Militares

Luiz Carlos Azedo: A montanha mágica

“A luta dentro do governo se parece com a disputa entre o humanista e enciclopedista Lodovico Settembrini e o jesuíta totalitário Leo Naphta, personagens de Thomas Mann”

Interessante a analogia feita por um dileto amigo, Arlindo Fernandes, entre a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Davos, acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do chanceler Ernesto Araujo, e o famoso romance do escritor alemão Thomas Mann que empresta o título à coluna, cuja história se passa exatamente naquela cidade dos Alpes, na Suíça. Segundo ele, a luta instalada dentro do governo, assunto sobre o qual conversávamos, se parece muito com a disputa entre dois personagens do romance, o humanista e enciclopedista Lodovico Settembrini e o jesuíta totalitário Leo Naphta, que protagonizam um choque entre ideias liberais e conservadoras junto ao jovem engenheiro naval alemão Hans Castorp.

Mann começou a escrever A montanha mágica em 1912, quando sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos, para se curar de uma tuberculose. Três anos depois, indeciso sobre os rumos do romance, interrompeu a obra. Havia apoiado a Primeira Guerra Mundial, porque seria “a guerra para terminar todas as guerras”, e estava em conflito com o próprio irmão Heinrich, também escritor, em relação ao papel da Alemanha e à própria guerra. Thomas defendia uma Alemanha unificada, poderosa e zelosa de sua cultura; o irmão desprezava o provincianismo autoritário e acrítico dos alemães à época. Após a guerra, Thomas Mann termina de escrever seu romance, já com uma visão mais crítica sobre tudo o que havia ocorrido; mais tarde, se posicionaria contra a II Guerra Mundial e a própria Alemanha. O romance também reflete esse embate de ideias com o irmão.

O Sanatório Internacional de Berghof é um estabelecimento fictício, vizinho à antiga e luxuosa casa de Repouso Schatzalp, que inspirou o escritor alemão e, por isso, costuma receber levas de leitores-turistas fascinados com o livro. Virou hotel em 1954, como o Waldhotel, o antigo Waldsanatorium, onde Katia Mann, mulher de Thomas Mann, se internou em 1912. A visita que o romancista fez à esposa por três meses o inspirou a escrever. Personagem principal do romance, Hans Castorp é um jovem alemão com os seus 20 anos, prestes a ter uma carreira naval em Hamburgo, sua cidade natal, que viaja para visitar seu primo tuberculoso Joachim Ziemssen, num sanatório em Davos.

Durante sua longa permanência, conhece personagens que representam um microcosmo do pensamento do pré-guerra na Europa. Além de Setembrini e Naphta, a hedonista Mynher Peerperkorn e Madame Chauchat, por quem se apaixona. Após sete anos, antes de ir para a guerra para morrer como um soldado anônimo, Castorp descobre a arte, a cultura, a política, a fragilidade humana e o amor; o tempo, a música, o nacionalismo, as questões sociais e as mudanças. Todas as ideias do século XX estão presentes no romance, que é considerado uma “obra de formação”.

Onde está a analogia? O italiano Lodovico Settembrini representa o humanismo e o iluminismo, atribui o progresso humano à ciência, defende a democracia liberal e acredita no livre-arbítrio. Leo Naphta, cristão novo, interrompeu os estudos teológicos na Companhia de Jesus por causa da tuberculose, mas vê a fé como o sentido da vida e das ações. Defende os atos sangrentos cometidos pela Igreja ao longo da história, vê na ciência e nas explicações racionais os horrores das rebeliões liberais, como a Revolução Francesa.

Disputa política

De certa forma, essas duas tendências estão representadas no governo Bolsonaro, por alguns de seus integrantes: a primeira, pelos ministros Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça), Osmar Terra (Cidadania), Teresa Cristina (Agricultura), principalmente; a segunda, por Ernesto Araujo (Relações Exteriores), Ricardo Velez-Rodriguez (Educação) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), sobretudo. O predomínio de uma ou outra no governo dependerá muito do papel dos militares e da cabeça de Bolsonaro, no exercício da Presidência da República.

A viagem a Davos pode fazer bem a Bolsonaro, pois lá serão debatidas ideias novas para uma situação de crise da ordem de liberal, num mundo que passa por grandes transformações tecnológicas e um enorme desajuste econômico e social entre as nações mais avançadas, as emergentes e as que foram deixadas para trás. O grande sanatório geral descrito por Thomas Mann em seu romance parece estar de volta à política mundial, com sinais trocados.

A partir de quarta-feira, 2.340 pessoas de 89 países, que compõem a elite econômica e política mundial, estarão confinadas num centro de conferências, cercadas de neve e seguranças por todos os lados, durante cinco dias, até o dia 29. A guinada ultraliberal do Brasil na economia desperta interesse, o antiglobalismo da nova política externa, um grande espanto. As estrelas do encontro serão a Índia, cujo avanço econômico retira da miséria milhões de cidadãos por ano; e a China, que assumiu a linha de frente da globalização. O presidente norte-americano Donald Trump, com a crista baixa por causa da crise com o Congresso norte-americano, não vai a Davos nem mandará representantes; a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, balançando no cargo por causa do Brexit, também cancelou a participação.

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Vera Magalhães: Presidente ou sindicalista?

Bolsonaro terá de mostrar se fez a conversão liberal ou se continua um defensor das pautas militares

Nas duas primeiras semanas de governo de Jair Bolsonaro, uma das únicas coisas virtuosas foi justamente aquela que é mais importante, e a que corre mais riscos, pelo andar da carruagem dos últimos dias: a aula de liberalismo de Paulo Guedes, que parecia apontar para uma mudança concreta de diretriz econômica num País pouco afeito a temas como responsabilidade fiscal, eficiência do Estado e estímulo ao empreendedorismo.

Parecia. O levante organizado pelos militares tão logo vislumbraram a possibilidade de serem incluídos na reforma da Previdência será o primeiro e decisivo teste para Bolsonaro demonstrar, na prática, se fez mesmo sua conversão no altar do liberalismo ou se continua sendo aquilo que sempre foi: um ardoroso defensor das causas sindicais dos militares – a quem continua tratando como “nós” mesmo depois de empossado, numa clara demonstração de que ainda não entendeu a dimensão do novo cargo que ocupa, e o fato de que agora não é mais o “capitão”.

Uma pista a respeito do lado para o qual ele pode pender foi dada em seu discurso na transmissão de cargo do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Ali, no dia 1 de seu governo, Bolsonaro voltou a encarnar o sindicalista que foi nos seus 27 anos de Câmara. “Um breve histórico, já que falamos de Defesa”, começou Bolsonaro, naquela prosódia de quem está lendo um ditado. E se pôs a elencar os governos que o antecederam. Não para se ombrear com os presidentes, mas com os militares, enumerando perdas e ganhos salariais, leis que retiraram benefícios, contingenciamento de recursos para as Forças Armadas e por aí afora. Apenas pautas corporativas. Nenhuma grande questão de Defesa. “Nós fomos um tanto quanto esquecidos”, se lamuriou.

Com um presidente que se apresenta como um deles e representados como nunca estiveram desde a redemocratização na estrutura política do governo, os militares já trataram de marcar posição na questão da reforma: acham que têm de ficar fora do regime que for fixado para servidores, pelas especificidades da carreira.

Reportagem do Estadão da última semana mostrou que o déficit da Previdência dos militares cresce mais que o dos servidores civis e o do INSS. Hoje, 90% dos militares se aposentam antes dos 54 anos, sendo que 50% o fazem antes de 49. Mais de metade do orçamento da Defesa é destinado ao pagamento de pensões ou aposentadorias.

Quando se aposenta – mesmo quando o faz dessa forma prematura, muitas vezes por questão de hierarquia, para evitar que um subordinado seja mais antigo que um superior, por não ter progredido de patente –, o militar leva 100% do último soldo. Por qualquer ângulo que se olhe essa realidade é incompatível com o saneamento do sistema previdenciário.

Propostas de reforma como a dos economistas Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery atacam essa questão e enquadram os militares na regra geral. A equipe de Paulo Guedes pretende ir pelo mesmo caminho, comprando a briga de defender a reforma mais abrangente possível no Congresso.

