do entorno bolsonarista, porque estava criando atrito demais e precoce. Antes, seria preciso completar o ministério e operar a lipoaspiração delicada dos poderes da Casa Civil, que será chefiada por Onyx Lorenzoni.

A cirurgia foi feita. O general Santos Cruz ocupou a Secretaria de Governo, com tarefas de negociação política ainda não muito claras, mas que limitam ainda mais a área de serviço de Lorenzoni.

O general deve ser uma espécie de auditor de barganhas com o Congresso (emendas, por exemplo) e fazer parte do trabalho de “relações institucionais” (governadores, prefeitos, organizações da sociedade civil). Ainda levou o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), a supervisão de negócios com a iniciativa privada, que estava na Secretaria-Geral da Presidência, de Gustavo Bebianno.

Santos Cruz é outro vigia avançado no Planalto, pois. Os militares, de resto, ficaram com todos os cargos de comando na infraestrutura. Perderam, a princípio, apenas as obras de recursos hídricos, que devem ficar no gordo e rico Ministério do Desenvolvimento Regional.

Se Mourão vier a ser um premiê-executivo informal, os militares poderiam em tese conquistar até uma cabeça de praia no continente de Guedes, no überministério da Economia. Mas não querem bulir com Guedes ou com Sergio Moro, futuro ministro da Justiça.

Um general diz que se trata de “áreas muito bem resolvidas”. São também áreas de risco, aquelas de que depende imediata e imensamente o sucesso popular de Bolsonaro.


Luiz Carlos Azedo: Blindagem dos negócios

“Militares passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas”

Depois da blindagem da equipe econômica, que foi escalada pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, as nomeações recém-anunciadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, sinalizam uma blindagem para o programa de obras, privatizações e concessões do governo, que deverá ficar a cargo do futuro ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. A escolha do novo ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que responderá pelas áreas de Transportes, Portos e Aviação Civil, vai na mesma direção.

“Vamos intensificar as parcerias em rodovias, ferrovias e aeroportos, tal qual está sendo feito hoje. Isso vai ser intensificado. A ideia é trazer o setor privado para a área de infraestrutura”, disse o futuro ministro, que dirigiu o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Tarcísio de Freitas já acompanha o leilão dos próximos 12 aeroportos, cujo edital foi aprovado, ontem, pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e da Ferrovia Norte-Sul.

Bolsonaro anunciou que somente iniciará obras quando houver recursos no orçamento para concluí-las, mas pretende dar continuidade àquelas que já foram iniciadas e estão paralisadas: “Não podemos abandonar isso, porque custaria muito caro para nós”, disse. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Tarcísio de Freitas é engenheiro civil formado pelo Instituto Militar de Engenharia, com pós-graduação em gerenciamento de projetos e engenharia de transportes. Ex-capitão do Exército, foi chefe da seção técnica da Companhia de Engenharia do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.

Com as novas nomeações, os generais que integram a cúpula do governo passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção, por envolverem grandes contratos e concessões com empresas privadas. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas, que passarão a ser gerenciados pelos militares. Os interesses envolvidos são os mesmos; entretanto, mudaram os gestores e o ambiente, em razão da Operação Lava-Jato.

Indulto de Natal
O procurador Deltan Dallagnol denunciou, ontem, no Twitter, uma “intensa articulação” nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) para liberar o indulto de 2017, concedido pelo presidente Michel Temer, que “perdoava 80% da pena dos corruptos”. Segundo o procurador, se isso ocorrer, Temer poderá fazer a mesma coisa no Natal deste ano. O indulto é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos em período próximo ao Natal, atribuição do presidente da República.

O julgamento deve continuar hoje, com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu liminar (decisão provisória), em março, limitando a aplicação do indulto e aumentou o período de cumprimento para, pelo menos, um terço da pena. Barroso permitiu o indulto somente para quem foi condenado a mais de oito anos de prisão e vetou a concessão para crimes de colarinho-branco e para quem tem multa pendente. O governo recorreu, alegando que Barroso invadiu a “competência exclusiva” do presidente da República ao alterar as regras do indulto fixadas por Temer. O julgamento no STF se limita à validade do decreto editado em 2017.

Um parecer do criminalista Nabor Bulhões, da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil e advogado de Temer na Lava-Jato, defende a constitucionalidade do decreto de indulto de Natal do ano passado, que foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República. Segundo o parecer, não há inconstitucionalidade na inclusão dos crimes relacionados à corrupção no perdão presidencial, e a intervenção do Judiciário pode representar uma afronta ao princípio da separação de poderes.

Ao editar o decreto, Temer modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados, o que gerou críticas da Transparência Internacional e da força-tarefa da Operação Lava-Jato. O artigo 84 da Constituição, XII, estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos por lei”.

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Luiz Carlos Azedo: O Haiti é aqui

“A manutenção da Secretaria de Governo com status de ministério e a atual configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais”

A indicação do general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz para comandar a Secretaria de Governo consolidou na cúpula do governo um grupo de ex-integrantes da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, formado ainda pelo general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e pelo general Fernando Azevedo e Silva, que será o ministro da Defesa. Sua missão mais importante, porém, foi comandar a missão de paz na República Democrática do Congo, integrada por 23,7 mil militares de 20 países, de 2013 a 2015.

Santos Cruz foi o chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública durante parte da gestão do presidente Michel Temer, ostentando ainda no currículo uma passagem por Moscou, como adido militar, em 2001 e 2002, e atuação como conselheiro do Banco Mundial para a elaboração do Relatório de Desenvolvimento Mundial 2011 e do grupo da ONU para a revisão do reembolso aos países que contribuem com tropas em missões de paz. Sua indicação surpreendeu, pois a Secretaria de Governo inicialmente seria incorporada à Casa Civil, sob comando do ministro Ônix Lorenzoni.

