Michel Temer

Monica de Bolle: A agenda Porcina

As reformas do governo Temer provar-se-ão conjunto de viúvas Porcinas, aquelas que terão ido, ou passado, sem jamais terem sido, de fato, reformas? Os riscos de que as reformas Temeristas sejam “Porcinadas” cresce a cada novo anúncio, a cada nova manchete eletrizante. O teto dos gastos, a reforma trabalhista, a TLP, as privatizações. Que fique claro – no Brasil acalorado, importante é clarear: cada uma dessas iniciativas foi formulada por razões louváveis, inquestionáveis, até. Mas há muitos mistérios entre o princípio e a prática. Mistérios da meia-noite, que voam longe, que você nunca, não sabe nunca, se vão se ficam, quem vai quem foi.

O teto dos gastos, tão aplaudido, não terá reforma da Previdência robusta para acompanhá-lo, fadado estará as virtudes ou vicissitudes do governo que vier a herdá-lo em 2018. A reforma trabalhista, ainda à deriva, em meio às demandas diversas de sindicatos e outros grupos de interesse, cuja força cresce em proporção à ascendente fragilidade de Temer, em breve engalfinhado com nova denúncia de Janot. A TLP, sobre a qual venho escrevendo alguns artigos: na semana passada tracei breve rascunho para este espaço delineando porque a TLP não é a reforma do sistema financeiro, mas o elemento de uma reforma que ainda não foi traçada. A TLP, a taxa que poderá incidir sobre 14% do crédito direcionado, não é a solução para as distorções que temos, mas um pequeno passo para começar o árduo trabalho de remover distorções que perduram há décadas.

Uma reforma financeira, para ser reforma de fato, precisa de muito mais do que uma TLP. Precisa, a meu ver, concentrar-se em três grandes pilares: (1) o que fazer com os fundos de poupança forçada do País (o FAT, o FGTS) que distorcem a alocação de recursos; (2) como reduzir o crédito direcionado – e subsidiado – que provém de outros bancos públicos, além do BNDES, e que representam 50% do crédito total da economia brasileira, tornando-nos uma anomalia entre os países emergentes, à exceção da China; (3) qual deve ser o mandato do BNDES? Definir o mandato do BNDES é fundamental para qualquer pretensão de reforma. A ausência de mandato com a qual o banco hoje opera o deixa sujeito às mais insidiosas pretensões do governo por ele comandado, e não há TLP que resolva.

Para entender o ponto, considerem o Banco Central. O Banco Central tem o mandato de conduzir o regime de metas de inflação e de garantir a estabilidade dos preços. Com essa atribuição de funções, é possível dar ao Banco Central autonomia operacional, sem que haja ingerência do governo. Ainda que tal ingerência tenha ocorrido no passado, é a existência de um mandato claro que nos permite observar atitudes indevidas do governo. Se fosse dado um mandato para o BNDES – seja para o financiamento à infraestrutura, seja para empréstimos para pequenas e médias empresas, seja para o apoio às exportações, ou seja lá o que for –, nós, a sociedade, poderíamos observar com maior clareza se o governo está ou não permitindo que o mandato seja cumprido. Mas preferimos o carro da TLP e esquecemos do boi do mandato do BNDES.

As privatizações. Houve encantamento com o anúncio das concessões e privatizações que farão parte do Plano de Parcerias de Investimento (PPI). Hoje, são 57 projetos. Quando anunciado originalmente em setembro de 2016, eram 34 projetos, lista que abarcava boa parte do malfadado plano de concessões de Dilma. Sem entrar no mérito de ser o plano de privatizações factível faltando pouco mais de um ano de governo, ou na questão da urgência em cobrir as rombo-metas fiscais de 2017 e 2018 – o que nunca é um bom motivo para vender ativos –, há algo mais. As privatizações de Temer nada têm em comum com as de FHC. As de FHC serviram, por certo, para cobrir rombos fiscais. Contudo, seu principal objetivo era modernizar o País, o que foi definitivamente alcançado no setor elétrico e no setor de telecomunicações. Embora exista a necessidade de modernizar sistemas logísticos, aeroportos, entre outros, não parece ser esse o grande objetivo da privatização Temerista. Tampouco parece que haverá tempo para tanto, haja vista que o PPI está parado desde que foi anunciado.

Continuamos, portanto, com a agenda "Porcinada". Ou com agenda por si, nada.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/John Hopkins University

 


José Roberto de Toledo: Desastre à espreita

Méritos e possíveis vantagens da privatização à parte, Michel Temer está querendo vender algo que não lhe pertence. A procuração dada pelos proprietários à representante que ele substituiu não fala nada em entregar patrimônio público para cobrir um buraco – buraco que Temer não foi o primeiro a cavar mas ajudou a aprofundar. Até que o eleitor diga que é isso que quer, alienar florestas e estatais causará desconfiança e suspeição – especialmente quando 93% desaprovam o presidente.

Collor e Dilma caíram após prometeram uma coisa em campanha e fazerem o oposto. Temer não prometeu nada, mas herdou cargo, compromissos e promessas da titular. Ele pode achar que não. Pode crer que chegou lá por suas ideias e convicções. Mas a “Ponte para o futuro” não recebeu um sufrágio sequer. Alavancou outras contrapartidas, eventualmente, mas voto nenhum.

Nem mesmo forçando a barra e considerando-se a votação que afastou Dilma como “eleição” de Temer. Aconteceu de tudo naquele plenário da Câmara, mas ninguém bradou “pela venda da Eletrobras e pela entrega da Reserva Nacional de Cobre” enquanto embargava a voz, vestia a bandeira brasileira e posava para as câmeras. Talvez uns tenham pensado no cobre, mas não puderam vocalizar.

Afundando o poço da crise política está a crise de representatividade. O eleito pode esquecer suas obrigações, mas quem o elegeu lembra. Lembra especialmente do que não delegou ao seu representante. Se vê o eleito fazendo algo que não estava combinado, é natural que se sinta contrariado. Se isso acontece sempre, é de se esperar que ele desacredite as instituições. Não à toa, estão todas nas valas mais fundas de sua credibilidade.

Temer acreditou em algum acólito de segunda mão que lhe vendeu uma ideia fora do lugar. Acha que vai entrar para a história como “o presidente das reformas”, como quem fez o que precisava ser feito mas ninguém tinha coragem de fazer. Não vai. Collor não é lembrado por abrir a economia do país, mas pelo Fiat Elba, por PC Farias e por ter sido o primeiro impedido pós-ditadura.