Mas, para ter sucesso, precisará de respaldo político. E é aí que mora o perigo. Num governo em que o presidente vive um dilema hamletiano entre ser ou não ser mais um capitão e os militares estão em algumas das principais posições de poder e já fincaram o pé contra a proposta, a balança parece desequilibrada em desfavor do “posto Ipiranga”.

Excluir os militares é a primeira brecha para começar a fazer da reforma um queijo suíço em que cada lobby organizado vai lá e fura um buraquinho. Daí para perder o embalo político capaz de assegurar sua aprovação o caminho é curto e bastante conhecido, pois foi o trilhado por todos os governos que antecederam o atual.


Bernardo Mello Franco: Privilégios da farda: Bolsonaro sempre defendeu aposentadoria especial de militares

Está montada a arena para o primeiro duelo entre a equipe econômica e o núcleo militar do governo. Os generais prometem resistir a qualquer tentativa de incluir as Forças Armadas na reforma da Previdência. Eles cavaram a trincheira nos últimos dias, com recados públicos aos “Chicago Oldies” de Paulo Guedes.

Na terça-feira, o ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo) desembainhou a espada. “Militar é uma categoria muito marcante, de farda”, disse. Ele afirmou que a carreira possui “características especiais”. É um argumento comum a policiais, juízes, promotores e outras corporações que defendem seus interesses.

O ministro Fernando Azevedo e Lima (Defesa) também defendeu tratamento especial aos militares. “Se o nome é reforma da Previdência, não estamos nela”, decretou, em entrevista ao “Valor Econômico”.

A equipe econômica quer incluir os militares na reforma para “dar o exemplo” e mostrar que ninguém será poupado. Ao cortar regalias da farda, o governo indicaria que o aperto valerá até para os amigos do presidente. Se a aposta for essa, é melhor jair refazendo as contas.

Há mais de um quarto de século, Bolsonaro é um combatente incansável pelos privilégios dos militares. Em 1993, ele já dizia que as consequências de uma reforma seriam “as piores possíveis”. “Não posso admitir calado a marcha dos militares para a Previdência”, afirmou.

Dois anos depois, o capitão acusou o presidente Fernando Henrique Cardoso de patrocinar uma reforma “insana”. “O governo agora quer assassinar os militares da reserva e os pensionistas dos militares”, dramatizou.

Em 1998, Bolsonaro se opôs ao fim do pagamento de pensão às filhas dos militares. “É um negócio chato de falar”, reconheceu. Na sequência, ele alegou que a regalia teria sido criada em 1790, como se a antiguidade justificasse a manutenção do privilégio.

No mesmo discurso, o futuro presidente definiu como “palhaçada” a ideia de mexer na aposentadoria dos militares. Em seguida, ele dissertou sobre a participação popular na política. “Detesto o Pelé, mas ele tem razão quando diz que o povo não sabe votar”, disse. “Se democracia é isso, prefiro a ditadura do Pinochet”, acrescentou.


Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima

Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!

Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.

Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.

Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?

Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.

Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.

De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.

Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?

O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...

Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.

O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.

Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.


Gaudêncio Torquato: A farda do político

Os militares encarnam a simbologia nacionalista

Jair Bolsonaro fez questão de exibir sua identidade verde-amarela ao adentrar o território da política. Ao puxar a bandeira brasileira do bolso e acenar para a multidão, no Parlatório do Palácio do Planalto, o presidente enalteceu compromissos de sua campanha: o verde-amarelismo abriga ânimo cívico, nacionalismo, soberania nacional, combate à ideologia de esquerda. O fecho da mensagem aponta a divisão entre seu eleitorado e contingentes lulopetistas: “essa bandeira jamais será vermelha”.

A expressão se fortalece em função de sua origem. Mais que outros segmentos, os militares encarnam a simbologia nacionalista, como definir o Brasil sob seu mando como enclave poderoso no sul do continente a lutar contra a foice e o martelo (o comunismo) e, por tabela, o socialismo, este suavizado por elementos do liberalismo, formando a social-democracia.

A esquerda tem se enfraquecido nos países social-democratas, casos de Alemanha, Itália, Espanha, Hungria, Polônia e até Suécia. A crise da democracia representativa fragiliza vetores, como arrefecimento das ideologias, declínio de partidos, desânimo das bases, fragmentação das oposições. Em contraposição, novos polos de poder se multiplicam em decorrência de coisas como a globalização, a imigração e o nacionalismo.

A globalização rompeu as fronteiras nacionais. A livre circulação de ideias e a troca de mercadorias contribuem para a formação de uma homogeneidade sócio-cultural, com prejuízo para os conceitos de soberania, independência, autonomia. Explosão demográfica, carências das margens sociais e conflitos armados aceleram processos migratórios. Na Europa, há o temor de que os imigrantes contribuam para o desemprego da população nativa, com impactos culturais descaracterizando signos e símbolos das Nações.

Nos Estados Unidos, os fenômenos são tratados de maneira dura por Donald Trump que insiste no muro na fronteira com o México, desfralda o discurso nacionalista de proteção ao emprego e melhora das condições de vida de populações ameaçadas pelo fluxo migratório. Daí sua posição ante a globalização, contrário a acordos patrocinados pela ONU sobre o clima, a situação de países como Venezuela, Cuba e Nicarágua e a política de defesa de direitos humanos.

Nessa encruzilhada, Bolsonaro e Trump se encontram. Como pano de fundo, vê-se a integração contra ideologias de esquerda, o fortalecimento de vínculos conservadores e o impulso ao liberalismo. Deixar o Estado com o tamanho adequado para cumprir suas tarefas. E manter o cobertor social no tamanho dos recursos. Nem lá nem cá. Mais: sem apoio a núcleos que batalham por direitos. (A decisão de combater o “politicamente correto” não seria resposta à ideologia de gêneros?)

Em suma, um programa arrojado na economia, ações no campo, combate à corrupção, disposição de cortar as fontes da bandidagem, desfralde dos valores da família, sob as bênçãos de Deus, é assim que o novo governo quer “consertar” o país.

P.S. Com direito da população de acompanhar tudo pela linguagem de Libras. Com a simpática Michelle, ao lado do marido, e seu cativante sorriso.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Luiz Carlos Azedo: O poder civil e os jabutis

“As exonerações em massa na Casa Civil, que tendem a se reproduzir em outras pastas, eram esperadas. Os cargos comissionados serão ocupados por quem venceu as eleições”

O sucesso de Jair Bolsonaro depende muito mais do poder civil do que do grupo de militares que cercam o presidente da República. Para ser mais claro, a médio e longo prazos, não é a retórica ideológica nem o esculacho da oposição que garantirão esse êxito, mas o desempenho dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Os generais terão um papel importante, principalmente para o governo não sair do próprio eixo, como parece acontecer no Itamaraty, mas isso dependerá também de suas concepções de gestão. Vamos por partes.

Paulo Guedes encontra uma casa arrumada do ponto de vista financeiro, não foi à toa que trouxe importantes integrantes da equipe econômica anterior para o time que montou, ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ontem, tenha levantado dúvidas sobre a movimentação financeira do governo no último mês. Na máquina federal, a correria para fazer empenhos e efetuar pagamentos em atraso no último mês do ano fiscal é normal. O problema do governo é outro: o deficit fiscal. Não há possibilidade de retomar o crescimento e enfrentar o desemprego em massa sem a reforma da Previdência.

Ninguém se iluda, há um alinhamento político favorável ao sucesso da nova equipe econômica. Como defendeu Guedes, o “projeto liberal democrata” de Bolsonaro não vive o dilema de quem pega o violino com a mão esquerda e toca com a direita. “A aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia”, como definiu Guedes, é robusta, porque conta com o apoio da maioria da população. Enfrentará resistência das corporações, inclusive militar, mas o maior perigo é a recidiva do patrimonialismo dos que vivem à custa das rendas e benesses do Estado. Eles aparecem onde menos se espera.

Abrir a economia, privatizar as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para estados e municípios não são um “estelionato eleitoral”. O governo foi eleito com essa pauta. Se vai dar certo é outra história, mas, desta vez, as chances realmente são maiores. E as políticas sociais? Bolsonaro somente prometeu prioridade para o ensino fundamental e a saúde das crianças, o resto vai jogar no colo dos estados e municípios. É a receita da Escola de Chicago, aplicada na Alemanha, no Japão e no Chile. No fim da guerra, com seus países em ruínas, alemães e japoneses estavam comendo ratos; no Chile de Pinochet, era chumbo mesmo. No Brasil, num cenário completamente diferente, o sucesso do projeto será um novo “case”.

