Memória
Luiz Carlos Azedo: Lembrai-vos de 1964
No dia primeiro de abril de 1964, as cidades brasileiras amanheceram com suas praças e ruas mais importantes ocupadas por soldados e tanques. Não era piada. Apoiado por importantes líderes políticos e pelos Estados Unidos, o golpe de Estado durou 21 anos. Somente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, voltamos à democracia. Sempre é bom lembrar o que aconteceu naquele ano, assim como os militares lembram a tentativa de assalto ao poder dos comunistas em 1935. Nos dois episódios, Luís Carlos Prestes, o lendário líder do movimento tenentista que aderiu ao Cominter, teve grande protagonismo. Foram momentos de irracional radicalização política esquerda versus direita.
Por isso mesmo, é importante refletir à luz da história. Nunca os militares estiveram tão presentes na vida nacional. Seu protagonismo contrasta com o desprestígio, a incompetência e a má fama dos políticos. As Forças Armadas estão em todo lugar, prestando serviços à população na Amazônia, no Nordeste e, agora, no Sudeste, por causa da violência. Segundo as pesquisas, estão entre as instituições mais confiáveis e de maior prestígio do país, em meio à crise ética que afasta o Executivo e o Legislativo da maioria da sociedade. O Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo arrastado para o redemoinho da radicalização política, devido ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, fosse um cidadão qualquer, já estaria a cumprir pena, mas não pode ser preso porque obteve um salvo-conduto do Supremo. A Corte interrompeu o julgamento do seu caso ao meio porque dois ministros estavam com passagem marcada e não queriam perder o avião. Será concluído na próxima quarta-feira.
Trancos e barrancos
O cenário não é mais grave porque o país saiu da recessão e as instituições, aos trancos e barrancos, ainda funcionam. O governo federal mantém certa capacidade de governança, tem base parlamentar majoritária no Congresso, mas não tem a menor chance de reverter os desgastes causados pelas denúncias contra seus integrantes, a mais recente no círculo de amigos mais próximos do presidente Michel Temer. Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política. Ainda mais diante da radicalização do processo eleitoral, que ameaça descambar para a violência política, tal o fanatismo dos partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), homem assumidamente de extrema-direita, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste em manter sua candidatura, mesmo sabendo que a Lei da Ficha Limpa o impede de concorrer à Presidência.
Só não vê quem não quer. Estão sendo criadas as condições para uma intervenção militar, que seria aplaudida por parcela expressiva da maioria da população. Alguns dirão: o golpe de 1964 foi resultado da guerra fria e da intervenção do imperialismo norte-americano. Não, apesar disso, o golpe era evitável. O país tinha eleições marcadas para 1965 e Juscelino Kubitschek era franco favorito na disputa, mas a esquerda considerava sua volta ao poder um retrocesso. O problema não eram os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, ou de Minas, Magalhães Pinto, que articularam o golpe. Prestes articulava a candidatura de Jango à reeleição, era uma saída golpista para a crise política. O marechal Castelo Branco deu o golpe primeiro.
“A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na história”, disse certa vez o ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. O general liderou a retirada em ordem do poder e a volta dos militares aos quartéis, onde permanecem. Até agora, em meio à crise ética, os militares estão demonstrando mais compromisso com a Constituição de 1988 do que a maioria dos nossos políticos. Oxalá o Supremo não decepcione a sociedade.
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Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite
O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.
Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.
Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.
“Estava imóvel — os olhos amarelos acinzentados sonhadores —, quando ouviu o grito. Era um grito de mulher, agudo e estridente de terror. Spade estava atravessando a porta quando ouviu o tiro. Era um tiro de revólver, amplificado, reverberando pelas paredes e pelos tetos”, seus contos inspiram cenas recorrentes no cinema, como no clássico Um tiro na noite, de Brian de Palma, de 1981.
O sonoplasta Jack Terry (John Travolta) prepara a trilha sonora de um filme B sobre assassinatos em uma universidade. Na gravação de um áudio, em local ermo, salva a mocinha (Nancy Allen) de um acidente automobilístico. Ao resgatá-la, Jack descobre que ela estava em companhia do governador George McRyan (John Hoffmeister), um dos candidatos à Presidência dos EUA. Depois do incidente, na conferência do material sonoro, constata que o acidente pode ter sido um crime encomendado; percebe que o som do estouro do pneu, na verdade, era de um tiro de revólver.