Se a preocupação de Temer é com a posteridade, algum sabujo poderia lembrá-lo de que ele já é histórico. É o presidente mais impopular que se tem registro. Não é pouco, considerando-se a concorrência. Ele superou Dilma, Collor e até Sarney. Dificilmente alguém vai conseguir batê-lo tão cedo. Parabéns.

A avalanche da desmoralização institucional demorou mas está alcançando também o Judiciário. Com a contribuição diária da toga falante e graças à omissão de seus colegas de tribunal, os autos se tornaram incomparavelmente menos loquazes do que as entrevistas, notas, tuítes e posts dos magistrados. Juízes que se julgam acima dos outros não têm quem os contradiga. Quem se arrisca a contrariá-los está a uma sentença do arrependimento.

Como diria aquele investigado, com o Supremo, com tudo. Partidos políticos, Congresso e Presidência da República estão perdendo os últimos traços de respeitabilidade aos olhos do público. O desastre está à espreita. É no pascigo do descrédito institucional que se alimentam vivandeiras e promotores do ódio. É também uma oportunidade de negócio para marqueteiros virtuais que fazem dinheiro sublocando MAVs e manipulando a mídia social.

Nesse ambiente insalubre, reproduz-se com velocidade exponencial o discurso militarista. Um jovem e seu computador criam uma página no Facebook, gravam um vídeo por dia e em menos de dois meses têm meio milhão de seguidores. Suas gravações são vistas e compartilhadas milhões de vezes. Não é hipótese, mas um exemplo. Como ele, há outros. E outros. No que isso vai dar? Estamos prestes a descobrir.


O Estado de S.Paulo: Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.


Para Danilo Cersosimo, um dos responsáveis pela pesquisa, o aumento do descontentamento com o Judiciário pode estar relacionado “à percepção de que a Lava Jato não trará os resultados esperados pelos brasileiros”. Outros levantamentos do Ipsos mostram que o apoio à operação continua alto, mas vem caindo a expectativa de que a força-tarefa responsável por apurar desvios e corrupção na Petrobrás provoque efeitos concretos e mude o País. “Há uma percepção de que a sangria foi estancada, de que a Lava Jato foi enfraquecida”, disse Cersosimo.

Na lista de avaliados pelo Ipsos estão três dos 11 atuais integrantes do Supremo: Cármen Lúcia, a presidente; Edson Fachin, relator dos casos relacionados à Lava Jato; e Gilmar Mendes, principal interlocutor do presidente Michel Temer no Tribunal. Os três enfrentam deterioração da imagem.

Além de Moro e Fachin, há na lista outros dois nomes relacionados à Lava Jato: o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba. Eles também sofrem desgastes.

O descontentamento com Gilmar cresceu ao mesmo tempo em que ele ficou mais conhecido: até maio, mais da metade da população (53%) não sabia dele o suficiente para opinar. Agora, esse índice caiu para 30%. Já a taxa de aprovação se manteve praticamente estável, oscilando em torno de 3%. A avaliação crítica é maior nas faixas mais escolarizadas: chega a 80% entre os brasileiros com curso superior, e é de 50% entre os sem instrução.

Nos últimos meses, Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se notabilizou por constantes e duras críticas ao que classifica como abusos na atuação do Ministério Público Federal em grandes investigações no País, incluindo a Lava Jato. O ministro protagonizou embates com o procurador-geral da República e chegou a chamar Janot de “desqualificado”.

Na pesquisa Ipsos, o chefe do Ministério Público Federal – que vai deixar o cargo em breve – teve seu desempenho reprovado por 52% dos entrevistados. A avaliação favorável ficou em 22%.

Evolução. Cármen Lúcia teve aumento de 11 pontos porcentuais em sua taxa de desaprovação entre julho e agosto, de 36% para 47%. Já sua aprovação está em 31% – queda de cinco pontos porcentuais em um mês e de 20 pontos desde janeiro. A avaliação favorável de Fachin caiu, em um mês, de 45% para 38%, enquanto a desfavorável subiu de 41% para 51%.

Conhecido por sua atuação no julgamento de acusados no escândalo da Lava Jato, Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, tem seu desempenho aprovado por mais da metade da população (55%). Sua taxa de desaprovação, porém, subiu nove pontos porcentuais no último mês, de 28% para 37% – o ponto mais alto na série histórica do Ipsos, que teve início em agosto de 2015.

 

 


Miriam Leitão: Privatizar é bom ou ruim?

Na Infraero, foi assinado um acordo coletivo que impede demissão até 2020. Só que a empresa está diminuindo pelas vendas de aeroportos ou de participações. Há quatro mil funcionários excedentes. Isso ao custo de R$ 1 bilhão por ano. O que faz essa irracionalidade é um velho defeito das estatais ao qual os dois governos passados cederam: o corporativismo.

Os funcionários das estatais têm sido eficientes em apresentar seus interesses como sendo o interesse coletivo. E mesmo o economista mais preocupado com as contas públicas, se trabalhar numa das empresas do governo, vai defender o próprio bolso quando a mudança o afetar. Há casos recentes disso. As estatais são empresas de propriedade coletiva, mas, na prática, seus donos têm sido os trabalhadores e os políticos. O poder nas empresas é distribuído aos políticos como se fosse o butim a que eles têm direito porque venceram a guerra eleitoral.

Não se pode privatizar pelos defeitos que o Brasil acumulou dentro da parcela estatal da economia e é melhor não se iludir sobre o caráter das empresas privadas. É velho — e velhaco — o patrimonialismo brasileiro. Muitas empresas privadas continuam a ordenhar o Estado. O capitalismo não é uma ideia vencedora no Brasil. Direita e esquerda, ao governarem, impuseram mais Estado e mais proteção e subsídio às empresas que se definem como nacionais.

O ideal é que não se privatize por ideologia, nem para cobrir o rombo do ano, mas com uma ideia do que se quer naquele setor. Na telefonia, deu certo. Eu sei que quem me lê já quis jogar um celular na cabeça de qualquer uma das operadoras que atuam no país. Eu mesma tenho ímpetos diários. Mas foi pela privatização que o brasileiro passou a ter telefone. Graham Bell registrou a patente da sua invenção em 1876. Noventa e seis anos depois foi criada a Telebrás. Até ser privatizada, em 1998, não havia conseguido, em quase 30 anos, universalizar o telefone. Mais de metade dos brasileiros não tinha acesso à invenção de Graham Bell, no final do século XX. O que deu certo nessa área foi o setor privado e a regulação. Nos últimos anos, o órgão regulador piorou.