Corrupção e violência
A outra perna do poder civil está no Ministério da Justiça, que nunca concentrou tanto poder e instrumentos de atuação como agora. Combate à corrupção e ao crime organizado são bandeiras de Bolsonaro sob a responsabilidade de Sérgio Moro, que também encontrou a casa arrumada, em particular, o recém-criado Sistema Unificado de Segurança Pública. Como levou para sua equipe os principais parceiros da Operação Lava-Jato, Moro também partirá de um patamar mais elevado no combate à corrupção.

A estratégia de endurecimento das penas e a política de liberação da compra de armas pelos cidadãos, condizentes com o discurso de Bolsonaro, garantem amplo apoio popular ao novo governo, mas têm eficácia duvidosa quanto aos presídios e às mortes violentas. Há estudos realizados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos sobre isso. Na Califórnia, essa política fez explodirem a população carcerária e os gastos com manutenção de presídios. Em Nova York, ao contrário do que muitos imaginam, o que baixou os índices de violência foi a legalização do aborto, com a progressiva redução da população de risco, e não a política de “tolerância zero”.

E os militares? Essa é outra história. Se trabalharem com a centralização e a verticalização da gestão, como é da cultura mais tradicional de nossas Forças Armadas, de inspiração francesa e alemã, vão burocratizar e paralisar a administração. Ao contrário, se adotarem como método a coordenação e a cooperação, a grande influência norte-americana junto aos oficiais que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, vão ajudar o governo a melhorar sua performance administrativa e capacidade operacional.

Houve uma gritaria grande por causa das exonerações em massa na Casa Civil, que tende a se reproduzir em outras pastas, principalmente dos cargos comissionados. O ministro Onyx Lorenzoni justificou a decisão como uma necessidade de alinhamento com a nova política do governo. Os petistas já haviam sido desalojados com a saída da presidente Dilma Rousseff, exceto àqueles que aderem a qualquer governo. O estrilo da oposição não faz sentido, porque é até uma questão de respeito à vontade das urnas ocupar esses cargos com quem venceu as eleições. O ministro, porém, vai descobrir o que é um jabuti em cima da árvore. Como se sabe, jabuti não sobe em árvore, alguém pôs ele lá, como na velha fábula.

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Luiz Carlos Azedo: O governo da ordem

“Bolsonaro promete um governo comprometido com a meritocracia, a honestidade e a eficiência. É música para a maioria da sociedade”

Para não chover no molhado, direi que o momento mais simbólico da posse de Jair Bolsonaro foi aquele em que passou em revista a Guarda Presidencial, como comandante supremo das Forças Armadas, depois de jurar a Constituição. Foi o único instante em que não sorriu; com o cenho franzido, ao contrário, chorou. Como velho repórter, se tivesse oportunidade, perguntaria o que passou pela sua cabeça naquele primeiro e breve momento de “solidão do poder”. Bolsonaro sabe que jamais chegaria à Presidência a não ser pelo voto.

Como os generais de quatro estrelas Hamilton Mourão, seu vice-presidente, e Augusto Heleno, o novo chefe do Gabinete de Segurança Institucional, faz parte de uma geração que optou pela carreira militar quando o Exército ainda era a via de acesso ao Palácio do Planalto, mas teve essa ambição política frustrada pela redemocratização do país, em 1985. Sua indisciplina acabou abortando a carreira militar. A opção pela política, porém, demonstrou-se a alternativa acertada. Ninguém exerce seis mandatos na Câmara impunemente. Por caminhos tortuosos, o capitão reformado enxergou na escuridão e agora é o presidente da República, depois de 30 anos de vida política.

Não foi à toa, portanto, que fez um discurso mais conciliador e apelou aos antigos colegas durante a sessão de posse no Congresso. Deixou muito claro que conta com o apoio do parlamento para aprovar as reformas e viabilizar o seu governo. No decorrer deste mês, esse discurso terá que ganhar forma nas articulações para as Mesas da Câmara e do Senado. O grande divisor de águas de seu governo será a aprovação da reforma da Previdência, sem ela estará condenado a uma espécie de feijão com arroz neoliberal, restringindo a eficácia das medidas econômicas que estão sendo elaboradas pelo seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Que ninguém se surpreenda se fizer uma composição de última hora em favor da reeleição de Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, que tem afinidades programáticas e regionais com Guedes.

Além do apoio maciço de militares e cristãos, como gosta de ressaltar o professor da UnB Elimar Pinheiro, sociólogo e cientista político, a vitória de Bolsonaro tem um ingrediente antropológico, que as análises políticas de seus adversários e muitos analistas demoraram a captar: o apoio das famílias como instituição. Numa sociedade em que a desagregação da família unicelular patriarcal se transformou numa tragédia social por causa do desemprego, do crime organizado e dos péssimos serviços de saúde e educação, esse fenômeno emergiu na campanha eleitoral como uma espécie de força popular subterrânea, mobilizada por católicos e evangélicos. O discurso contra a corrupção e a violência trouxe o apoio da classe média.

O muro caiu
“Podemos, eu, você e as nossas famílias, todos juntos, reestabelecer padrões éticos e morais que transformarão nosso Brasil”, conclamou Bolsonaro no discurso após a transmissão do cargo. Essa mobilização lhe dará meios de acuar um Congresso fragilizado pela Operação Lava-Jato: “A corrupção, os privilégios e as vantagens precisam acabar. Os favores politizados, partidarizados devem ficar no passado, para que o Governo e a economia sirvam de verdade a toda Nação”. Bolsonaro promete um governo comprometido com a meritocracia, a honestidade e a eficiência. É música para a maioria da sociedade.

“Me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”, bradou, para delírio de seus partidários. “Não podemos deixar que ideologias nefastas venham a dividir os brasileiros. Ideologias que destroem nossos valores e tradições, destroem nossas famílias, alicerce da nossa sociedade”. O Brasil nunca foi socialista, o nosso gigantismo estatal é uma herança do nacional- desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e, sobretudo, dos governos militares. Isso é o que menos importa. Bolsonaro jogou no colo da oposição, principalmente do PT, cujo envolvimento com a corrupção desmoralizou toda a esquerda, o esgotamento histórico do modelo socialista e a crise da socialdemocracia, como se o Muro de Berlim estivesse caindo novamente. Funciona, a esquerda brasileira ainda acha que o muro só havia caído na cabeça dos militantes do antigo PCB.

“Temos o grande desafio de enfrentar os efeitos da crise econômica, do desemprego recorde, da ideologização de nossas crianças, do desvirtuamento dos direitos humanos, e da desconstrução da família. Vamos propor e implementar as reformas necessárias. Vamos ampliar infraestruturas, desburocratizar, simplificar, tirar a desconfiança e o peso do Governo sobre quem trabalha e quem produz”, promete.

Bolsonaro anuncia um governo da ordem: “Também é urgente acabar com a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais, que levou o Brasil a viver o aumento dos índices de violência e do poder do crime organizado, que tira vidas de inocentes, destrói famílias e leva a insegurança a todos os lugares. Nossa preocupação será com a segurança das pessoas de bem e a garantia do direito de propriedade e da legítima defesa, e o nosso compromisso é valorizar e dar respaldo ao trabalho de todas as forças de segurança”.

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Correio Braziliense: 'Há gangues no serviço público', afirma general Santos Cruz

Futuro ministro da Secretaria de Governo afirma que a sociedade cansou de corrupção e cita os escândalos do Rio e da Petrobras<

Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense

Um dos homens de confiança do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz recebeu do amigo, de mais de 40 anos, a complexa missão de comandar a Secretaria de Governo a partir de terça-feira. Ali, no ministério, cuidará do bilionário Programa de Parceria de Investimentos (PPI), da publicidade estatal e da relação com prefeitos, governadores e integrantes de sindicatos e organizações civis. “A porta de entrada é aqui. Os grupo têm de se sentir com liberdade. MST, ONGs, gays, Fiesp, OAB, índios, todos”, disse Santos Cruz em entrevista ao Correio na última sexta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo de transição, que acaba oficialmente nesta segunda(31/12).