Hoje, a Secretaria de Governo da Presidência reúne as subsecretarias de Assuntos Parlamentares, Assuntos Federativos e Juventude, além da Secretaria Nacional de Articulação Social. A manutenção da pasta com status de ministério e essa configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais. Além disso, fortalece o grupo de generais que forma o estado-maior do governo Bolsonaro, integrado ainda pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que não passou pelo Haiti, mas atuou na Missão de Paz em Angola e foi adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela.

Outro militar deverá comandar o Ministério da Infraestrutura, para o qual está cotado o general Joaquim Brandão, atual chefe de gabinete do ministro Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Michel Temer. O tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes, ex-astronauta, no Ministério de Ciência e Tecnologia, completa o naipe de militares que ocupam posições no primeiro escalão. Até agora, ninguém da Marinha foi nomeado para um cargo de destaque no governo.

Segurança
Ontem, o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, anunciou a criação de uma Secretaria de Operações Policiais Integradas, que ficará a cargo do delegado da Polícia Federal Rosalvo Franco, ex-superintendente da PF no Paraná, que atuou na Operação Lava-Jato. “A ideia da secretaria é coordenar operações policiais a nível nacional. Hoje nós temos muitos grupos criminosos que transcendem as fronteiras estaduais, e essa ação precisa muitas vezes de coordenação a nível nacional”, explicou. Atualmente, esse tipo de operação vem sendo realizada pelo Ministério da Segurança Pública, que será extinto.

Moro também escolheu o delegado da Polícia Federal (PF) Fabiano Bordignon para o comando do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), também com atuação no Paraná. Além de chefiar a PF em Foz do Iguaçu, Borgidnon foi diretor de penitenciária federal de Catanduvas (PR). Moro teve contato com o delegado quando era juiz corregedor da penitenciária. “É uma função estratégica, nós todos sabemos que os presídios no Brasil constituem uma espécie de problema devido à questão de superlotação e fragilidade de certos presídios”, declarou Moro.

A indicação de procuradores e delegados federais para funções estratégicas no Ministério da Justiça, porém, já está gerando insatisfação entre os integrantes da chamada “bancada da bala” no Congresso, principalmente entre os parlamentares que são policiais militares e estão sendo pressionados pelos coronéis da ativa. O maior foco de insatisfação está em São Paulo, corporação à qual pertence o deputado e recém-eleito senador Major Olímpio.

Diretor da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o parlamentar é uma estrela em ascensão na política paulista e já exerce grande liderança entre os parlamentares do PSL, partido de Bolsonaro, porque é um dos mais experientes da bancada. Foi deputado estadual e assumiu seu primeiro mandato como deputado federal após ser eleito no pleito de 2014, com 179.196 votos. Agora, em 2018, foi eleito senador por São Paulo, com 9.039.717 votos.

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El País: Bolsonaro obedece hierarquia do Exército e anuncia novo comandante

Futuro ministro da Defesa também divulga nomes da Marinha e da Aeronáutica

Por Afonso Benites, do El País

O presidente eleito Jair Bolsonaro obedeceu a hierarquia militar e escolheu um colega de turma para comandar o Exército brasileiro a partir do ano que vem. O general Edson Leal Pujol será o chefe da força terrestre. Apesar de ser o mais velho entre os potenciais candidatos, ele não era o favorito do presidente. O preferido era o general Paulo Humberto César de Oliveira, atual número dois da instituição.

Além dele, outro concorrente era Mauro César Lourena Cid, chefe do departamento de Educação e Cultura do Exército. Os três se formaram na Academia Militar dia Agulhas Negras com Bolsonaro no ano de 1977. Eles chegaram ao topo da carreira, enquanto o presidente eleito abandonou a carreira para se dedicar à política.

Pesou a favor de Pujol o respeito à tradição do Exército de que o mais antigo quadro da ativa fosse o elevado ao comando. Atualmente ele ocupava o cargo de chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército.

O anúncio foi feito na tarde desta quarta-feira pelo futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Também foram divulgados os nomes dos comandantes da Marinha, almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Antônio Carlos Moretti Bermudez.

Em princípio, Bolsonaro cogitou a possibilidade de manter os atuais chefes das duas forças, respectivamente, Leal Ferreira e Nivaldo Rossato. Mas ele mudou de ideia e decidiu seguir também o critério de antiguidade entre os militares com as maiores patentes na ativa. O futuro ministro, general Fernando, disse que a Defesa é o ministério que menos terá mudanças. "Ele é baseado nas Forças Armadas, que são instituições sólidas e organizadas".


Luiz Carlos Azedo: Tropa de choque aflita

“O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM. Bolsonaro precisou acalmar a própria bancada”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, precisou passar na reunião das bancadas do PSL na Câmara e no Senado, ontem, para apagar um princípio de incêndio por causa do descontentamento do seu próprio partido com a nomeação de três ministros do DEM em áreas politicamente estratégicas do futuro governo: a poderosa Casa Civil, que coordenará a articulação política e ficará a cargo de Onyx Lorenzoni, e os dois titulares da área política indicados até agora, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na Saúde, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), na Agricultura. A senadora Soraya Thronicke, eleita pelo PSL no Mato Grosso do Sul, puxou o coro de descontentes, porque ficou sabendo da nomeação de Tereza Cristina pela imprensa.

Na Câmara, o foco de descontentamento vem de Goiás: o deputado Delegado Waldir lançou sua candidatura a presidente da Câmara e pleiteia o apoio da bancada do PSL, que é a segunda da Casa, com 52 parlamentares. Foi preciso que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), aliada incondicional de Bolsonaro, saísse em defesa do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM na montagem do governo. Ela minimizou o desagrado: “Foi uma reunião em que alguns parlamentares apresentaram certo descontentamento, certo desconforto”, declarou.