A pergunta que está no ar agora é se será bom privatizar a Eletrobras. O modelo que o governo rascunhou parece interessante. Ele não privatiza, aceita ser diluído. Isso permite que a Eletrobras venha a ter o controle pulverizado. Se der certo, ela terá milhares de donos, será uma empresa pública, do público. Há inúmeras companhias assim pelo mundo afora. Mas nem isso é garantia de que dê certo.

É preciso boa governança para que uma empresa aberta e de capital diluído seja eficiente. E sempre será indispensável boa regulação. O governo começou a mudar as regras do setor elétrico, de um modelo intervencionista para um pró-mercado. A famosa MP 579 foi a intervenção que já custou muito caro ao país e ao mercado. Agora, se quer expurgar os efeitos dessa regulação do governo Dilma.

O setor elétrico é de uma complexidade espinhosa. É um mercado de múltiplos interesses e de equilíbrio frágil. As novas regras ainda não foram escritas. Apenas houve uma nota técnica de para onde se quer ir e uma consulta pública que recolheu boas sugestões. Os técnicos começariam a redigir a MP quando veio a decisão de privatizar a Eletrobras. Qual MP escrever primeiro? Esse é o dilema. Se as regras vierem depois da venda, pode haver zonas de confusão. Se forem escritas antes, pode atrasar a venda.

Durante a grande guerra provocada pela 579, a MP intervencionista, as empresas do setor perderam o medo de entrar na Justiça. Judicializaram tudo. Agora, ameaçam de novo, quando se fala em mudar as regras, mesmo que seja para melhor. A Justiça existe exatamente para definir contenciosos, mas uma nova temporada da discórdia judicial eleva a incerteza regulatória.

É bom privatizar, mas não é trivial. No caso da Infraero, a venda de Congonhas, aeroporto rentável, vai piorar o passivo trabalhista da estatal. O governo diz que vai exigir que o comprador financie parte de um plano de demissão voluntária e vai capitalizar a empresa com a venda das participações em aeroportos privatizados. Vamos ver. O diabo tem residência conhecida. Mora nos detalhes.

 


Merval Pereira: Infraestrutura defasada 

Com as privatizações de volta ao debate político-econômico, um trabalho de Cláudio Frischtak da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios para o Ipea esclarece a situação da infraestrutura brasileira e indica as razões pelas quais se torna necessário privatizar as empresas e os ativos de infraestrutura do país, inclusive, ressalta o economista, o fato de o Estado brasileiro — imerso na maior crise fiscal da República — não ser mais capaz de responder às necessidades de investimento.

Outra razão básica é má alocação de capital por conta da captura de órgãos e empresas públicas por grupos de interesses, tanto políticos como econômicos. Agora mesmo em sua caravana pelo Nordeste, o ex-presidente Lula teve a coragem de ir à Refinaria Abreu e Lima para defender o investimento feito em conjunto com o governo venezuelano. Hugo Chávez não pôs um mísero centavo na obra que seria conjunta, que já custa quase dez vezes mais do que o previsto e não se justifica em termos econômicos. O Ipea, no contexto do projeto Desafios da Nação, pediu à consultoria de Frischtak para calcular o estoque de capital em infraestrutura no país e qual seria um estoque-alvo que refletisse uma infraestrutura modernizada, e quantos anos seriam necessários para atingirmos esse alvo em função do que investiríamos no setor.

Os quatro grandes setores de infraestrutura — transportes, energia elétrica, saneamento e telecom — foram analisados, e o resultado é que estamos particularmente atrasados em saneamento e transportes; e mais próximos da fronteira em telecomunicações (privatização há duas décadas). No agregado, a estimativa central de estoque de capital em infraestrutura é de 36,1% do PIB em 2016, quando o alvo deve ser 60,4% do PIB.

Segundo Frischtak, se começássemos este ano de 2017, e investindo mais do que duas vezes o que fizemos em 2001-16 (ou seja, 4,15% versus 2,02%), levaríamos 20 anos para atingir o objetivo de modernização. Se continuarmos a investir o que vimos investindo, literalmente nunca modernizaremos a infraestrutura do país, afirma o economista.

O trabalho fez também um cálculo do impacto do sobrepreço nas obras públicas sobre o estoque de capital, que pode ter representado uma redução de até 4,6% do PIB no estoque, “uma medida bastante dramática do custo da corrupção”. Mas uma correção de rumos, nesse aspecto, pode ao longo dos anos diluir o impacto, ressalva Frischtak, que vê nessa possibilidade “mais uma razão premente para mudarmos as práticas deletérias que permeiam o sistema político e o Estado”.

Em síntese, diz ele, rótulos e ideologias à parte, mobilizar recursos, agentes e investimentos privados (inclusive e particularmente pelas privatizações) é a única forma de atualizarmos a infraestrutura do país — essencial para a competitividade da economia e o bem-estar da população.

O setor mais distante do estoque-alvo é o de transportes, que precisa mais do que duplicar o estoque de capital (para 26,5% do PIB), o que demandaria praticamente triplicar os investimentos feitos nos últimos anos, investindose quase 1,29% do PIB a mais do que já se investe para alcançar a meta em 20 anos. Dos 2,1 pontos de PIB necessários a mais por ano para modernizar a infraestrutura do país nesse horizonte temporal, o setor absorveria 61%. Já saneamento é o segundo maior desafio em termos relativos, demandando investimentos duas vezes e meia maiores do que a média do milênio. Em energia elétrica, haveria necessidade de um grande esforço em termos absolutos: investir em média 1,05% do produto ao ano, um incremento anual de 0,43 pontos de PIB.

Finalmente, o setor de telecomunicações é aquele mais próximo de alcançar o estoque-alvo em 20 anos, bastando expandir em 0,14% do PIB ou 24% os investimentos anuais em relação à média 2000-16.

Atingir o estoque-alvo nos anos estimados supõe uma execução eficiente dos investimentos ao longo dos anos — diferentemente do observado nas últimas décadas — e um reequilíbrio na sua alocação intrassetorial em muitos casos (a exemplo de transportes).

Nesse sentido, diz o estudo, a modernização da infraestrutura no país e a oferta de melhores serviços irão requerer nova governança pública dos investimentos, com o reforço no âmbito técnico dos processos de planejamento, e maior autonomia decisória e financeira das agências, “cujo fortalecimento é fundamental para reduzir a insegurança jurídica e a incerteza regulatória que afasta os investimentos privados, essenciais para a modernização da infraestrutura do país nas próximas décadas”.