 

Durante conversa de 90 minutos, Santos Cruz, como de costume, sorriu poucas vezes, mas desmonstrou tranquilidade e convicção ao falar sobre todos os temas. A característica circunspecta o levou a ser protagonista de memes na internet. “É a história da imagem que as pessoas têm e fazem de você”, disse ele, para finalmente abrir o sorriso ao ser apresentado a uma das figuras que viralizaram, onde aparece com a cara fechada. Na foto, uma legenda diz: “Que a minha alegria possa te contagiar hoje e sempre. Feliz Natal”. Questionado sobre o fato de que a polarização política e as declarações de Bolsonaro durante o período da campanha levaram as minorias a se preocuparem com o acesso ao governo, o futuro ministro afirmou: “Isso é um absurdo. Quem divulga isso é completamente fora da realidade. Somos pagos para isso. É obrigação receber todo mundo, a finalidade é essa.”

Na entrevista, Santos Cruz afirmou que percebeu a força de Bolsonaro quando o discurso do capitão reformado se mostrou em sintonia com o anseio social. “Ninguém aguentava mais tanta corrupção. No Rio, o crime organizado começava no Palácio da Guanabara.” No plano federal, citou o petrolão, as investigações sobre os fundos de pensão e os empréstimos para o exterior. Sobre o escândalo envolvendo o filho de Bolsonaro, Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio — incluindo um cheque para a futura primeira-dama, Michelle —, Santos Cruz afirmou: “Não interessa se o valor é baixo ou alto, mas este assunto não é de governo, mas parlamentar. Você vê que é um assunto absolutamente particular, que tem de ser explicado por um parlamentar estadual e não é um assunto de governo federal”.

Existe o risco real em relação à posse de Bolsonaro?
Seja uma probabilidade ou não, você tem que mitigar ou eliminar. Qualquer possibilidade de risco você tem de fechar, não pode trabalhar com ela. Isso vem da própria campanha, quando Bolsonaro sofreu o atentado. Era uma situação normal de campanha, o único candidato que mobilizou a massa. Onde ele chegava, havia milhares de pessoas. Tinha essa exposição ao povo brasileiro, que não é dedicado a esse tipo de atentado. Mas aconteceu. Sobreviveu por milagre. Fica uma situação que dá uma certa tensão. Outra coisa: (no segundo turno) tinham dois candidatos mobilizando a sociedade. Às vezes, tivemos pequenos grupos radicais. Em qualquer conjunto político ou não político, há pessoas que se aproveitam da situação e podem fazer uma besteira. Tem gente que é criminoso por personalidade, não por posicionamento político. Temos de fechar todas as possibilidades. Hoje, temos problemas menos por posicionamento político e mais por inconsequência.

Qual será a missão do senhor no ministério?
Aqui (na Secretaria de Governo) existia uma área só para interlocução com parlamentares. A secretaria foi para a Casa Civil e para cá vieram dois órgãos mais técnicos: a Secom (Secretaria de Comunicação) e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Só que essa interlocução com parlamentares, essa conversa com a bancada vai ficar com o Onyx Lorenzoni, até pela personalidade dele. É um parlamentar, tudo fica ajustado. Mas só que você não tem no governo uma porta só de entrada ou um só elemento de interlocução. Por exemplo, aqui eu terei uma secretaria de assuntos federativos, onde você interage com governadores e prefeitos.

A parte de emendas vai ficar com o senhor?
Sim. Agora, é mais técnica. O pessoal pensa que a emenda parlamentar é coisa só de político, mas não é. É muito mais técnica do que política. Tanto de acompanhamento quanto da verificação, se as emendas estão corretas, se o elemento de despesa está correto, se está na ação certa, se é impositiva ou não. Aí você tem de ter uma conexão entre a Secretaria de Governo e a Casa Civil. Então, na realidade, se trabalha em conjunto. Governo funciona por harmonia. Às vezes, há assuntos específicos. Falar com o parlamentar é uma relação pessoal, com o prefeito já tem uma característica mais institucional.

O senhor será uma espécie de coordenador dos ministérios?
Apesar de aqui ser uma porta de entrada de prefeitos e governadores, os governadores, às vezes, têm um canal mais direto com a Presidência. E a massa do trabalho aqui, digamos assim, é mais de atendimento de prefeitos. Se uma coisa é por emenda parlamentar, acontece muito por convênios, e o convênio é no nível ministerial. Então, aqui, você faz alguma coordenação, com a área política, com os ministérios. Se você pegar convênios que foram celebrados e não foram realizados, há dinheiro parado na ponta da linha. Não tem nada a ver com desvio de recursos. Não foi executado, porque, às vezes, o cara não sabia fazer. Ou até o próprio parlamentar entra com uma emenda para facilitar o município dele, mas não tem experiência. Temos que ajudar a fluir.

Existia uma conversa de que o senhor foi indicado para, quando possível, neutralizar determinadas ações do Onyx...
Não tem esse espírito, não. Não é característica minha trabalhar com agenda escondida. Pelo contrário, acho que a gente vai trabalhar em harmonia, porque ele tem uma personalidade política de contato com outro parlamentar, com bancada. É a vida dele. Acredito que ele vai ter um bom desempenho, e eu também tenho bastante experiência de vida em vários setores.

Há o problema dele em relação a investigações, e o senhor daria essa blindagem...
Esse é um assunto em que não tenho mergulhado. Não estou tendo tempo de ver esse tipo de coisa. É uma coisa que ele tem de esclarecer, pessoal.

Acabar com o Ministério da Segurança foi um retrocesso?
Havia duas opções. Uma era fortalecer a Senasp dentro do Ministério da Justiça. A outra, foi criar um Ministério da Segurança Pública, mas ele demorou para se estruturar. Nem chegou a se estruturar totalmente. Depois de criado, é que o pessoal começou a ver o organograma, a trazer gente. Enquanto isso, ficou dependente do Ministério da Justiça. A Senasp é que era o coração dele, mas a cabeça do ministério nunca chegou a ficar completa. Quando você cria, o ideal é já colocar o ministro e todas as vagas da estrutura para que possa funcionar. Como, desde a campanha, Bolsonaro disse que iria diminuir o número de ministérios, isso entrou num bolo de simplificação. O problema não é se o ministério é independente. O problema é funcionamento. Temos de ver se vai funcionar direito. Segurança pública é resultado.

Ficou definida uma revisão de atos da gestão Temer dos últimos 60 dias. O senhor pretende rever algo relacionado às concessões?
O PPI é um programa que vem tendo sucesso. Faz 30 meses que ele está em vigor e tem um corpo técnico muito bom. O PPI começou mais ou menos com 195 projetos a serem ofertados ao mercado, já tivemos 122. Mas essa lista de produtos é dinâmica. Nesses 30 meses, rendeu ao governo investimentos de R$ 140 bilhões. Então, é um programa sério que vem tendo sucesso baseado na qualidade técnica e na credibilidade. O investidor só vai assumir um risco de construir uma estrada para recuperar o lucro dele em 30 anos se sentir segurança jurídica no contrato. Vamos dar uma olhada em uma lista de 70 e poucos projetos, mas sem revisão de mérito. O PPI tem boa imagem.

Tem alguma área que ainda não foi tão contemplada?
A área de aeroportos, algumas estradas, como pequenos trechos interrompidos, na Transnordestina, na BR-163. Eixos importantes.

Em relação ao protagonismo de militares, qual a avaliação do senhor? Há uma piada de que Bolsonaro não montou um ministério, mas um quartel.
Fiquei 48 anos no Exército e nunca fiz essa conta. Não me importo com isso. Conheço pessoas excelentes na parte civil, tanto que meu secretário executivo é civil, da CGU. E tem outros militares que estou convidando, porque é natural passar 48 anos na instituição e conhecer pessoas. Estou aqui, porque conheço Bolsonaro desde a época de tenente. O conhecimento é uma coisa normal, você chama pessoas em quem têm confiança. A história de contar o número de militares é um tipo de discriminação que não leva a nada. Vejo como uma herança, revivendo como se fosse uma coisa perigosa, colocando alguma coisa em risco. Isso não existe.

Há uma relação com 1964?
Em 1964 era outro contexto.  Não tem nada a ver. Tem gente discutindo 1964, eu tinha naquela época 12 anos.