Lava-Jato
Depois da revelação de que a família do ministro relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, sofreu ameaças, os tiros disparados contra o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais. Só foram descobertos por causa dos buracos de bala. Os tiros precisam ser investigados, tal qual nas histórias noir.
Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, Lula desafia a Justiça e força a barra para manter a candidatura a presidente da República, com uma retórica de radicalização política no gogó e um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal nas mãos, enquanto aguarda a conclusão do julgamento de seu polêmico pedido de habeas corpus pela Corte, suspenso porque dois ministros não poderiam perder o avião. Seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), como já reiteramos, com discurso truculento e reacionário, retroalimenta a radicalização. É um ambiente que começa a sair do controle, como a segurança pública no Rio de Janeiro.
No Brasil, até agora, não houve atentados ou mortes na Operação Lava-Jato. Aparentemente, todos os envolvidos são pessoas de índole pacífica. Nem um pouco parecida com a dos responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol), há duas semanas, executada com quatro tiros na cabeça, logo após sair de uma reunião de mulheres negras, supostamente uma resposta à intervenção federal na segurança pública daquele estado.
Na Itália, a Operação Mãos Limpas, deflagrada em fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio), em dois anos, resultou em 2.993 mandados de prisão e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mas houve 12 suicídios e os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram assassinados pela máfia.
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Luiz Carlos Azedo: As cinco pontes
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas com 467 mil empregados
Na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, a China comunista leva vantagem em relação aos Estados Unidos, assim como outros regimes da Ásia em relação às democracias do Ocidente em crise de representação, porque reprime duramente greves e protestos. É a face política mais obscura da globalização, na qual crescem a concentração de renda e as desigualdades, num processo no qual o regime de pleno emprego e os chamados exércitos industriais de reserva perderam a razão de ser. No Brasil, pela primeira vez, o contingente de trabalhadores do mercado informal suplantou o número dos com carteira assinada. As mudanças em curso provocam reações quase ludistas em relação ao surgimento de atividades que substituem as tradicionais, gerando milhares de postos de trabalho, como acontece na disputa entre taxistas e o Uber nas grandes cidades.
O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Impactados pela Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O movimento ganhou esse nome por causa de seu líder, Ned Ludd. Com a participação de operários das fábricas, os “quebradores de máquinas”, como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas, por causa do desemprego e das péssimas condições de trabalho no período. O ludismo perdeu força com o surgimento das trade union, os sindicatos da época.
A briga entre taxistas e motoristas de Uber é um bom exemplo do choque de interesses provocado pelas mudanças em curso. Reproduz em escala global um episódio ocorrido na Baía de Vitória em 1927. Uma ponte de aço construída na Alemanha chegou à capital capixaba para permitir a primeira ligação da ilha com o Continente. É um patrimônio histórico e arquitetônico, um conjunto de cinco pontes ferroviárias de aço, interligadas. Tão logo ficou pronta, um açoriano empreendedor criou uma linha de lotação ligando Vila Velha a Vitória, mas houve violenta reação dos catraieiros que faziam a travessia do canal que separa as duas cidades. Ainda hoje é possível fazer a travessia do cais do Paul para o centro da capital do Espírito Santo de catraia, um barco a remo seguro, que transporta até oito pessoas e virou até atração turística. Mas a greve dos catraieiros não tinha a menor chance de dar certo. Assim é o progresso.
Correios
A greve por tempo indeterminado dos funcionários dos Correios pode ter o mesmo destino. Balanço da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que engloba 31 sindicatos, mostra que a paralisação atinge os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo (regiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos e Vale do Paraíba), além do Distrito Federal. Amazonas e Amapá a qualquer momento podem aderir à paralisação. É uma rajada no próprio pé.
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas expressas, a maior em todo o mundo. Com sede em Bona, a empresa tem 467 mil empregados em mais de 220 países. Surgiu em 1995 como resultado da privatização da empresa de correios alemã, Deutsche Bundespost. O escritório federal alemão de correios era um serviço postal e de telecomunicações fundado logo após o final da II Guerra Mundial. Inicialmente foi o segundo maior empregador federal durante seu tempo, mas seu pessoal foi reduzido para cerca de 543.200 funcionários em 1985. A empresa foi dissolvida em 1995 e dividida em três empresas de capital aberto: a Deutsche Post AG, a Deutsche Telekom e a Deustsche Postbank.