 


Helena Chagas: As privatizações do PMDB

Nada como não ter votos. Só mesmo um presidente que não foi eleito, sabe que não tem a menor chance de sê-lo no futuro e não tem qualquer compromisso com programas aprovados nas urnas para fazer tudo o que Michel Temer está fazendo. Sob o argumento do rombo estratosférico nas contas públicas, vamos vender a Eletrobras, a Casa da Moeda, os aeroportos - incluindo a jóia da coroa, Congonhas - e até abrir parte do setor de tráfego e segurança aéreos ao capital privado.

Nada a observar sobre o cavalo-de-pau privatista do Executivo peemedebista se, em algum momento, esse programa tivesse sido apresentado e discutido com o país - como normalmente se faz em campanhas eleitorais, debates, entrevistas, programas de TV. Há sentido, do ponto de vista fiscal e da própria eficiência do Estado, na privatização de algumas empresas. Há fartas razões a justificar a concessão de certos serviços à iniciativa privada.

Só que o distinto público não pode ir dormir um dia num país cheio de estatais, ainda que ineficientes, e acordar no outro com todas elas na prateleira do supermercado. É preciso ter um modelo pronto, detalhado e amplamente discutido. É necessário haver regras que dêem segurança aos compradores e novos investidores - que, obviamente, querem o lucro - mas, sobretudo, garantam ao consumidor que ele será beneficiado com serviços melhores e não terá que pagar mais.

É o mínimo que se espera para assegurar que não haverá privatização feita na bacia das almas, enchendo o bolso de todo mundo, menos daqueles que pagam as contas. É na forma como essas coisas são feitas que mora o perigo.

Há muitos e muitos anos não se falava em privatizar a Eletrobras, e o anúncio da decisão de vender a combalida empresa pegou todo mundo no susto. Não ficou bem explicado nem quando e nem como as coisas vão acontecer. Políticos desconfiados de Minas e do Nordeste correram para tirar do pacote Furnas e Chesf. Então para elas não vale?

A oposição, meio apática, pouco reagiu - a não ser pela ex-presidente Dilma Rousseff, que virou alvo por causa da mudança de regras que promoveu no setor e apanhou sozinha.

Mas mercado e investidores, ávidos pelos novos negócios em meio ao deserto em que vivem hoje, entraram em estado de euforia, mesmo sem dados mais concretos sobre a privatização da gigante do setor elétrico. As ações da empresa subiram 49% e o valor da estatal na Bolsa cresceu R$ 9 bilhões num dia.

Sucesso total!, festejaram os peemedebistas. E resolveram repetir a dose no dia seguinte, botando aeroportos, Casa da Moeda e mais cinco dezenas de ativos estatais no balaio das privatizações. Na mesma pressa, no mesmo improviso, no mesmo açodamento. Sem a perspectiva de que os processos estarão concluídos daqui a um ano e cinco meses, quando, na melhor das hipóteses, Temer descerá a rampa do Planalto.

Vai deixar, em janeiro de 2019, alguma dessas privatizações concluída com sucesso, revertendo em benefícios para o país e sua população?

Aí é que está: isso pouco importa para o grupo de peemedebistas que está hoje no governo. Seus objetivos parecem ser bem mais imediatos: passar a idéia de que vão tapar o rombo no caixa e dar assunto para a platéia se distrair. Quem sabe, discutindo essa ou aquela venda, ela se esquece de assuntos mais explosivos que devem pipocar nos próximos dias, como o conteúdo da delação do operador Lúcio Funaro e a nova denúncia do PGR Rodrigo Janot?

Depois, seja o que Deus quiser. Sobretudo se, nesse depois, os peemedebistas tiverem tido, no limite da irresponsabilidade, oportunidade de tratar de outras razões e interesses que cercam os processos de privatização no Brasil.

 

 


Elio Gaspari: Temer quer destruir o PSDB

Aécio é um biombo atrás do qual está o PMDB do tempo em que FHC, Montoro e Covas fundaram o tucanato

Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati jamais poderiam ter imaginado que, apoiando a deposição de Dilma Rousseff, substituindo-a por Michel Temer, levariam o partido para sua pior crise, correndo o risco da implosão. O vice-presidente da chapa de Dilma está esfarelando o tucanato com a ajuda de Aécio Neves, o candidato do PSDB derrotado em 2014.

Com todos os seus defeitos, o PSDB não é um partido qualquer. Ele foi criado por Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa. Noves fora a qualidade biográfica desse grupo, eles abandonaram o PMDB, porque prevalecera a caciquia do governador paulista Orestes Quércia.

Quércia foi o primeiro político bilionário produzido pela redemocratização. Ao morrer, em 2010, deixou um patrimônio de cerca de R$ 1 bilhão. Montoro, Fernando Henrique e Covas fugiram desse modelo e fundaram o PSDB em 1988. Dois anos depois, o poderoso Quércia e seu PMDB elegeram seu sucessor, e Aloysio Nunes Ferreira tornou-se vice-governador. O tucanato só recuperou o governo de São Paulo em 1995, com Mário Covas e está lá até hoje, com o apoio do PMDB, é claro.

Michel Temer navegou no PMDB, sem ser admitido no círculo elitista do tucanato de São Paulo. O vice Nunes Ferreira migrou para o PSDB em 1997 e chegou a ocupar o Ministério da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje é o ministro das Relações Exteriores de Temer e feroz defensor da permanência do tucanato no governo. (Antônio Imbassahy, atual ministro da Secretaria de Governo, também quer que os tucanos fiquem no Planalto, mas sua relação com o PSDB começou em 2005. Antes disso, era um quadro promissor dos governos de Antônio Carlos Magalhães na Bahia.)

Brigas de tucanos não chegam a ser novidade, mas poucos estranhamentos podem ser comparados ao que envolveu Tasso e Aloysio no Alvorada, em dezembro de 2001. Uma testemunha temeu pelo pior. Os dois reaproximaram-se, mas nem tanto.

O que parece ser uma briga de Aécio Neves com Tasso Jereissati pelo controle do PSDB é uma revanche do PMDB. A revanche de um partido no qual o quercismo foi uma doença infantil que se fortaleceu na maturidade e chegou ao poder com a deposição de Dilma Rousseff.