Acha que a sociedade enxerga assim essa herança negativa?
Acho que não. É mais de grupos de interesse político. A sociedade, aliás, aceita muito bem os militares. É uma das instituições com mais credibilidade. Se o sujeito fizer uma besteira, não fez uma besteira apenas para ele, mas está manchando toda a instituição. Se ele fizer uma coisa boa, beneficia toda a instituição. Temos obrigação de fazer direito.

Mas não existe um risco de essa imagem das Forças perder credibilidade caso o governo fracasse?
Uma coisa é ter envolvimento político, outra é ter envolvimento de governo, de administração. O perfil do militar não é partidário. Alguns até são vinculados a partido, até para participar de cargo eletivo. Mas eu, por exemplo, não sou filiado. O risco dessa confusão sempre existe. Tudo aquilo que você fizer de certo ou errado vai refletir na instituição toda. Agora, também, os militares não podem ficar afastados completamente da política, porque somos parte da sociedade. O sentimento de obrigação é muito grande para fazer dar certo e dar o bom exemplo numa sociedade que está clamando não só por segurança, por ação, por emprego, mas pedindo exemplos de administração, na parte de conduta pessoal num país que, infelizmente, vem vivendo quatro, cinco, seis anos só com escândalos de corrupção.

Esse caso do assessor de nome Queiroz agora, envolvendo diretamente o filho de Bolsonaro, está ainda por ser explicado. Como o senhor tem visto essa situação?
Em primeiro lugar, não interessa se o valor é baixo ou alto. A pessoa pública tem de explicar. Você vê escândalos de R$ 51 milhões dentro do apartamento, o outro deposita R$ 9 milhões na conta de pensão dele no Banco do Brasil. Então, se for analisar em número, não é grande. Mas não é isso que interessa. Pessoa pública tem de explicar, compete a ela explicar. Outra coisa que tem de separar é o que é parlamentar e o que é assunto de governo. O Flávio Bolsonaro é parlamentar, é deputado estadual. Isso não é assunto de governo. Mas aumenta a curiosidade, aumenta a exploração... O próprio nome acaba vinculando, mas é um assunto absolutamente particular, que tem de ser explicado por um parlamentar estadual e não é um assunto de governo.

De qualquer modo, iniciar o governo com uma situação como essa...
Dá margem à curiosidade e gera discussão, interpretação... Mas não é assunto de governo.

Possivelmente, no governo, não existe alguém tão próximo do presidente eleito como o senhor. Qual é o perfil de Bolsonaro?
O Bolsonaro é isso que vocês estão vendo. Conheço há mais ou menos 40 anos. A nossa amizade vem da equipe esportiva, fazia pentatlo militar como ele. Então, é aquela amizade que vem da época dos 25, 26 anos de idade, uma fase boa da vida. E ele continua a mesma coisa. Um sujeito voluntarioso, um cara corajoso, espontâneo. Dá as respostas na lata. Ele mostra o que pensa e todo mundo que está à volta tem que ajudar. Qualquer autoridade, os assessores têm obrigação de dizer a verdade. Você não precisa acertar 100%.

Mas o estilo voluntarioso, na política, não pode atrapalhar o relacionamento com o Congresso?
Acho que não. Fica mais fácil de conhecer. Difícil é lidar com uma pessoa que você não sabe o que ela está pensando. Ele é um sujeito simples.

No governo, o senhor acredita que ele deva manter esse estilo?
Ele nunca mudou. Mas também, com quase 30 anos de Congresso, sabe avaliar as coisas. Ele é intuitivo. Antes, se tinha o conceito de que, para ganhar a eleição, tinha que estar vinculado à grande mídia, tinha que ter um marqueteiro de renome. Ele percebeu rápido que era isso aqui (aponta para o celular). É percepção, não é estudo técnico. Tanto que as grandes redes de televisão e os próprios candidatos tradicionais acabaram ficando um pouco perdidas. A realidade era outra, então, a percepção na vida às vezes é mais importante que o conhecimento técnico.

Em que momento o senhor percebeu que ele ganharia a eleição?
Quando começou a campanha e a plataforma de Bolsonaro era a mesma da população, pedindo segurança e cansada de corrupção. Estamos há quantos anos vendo escândalos na primeira página todos os dias? Outra coisa: num país onde o salário mínimo é de R$ 954, você ter escândalo todo dia com uma perda de noção de valores, passando de mil para milhões e chegando a bilhão? Isso cansou. Estive na Coreia do Sul. A presidente deu informações privilegiadas para uma amiga e pegou 24 anos de prisão. E ninguém foi para a rua, para a frente do presídio. Em Israel, o primeiro-ministro pegou seis anos por 60 mil dólares. Aqui põe R$ 100 mil na cueca. O cidadão comum, que sofre o tempo todo, cansou.

Por que o Brasil chegou a esse ponto?
Governantes irresponsáveis e criminosos deram mau exemplo e, dali para baixo, o crime veio se espalhando. No Rio, onde estava o crime organizado? Todo mundo pensa no cara da boca da favela com o fuzil na mão. O crime organizado no Rio começava no Palácio da Guanabara, passava pelo Tribunal de Contas. Você tem o crime organizado armado e desarmado. Não pode quebrar galho. Tem que identificar bem a coisa. Então, você tem essa conduta errada, do comandante, do chefe que se espalha. O poder de irradiação é incrível. Outra coisa: a imprensa, ou nenhum segmento da sociedade, alertou para esse problema no Rio. Não se pode deixar chegar a esse ponto.

Qual a tolerância para corrupção?
Tem que ser zero. Não se pode ter tolerância para a corrupção, porque é crime. O sujeito pode fazer erro administrativo. O cara errou, comprou um equipamento ali, por exemplo, e se enganou. Mas roubar dinheiro e formar gangues dentro do serviço público, não pode. O crime de corrupção, por conceito, envolve necessariamente dinheiro público. Entre dois particulares, existem maus negócios. E é muito difícil roubar dinheiro público sozinho. Então, a corrupção é clássico de crime organizado. Ninguém junta R$ 51 milhões dentro de sua casa sem ter conivência de outros.

O senhor apontou essas “gangues dentro do serviço público” no Rio. E na área federal?
O Rio é mais emblemático. Mas existe escândalo na Petrobras, Correios, nos fundos de pensão, no Banco do Brasil, nos empréstimos para o exterior. Imagine se me dão R$ 60 bilhões e eu aplico tudo no Nordeste. Pega o dinheiro das Olimpíadas, por exemplo. As obras precisavam ser feitas, mas não por causa das Olimpíadas. A administração está em questão, não as obras. Pega os estádios...

Foi um erro ter feito Olimpíadas e Copa do Mundo?
Acho que foi. Eu gosto de futebol, sou fanático, só que o que se vê hoje em dia, num país com a necessidade e a desigualdade que nós temos, não se pode dar ao luxo disso. Na África do Sul, tem estádio abandonado. Aqui, a mesma coisa. Essas são arenas para qual tipo de espetáculo? Não são compensadoras em termos financeiros. Sem contar o 7x1 que tomamos em casa. Mas isso faz parte do jogo. Esse dinheiro tinha de ser aplicado corretamente em outros setores. Se pegasse todo o dinheiro que foi gasto na Copa do Mundo, colocasse no Nordeste... Você vê gente que junta 1m³ de lenha para vender por R$ 2. Em vez de mandar R$ 60 bilhões para Venezuela, para Cuba, por que não enfia esse dinheiro no Nordeste para resolver o problema do pessoal? O sacrifício hoje no Brasil tem que ser feito pelo pessoal que está em cima. O que eu preciso hoje? De nada. Só da minha saúde. Agora, o pessoal de baixo precisa ser resgatado de alguma forma.

E, diante dessas situações, as Forças Armadas precisam de atenção maior? Existe expectativa de mais investimentos...
É normal a expectativa de orçamento, de salário... Você tem problemas salariais também na parte militar, de obsolescência de equipamentos, de manutenção... O pessoal da Amazônia precisa de mais assistência. Agora, no geral, em termos de Brasil, o que um sujeito como eu está precisando agora? Só da minha saúde. Se não quiser dar aumento para mim, especificamente, não estou preocupado.