Bolsonaro justificou as nomeações com o argumento de que as indicações de Mandetta e Tereza Cristina não foram feitas pelo partido, mas por frentes parlamentares que eles representam, da saúde e do agronegócio, respectivamente. O fato de ambos serem do DEM e do Mato Grosso do Sul, segundo o presidente eleito, foi mera coincidência. O problema é que o DEM, com apenas 29 deputados eleitos para a próxima legislatura, ocupa postos estratégicos do governo. Atrás somente do PT, que elegeu 56 parlamentares, o PSL pretende filiar deputados dos partidos que não atingiram a chamada cláusula de barreira e se tornar a maior bancada da Câmara. Atualmente, tem apenas oito deputados, ou seja, a grande maioria da bancada é formada por estreantes.

O deputado Major Olímpio, eleito senador por São Paulo, defende uma posição mais agressiva do PSL na Câmara, confrontando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pleiteia a reeleição. Para isso, pretende lançar a candidatura de Luciano Bivar, presidente do PSL, ao comando da Câmara. Se isso ocorrer, será uma saia justa para Bolsonaro, que publicamente vem anunciando a intenção de manter distância da disputa no Legislativo. Ontem mesmo, manifestou essa posição em conversa com um dos concorrentes de Maia, o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da Câmara. A indicação do advogado Gustavo Bebianno para a Secretaria-Geral da Presidência também pode acalmar um pouco o PSL. Um dos conselheiros de Bolsonaro, ele exerceu a presidência interina do partido durante a campanha eleitoral e conquistou a confiança do presidente eleito.

Com apenas quatro senadores, o PSL não tem a menor chance de disputar a Presidência do Senado. A tendência é fazer uma composição com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), mas esse acordo pode ser uma espécie de anticlímax na estratégia parlamentar de Bolsonaro, que fez uma campanha contra o sistema político e renegou o chamado “presidencialismo de coalizão”. Característica de todos os governos formados desde a redemocratização, o loteamento da Esplanada dos Ministérios entre os partidos da base fez do MDB, do DEM e do PP os fiadores da estabilidade dos governos no Congresso, na base do toma lá dá cá, ou seja, da distribuição de cargos e verbas em troca de apoio para votação de matérias de grande interesse do governo. Um compromisso de campanha de Bolsonaro é mudar essa relação, daí a estratégia de composição com as frentes parlamentares. Entretanto, o apoio desses parlamentares está relacionado às agendas corporativas que defendem; o problema é que isso não significa apoio a todas as propostas do governo, como a reforma da Previdência, que enfrenta o lobby das corporações.

Militares
O futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, anunciou, ontem, os novos comandantes militares:
Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica, é gaúcho, foi comandante da Base Aérea de Brasília, diretor-geral do Departamento de Ensino da Aeronáutica e adido de Defesa e Aeronáutico nas embaixadas do Brasil na França e na Bélgica. Atualmente, é o comandante-geral de Pessoal da FAB.
O general Edson Legal Pujol, futuro comandante do Exército, é colega de turma de Bolsonaro. Foi comandante Militar do Sul, secretário de Economia e Finanças, chefe do Centro de Inteligência do Exército, e instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras. Comandou a Força de Paz Minustah, no Haiti, e atuou como observador militar da ONU em El Salvador.
O almirante Ilques Barbosa Júnior, paulista, é o chefe do Estado-Maior da Armada (EMA), foi comandante do 1º Distrito Naval, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha e diretor de Portos e Costas.

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Luiz Carlos Azedo: O bom e o ruim

“O Brasil vive sob o signo do maniqueísmo. Entretanto, os grandes problemas não decorrem das ideologias, mas da realidade objetiva do país”

Maniqueu, filósofo cristão do século 3, também conhecido como Manes ou Mani, dividia o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo. Ganhou influência no mundo greco-romano a partir das antigas Babilônia e Pérsia, sincretizando ideias do hinduísmo, do budismo, do judaísmo e do cristianismo, depois de viajar pela Índia, China e Tibete. Foi perseguido pelos sacerdotes do zoroastrismo, os Magos, durante o reinado de Vararanes 1º (274–277). Preso e condenado como herege, foi esfolado vivo: sua carne foi atirada ao fogo e a pele, crucificada em praça pública, na cidade de Bendosabora, no atual Iraque.

Para Maniqueu, a luz e as trevas originaram o mundo material, essencialmente mau. Por isso, os “pais da Justiça” vieram à Terra redimir os homens, mas a mensagem deles foi corrompida. Maniqueu pretendeu completar a missão deles, como o salvador prometido por Cristo, que detinha os segredos para a purificação da luz, destinados apenas àqueles que tinham uma vida ascética. No dualismo maniqueísta, a matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com o tempo, maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do bem e do mal.

Seu mais famoso discípulo foi Agostinho de Hipona, Santo Agostinho, que fundou as bases da filosofia adotada pela Igreja Católica, depois de romper com o maniqueísmo. Até então, os filósofos cristãos defendiam que o fundamento e a essência da vida deveriam ser a fé. A partir dela, os homens tomariam decisões importantes em suas vidas e realizariam os julgamentos morais. A razão regia decisões menores e rotineiras da vida cotidiana. Profundo conhecedor de diversas religiões, porém, Agostinho buscou na Razão a justificativa para a fé. Foi além da própria fé para levar os descrentes a considerá-la. Por exemplo, defendeu o livre-arbítrio como uma graça divina. De fato, liberdade não combina com maniqueísmo.

Mais médicos
Desde a campanha eleitoral, o Brasil vive sob o signo do maniqueísmo; talvez tenha sido determinante do resultado das eleições, tanto para bolsonaristas como para petistas. Esse maniqueísmo vem desde o “nós contra eles” da reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e contamina toda o debate político. Entretanto, os grandes problemas nacionais, ao contrário do que muitos imaginam, não decorrem das ideologias, mas da realidade objetiva do país.