Pode-se acusar o PSDB de tudo, mas ele tem uma corrente ideológica. É ambígua, convive com o que condena, mas preserva uma ambição ideológica. Quem duvidar dessa característica pode ler quaisquer páginas dos três volumes dos “Diários da Presidência”, de Fernando Henrique Cardoso.

Enquanto os tucanos mandaram em Brasília, sempre houve quem defendesse um endurecimento do jogo com o PMDB. Tratava-se de contrariar seus pleitos, elevando a tensão, na certeza de que o partido de Temer seria capaz de tudo, menos de romper com o governo. A ideia nunca foi em frente. Numa trapaça da História, Temer está na Presidência e fez com os tucanos o que eles não tiveram coragem de fazer com ele. Elevou a tensão e obrigou o PSDB e seus valorosos intelectuais a decidir se são valentes a ponto de apoiar programas e abandonar cargos.

Para Tasso Jereissati, isso não é ameaça, é conforto. Para Temer, a briga com Aécio Neves é um presente dos deuses. O PSDB, dividido, poderá encolher, dando ao PMDB o direito de sonhar com o seu espólio. Não foi uma vingança planejada, era apenas inevitável.

* Elio Gaspari é jornalista

 

 


Luís Costa Pinto: Governo Temer prometeu estabilidade, mas há deficit sobre deficit

Brasil não está em um túnel, onde há luz no final. No ritmo de 2017, país alcançará fundo do poço

Antevisão do Caos
Kaos, para os gregos, era a desordem total. Era o cenário anárquico em que tudo acontecia e nada fazia sentido. Um fato não era decorrência de outro, nem gerado por ele. Daí derivou o nosso caos, mas na acepção que temos para a palavra usada para delimitar um mundo onde ainda pode haver esperança e o quinto dos infernos, fatos podem ser gerados a partir de outros. Juntos, sucessivos, criam uma cadeia de acontecimentos destinada a nos lançar num horizonte sombrio. Enfim, num futuro caótico.

Brasil, 2017: é o caos, camaradas.

A fragmentação da cobertura do noticiário político e econômico originado em Brasília não edita, não cola lado a lado, as fotografias das más notícias sobrepostas diariamente. Sendo assim, bate-nos diariamente a sensação de que um dia pode sempre ser pior do que o outro, mas induz-nos a crer na existência de uma luz no fim do túnel.

Forçoso alertar que não estamos num túnel. Túneis seguem em planos horizontais. Estamos num fosso. Fossos são verticais e o empuxo da gravidade faz cair até o fundo. Arrisco dizer que lá no rés-do-chão, caros leitores, não puseram mola alguma capaz de nos alçar novos voos. Há ali, isso sim, um alçapão e nele a dobradiça enverga para fora. Do lado de lá, o vácuo: um buraco negro. Brasil, 2017.

Onde venderam estabilidade e equilíbrio, hoje a realidade é deficit sobre deficit. Especula-se, agora, que em 2020 estanque a sangria dos cofres públicos por onde escorrem mais despesas que receitas. Onde tentaram empurrar uma reforma estabilizadora da Previdência Social, tornando isonômicos os ganhos futuros, sapeca-se mal ajambrada microrreforma em que a pedra de toque é exclusivamente a necessária fixação de idade mínima para a concessão de benefícios –mas que conserva intocáveis privilégios de militares, de funcionários públicos com altos salários e sobretudo não toca na indecente falta de mecanismos de cobrança da inadimplência previdenciária por parte de empresas.

Cantaram aos 4 ventos uma reforma do ensino médio e executaram-na a fórceps, cancelando o debate legislativo, por meio de medida provisória. As mudanças não virão: falta recursos à rede pública para as readaptações curriculares exigidas na MP. Foram cancelados programas bem sucedidos que integravam a incipiente rede brasileira de proteção social. Nos dois últimos anos quase 5 milhões de famílias brasileiras regressaram para o lado da miséria do muro que separa remediados, pobres e indigentes. O governo revogou R$ 10 reais no reajuste do salário mínimo para 2018. Fez isso ao mesmo tempo que confirmou despesas de R$ 13,4 bilhões em liberação de emendas parlamentares para quem votou contra a aceitação de abertura de processo no Supremo Tribunal Federal destinado a apurar denúncia de corrupção transformando Michel Temer em réu. Além do quê, o Palácio do Planalto acenou com uma reserva de mais R$ 1 bilhão a serem liberados em emendas de quem seguir fiel às suas linhas nos embates futuros.

Havia um fio de esperança na reforma política, que afinal podia mudar para melhor as regras vigentes para as eleições futuras. Desfiaram o fio, convertido em novelo de desesperança. Se vingar o “distritão” teremos a partir de 2019 um Congresso radicalmente pior em relação ao atual –o mais lastimável desde 1823. Caso aprovem de afogadilho um parlamentarismo meia-sola, imposto para tirar poderes do presidente da República concedendo-o a um Parlamento eleito sob suspeição e integrado por lideranças de partidos políticos estruturados sob máquinas mafiosas, o ciclo de dramas sucessivos se perpetuará. Não à toa, o grupo que ocupa o Planalto desde a deposição de Dilma Rousseff, em 2016, defende justamente o nefasto “distritão” e esse parlamentarismo-de-afogadilho.

Em que pese tudo o que foi dito até aqui, essencial fazer uma ressalva ao sistema de financiamento de campanhas eleitorais. Democracia dá trabalho e custa dinheiro. É o preço necessário a pagar por viver sob regras de civilidade. É claro que a forma de compor o fundo de R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas e partidos, e mesmo a origem e extensão desse financiamento, podem e devem ser estudados à exaustão. A eliminação dos programas partidários semestrais e conversão da renúncia fiscal derivada deles em “depósito de criação” do fundo não é má ideia. Daí podem sair 50% das verbas do fundo. O cancelamento de emendas parlamentares individuais é outra boa ideia –o que renderia mais uns 30% do fundo. Por fim, a imposição de duras regras de limitação de gastos com ferramentas de controle dessas limitações e punições severas –até com perda de mandatos e impugnação de candidatos que desobedecerem aos limites– tem de ser levado em conta. Não há nem almoço, nem sistema democrático grátis.

Ao aceitar pagar o preço da máquina política que estrutura a sociedade, concede-lhe organicidade e constrói o mecanismo de freios e contrapesos por meio do qual os poderes republicanos e as instituições se autorregulam, faz-se urgente ampliar também as ferramentas de transparência por meio das quais os cidadãos controlam o funcionamento da democracia. Essa parte do debate ainda não veio à luz no Congresso, nem na mídia tradicional. Tem de vir.