As corporações do serviço público capturaram o Estado?
Corporações e pessoas perderam a noção de igualdade. Você não pode ter uma disparidade social como nós temos. A pessoa que tem qualquer cultura tem que entender que não é só o problema dele que tem de ser resolvido. Nossa tarefa, inclusive da imprensa, é ajudar o pessoal de baixo. Transparência, colocar todo mundo na parede através da transparência. A democracia funciona pelo jogo de pressão, e a imprensa é fundamental. Ela não pode se omitir. O governo não pode deixar de mostrar a realidade. Completamente livre, tem que saber tudo que acontece, mas responsável. Agora, você não pode ter uma imprensa que divulga só sensacionalismo por questões de audiência e financeira. Não, tem uma responsabilidade moral também.

Como vai ser a relação com a imprensa no governo Bolsonaro?
Pelo que vi da campanha, a relação era tensa com a imprensa, mas não com toda ela. Parte específica perdeu essa conexão com a população, tanto que Bolsonaro saiu em vantagem e ganhou a eleição. Mesmo com uma grande parte de artistas mobilizados, com todos os slogans de acusações absurdas sem fatos, falando de homofobia, não sei o quê... A imprensa exagerou, perdeu um pouquinho da noção de realidade, os institutos de pesquisa divulgavam o que nem sempre ia acontecer. Da minha parte, é 100% liberdade. Pode perguntar o que quiser, e espero que o relacionamento seja o mais responsável possível. Só a publicidade das coisas é que traz transparência, tanto que critiquei que não houve mecanismo de alerta no Rio e na Petrobras. Esse mecanismo tem que ser a imprensa, do MP, dos órgãos de controle. Infelizmente, a imprensa não foi tão investigativa. Às vezes, está muito preocupada com o dia a dia.

Agora, na Lava-Jato, sim. Até mesmo o ministro Moro reconhece que, sem ajuda da imprensa...
Não tinha como... A matéria da Lava-Jato também era compensadora.

E havia muita transparência.
Isso é fundamental. E, da Lava-Jato, parece que foi (divulgado) só um pedacinho. Acho que a imprensa tem bastante campo para investigar.

Agora, outra área que também ficará sob a sua batuta: a liberação de verba publicitária. Que linha o senhor deve adotar?
Em primeiro lugar, a gente deve fazer uma revisão de toda a estrutura de comunicação governamental. Todo mundo sabe, por exemplo, o tamanho da EBC, isso aí tem que dar uma olhada para utilizar.

Então a EBC não será extinta?
Não tenho uma resposta para isso. Mas o que tem é que passar por uma boa revisão. Até onde a gente precisa, o que pode fazer através das redes privadas, o custo disso tudo. Isso tem que ser revisto. Agora, a política de relacionamento é completamente aberta. Tem que ver se a despesa é apropriada ou não. Se tem que fazer uma campanha de vacinação, tem que fazer uma campanha de vacinação. Não há saída. Se tem que divulgar ações governamentais, tudo bem. Sou contra ideologia.

Pensa em fazer alguma campanha sobre a Previdência?
Tem que ser feito. A reforma da Previdência é um assunto extremamente importante, mas tem que ser uma coisa, em primeiro lugar, com bom esclarecimento. Esclarecimento transparente, honesto, mostrando realmente as contas para que todo mundo entenda a matemática. Os cidadãos precisam entendê-la. Estamos gastando tanto, recolhendo tanto… A auditoria completa e transparente é necessária. Num país com uma desigualdade muito grande, você tem que saber quem vai pagar mais e menos e isso mexe com privilégios, com categorias e todo mundo, as corporações querem defender seus privilégios.

Os militares estão dispostos a ceder?
Eu não tenho números agora e não sei se os militares são o problema da Previdência. Tem o Judiciário, tem os militares, tem o funcionalismo público em geral. No funcionalismo público, alguns estão em legislação em antiga. Mais novos estão em outro regime. Não dá para falar só de funcionário público. Na reforma que houve em 2001 para os militares, por exemplo, houve muita modificação. O problema das filhas acabou e até hoje o pessoal fala. Há várias coisas para se resolver. Todo mundo vai ter que rever seus interesses. Tem gente que ultrapassa o teto, há o problema da idade. Em muitas categorias, há gente que se aposenta muito cedo. Estou com 66 anos e estou trabalhando. Até três anos atrás, estava na África carregando mochila e fuzil. Mas a média não é essa. Tem categorias muito sofridas. O serviço de polícia de rua, de agente penitenciário, é muito estressante e pesado. No geral, acho que aqueles que estão em melhores condições precisam ceder em favor daqueles menos beneficiados.

O Congresso será um problema?
Valorizo muito essa turma nova que está chegando. Vai ser uma boa composição: a turma experiente e a turma nova.

Quais as metas a partir de agora?
A família, mais uma vez, terá que entender que eu vou ter que sair cedo e voltar tarde. Na ONU, por quatro anos e nove meses, vinha em casa de dois em dois meses. Na parte profissional, a primeira coisa é consolidar essa estrutura. Estamos fazendo uma revisão no organograma. Uma relação de confiança com estados e municípios. Não interessa qual é o grupo social, ele tem que se sentir com liberdade.

O MST?
Sem problema nenhum. Isso faz parte da sociedade. Você se sente como uma porta de entrada para qualquer organização, como ONGs, gays, organismos internacionais, Fiesp, OAB, índios… A porta de entrada é aqui.

Existe uma preocupação de várias minorias de não serem recebidas.
Isso é um absurdo. Quem divulga isso é completamente fora da realidade. Somos pagos para isso. É obrigação receber todo mundo, a finalidade é essa.

A polarização política em determinadas declarações do presidente eleito não acabaram estimulando esse tipo de pensamento?
O estilo pode levar a estereótipos. E houve a exploração da campanha. Era a opção que tinha o outro lado (para atacar). Eles tinham muitas acusações de corrupção, desmando etc. E aqui, pegaram a homofobia, não gosta de mulher etc. Então, realmente, a polarização trouxe estereótipos. Mas não tem nada a ver.


Luiz Carlos Azedo: A língua do índio

“O Brasil tem cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional”

Um grito de guerra virou bordão no Centro Cultural da CCBB, onde funciona a equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro: “Selva!” É um cumprimento militar adotado em todas as unidades vinculadas ao Comando Militar da Amazônia (CMA), espalhadas em 62 localidades e envolvendo seis estados e partes do Maranhão e do Tocantins. A saudação simboliza a integração entre oficiais e a tropa formada por caboclos, mamelucos e índios.

Um vídeo produzido pelo próprio Exército brasileiro, nos confins da Amazônia, ilustra a mística: mostra meia dúzia de soldados-índios de diversas etnias se apresentando em sua língua nativa, mas fazendo a saudação em português que virou bom dia e boa noite também no Palácio do Planalto, entre funcionários do governo que fazem parte da mobília do poder e aguardam os novos chefes. A origem da saudação é a Oração do Guerreiro da Serva, de autoria do tenente-coronel Humberto Leal, que vive em Petrópolis, a Cidade Imperial. “Dai-nos hoje da floresta:/A sobriedade para persistir;/A paciência para emboscar;/A perseverança para sobreviver;/A astúcia para dissimular;/A fé para resistir e vencer. /E dai-nos também, Senhor, /A esperança e a certeza do retorno”, diz o principal trecho da oração, que resume o treinamento dos batalhões especiais de selva.

Em São Gabriel da Cachoeira (AM) ou no 5º Pelotão de Fronteira de Maturacá, aos pés do Pico da Neblina, na divisa com a Venezuela e a Colômbia, os soldados índios das etnias tucano, inhangatú, aruac e yanomami são maioria na tropa. Entretanto, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, quando Comandante Militar da Amazônia, notabilizou-se pela crítica à política indigenista tradicional e anteviu a possibilidade de conflitos na região, por causa da Venezuela e da Guiana, entre outros pontos da fronteira. Esse é o xis da polêmica sobre a demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, uma das maiores terras indígenas do país, com 1.743.089 hectares e 1.000 quilômetros de perímetro. O nióbio é só um pretexto. Mais da metade da área é constituída por vegetação de cerrado, lá chamado de “lavrado”, e uma região montanhosa cujo topo é monte Roraima, marco da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. É impossível, porém, guarnecer a região sem o apoio dos índios.