Com 5% do comércio mundial nas mãos, hoje a Deutsche Post não entrega apenas correspondências e outras encomendas. Com a subsidiária DHL, a Deutsche Post cobre não apenas as exportações da Ásia para a Europa ou América, mas também entre os países asiáticos. Opera na China com uma rede nacional de transporte com cerca de 300 pontos de apoio. Com a compra da Airborne, a Deutsche Post se tornou a terceira maior empresa de serviço de entrega “express” nos Estados Unidos. Na América do Norte e na do Sul, a companhia alemã de correios conta com mais de 40 mil funcionários. Nos países europeus, excetuando-se a Alemanha, são 75 mil funcionários e um faturamento de 10 bilhões de euros. Incluindo-se as atividades na Alemanha, a empresa movimentou 60 bilhões de euros no ano passado, obtendo um lucro líquido de 2,7 bilhões de euros.
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Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência
No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.
Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.
Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.
Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.
Bandeira
Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.
O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.
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Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso
Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.
O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.
Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.
Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.
Habeas corpus
Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!
Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.
Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.
A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.
Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho
O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.
Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).
Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!
O divórcio
O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.
O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.
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Luiz Carlos Azedo: O espírito das leis
O Supremo é o guardião da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo que contrariarem a Carta Magna
Um dos pais do Estado moderno, para Montesquieu havia três tipos de governos: o republicano, “aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detém o poder supremo”; o monárquico, no qual “governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas”; e o despótico, em que “um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios”. Essa definição existe desde 1748, quando foi publicada em Genebra, em dois volumes, a sua obra O espírito das leis, sem o nome do autor, porque havia sido proibida na França. Dois anos depois, a proibição foi suspensa e a obra virou um verdadeiro best-seller, com 22 edições em 15 meses.
A referência a Montesquieu, que sofreu forte influência de Aristóteles e John Locke, vem a propósito da narrativa petista sobre o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ataques do líder petista ao Judiciário. Seu comportamento é típico de um candidato a déspota, como o descrito no início desta prosa, e não de um réu injustiçado. O grande objetivo de Montesquieu foi garantir a liberdade política e tornar impossível o despotismo, através de uma separação de poderes ampla e absoluta: “Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”.
Ontem, ao reabrir os trabalhos do Judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, na presença do presidente Michel Temer e dos presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), reafirmou o velho princípio de separação de poderes e aproveitou para responder aos ataques de Lula: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual fora do direito não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal.”
Carmem Lúcia fez a ressalva de que a Justiça também não está acima do bem e do mal: “O Judiciário aplica a Constituição e a lei. Não é a Justiça ideal, é a humana, posta à disposição de cada cidadão para garantir a paz. Paz que é o contínuo dos homens e das instituições. Se não houver um juiz a proteger a lei para os nossos adversos, não haverá um para nos proteger no que acreditamos ser o nosso direito”.
Lava-Jato
Essa questão nos remete aos debates da elaboração da Constituição norte-americana, protagonizados por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, origem do “americanismo”, que hoje influencia fortemente a magistratura brasileira. Eles escreveram 85 artigos para O federalista, publicados sob o pseudônimo Publiu, em Nova York, entre outubro de 1787 e maio de 1788, dos quais cinco foram dedicados ao Judiciário. Uma das inovações dos federalistas foi a introdução do princípio de que a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo e/ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo, quando estas contrariarem a Carta Magna. Esse é o principal contrapeso para garantir a democracia contra os excessos do Executivo e eventuais maiorias parlamentares.
Nesse aspecto, foi importante também o posicionamento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, num momento em que se arma uma coalizão no Executivo e no Legislativo para acabar com a Operação Lava-Jato: “O Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a Justiça seja bem distribuída; para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade; para defender a dignidade humana, de modo a erradicar a escravidão moderna, a discriminação que causa infelicidade, e para assegurar acesso à educação, à saúde e a serviços públicos de qualidade.”
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Luiz Carlos Azedo: A batalha perdida
Pode haver uma ultrapassagem da radicalização, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam
Na Espanha do rei José II, no século XIV, segundo José Ortega e Gasset, todos os seres tinham o direito e o dever de serem o que eram, fossem “dignificados ou humildes, abençoados ou malditos”. O judeu ou árabe eram, para as demais pessoas, “uma realidade, dotada do direito de ser, com uma posição social só sua e seu próprio lugar na pluralidade hierárquica do mundo”. No limiar do século seguinte, porém, judeus e mouros foram obrigados a deixar a Espanha pelo rei católico Fernando II. Segundo o filósofo espanhol, essa foi a gênese da primeira geração moderna. “De fato, é o homem moderno que pensa ser possível excluir determinadas realidades e construir um mundo segundo as próprias preferências, à semelhança de uma ideia pré-concebida”, ressalta.