Resta-nos pouco tempo para deter a cadência do Brasil no fosso cujo fim ainda não vislumbramos. A gravidade nos atrai para o buraco negro –e não se sabe o que há por trás das nebulosas atrás do alçapão. A desesperança nos espreita. Quando o cidadão médio brasileiro costurar as fotografias miseráveis que teimam lembrá-lo diariamente e sistematicamente de nossas tragédias cotidianas ele terá em mãos um painel com imagem desesperadora: o caos.

* Luís Costa Pinto, 48 anos, é jornalista. Trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, "Pedro Collor conta tudo". É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.

 


FHC deu aval à crítica em propaganda

Ex-presidente FHC aprovou peça do PSDB veiculada na televisão em que o partido admite erros e fala em ‘presidencialismo de cooptação’

Julia Lindner e Igor Gadelha

O Estado de S.Paulo

A propaganda do PSDB veiculada nesta quinta-feira, 16, em cadeia nacional de rádio e TV aumentou as divergências internas, levando uma ala de governistas do partido a iniciar um movimento para tentar afastar o presidente interino da sigla, senador Tasso Jereissati (CE), do cargo. Tasso é apontado como o responsável pelo vídeo, produzido pelo publicitário Einarth Jacomé. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também ajudou a elaborar a propaganda.

“Isso não faz o menor sentido, porque, se vai substituir o presidente do partido, tem que substituir também o presidente honorário, já que o vídeo passou pelo crivo do presidente FHC”, disse o senador tucano Cássio Cunha Lima (PB).

Segundo integrantes do partido, FHC foi responsável por sugerir o uso da expressão “presidencialismo de cooptação” para criticar o modelo de governo brasileiro, considerada uma das frases mais polêmicas da peça e vista como crítica ao governo Michel Temer. “A expressão ‘cooptação’ foi sugestão do próprio FHC. Ia ser coalizão e ele sugeriu cooptação”, disse Cunha Lima.

Segundo Jacomé, o material foi exibido ao ex-presidente em São Paulo e recebeu sua aprovação. De acordo com o publicitário, FHC disse, na ocasião, que era preciso “chacoalhar a política”. FHC afirmou que, no primeiro caso, da “cooptação”, dá-se uma relação com pessoas, mediada por nomeações e interesses pessoais, chegando aos financeiros. O outro modelo, presidencialismo de coalizão, supõe uma convergência de pontos programáticos em consequência de apoios aos quais se abre espaço no governo.

Autocrítica. No programa de dez minutos, o PSDB fez uma “autocrítica” por ter “aceitado o fisiologismo”. “O presidencialismo de cooptação que vigora no Brasil faliu, tendo gerado crises sucessivas e muita instabilidade política”, diz o locutor, sem citar que a sigla ocupa quatro ministérios do governo.

Aliados de Tasso apontaram a participação de integrantes do Palácio do Planalto no movimento para afastar o senador da presidência interina do partido. Ele é pró-desembarque do governo. “A reação que vem (contra o programa do PSDB) é dos governistas, está evidente a participação do governo nessas declarações”, disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Ferraço afirmou ainda que há movimentos para que o PSDB se transforme “em força auxiliar do governo”. “Há esforço (do governo) para que o PSDB se anule”, afirmou.

Interlocutores de Temer, no entanto, disseram que o presidente tem perfil ponderado, não radical, e que o peemedebista conversou com Tasso por telefone. O tucano ligou para Temer para explicar a peça e, segundo interlocutores, o presidente não fez nenhum tipo de cobrança.

Nos bastidores, auxiliares de Temer consideraram um “tiro no pé” a propaganda. Segundo um interlocutor do presidente, ao reconhecer erros, os tucanos, além de darem munição a adversários na eleição do ano que vem, escancaram a crise vivida dentro partido.

Disputa. Tucanos da ala governista querem que o senador Aécio Neves (MG) reassuma a presidência da sigla temporariamente e escolha outro vice-presidente para comandar o partido até 9 de dezembro, quando está prevista nova eleição da Executiva. Nos bastidores, apostam no senador Flexa Ribeiro (PA) ou no deputado Giuseppe Vecci (GO) como substitutos de Tasso.

Enquanto isso, líderes do PMDB e do Centrão, grupo do qual fazem parte PP, PSD, PR e PRB, passaram a cobrar publicamente que o PSDB entregue os quatro ministérios que detém no governo: Cidades, Secretaria de Governo, Relações Exteriores e Direitos Humanos.

Interlocutores do Planalto voltaram a afirmar que o governo não vai retaliar os atuais ocupantes de cargos no primeiro escalão da Esplanada. Os ministros tucanos Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades) foram rápidos ao se manifestar contra o programa e dizer que a peça não os representa. Auxiliares de Temer lembrara ainda que os três atuaram para ajudar a derrubar a denúncia contra Temer. / Colaboraram Carla Araújo, Tânia Monteiro e Pedro Venceslau

 


Merval Pereira: Racha saudável  

“É bom que rache, há momentos na vida em que é preciso tomar uma decisão”. Assim o presidente em exercício do PSDB, senador Tasso Jereissati, reagiu às críticas ao programa partidário que assumiu os erros cometidos no passado e mostrou o partido disposto a recuperar seu eleitorado.

O PSDB, criado depois do rompimento com o MDB por causa do fisiologismo comandado por Orestes Quércia, agora se vê às voltas com o fisiologismo do governo Temer, que tem sob controle o PMDB, que, sintomaticamente, quer voltar a ser MDB. Mas será o MDB de DNA quercista, e não o de Ulysses Guimarães.

Romper agora novamente devido ao fisiologismo estaria de acordo com a linha programática do partido. Ajudar o governo de transição de Temer estava dentro do que o PSDB deveria fazer, por ser a solução constitucional e, inclusive, porque o partido apresentou um programa de governo reformista que tinha tudo a ver com o programa do PSDB.

Mas, após a divulgação da conversa com Joesley Batista, ficou difícil justificar a permanência no governo e houve o racha no partido. Um grupo forte, especialmente na Câmara, formado por jovens deputados tucanos e mais vereadores e prefeitos, chamados de “cabeças pretas” por serem a nova geração do partido, paradoxalmente encontrou em dois “cabeças brancas” o apoio para a mudança: Jereissati, que assumiu a presidência interina do PSDB com o afastamento do senador Aécio Neves, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Presidente de honra do partido, ele diz de brincadeira que não tem influência alguma, mas, na prática, é quem dá a linha programática do partido nas palestras que profere e nos artigos que escreve. Pelo menos mostra a direção que o partido deveria tomar, uma indicação muito mais próxima dos que desejam a retomada de posições iniciais do PSDB do que da cúpula partidária, adepta da velha politicagem de bastidores.