Exemplo de maniqueísmo é a discussão sobre o programa Mais Médicos, que está contaminada pela disputa eleitoral. O problema atinge 2.885 prefeituras, das quais em 1.575 municípios com menos de 20 mil habitantes. São 8.500 equipes de Saúde da Família que ficarão desfalcadas em 40 dias, em razão da decisão do governo cubano de repatriar esses profissionais, antes da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Bolsonaro sempre foi um crítico do programa. Diz que os médicos trabalham em regime de escravidão e que a maior parte do que deveriam receber vai para o governo cubano. Também questiona a qualificação dos médicos. A sua posição tem a ver com a narrativa da campanha eleitoral, ou seja, é uma promessa de campanha endossada pela maioria dos eleitores. A decisão cubana, obviamente, tem a ver com a nova política externa a ser implementada por Bolsonaro, cuja teologia é maniqueísta, se levarmos em conta os novos paradigmas do futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Fraga Araújo. Essa é a parte ruim do caso Mais Médicos.

A parte boa, digamos assim, é que Bolsonaro mudou sua agenda dos 100 primeiros dias de governo, que naturalmente seria focada nas questões da segurança pública e da corrupção, além da Previdência e do corte de gastos. Com o fim da parceria com Cuba, a agenda da saúde pública caiu antecipadamente no colo de novo presidente da República, que precisa de um novo programa para enfrentar o problema. Uma das alternativas seria militarizar a contratação de médicos para atuar em locais remotos, pequenos municípios e periferia das grandes cidades, oferecendo serviço temporário nas Forças Armadas para médicos residentes e recém-formados , como acontece com os atletas olímpicos.

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Luiz Carlos Azedo: O mundo de Bolsonaro

“Os efeitos das tarifas impostas por Trump às importações chinesas, assim como das restrições de acesso a tecnologias americanas, já desaceleram o comércio mundial, o que não é bom para o Brasil”

Na montagem de sua equipe, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já deu pistas de como a banda vai tocar no seu governo em relação a alguns temas da agenda nacional. Por exemplo, ninguém pode dizer que se enganou em relação ao futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, cuja pasta combaterá o crime organizado e a corrupção. A mesma coisa pode-se dizer quanto ao superministro da Fazenda, Paulo Guedes, que o mercado conhece muito bem. Idem para a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), indicada pelo agronegócio de exportação. O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também não engana ninguém: seu estilo e modo de operar no Congresso são conhecidos.

O que permanece uma incógnita é a relação do futuro governo com a política mundial. Os sinais de Bolsonaro eram no sentido de um alinhamento automático com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Deu várias declarações nessa direção, seja em relação aos acordos multilaterais, como o Mercosul e o de Paris, seja em questões mais específicas, como as relações comerciais com a China e a intenção de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Ocorre que essas declarações tiveram repercussão muito negativa, e as eleições norte-americanas de 6 de novembro mostraram que o vento mudou em relação a Trump. Com os democratas conquistando a maioria na Câmara, nada será como antes.

Nos bastidores da transição, com o roque do Ministério da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), as quatro estrelas do general Augusto Heleno passaram a brilhar mais do que todas as outras, inclusive as do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que é mais “moderno”. Essa mudança tem impacto no posicionamento estratégico de governo sobre vários temas, um deles é a política externa. Desde a Guerra das Malvinas, quando os EUA deram apoio logístico aos ingleses e, inclusive, inviabilizaram a utilização de seus mísseis pelos argentinos, a velha Doutrina Monroe caducou.

Vigorava desde 2 de dezembro de 1823, quando o presidente James Monroe, no Congresso norte-americano, disse que o continente não deveria aceitar nenhuma intromissão europeia: “América para os americanos”, proclamou. De uma só vez, os EUA rechaçaram a criação de novas colônias no continente, a interferência de nações europeias em questões internas e a neutralidade norte-americana em conflitos envolvendo países europeus. Esses princípios funcionaram contra a Espanha e a antiga União Soviética, mas não contra o principal aliado dos EUA no Atlântico, a Inglaterra. A guerra das Malvinas aprofundou o chamado “pragmatismo responsável” dos chanceleres Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro. Durante os governos Geisel e Figueiredo, respectivamente, o Brasil abandonou o alinhamento automático aos Estados Unidos.

Guerra comercial
Nessa época, o redirecionamento da política externa para as relações Norte-Sul mirava principalmente a África e os países árabes; o eixo do comércio mundial não havia se deslocado do Atlântico para o Pacífico, como acontece agora. Mas, com essa mudança, a China acabou se transformando no principal parceiro comercial do Brasil, desbancando os Estados Unidos. Ocorre que nossa infraestrutura de comércio exterior e logística está voltada para o Atlântico, não temos escala de investimentos para redirecioná-la ao Pacífico com a eficiência e a rapidez necessárias. Quem paga o preço é a nossa indústria.

É nesse contexto que o jovem chefe do Departamento de Estados Unidos, Canadá e OEA do Itamaraty, o ministro de primeira classe Ernesto Henrique Fraga Araújo, encantou Bolsonaro com um artigo “presbítero” publicado na revista do Itamaraty, intitulado “Trump e o Ocidente”. No texto, afirma que o presidente norte-americano está salvando a civilização cristã ocidental do islamismo radical e do “marxismo cultural globalista”, ao defender a identidade nacional, os valores familiares e a fé cristã. Música para os ouvidos de Bolsonaro.

Entretanto, o cargo de ministro das Relações Exteriores exige muito mais do que uma visão religiosa de mundo. Outros nomes já foram sugeridos a Bolsonaro, entre os quais o atual embaixador no Canadá, Paulo Bretas, e os ex-embaixadores em Washington Roberto Abdenur, Sergio Amaral e Rubens Barbosa. A escolha de um deles definirá os rumos da política externa de Bolsonaro, num momento em que o Brasil, como outros emergentes, pode virar marisco na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os efeitos das tarifas impostas por Trump às importações chinesas, assim como das restrições de acesso a tecnologias americanas, já desaceleram o comércio mundial, o que não é bom para o Brasil, a não ser que os Estados Unidos voltem a reduzir a sua taxa de juros, o que enfraqueceria o dólar e beneficiaria os emergentes. Mas aí já é adivinhação.