O exemplo é citado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao abordar a relação entre verdade, ficção e incerteza no mundo contemporâneo (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar). A tolerância em relação às diferenças no mundo pré-moderno era resultado de uma visão conservadora do tipo “tudo já está em seu lugar”. O rei Fernando da Espanha foi precursor de uma estratégia “que seria aplicada, com maior ou menor zelo e com maior ou menor êxito, ao longo da história moderna e em todas as partes do globo”. A destruição da diferença era o pressuposto da nova ordem. Mas a guerra contra a diferença e a pluralidade foi perdida em todo lugar. “A história moderna resultou, e a prática moderna continua resultando na multiplicação de divisões e diferenças.”
O aspecto novo das diferenças na pós-modernidade seria “a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e a resultante intangibilidade, maleabilidade e o curto período de vida”. O “desencaixe” existencial e as dificuldades para definir “projetos de vida” e construir a própria identidade, típicos das gerações mais jovens, seriam consequência não apenas da desestruturação das classes da antiga sociedade industrial, mas também da ausência de pontos de referência duradouros, como as ideologias do século passado. O “mundo lá fora” é cada vez mais virtual e parecido com um jogo, no qual as regras mudam de uma hora para outra. Qual o sentido de uma identidade vitalícia se as pessoas estão sendo obrigadas a se reinventar?
Ficção e realidade
Bauman recorre aos ensaios literários de Milan Kundera e Umberto Eco para dizer que talvez a verdade esteja mais na ficção dos romances do que na aparência das pessoas, cujas verdadeiras identidades são mutantes, estão ocultas ou dissimuladas. Muito do que está acontecendo na política brasileira tem a ver com tudo isso. Há um choque monumental entre as nossas práticas políticas tradicionais, encasteladas nas instituições de poder, e uma realidade social em mudança, com o agravante de que a reboque dos efeitos da globalização. Há um abismo entre uma elite política e seus partidos envelhecidos e as transformações em curso na sociedade, nas quais as pessoas comuns foram “desconstruídas”, mas estão plugadas nas redes sociais.
Não deixa de ser um paradoxo o cenário eleitoral que se apresenta. Nas redes sociais, um candidato de ficção à esquerda, que se tornou inelegível, acredita que pode voltar ao poder se reeditar velhas fórmulas políticas, nas quais as diferenças são sufocadas pela intolerância ideológica; de outro, um candidato real, porta-voz de práticas embrutecidas, que também quer sufocar as diferenças, inclusive as de costumes e de comportamento. No processo eleitoral real, porém, prevalece a força da ordem institucional. As regras do jogo favorecem os grandes partidos, a imunidade parlamentar e a sobrevida de uma geração política que pretende empurrar a fila para trás. Entretanto, a fragmentação e as diferenças predominam, tanto nas redes sociais, quanto no sistema político, o que aumenta as incertezas.
A lógica natural das coisas será a transferência gradativa das disputas políticas e ideológicas das redes sociais para o processo eleitoral, ou seja, toda a diversidade e a fragmentação existentes na sociedade buscarão representação nos partidos e em suas candidaturas. Nesse sentido, pode haver uma ultrapassagem da radicalização direita versus esquerda, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam. Essa é a equação que está posta na disputa eleitoral para a Presidência da República, tendo por pano de fundo uma tremenda crise ética na política, que ameaça tragar as principais lideranças, seja nos tribunais, seja no silêncio das urnas.