Recentemente, o Departamento de Estado norte-americano pressionou o governo brasileiro para que mandasse tropas para Guiana, temendo uma invasão venezuelana do país vizinho, o que foi rechaçado pelo governo Temer. Nesse aspecto, o futuro ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional tem razão: a política do governo Bolsonaro vai aumentar a tensão na fronteira com os venezuelanos. A dúvida é se mandaremos nossos soldados-índios para Guiana.

Inganhatú

O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional, ou 109,6 milhões de hectares. A maior parte — 108 milhões de hectares — está na chamada Amazônia Legal, que abrange os estados de Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. Quase 27% do território amazônico hoje é ocupado por terras indígenas, sendo que 46,37% de Roraima correspondem a essas áreas. Isso se tornou o grande pomo da discórdia por causa do choque com arrozeiros, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que atuam ilegalmente nas reservas.

Esse choque agora tende a se acentuar, porque o responsável nomeado para responder pelo licenciamento ambiental e as políticas de reforma agrária é o atual presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Nabhan Garcia. Ele vai assumir funções que hoje cabem à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Palmares, que serão esvaziadas. Sai de baixo. É bom lembrar que as tribos indígenas de hoje são as que resistiram à escravidão e ao extermínio.

» Vídeo de soldados índios: https://www.youtube.com/watch?v=XiimXLxJL-w

E a língua do índio? A música Tu Tu Tu Tu Tu Tupi, de Hélio Ziskind, virou roteiro de um vídeo que faz muito sucesso nas redes sociais. Diz a letra: “Todo mundo tem/um pouco de índio/dentro de si/dentro de si/Todo mundo fala/língua de índio/Tupi Guarani/Tupi Guarani/E o velho cacique já dizia/tem coisas que a gente sabe/e não sabe que sabia/e ô e ô/O índio andou pelo Brasil/deu nome pra tudo que ele viu”. Deu mesmo: jabuticaba, caju, maracujá, pipoca, mandioca, abacaxi, tamanduá, urubu, jaburu, jararaca, jiboia, tatu, arara, tucano, araponga, piranha, perereca, sagui, jabuti, jacaré, Maranhão, Maceió, Macapá, Marajó, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Jundiaí, Morumbi, Curitiba, Parati, Tatuapé (caminho do tatu).

Não é o caso do presidente eleito, Jair Bolsonaro, descendente de italianos e alemães, mas a maioria dos brasileiros tem sangue indígena. Vem daí a simpatia por eles. Mas índio Um dos mitos fundadores do Exército Brasileiro é o índio potiguar Antônio Felipe Camarão (poty, na língua tupi). Em Glicério (SP), onde nasceu o presidente eleito, até meados do século 19 falava-se inhangatú, a língua geral paulista disseminada pelos bandeirantes pelo país afora. Cerca de 73,31% dos 29,9 mil habitantes de São Gabriel da Cachoeira, na Cabeça do Cachorro, onde as Forças Armadas mantêm várias unidades, falam o tucano, o baníua e, principalmente, o nheengatu ( a língua geral da Amazônia, também de origem tupi), que mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes etnias , como os barés, os arapaços, os baniuas, os werekena.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-lingua-do-indio/

 


Fernando Exman: O muro que aparta civis e militares

Vinculação com o futuro do governo preocupa oficiais

Viceja, entre militares, um sentimento misto em relação ao governo que terá início em janeiro. As derrotas do PT e do PSDB nas últimas eleições foram comemoradas. Ainda está na memória da cúpula militar o comentário do então presidente Fernando Henrique Cardoso: "As Forças Armadas são um mal necessário". O retorno de integrantes da ativa e da reserva ao centro do poder federal, depois da redemocratização, porém, tornou-se um fator de preocupação para alas importantes do alto escalão militar.

Oficiais temem que a imagem das Forças Armadas seja atrelada ao futuro do governo Jair Bolsonaro, e preparam uma estratégia para proteger a instituição. A chamada "política do grande muro" deve chegar ao fim.

O "grande muro" foi erguido após o fim da ditadura, em um momento em que os militares deixavam o Palácio do Planalto, ministérios, empresas estatais, em meio à euforia popular com o retorno dos civis ao comando do Executivo. De volta aos quartéis, eles optaram por trabalhar para dentro, protegidos por biombos concebidos para evitar exposições desnecessárias e garantir a proteção contra críticas aos vinte anos de governos militares e às consequências desse protagonismo para a política e a economia do país.

Desde então, enfrentaram, sem fazer grande estardalhaço, a desvalorização de seus vencimentos, a redução de seus orçamentos e o sucateamento dos seus equipamentos. Esse período de vicissitudes, nas palavras de um oficial, contribuiu para as Forças Armadas desenvolverem algumas das características que já eram tradicionalmente caras à carreira: o adestramento, mesmo que com parcos recursos, o respeito à hierarquia e a formação acadêmica de seus integrantes.

Sobram histórias, contadas hoje como exemplos de superação, de exercícios feitos sem recursos. Tijolos eram colocados em mochilas para simular o peso do equipamento verdadeiro, veículos foram desenhados no chão a giz para representar o teatro de guerra.

Deu certo. As Forças Armadas chegaram ao mais recente período eleitoral como a instituição mais respeitada do país. Segundo pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha em junho de 2018, entre dez instituições, as Forças Armadas foram avaliadas como a mais confiável, ficando à frente de órgãos da Justiça, do Ministério Público, empresários e, claro, do Congresso Nacional e da Presidência da República. Um ativo moral que ninguém gostaria de perder.

Em meados do ano passado, militares da reserva jogaram-se com tudo na campanha de Bolsonaro. Como resultado, num governo encabeçado por um partido e uma aliança eleitoral sem quadros, coube então em grande parte a eles a formulação dos programas e das políticas públicas que agora devem ser colocados em prática. Naturalmente, os mesmos passaram a ser indicados para ocupar parcela relevante do primeiro escalão e outros cargos estratégicos da máquina estatal.

Com isso, na visão de militares, o desconhecido, fator sempre gerador de desconfortáveis incertezas, não é hoje causado pelas dúvidas em relação ao prestígio que as Forças Armadas terão no próximo governo. O próprio presidente eleito Jair Bolsonaro, capitão da reserva, já avisou que Exército, Marinha e Aeronáutica receberão mais recursos e terão seus projetos prioritários contemplados. Os militares também conseguiram do futuro governo a sinalização de que eventuais mudanças nos seus mecanismos previdenciários devem ser conduzidas em conjunto com medidas que reestruturem - e valorizem - a carreira.

O desconhecido é justamente os resultados que o governo Bolsonaro entregará à população e como o eleitor avaliará um presidente que faz questão de relacionar sua pessoa à caserna, as tradições e ao gestual militar.

Várias frentes de batalha foram iniciadas, no momento em que estava em disputa a própria vitória na eleição presidencial, explicam militares sem deixar de lado os jargões típicos da área. Mas todas elas devem dar espaço agora para que o governo consiga atacar, de forma prioritária, a economia e possa garantir a recuperação da atividade e do emprego. Mesmo que isso exija, como aconselhou Maquiavel, fazer o mal de uma só vez para depois poder ir fazendo o bem aos poucos.

Essa preocupação dos militares não é de hoje. A exposição das Forças Armadas e os perigos à credibilidade da instituição também são citados como fatores de risco resultantes da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Primeiro porque a intervenção foi feita colocando as tropas e seus comandantes em evidência, deixando o governador fluminense, hoje preso depois de ser acusado de estar envolvido em irregularidades, a salvo de questionamentos sobre uma área crítica do Estado.

Enquanto isso, o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e seu motorista tornou-se um assunto central quando se discute os resultados obtidos na segurança no Rio. Autoridades esperam anunciar a solução do caso antes do término da intervenção, agendado para o fim do mês.

Já os resultados do futuro governo permanecerão incertos, assim como os efeitos que ele terá na imagem das Forças Armadas, das autoridades civis que participarão da administração Bolsonaro e dos partidos políticos que integrarão a base aliada. Justamente por isso uma característica do ministério não deve passar despercebida: Bolsonaro decidiu alocar militares em áreas fundamentais para a gestão do governo e a execução de obras, mas, por outro lado, nomeará civis para responder por áreas sensíveis à opinião pública, como a educação, a saúde e a segurança pública.