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Luiz Carlos Azedo: Acordar com passarinhos

“Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras”

Nos dois dias que passou em Brasília, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, mudou a rotina do prédio da quadra de deputados onde tem apartamento funcional, com a grande movimentação de pessoas a partir das cinco horas da madrugada, já em pleno horário de verão. Participou das comemorações dos 30 anos da Constituição, reuniu-se com os presidentes do Supremo Tribunal Federal e com os ministros do Superior Tribunal de Justiça, trocou figurinhas com o presidente Michel Temer e incorporou à transição dois futuros ministros, o juiz federal Sérgio Moro, que comandará um superministério da Justiça, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), que assumirá o Ministério da Agricultura sem o pepino do meio ambiente.

Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras. Deve ser até angustiante, principalmente para os generais que compõem seu estado-maior, constatar a desorganização da tropa. Militares têm regras rígidas de “apronto operacional” e “aprestamento pessoal”. No manual, uma tropa “só pode ser considerada adestrada quando dispuser de homens prontos para serem empregados no mais curto espaço de tempo a partir do momento em que for acionada”. Por enquanto, Bolsonaro está muito longe disso. O mais provável é que isso nunca aconteça, pois o governo não é uma unidade militar, é uma organização civil, ainda que com forte presença de militares.

Todo governante assume o mandato cheio de energia e disposição de pôr a tropa na rua; quer dizer, o bloco na rua. Lembro-me do começo do governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, eleito em 1982, num tsunami, como o que aconteceu agora no Brasil. No primeiro dia de mandato, o governador madrugou no Palácio Guanabara, para desespero dos repórteres que cobriam a administração estadual. Na primeira coletiva, disse que chegaria com os passarinhos. O repórter Ernesto Rodrigues, desde aquele dia, passou a anotar o horário de chegada de Brizola. Ao fim dos 100 primeiros dias de administração, quando geralmente acaba a lua de mel com a imprensa, o jornalista emplacou a manchete do Globo: “Brizola já não chega com os passarinhos”. Houve dias em que o governador nem sequer apareceu no seu gabinete, despachou do próprio apartamento, em Copacabana.

Palácios de governo são “jaulas de cristal”. O governante é cercado pelos áulicos e se isola da sociedade, mas muito do que acontece nos bastidores do seu gabinete acaba chegando à opinião pública. Árbitro de disputas constantes no interior de sua equipe, isso acaba agravando a solidão do poder, pois tudo o que um governante fala e decide acaba pondo mais lenha na fogueira das rivalidades, intrigas e idiossincrasias dos integrantes de sua equipe. Antes mesmo de tomar posse, a disputa se instala: primeiro entre a tropa de assalto, aqueles que chegaram primeiro e carregaram nas costas a campanha eleitoral, e a tropa de ocupação, os que foram chamados a compor a equipe por serem supostamente mais capazes de exercer as funções técnicas de governo.

Pelo Twitter

Divergências na equipe são a parte mais complicada. Muito da crise que levou à renúncia o presidente Jânio Quadros, segundo relato do jornalista Carlos Castelo Branco, que foi assessor de imprensa dele, foi consequência das disputas e intrigas entre José Aparecido e Raul Riff, dois colaboradores íntimos do presidente da República. Na equipe de Bolsonaro, o chefe da transição, Onyx Lorenzoni, e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, superpoderosos, são dois fios desencapados. Não foi à toa que o general Augusto Heleno, homem acostumado a comandar gente da casca grossa, foi deslocado do Ministério da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Apesar de militar, já é o algodão entre os cristais.

O maior embate no interior do novo governo, provavelmente, será com a alta burocracia federal, que votou em massa em Bolsonaro, mas espera recompensas. Políticos se movem pela ética das convicções, quem zela pela legitimidade dos meios, ou seja, a ética da responsabilidade, é a burocracia. Ao defender a reforma fiscal, o enxugamento do governo e a reforma da Previdência, Bolsonaro desperta o mais profundo corporativismo entre os servidores públicos. Além disso, o exercício do poder exige paciência e muita reflexão; o voluntarismo pode ser desastroso. Não é possível governar só pelo Twitter. O tipo de comunicação que adotou na campanha, por exemplo, nem sempre funciona na gestão pública, em que os binômios “comunicar-executar” e “executar-comunicar” se alternam de acordo com as circunstâncias.

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El País: Bolsonaro, o capitão que trouxe os generais de volta ao poder

Entre três e cinco militares devem ocupar cargos no primeiro escalão do presidente eleito brasileiro

Por Afonso Benites, do El País

Recém-eleitos presidente e vice-presidente do Brasil, o deputado federal e capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (PSL) e o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), os primeiros militares a chegarem ao poder pelo voto no Brasil desde 1946, já preparam para povoar o Governo de generais e outros ex-comandantes das Forças Armadas. Entre o grupo que elaborou as estratégias de seus primeiros meses de gestão há a expectativa que entre três e cinco militares ocupem os ministérios, que devem totalizar de 15 a 18 pastas após uma reforma administrativa – hoje são 29. Dezenas de outros militares e policiais militares de patentes inferiores se preparam para atuar em cargos secundários. Em se confirmando essa previsão, será a primeira vez desde o fim da ditadura militar brasileira (1964-1985) que tantos militares terão voz de comando na república.

Ao menos um general da reserva já tem assento garantido, Augusto Heleno, que comandou as tropas da Organização das Nações Unidas no Haiti em 2004. Heleno é o principal elo entre Bolsonaro e as Forças Armadas, além de ser o coordenador do plano de Governo dele e responsável por gerenciar um grupo de 50 profissionais que traçam as diretrizes da administração federal. O presidente eleito já o destinou para o ministério da Defesa.