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Luiz Carlos Azedo: O par dialético
A economia voltou a crescer, mas a crise de financiamento do Estado impõe um “voo de galinha”. Com a mudança de cenário na economia mundial, o nosso velho desenvolvimentismo não tem vez
A esquerda brasileira tem uma forte tradição nacionalista, resultado da convergência de velhas concepções nacional-libertadoras e do populismo. Até o golpe de 1964, a luta contra o imperialismo era considerada mais importante do que a defesa da democracia. No governo João Goulart, por exemplo, a aliança entre comunistas, petebistas e pessedistas que levou Juscelino Kubitschek à Presidência foi rompida. A esquerda considerava um retrocesso político sua volta ao poder nas eleições marcadas para 1965, devido à sua “conciliação” com os Estados Unidos. Enquanto o líder petebista Leonel Brizola se lançava candidato a presidente (“cunhado não é parente”), o líder comunista Luís Carlos Prestes articulava a reeleição de João Goulart. A divisão do campo democrático por causa das ideias nacionalistas jogou os liberais nos braços dos setores conservadores liderados por Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, que articulavam o golpe de Estado. Entre eles estavam, por exemplo, o próprio Juscelino e aquele que viria a liderar a campanha das Diretas Já, Ulysses Guimarães.
Com a deposição de Goulart, o então presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência da República, mas a junta militar (general Artur da Costa e Silva, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e o almirante Augusto Rademaker), autodenominada “Comando Supremo da Revolução”, exigiu plenos poderes do Congresso para fazer cassações de mandatos e demitir servidores públicos. O historiador Hélio Silva conta que, em 8 de abril de 1964, um grupo de parlamentares, do qual fazia parte Ulysses, redigiu o ato constitucional a ser votado pelo Congresso para delegar esses poderes. No dia 9, porém, os militares editaram o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que conferia poderes extraordinários ao Executivo e estipulava a eleição de um novo presidente e de um vice-presidente no prazo de dois dias. Em 11 de abril, foram eleitos indiretamente para a Presidência da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco e, para a vice-presidência, José Maria Alkmin, indicado pela maioria do Congresso. Quatro dias depois, tomaram posse. Ulysses e outros pessedistas que apoiaram o golpe de 1964 logo romperam com os militares, sendo seguidos por políticos da antiga UDN. Juscelino e Lacerda foram cassados.
Uma parte da esquerda aprendeu a lição do golpe e passou a defender a democracia, mas outra optou pela luta armada, numa perspectiva de que a tomada de poder coincidiria com uma revolução, nos moldes da cubana. Tendo a guerra fria como pano de fundo, demorou para que os setores moderados da esquerda, como os antigos PCB, PTB e PSB, na ilegalidade, conseguissem convencer os demais de que o caminho da luta pela redemocratização do país passava pela disputa eleitoral e pelo apoio ao partido de oposição criado pelo próprio regime, o MDB, já então liderado pelo deputado Ulysses Guimarães e outros caciques pessedistas, como Amaral Peixoto e Tancredo Neves. Essa experiência de luta contra o regime militar levou a esquerda, na redemocratização, a inverter o chamado “par dialético”: a luta passou a ser democrática e nacional. Trocando em miúdos, subordinou-se o nacionalismo à defesa da democracia.
Desenvolvimentismo
Quando a esquerda chegou ao poder no Brasil, o mundo já não era o mesmo da guerra fria. O velho colonialismo havia acabado, logo se viu o Muro de Berlim ser derrubado e a antiga União Soviética se desintegrar, enquanto a China fazia as pazes com o capitalismo. Entretanto, o nacional desenvolvimentismo continuou sendo o eixo de sua doutrina econômica, principalmente porque a nossa industrialização fora protagonizada pala presença do Estado na atividade produtiva, num acelerado processo de substituição de importações. Era uma economia autárquica, que entrou em colapso após a crise do petróleo dos anos 1970. O Estado perdeu a capacidade de financiamento e o país passou por um longo ciclo de crises e baixo crescimento, com hiperinflação no governo Sarney e recessão no governo Dilma. Somente agora a economia voltou a crescer, mas a crise de financiamento do Estado continua impondo um “voo de galinha”. Por trás da crise, há uma mudança de cenário na economia mundial, na qual o velho desenvolvimentismo não tem vez.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o permanente choque entre desenvolvimentistas e social-liberais na equipe econômica já havia mostrado a resiliência das ideias nacionalistas; mas foi nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff que elas dominaram a cena e demonstraram seu anacronismo em relação à globalização e às mudança tecnológicas que ocorrem no mundo. Quem acredita que o impeachment de Dilma Rousseff sepultou essas ideias está muito enganado. A recente entrevista do professor Luiz Gonzaga Beluzzo sobre a conjuntura política e econômica do país mostra bem isso. Entretanto, na Europa e nos Estados Unidos, o nacionalismo é a bandeira das forças mais conservadoras e retrógradas da Europa e dos Estados Unidos. Aqui não é muito diferente: a aposta na democracia e na integração do Brasil à economia mundial corre perigo nas eleições de 2018.