Um exemplo recente foi a carta dos economistas tucanos Elena Landau, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha para Jereissati, de apelo para que a sigla deixe o governo Temer. Eles integram o grupo de economistas ligados à PUC-Rio que definiu a política econômica do governo FH, especialmente na elaboração e execução do Plano Real.

Os economistas chegaram a pensar em se desfiliar do PSDB, mas decidiram aguardar a convenção do partido, que deve se realizar ainda em agosto. Depois do programa partidário de televisão, vários deles já procuraram Tasso para congratulá-lo pela coragem de encarar as questões fundamentais que o partido enfrenta. Continuam defendendo que o PSDB entregue os quatro ministérios que tem, mas mantenha o apoio à equipe econômica e às reformas estruturais que forem a votação no plenário do Congresso.

O senador Ricardo Ferraço também faz parte desse grupo que quer recuperar a linha programática do antigo PSDB e diz que é preciso assumir que o partido associou-se a um modelo falido que precisa ser modificado. Já o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, um dos principais nomes do partido, ficou irritadíssimo e soltou uma nota no seu Facebook afirmando que o programa era um “monumento à inépcia publicitária” e expressão “de uma confusão política digna de figurar numa antologia do gênero”. Segundo ele, o programa diz que o “o PSDB errou, sem dizer exatamente onde está o erro” e reagiu a declarações sobre corrupção generalizada.

A expressão “presidencialismo de cooptação”, sugerida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi o que mais irritou tanto a cúpula do Palácio do Planalto quanto os ministros tucanos, que se indignaram com a insinuação de que estariam no Ministério por interesses escusos.

O movimento contrário à atual direção partidária tenta fazer com que o grupo do senador Aécio Neves retome a presidência, para ele próprio ou outro membro mais ligado ao grupo que quer se manter no governo. Como prevê Jereissati, está chegando a hora da definição para o PSDB, que tem na sua ala mais forte, a paulista, uma concordância entre o prefeito João Doria e o governador Geraldo Alckmin para a manutenção da linha reformista da direção partidária atual.

 


Míriam Leitão: Emergência fiscal  

A culpa é do presidente Temer. Ele fez o que não se faz. Até quinta-feira, o debate em torno da meta estava restrito ao presidente e à equipe econômica. Ele resolveu chamar os políticos, entre eles os do centrão, aos quais deve sua permanência no governo. Um presidente refém de políticos resolve compartilhar com eles uma decisão dolorosa como a fiscal. Agora o risco é termos dois anos de R$ 170 bilhões.

A equipe econômica quer elevar o déficit para R$ 159 bilhões este ano e no próximo. Já é muito. Já é imenso. Mas a pressão dos políticos é para ampliar gastos em ano eleitoral. Se o presidente Temer bater o martelo nesse descalabro, entregará ao país um número muito pior do que o pior momento do governo Dilma.

O Brasil vive a mais grave crise fiscal de que se tem notícia. Ela surgiu pelos erros no manejo da política econômica, mas tem também razões antigas. O rol de equívocos cometidos pelos governantes é enorme, com destaque para o governo Dilma. A mudança da meta é só o atendimento da emergência, mas há limites para números negativos.

Se subir o déficit para R$ 170 bilhões nestes dois anos, Temer não terá feito avanço algum para diminuir o rombo, que chegou a R$ 111 bilhões em 2015 e atingiu R$ 159,5 bi em 2016. A ideia original era reduzir esse dado com um esforço adicional a cada ano. A revisão para R$ 170 bi, se acontecer, mostrará que Temer cedeu novamente para agradar aliados políticos.

O desafio do país é reorganizar as contas públicas enfrentando obstáculos que, pelo olhar de hoje, parecem intransponíveis. Se o governo não fizer uma cirurgia profunda, vai se repetir o mesmo episódio dos últimos dias, em que ministros da Fazenda e Planejamento vão se debruçar sobre as contas com o governante da vez, vão dizer que a receita é insuficiente, vão propor cortes, e os órgãos do governo constatarão que não podem funcionar com tão pouco dinheiro. Os políticos dirão que precisam de recursos para atender às suas bases, e alguém terá a ideia de cobrar mais impostos. Haverá reação e o argumento de que a carga tributária é alta demais e os serviços, insuficientes. Será suspensa a ameaça de mais impostos ou cumprida apenas parcialmente.

Estamos presos nesse nó. Até recentemente, no segundo governo Fernando Henrique e no primeiro governo Lula, o esforço era para cumprir a meta de superávit primário. Durante o governo Dilma, esse superávit caiu, passou do zero, foi para o negativo e explodiu no começo do segundo mandato, quando ela foi obrigada a pagar os gastos que havia escondido nas operações com os bancos públicos, as pedaladas. De lá para cá, o país não conseguiu acertar o passo.

Na busca das razões do descontrole é preciso estabelecer a causa mais emergencial: o país foi jogado numa recessão, criada aqui dentro por erros dos governos do PT, e, como em todo o processo de encolhimento do PIB, há queda forte de arrecadação. A receita caiu mais do que os 10% de PIB per capita que o país perdeu em dois anos e meio.

O presidente Temer está por tempos demais na política para saber que o certo era tomar uma decisão técnica e depois chamar os políticos e convencê-los da gravidade. Abrir uma decisão amarga com os políticos é montar a armadilha que vai prender o que resta deste infeliz mandato. E pior: agrava a crise do país.

Houve momentos, no passado, de desequilíbrio grande entre receita e despesa, mas os economistas tinham dificuldade de contabilizar porque era no período da hiperinflação. A inflação alta, terrível para o país, facilitava a vida do administrador público. Arrecadar antecipadamente e pagar depois permitia ao governo ter uma receita criada pela própria inflação.

Desde o início do real não se vê um descontrole como esse. Há erros de raízes profundas, como as benesses concedidas ao Judiciário ou as distorções da Previdência, e outras que nasceram do principal erro do governo Dilma, de desprezar o ajuste fiscal como se fosse um discurso da “direita”. O equilíbrio fiscal é a base sobre a qual se constrói o projeto que o país escolher. Sem ele, vivemos assim nesse sufoco diário como no governo Temer.