Outros dois generais estão cotados para o ministério da Infraestrutura – uma pasta que deverá substituir o Transporte – e para o da Ciência, Tecnologia e Comunicação. Para a primeira, o preferido é o general Oswaldo Ferreira, que comandou o departamento de Engenharia e Construção do Exército. Na década de 1970, ainda como tenente, Ferreira trabalhou na construção da rodovia BR-163, a Cuiabá-Santarém, uma via de 1.780 quilômetros que liga o Centro-Oeste ao Norte do Brasil passando por parte da floresta amazônica. Sobre essa construção, ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo que derrubou “todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher ao saco”. “Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente para encher o saco”.

Já para a pasta de Ciência, Tecnologia e Comunicação, a expectativa é que seja nomeado o general Aléssio Ribeiro Souto, ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército ou o tenente-coronel da Aeronáutica e astronauta Marcos Pontes. Souto corre por fora pelo superministério da Educação, Cultura e Esporte, mas o favorito para esse cargo é Stravos Xanthopoylos, um professor da Fundação Getulio Vargas especialista em educação a distância. Esse ensino online, aliás, é uma das bandeiras da gestão Bolsonaro até para crianças da educação fundamental. Em caso de junção da pasta de Ciência e Tecnologia com a de Educação, Xanthopoylos deverá ocupar o ministério e Souto ou Pontes, alguma secretaria especial.

A unificação de ministérios já é a principal dificuldade que Bolsonaro encontra para a composição de sua equipe. Atualmente, há 29 pastas e ele prometeu em sua campanha a reduzir para 15. Dessa maneira, dois de seus ministros já definidos deverão ter uma espécie de superpoderes. O economista Paulo Guedes deverá comandar o ministério da Economia, que deverá unificar a Fazenda, o Planejamento e mais um ou dois ministérios. Enquanto que o deputado federal reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) será o responsável pela Casa Civil, que será juntada com os ministérios da Secretaria de Governo – pasta responsável pela articulação com o Congresso Nacional – e com Secretaria-geral da Presidência da República. Para a Secretaria de Governo, mais um militar é cotado, o deputado federal e candidato derrotado ao Governo do Distrito Federal, Alberto Fraga (DEM). Fraga perdeu a eleição depois de ter sido condenado em segunda instância por ter cobrado propina em contratos de transporte, no período em que foi secretário de Transporte do Distrito Federal.

Outro desafio de Bolsonaro será o de decidir se mantém o ministério extraordinário da Segurança Pública ou se o devolve para a Justiça. No caso de manutenção, a Segurança seria gerida por um general do Exército ou por algum representante das outras Forças, Aeronáutica e Marinha. Já a Justiça, deve ficar ou com o presidente interino do PSL, Gustavo Bebianno, ou com o advogado do partido nas causas no Supremo Tribunal Federal, Antonio Pitombo. O primeiro é visto como inexperiente para um cargo dessa envergadura. O segundo, ainda não demonstrou interesse.

Outros possíveis ministros são: o produtor rural Luiz Antônio Nabhan Garcia ou a deputada federal Tereza Cristina para a pasta de Agricultura e Pecuária, além dos médicos Henrique Prata e Nelson Teich para a Saúde. Ainda não foi descartada a presença do vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, em algum ministério.

Diante da onda de especulações nos últimos dias, Bolsonaro desautorizou que seus aliados passassem a ventilar os “ministeriáveis”. Em uma postagem em suas redes sociais, disse que apenas Onyx, Guedes e Heleno estavam garantidos. Os demais seriam oportunistas que se anunciam ministros, disse o deputado. “Com intuito de se promover ou nos desgastar, oportunistas se anunciam ministros. Estes, de antemão, já podem se considerar fora de qualquer possível governo”.

No entorno de Bolsonaro, a expectativa é que já nesta primeira semana após o segundo turno ele revele os nomes, se não de todos, mas de seus principais ministros. Uma das dúvidas é sobre quem ocuparia as Relações Exteriores, já que esse é um tema que ele tem pouca afinidade e nenhum nome foi especulado até o momento. O presidente eleito já disse anteriormente que sua preferência é por um diplomata de carreira.

Volta gradual
A presença de um militar na Defesa era, até o início deste ano, impensável no Brasil do século XXI. Desde 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a pasta tem sido comandada por um civil, uma maneira de remarcar que os militares estavam submetidos ao poder eleito diretamente. O atual presidente brasileiro, Michel Temer, contudo, alterou esse entendimento tácito e nomeou o general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa. Desde então, a presença de militares tem sido crescente na esfera federal. Um dos principais consultores de Temer é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Sérgio Etchegoyen. Além disso, durante a atual gestão, foi decretada uma intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, e essa área do Estado passou a ser gerenciada por militares, a mando da União.

Se não bastasse a presença de militares no Poder Executivo, no Judiciário eles também passaram a ganhar representatividade. Pela primeira vez, um presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antônio Dias Toffoli, é oficialmente assessorado por um general, Fernando Azevedo e Silva, ex-número dois do Exército. Antes de ocupar o posto, este militar ajudou na elaboração do plano de Governo de Bolsonaro e mantém relações pessoais com o general Mourão.


Ricardo Noblat: A intervenção desarmada

O risco de tutelar o governo

Celebrem os comandantes militares se suas fardas saírem apenas levemente manchadas das eleições prestes a terminar. E se acautelem para que o pior não esteja por vir.

Pode ter colado até um dia desses a história de que o entusiasmo pela candidatura do capitão Jair Bolsonaro era coisa da tropa rude e ignara, jamais de oficiais com patente elevada.

Não cola mais. Oficiais da reserva de alto coturno assessoram Bolsonaro e participarão do governo caso ele se eleja. E às sombras, oficiais da ativa colaboraram com o candidato e torcem pelo seu sucesso.

O bolsonarismo infiltrou-se nas Forças Armadas como se fosse um vírus poderoso, e é. O sonho de um governo tutelado discretamente pela farda deixou de ser um sonho e está à vista de quem sabe enxergar.