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Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas
Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão
Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.
Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.
Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.
A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.
Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.
A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.
Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.
Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.
No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.
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Luiz Carlos Azedo: A pedra cantada
Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento
Já era esperado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli para estudar o processo e, com isso, paralisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance do foro privilegiado em crimes cometidos por deputados e senadores. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, até fez a proclamação provisória do resultado: 8 dos 11 ministros votaram pela restrição do foro privilegiado de parlamentares federais — 7 acompanharam o relator e um, Alexandre de Moraes, divergiu em relação ao alcance da restrição). Mas ainda faltam os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que teoricamente ainda podem convencer os demais a mudar de ideia. O julgamento não foi concluído e pode ficar para as calendas gregas. Se tivesse acabado, a maioria dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato seria julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.
Doze homens e uma sentença, um clássico norte-americano produzido por Sidney Lumet e dirigido e escrito por Reginald Rose, ilustra bem as razões de as coisas funcionarem assim nos tribunais. Lançado em 1957, o filme tem como atores principais Henry Fonda, Jee L. Cobb, Jack Warden e Martin Balsam. Doze homens julgam um garoto acusado de matar próprio pai com uma faca. O juiz orienta os jurados a ter cautela na decisão, pois trata-se da vida de um jovem que está nas mãos deles. Pede que decidam por unanimidade. Existem testemunhas e provas, que supostamente comprovam a culpa do garoto acusado, porém, ainda deixam uma grande margem de dúvidas.
Parte dos jurados toma por base o senso comum dos fatos: se a diz mulher que viu o garoto cometer o crime, então o garoto de fato é culpado; se o garoto é pobre e vive no meio de bandidos, também é um bandido etc. Os doze jurados seguiram o procedimento padrão, quando fizeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados, de todos eles, no seu conjunto. Um dos juradores, porém, revela que não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.
Coincidentemente, o oitavo jurado do filme, como Alexandre de Moraes, diverge da maioria. Há resistência de quase todos os outros 11 jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir inseguros quanto ao seu posicionamento inicial. A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a contagem dos votos de “inocente”, cada um dos jurados a enxerga de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, a mesma prova. O veredicto passa a ser lentamente transformado de culpado a inocente. O filme é um libelo em defesa da chamada “presunção de inocência”.
Prescrição
Antes que imaginem que estou defendendo a manutenção do foro privilegiado para os políticos que cometeram crimes comum, registro: estou apenas explicando a razão de um tribunal não concluir o julgamento enquanto o último magistrado presente não se manifestar. Teoricamente, ele pode mudar o entendimento da Corte. Isso faz parte do “devido processo legal”, das prerrogativas dos jurados e dos direitos e garantias dos réus. Se a regra é usada para uma manobra política ou “chicana”, não importa, a criança não pode ser jogada fora com a água da bacia. O julgamento de ontem começou em maio, em razão de uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), devido à suposta compra de votos em campanha eleitoral no município. Tramitou por diversas instâncias desde 2008, uma vez que o político mudou de cargo e, consequentemente, de foro. Hoje, é deputado federal e integra a bancada do PMDB.
No Supremo, há duas propostas em votação; a do ministro Luís Roberto Barroso já conta com seis votos, deixa no Supremo somente os processos sobre delitos cometidos durante o mandato e necessariamente relacionados ao cargo. Com isso, sairiam do STF e iriam para a primeira instância acusações contra parlamentares por crimes como homicídio, violência doméstica e estupro, por exemplo, desde que não ligados ao cargo. Alexandre de Moraes, voto vencido até agora, deixa no Supremo todas as ações sobre crimes cometidos durante o mandato, mesmo aqueles não ligados ao exercício da função de parlamentar. Votaram com Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.
Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento, porque cada vez que um político muda de cargo, o processo migra de tribunal, atrasando a conclusão. Toffoli argumentou que o Congresso também discute outras formas de restringir o foro privilegiado. A proposta em tramitação na Câmara, por exemplo, restringe o foro privilegiado às autoridades máximas do país: os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. Pretende esperar o Congresso decidir.
Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo
A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot
Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.
A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.
Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.
A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.
Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.
Não colou
Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.
No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.