Outro foco de atenção será a oposição a ser feita pelos partidos de esquerda, sobretudo pelo PT. Entre militares, acredita-se, restará ao Partido dos Trabalhadores para garantir sua própria sobrevivência a realização de uma oposição ferrenha ao governo. A reunião do partido feita no fim de semana demonstra que a sigla não tem a intenção de fazer uma autocrítica que a coloque em uma posição defensiva.

Não ficou claro se a oposição ao governo será feita de forma simbólica contra a figura do militar no poder. O que é dado como certo nos quartéis, porém, é que inevitavelmente militares e sociedade civil deverão começar a transpor o alto muro que ainda os aparta.


Correio Braziliense: Bolsonaro quer aumentar soldo de militares

“As declarações de Bolsonaro vão na contramão dos estudos realizados pela equipe econômica, que trabalha para salvar a lei do teto de gastos”

Por Luiz Carlos Azedo, do Correio Braziliense/Coluna Nas Entrelinhas

Durante a solenidade de formatura de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), ontem, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), anunciou que considera a possibilidade de não estabelecer um teto de gastos para as Forças Armadas em seu governo e aumentar os salários dos militares. “Nosso contingente é pequeno, mas sabemos das dificuldades que a nação atravessa. O que nós devemos é dar um salário compatível para com eles, botar em votação a medida provisória 2215; não foi votada ainda, isso é uma excrescência, é um descaso para com as Forças Armadas”, disse. Além do soldo, os militares recebem adicionais por habilitação, moradia em regiões inóspitas e desgastes físicos e gratificações por tempo de permanência extra na ativa, além de representação para comandos.

“O que devemos é dar um salário compatível para com eles (militares). A MP 2215 não foi votada ainda, isso é uma excrescência, é um descaso para com as Forças Armadas”,
(Jair Bolsonaro, presidente eleito)

A MP prevê a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas. A PEC 2215/2001 acabou com a promoção automática dos militares que passam para a reserva, o auxílio-moradia e o adicional de inatividade dos militares. As maiores remunerações dos oficiais da ativa são de almirante de esquadra, general de exército e tenente-brigadeiro do ar, que, a partir do dia primeiro de janeiro, passarão a receber R$ 14.031. Hoje, o soldo é de R$ 13.294. Guardas ou aspirantes a oficial em início de carreira hoje recebem R$ 6.625 e têm aumento previsto na tabela para R$ 6.993. “Essa questão tem sido conversada com o (economista e futuro ministro da Fazenda) Paulo Guedes. Nós temos um orçamento diminuto, mas precisamos entender que aportes para as Forças Armadas são investimento e não despesa”, disse Bolsonaro.

Durante a solenidade, 427 cadetes receberam a graduação de bacharel em ciências militares e a espada de oficial do Exército, depois de quatro anos de estudos. Bolsonaro estudou na Aman entre 1974 e 1977, sendo companheiro de turma do futuro comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. Também participou da mesma equipe de pentatlo militar do futuro ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz. Cercou-se de militares no governo, entre os quais o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, recém-anunciado ministro de Minas e Energia; e os generais Augusto Heleno (GSI) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa), além do tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), cujo soldo é ainda menor que o dos demais: de R$ 10.652,00 passará a R$ 11.250.

As declarações de Bolsonaro vão na contramão dos estudos realizados pela equipe econômica, que trabalha com a hipótese de aprovar uma Emenda Constitucional para desvincular as despesas obrigatórias das receitas da União e, assim, salvar a lei do teto de gastos, cuja revogação teria péssima repercussão no mercado financeiro. Outra medida em estudos é o desatrelamento de aposentadorias e pensões do aumento do salário-mínimo. Essas propostas, porém, enfrentarão resistência no Congresso.

Com tantos militares mandando no governo, a pressão para melhorar os salários e aumentar os investimentos nos programas de modernização das Forças Armadas também se intensificou. Os principais projetos em andamento são: submarino nuclear (Prosub), programa nuclear (reator atômico) e sistema de monitoramento de Amazônia Azul (SisGAAz), da Marinha; Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), nova família de blindados Guarani e o supercomputador do Sistema de Defesa Cibernética, do Exército; e o avião cargueiro argueiro KC-390, aviões de caças Gripen NG e mísseis ar-ar de 5ª geração (A-Darter).

Meio Ambiente

Questionado sobre o nome do novo ministro do Meio Ambiente, Bolsonaro não abriu o jogo, disse que todos os nomes em análise são bons, mas ainda não fez a escolha. Criticou a atuação do Ibama: “Não haverá mais aquela briga do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente. Eu quero defender, sou defensor do meio ambiente, mas não dessa forma xiita como acontece, não”. Entretanto, admitiu que foi multado por crime ambiental em 2012, no valor de R$ 10 mil: “Vou pagar essa multa? Vou. Mas eu sou uma prova viva do descaso, da parcialidade e do péssimo trabalho prestado por alguns fiscais do Ibama e ICMBio. Isso vai acabar”, afirmou.

Bolsonaro também falou sobre a nova política indigenista que pretende adotar: “Eu quero o bem-estar do índio, eu quero integrar o índio à sociedade. O nosso projeto para o índio é fazê-lo igual a nós. Eles têm as mesmas necessidades de nós. Agora, não podemos admitir que, via Funai, o índio não possa ter o tratamento adequado. O índio quer médico, quer dentista, quer televisão, quer internet. Ele é igualzinho a nós”, concluiu.

 


O Globo: Generais fazem alerta sobre contaminação política e risco de associação entre governo e militares

Presença de militares do Exército no Planalto pode levar a um esvaziamento de decisões a cargo do Ministério da Defesa

Por Vinicius Sassine, de O Globo

BRASÍLIA — A presença de pelo menos três generais do Exército no Palácio do Planalto e na linha de frente do governo que começa no próximo dia 1º de janeiro pode levar a um esvaziamento de decisões a cargo do Ministério da Defesa — pasta responsável por supervisionar as três Forças Armadas — e a uma contaminação política das forças, com risco de associação direta entre governo e militares. A avaliação é feita reservadamente por generais com poder de decisão no governo Michel Temer e no futuro governo de Jair Bolsonaro .

O presidente eleito decidiu cercar-se de generais da reserva do Exército para governar. Seu principal conselheiro, que vem influenciando a composição do governo de forma decisiva, é o general Augusto Heleno, indicado para ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O general Carlos Alberto dos Santos Cruz será ministro da Secretaria de Governo. E o vice-presidente eleito, general Antônio Hamilton Mourão, quer despachar de dentro do Planalto, à frente de projetos de infraestrutura, de concessões na área e de uma espécie de coordenação dos ministérios.

Diante dessa configuração, passaram a ser frequentes as afirmações no sentido de que governo e Forças Armadas são dissociados e não devem ser confundidos, embora tenham saído do Exército alguns dos principais nomes da gestão Bolsonaro. A preocupação de generais que fazem circular essas afirmações é com uma associação direta entre a Presidência da República e as Forças Armadas, especialmente em eventuais crises que venham a ocorrer ao longo do governo.

Se algo não sair bem...
Ainda na campanha presidencial, o entusiasmo na caserna com a candidatura de Bolsonaro — capitão do Exército até o ingresso na carreira de político, em 1989, quando foi eleito vereador — já era bastante amplo, contaminando as mais diferentes escalas da hierarquia militar. Reservadamente, generais com poder de decisão apontam que será possível dissociar o governo dos militares e que as escolhas de Bolsonaro são coerentes com o que afirmou durante a campanha. O presidente eleito já falava na disputa em cercar-se de militares para governar. Mesmo assim, esses oficiais manifestam preocupação.

O temor principal é com crises ao longo do governo, que podem arrastar os militares para o centro das cobranças da população. O problema é se “alguma coisa não sair bem”, nas palavras de um general. Por isso, os generais que despacharão dentro do Palácio do Planalto se esforçarão para manter uma separação entre governo e Forças Armadas, diz ele.

O risco mais concreto, na visão de generais em posições de tomada de decisão, é de esvaziamento do Ministério da Defesa. Nas palavras de um general, é real o risco de que “um se sente na cadeira do outro”. Outro general afirmou ao GLOBO que o único representante político das Forças Armadas é o Ministério da Defesa. Assim, não caberia a mais ninguém qualquer decisão relacionada às três forças do país.