Relatórios de inteligência produzidos por órgãos do governo e das três armas ajudam Bolsonaro a planejar seus movimentos de campanha e a selecionar futuros auxiliares. Nada de parecido havia acontecido até hoje.

A intervenção desarmada só servirá para enfraquecer a democracia submetida por aqui a estresses tão duros desde que foi restaurada há somente 33 anos.

Mesmo que ela resista a mais um teste, o eventual fracasso de um governo como o que se anuncia poderá causar estragos à imagem dos seus patrocinadores ocultos, dissimulados ou assumidos.

As Forças Armadas são a instituição de maior prestígio no país ao lado de outras poucas. Não há por que correr o risco de jogar fora o que conquistou com tanto empenho e sacrifício.

Cala a boca, Bolsonaro!
Um pouco de emoção faz bem

Quem se limitava a contar sem disfarçar o tédio os dias que faltavam para que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) se elegesse presidente da República agora não poderá mais se queixar. Pelo menos até sábado, quando o Ibope divulgará sua última pesquisa de intenção de votos, haverá espaço para alguma emoção. Menos mal.

A pesquisa Ibope conhecida ontem só trouxe más notícias para o candidato que tinha a faixa presidencial ao alcance da mão. Sua vantagem sobre Fernando Haddad (PT) caiu quatro pontos percentuais. Aumentou a rejeição de Bolsonaro. E diminuiu o percentual dos que com certeza diziam que votariam. Não é nada, não é nada, mas pode ser.

Eleição só acaba quando acaba, cansam de repetir os que já acompanharam de perto muitas delas. Livros contam histórias de eleições que foram tratadas como decididas de véspera e que tiveram um desfecho surpreendente. Mas isso não quer dizer que Bolsonaro possa estar perto de perder seu favoritismo. Longe disso.

Bolsonaro tem tudo para vencer no próximo domingo, e com folga. Que ninguém se surpreenda se ele bater o recorde de Lula que em 2002 se elegeu com 62% dos votos válidos. Todos os fatores que impulsionaram sua candidatura ladeira acima permanecem vivos e em bom estado. Só o acaso poderia aprontar uma surpresa.

O acaso – ou melhor: a imprevidência – pode explicar o eventual freio na trajetória ascendente de Bolsonaro. Teve a denúncia de que notícias falsas poderão tê-lo beneficiado no esforço de se eleger direto no primeiro turno. Teve o vídeo de um dos filhos sobre como fechar o Supremo Tribunal Federal. E teve a fuga de Bolsonaro aos debates.

É impossível medir o efeito de cada um desses episódios sobre o desempenho do candidato. Mas algo de negativo aconteceu para que ele parasse de crescer. Certamente não foi nada que se possa atribuir a Haddad, um candidato de pouco brilho e, ainda por cima, sabotado dentro do próprio partido por aqueles que preferiam outro nome.

O mais recomendável seria que Bolsonaro fechasse a sua e a boca dos que o cercam para que nada saia dali de impróprio até o início da noite de domingo. A essa altura, Bolsonaro só perderá para Bolsonaro, ou para os filhos intrépidos, ou para os Mourões da vida. Por falar nisso, quando será preso o coronel que no YouTube prega o golpe?


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai mexer com salários de servidores e militares?

Não deveria ser problema para quem quer caçar marajás, mas é difícil para quem se diz adepto de direito adquirido

Jair Bolsonaro prometeu acabar com a "farra de marajás", funcionários públicos que juntam penduricalhos a seus salários altos. Prometeu também reforma da Previdência aguada: "Não podemos penalizar quem já tem direitos adquiridos. O servidor público já sofreu duas reformas".

O candidato parece perdido entre dois mundos. Ainda vive na Terra do Nunca programático, que fica entre o país liberal de seu economista-chefe, Paulo Guedes, e a ilha das corporações estatais, entre elas a militar, da qual fez parte.

No entanto, a arrumação das contas públicas depende de um plano que tem de bulir com servidores públicos e aposentados em geral.

Gastos previdenciários levam 47,7% da despesa total do governo federal; outros 22% vão para gastos com servidores (salários, aposentadorias e benefícios). Somados, dão quase 70%.

O gasto com militares leva um quarto da despesa federal com o funcionalismo. De cada R$ 3 gastos com a folha de pessoal dos militares, R$ 2 vão para aposentadorias e pensões, que custam cerca de R$ 47,5 bilhões por ano.

Aposentados e pensionistas militares custam o equivalente a um ano e meio de Bolsa Família, por exemplo. Outra comparação: os investimentos federais (em obras, como estradas, ou outros) levam apenas 0,8% da despesa total, uma miséria. O gasto com a folha dos militares leva 5,5%.

Por falar em investimento, o orçamento do Ministério da Defesa nessa área perde apenas para o do Ministério dos Transportes. Nos últimos 12 meses, os investimentos da Defesa chegaram a R$ 10,4 bilhões, um quinto do total de investimentos federais. No Ministério da Saúde, investem-se R$ 5,2 bilhões.

Em si mesma, a lista dos investimentos da Defesa parece razoável. Pela ordem, gasta-se em aviões de combate (a compra e o desenvolvimento do caça sueco da FAB e do cargueiro novo da Embraer), em blindados, construção de submarinos, estaleiro naval, barcos, helicópteros, foguetes de artilharia.

Há também gastos quase "civis", como no sistema de controle do espaço aéreo ou no de vigilância de fronteiras, em um projeto de reator nuclear ou na reconstrução da estação de pesquisa na Antártica, aquela que pegou fogo em 2012.

É muito? No caso dos salários, nem tanto.

O rendimento médio dos servidores civis da ativa é cerca de 70% superior ao dos militares. Mas o salário médio do setor público federal é cerca de 30% superior ao dos empregados do setor privado formal com as mesmas características pessoais (idade, instrução, sexo etc.).

Essa conta está em relatório de pesquisa de Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, técnicos do FMI, publicado neste mês: "Rightsizing Brazil's Public-Sector Wage Bill" ("O Ajuste da Folha Salarial do Setor Público do Brasil").