* Míriam Leitão é jornalista

 


Maria Cristina Fernandes: O pacto paulista   

Guerra bandeirante tem cimento e finança de munição. Michel Temer ainda exercia seu primeiro mandato como vice-presidente quando acumulou créditos na balança de suas relações com o prefeito de São Paulo, João Doria. No terceiro ano do mandato, em viagem de volta da China, parou em Abu Dhabi. Resistiu ao roteiro, por cansativo, mas foi convencido à escala por um amigo comum. Temer era o principal convidado da cerimônia de pedra fundamental da fábrica de derivados de carne da BR Foods.

A promoção era da empresa de eventos de Doria em benefício da fabricante de alimentos que tem como conselheiro o substituto do prefeito de São Paulo nos seus negócios, Luiz Fernando Furlan. Doria já havia deixado claro seu interesse em estreitar relações políticas com o grupo do presidente ao procurar dois de seus amigos naquele ano para comunicar seu interesse em se candidatar a prefeito de São Paulo dali a três anos.

O anúncio, por pretensioso, foi recebido com reservas, o que não o impediu de ser convidado a se filiar ao PMDB. Ao preferir se manter no PSDB, Doria reproduziu, com sinais trocados, a trajetória de Temer. Na revoada tucana de 1988, o atual presidente foi aconselhado por Franco Montoro a permanecer para fazer a ponte entre os ex-pemedebistas e o antigo partido.

Esses vínculos se provariam determinantes para o pacto de não agressão firmado na disputa de 2016. Numa reunião em Brasília da qual participou toda a cúpula de comunicação pemedebista, Antonio Lavareda fez um frio diagnóstico da campanha. Se a candidata do PMDB, Marta Suplicy, e Doria continuassem a se estapear acabariam por eleger Celso Russomano prefeito.

As pretensões presidenciais de Doria cresceram na mesma medida em que decaíram as chances de Temer ser reeleito. O presidente, na definição de um integrante de seu próprio grupo político, corre o risco de sair da Presidência menor do que entrou. A ascensão de Doria passou a ser o atalho para aquele que se tornou o plano A do grupo de Temer: a eleição do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, ao governo estadual.

Por isso o presidente da República está disposto a se empenhar por uma aliança que reúna PMDB, PSDB e DEM em torno de Doria. Está mais bem posicionado do que ninguém para recompor, por exemplo, as relações entre o prefeito e o senador tucano Aécio Neves, cujo afastamento definitivo da direção do PSDB foi abertamente pedido por Doria. Outros tucanos aproximaram-se do prefeito nos últimos tempos (Beto Richa, Cássio Cunha Lima e Marconi Perillo), mas Aécio é o único em condições de obstruir a pretensão de Alckmin de antecipar as prévias do partido para dezembro, data que inviabilizaria a participação de um prefeito que nem sequer teria completado um ano no cargo.

A chegada de Doria ao Palácio do Planalto seria a maneira mais segura de o atual presidente evitar uma caça às bruxas. Mas este não é o principal cimento da aliança Temer-Doria. O presidente pode se convencer da necessidade de se candidatar pelo menos a deputado para manter o foro.

O prefeito é visto como um político mais maleável a demandas empresariais, do que o governador de São Paulo. Um pemedebista enumera as empreiteiras paulistas que estão à míngua porque Geraldo Alckmin, na sua definição, governa São Paulo como se fosse um banco - "Ele deixa sangrar até a morte, não ajuda ninguém".

No grupo de Temer, a percepção é de que Alckmin é aquele vendedor de carro usado com quem se pode negociar sem nem mesmo virar a chave. E desde que o cunhado não aja como atravessador. O prefeito de São Paulo, por outro lado, é mais bem visto por cultivar o "sentimento de reciprocidade" do qual o governador é desprovido.

A percepção é referendada pelas últimas licitações feitas pelo Palácio dos Bandeirantes, abertas a empreiteiras estrangeiras e amarradas a financiamentos e garantias que inibem aditivos. A frieza do governador é atestada também por investidores que, na disputa interna do PSDB, já se colocaram a seu lado.

Num encontro recente com meia dúzia de dirigentes do mercado financeiro, Alckmin não fez rodeios na avaliação de que a política de juros "só beneficia banqueiros". Contestado, seguiu adiante: "Vocês teriam quebrado o país em 2002 se Lula não tivesse nomeado Meirelles".

Convergem na avaliação de que sua franqueza desabrida se acentuou com a morte precoce do caçula. Alckmin perseguiria suas metas como quem já não tem muito a perder. É o que explica declarações inimagináveis tempos atrás ("Meu pai sempre me disse que política é dedicação, coragem moral e vida pessoal modesta. Ficou rico é ladrão") ou reações cotidianas como aquela que teve diante de especialista que tentava lhe convencer da viabilidade eleitoral de seus planos: "Você me explica o projeto, de voto entendo eu".

Esses investidores engolem Alckmin a seco porque aprovam sua política fiscal e também pelo desencanto com Doria, atribuído a dois traços que descobriram no prefeito: é apegado a firulas e não ouve. Não faltariam exemplos, como exigências em relação a vestimentas, de garis a secretários, que são convidados a retirar a gravata em reuniões que o prefeito não as usa.

A esta fixação se contrapõe um comportamento definido como superficial. Há secretários que passaram a se guiar pelo que Doria diz na imprensa para conduzir suas pastas dada a dificuldade de falar - e ser ouvido - com o prefeito que não para de viajar pelo país. "Não são as doações de empresários que vão resolver os problemas do Brasil", resume um investidor.

A fatia bandeirante do pacto em gestação é outro ponto de insatisfação. Skaf é identificado ao mar de subsídios, isenções e refis que inunda o governo Temer. Ao presidente da Fiesp contrapõem nomes como Luiz Felipe D'Ávila, dirigente do Centro de Liderança Pública, celeiro de liberais simpáticos à abertura de oligopólios, como o da infraestrutura.

Este é apenas um dos mercados pelos quais guerreiam. A disputa só chegou a esse ponto porque não há ameaças à esquerda no Estado. A corda ainda vai ficar muito mais esticada antes de se prestar à costura. Se Doria não se viabilizar como presidenciável, o grupo de Temer trabalhará por um acordo com Alckmin. Não se espera que o PSDB abra mão de lançar um candidato em São Paulo, mas é um pacto de não agressão que se busca - uma conquista, para o padrão bandeirante.

*  Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor Econômico