Monica de Bolle: A agenda Porcina

As reformas do governo Temer provar-se-ão conjunto de viúvas Porcinas, aquelas que terão ido, ou passado, sem jamais terem sido, de fato, reformas? Os riscos de que as reformas Temeristas sejam “Porcinadas” cresce a cada novo anúncio, a cada nova manchete eletrizante. O teto dos gastos, a reforma trabalhista, a TLP, as privatizações. Que fique claro – no Brasil acalorado, importante é clarear: cada uma dessas iniciativas foi formulada por razões louváveis, inquestionáveis, até. Mas há muitos mistérios entre o princípio e a prática. Mistérios da meia-noite, que voam longe, que você nunca, não sabe nunca, se vão se ficam, quem vai quem foi.
Foto: Beto Barata
Foto: Beto Barata

As reformas do governo Temer provar-se-ão conjunto de viúvas Porcinas, aquelas que terão ido, ou passado, sem jamais terem sido, de fato, reformas? Os riscos de que as reformas Temeristas sejam “Porcinadas” cresce a cada novo anúncio, a cada nova manchete eletrizante. O teto dos gastos, a reforma trabalhista, a TLP, as privatizações. Que fique claro – no Brasil acalorado, importante é clarear: cada uma dessas iniciativas foi formulada por razões louváveis, inquestionáveis, até. Mas há muitos mistérios entre o princípio e a prática. Mistérios da meia-noite, que voam longe, que você nunca, não sabe nunca, se vão se ficam, quem vai quem foi.

O teto dos gastos, tão aplaudido, não terá reforma da Previdência robusta para acompanhá-lo, fadado estará as virtudes ou vicissitudes do governo que vier a herdá-lo em 2018. A reforma trabalhista, ainda à deriva, em meio às demandas diversas de sindicatos e outros grupos de interesse, cuja força cresce em proporção à ascendente fragilidade de Temer, em breve engalfinhado com nova denúncia de Janot. A TLP, sobre a qual venho escrevendo alguns artigos: na semana passada tracei breve rascunho para este espaço delineando porque a TLP não é a reforma do sistema financeiro, mas o elemento de uma reforma que ainda não foi traçada. A TLP, a taxa que poderá incidir sobre 14% do crédito direcionado, não é a solução para as distorções que temos, mas um pequeno passo para começar o árduo trabalho de remover distorções que perduram há décadas.

Uma reforma financeira, para ser reforma de fato, precisa de muito mais do que uma TLP. Precisa, a meu ver, concentrar-se em três grandes pilares: (1) o que fazer com os fundos de poupança forçada do País (o FAT, o FGTS) que distorcem a alocação de recursos; (2) como reduzir o crédito direcionado – e subsidiado – que provém de outros bancos públicos, além do BNDES, e que representam 50% do crédito total da economia brasileira, tornando-nos uma anomalia entre os países emergentes, à exceção da China; (3) qual deve ser o mandato do BNDES? Definir o mandato do BNDES é fundamental para qualquer pretensão de reforma. A ausência de mandato com a qual o banco hoje opera o deixa sujeito às mais insidiosas pretensões do governo por ele comandado, e não há TLP que resolva.

Para entender o ponto, considerem o Banco Central. O Banco Central tem o mandato de conduzir o regime de metas de inflação e de garantir a estabilidade dos preços. Com essa atribuição de funções, é possível dar ao Banco Central autonomia operacional, sem que haja ingerência do governo. Ainda que tal ingerência tenha ocorrido no passado, é a existência de um mandato claro que nos permite observar atitudes indevidas do governo. Se fosse dado um mandato para o BNDES – seja para o financiamento à infraestrutura, seja para empréstimos para pequenas e médias empresas, seja para o apoio às exportações, ou seja lá o que for –, nós, a sociedade, poderíamos observar com maior clareza se o governo está ou não permitindo que o mandato seja cumprido. Mas preferimos o carro da TLP e esquecemos do boi do mandato do BNDES.

As privatizações. Houve encantamento com o anúncio das concessões e privatizações que farão parte do Plano de Parcerias de Investimento (PPI). Hoje, são 57 projetos. Quando anunciado originalmente em setembro de 2016, eram 34 projetos, lista que abarcava boa parte do malfadado plano de concessões de Dilma. Sem entrar no mérito de ser o plano de privatizações factível faltando pouco mais de um ano de governo, ou na questão da urgência em cobrir as rombo-metas fiscais de 2017 e 2018 – o que nunca é um bom motivo para vender ativos –, há algo mais. As privatizações de Temer nada têm em comum com as de FHC. As de FHC serviram, por certo, para cobrir rombos fiscais. Contudo, seu principal objetivo era modernizar o País, o que foi definitivamente alcançado no setor elétrico e no setor de telecomunicações. Embora exista a necessidade de modernizar sistemas logísticos, aeroportos, entre outros, não parece ser esse o grande objetivo da privatização Temerista. Tampouco parece que haverá tempo para tanto, haja vista que o PPI está parado desde que foi anunciado.

Continuamos, portanto, com a agenda “Porcinada”. Ou com agenda por si, nada.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/John Hopkins University

 

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