De volta à folha dos servidores federais: seu custo equivale a 4,3% do PIB (dos quais 1,9% do PIB vão para aposentadorias e pensões). O pessoal do FMI acha que, para o ajuste das contas públicas dar certo até 2023, seria preciso reduzir tal despesa para 3,3% do PIB.

Um exemplo aritmético de como atingir esse objetivo: seria necessário conter reajustes salariais (mesmo pela inflação) e contratações por quatro anos, com o PIB crescendo a 3% ao ano. Não é uma receita, mas mostra o tamanho da encrenca.

Não deveria ser grande problema para quem quer caçar marajás, como Bolsonaro, mas é difícil para quem se diz adepto de direitos adquiridos —também como Bolsonaro.


Luiz Carlos Azedo: O mito positivista

“Bolsonaro está sendo obrigado a desdizer não somente seus auxiliares, como Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, e o vice, general Mourão, mas principalmente a si próprio”

No cavalo de pau dado pela campanha do PT, em razão da inviabilidade do projeto de “democracia popular”, que foi derrotado no primeiro turno, o candidato à Presidência Fernando Haddad deveria procurar nos seus alfarrábios um velho livro de Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, publicado em 1852. Talvez o professor de ciência política da Universidade de São Paulo, que virou clone do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encontre uma explicação para o que aconteceu em 7 de outubro. O “cretinismo parlamentar” desgraçou boa parte da elite política da Câmara e, principalmente, do Senado; o “transformismo” de seu partido fez do antipetismo uma força eleitoral avassaladora a favor de Jair Bolsonaro (PSL), protagonista de uma possível “restauração conservadora”, tal qual “o lunático Luís Napoleão, com meia dúzia de oficiais desconhecidos e cheios de dívidas”, nas palavras de Friedrich Engels, em carta ao seu amigo Marx.

Ao estudar a história da França entre a Revolução de fevereiro de 1848, que pôs fim à monarquia constitucional de Luís Felipe, e a Comuna de Paris, de 1871, Marx conceituou o “bonapartismo”, que até hoje gera controvérsias entre acadêmicos de esquerda, porque seria um meio-termo entre a “democracia burguesa” e o “fascismo”. Durante a ditadura militar, aqui no Brasil, provocou muita polêmica entre intelectuais e militantes de oposição, que se dividiam entre os que caracterizavam o regime como fascista, por causa do terrorismo político de Estado, e os que rejeitavam essa caracterização, porque não havia um partido de massas como na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. A essência do bonapartismo é a autonomia do Estado em relação às classes sociais e a existência de um líder político carismático e populista.

O chefe de Estado concentra um poder desproporcional em relação ao Legislativo e ao Judiciário, promove a centralização política em relação aos demais níveis de poder. Para governar, apoia-se na burocracia e nas Forças Armadas; suprime liberdades e reprime com violência a oposição e os movimentos sociais. Luís Bonaparte eliminou o Parlamento e tentou restabelecer o Império, mas tudo não passou de uma farsa. Por isso, o golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851 foi chamado de 18 Brumário por Marx, numa alusão ao golpe de Estado de Napoleão Bonaparte de 9 de novembro de 1799 (18 brumário no calendário da Revolução Francesa), que resultou no fim da Primeira República, proclamada em 1792, e no Consulado, que logo se transformaria no Império de Napoleão. Luís Bonaparte derrubou a república burguesa e instaurou o Segundo Império (1851-1870), no qual se proclamou Napoleão 3º, com a ambição de restaurar a obra de Napoleão 1º, seu suposto tio.

O projeto “bonapartista” subjacente no discurso de Bolsonaro, como a “democracia popular” de Haddad, pode ter sido derrotado no primeiro turno. Propostas de elaboração de uma Constituição por notáveis, a ser submetida a um referendo popular, e de alteração da composição do Supremo Tribunal Federal (STF), que ferem frontalmente a atual Constituição, já foram descartadas. Para vencer, Bolsonaro está sendo obrigado a desdizer não somente seus auxiliares, como Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda e do Planejamento, e o vice, general Hamilton Mourão, mas principalmente a si próprio. Sobram declarações e episódios que podem lhe tirar a vitória, se não forem renegados. O tema da violência, que catapultou sua candidatura, virou uma faca de dois gumes, porque a narrativa do duro combate ao crime organizado também alimenta a radicalização política e ideológica de seus partidários contra os adversários.

Positivismo
O Brasil já teve três presidentes militares eleitos: Floriano Peixoto (1991-1894); Hermes da Fonseca (1910-1914); e Eurico Gaspar Dutra (1945-1950). Foram duros com a oposição, especialmente Floriano, o “Marechal de Ferro”, que governou a maior parte do tempo com o país em Estado de Sítio. Ao concluir o mandato, todos entregaram o poder a presidentes civis. Durante o regime militar, o militar que permaneceu mais tempo no poder foi João Figueiredo, que governou por seis anos, perdeu a própria sucessão e devolveu o poder aos civis, com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. Getúlio Vargas, que foi ditador por 15 anos, presidente eleito, encerrou a carreira com um tiro no próprio peito. Não é fácil ser ditador no Brasil.

Na política brasileira, nunca o poder central teve tão pouca influência nas eleições. Os destinos do país estão sendo decididos pela sociedade, num pleito democrático, com ampla liberdade. A alternância de poder e o direito ao dissenso estão assegurados. O projeto político de Bolsonaro tangencia o velho positivismo da Escola Militar da Praia Vermelha e o castilhismo gaúcho, que são incompatíveis com nossa democracia. A atual Constituição, nosso mais valioso ativo democrático, só pode ser modificada pelo Congresso, que representa todos os eleitores, não apenas uma maioria eventual, caso do presidente eleito. Por isso, qualquer que seja o resultado das urnas, é melhor aceitar o resultado, com espírito autocrítico, para não repetir os erros no futuro. E respeitar a vontade popular.

 

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