Memória

Luiz Carlos Azedo: O lado B do câmbio

A operação de “dólar-cabo” é utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e entrega no exterior

A Operação “Cambio, Desligo” mirou no que viu, o esquema de lavagem de dinheiro do ex-governador fluminense Sérgio Cabral (MDB), e acertou no lado oculto do mercado de câmbio no Brasil, que envolve não só os políticos, executivos e operadores da propina da Operação Lava-Jato, mas também toda a rede de lavagem de dinheiro da economia informal, ou seja, o caixa dois de empresas que recorriam ao esquema e a grana dos “barões” do contrabando, dos “chefões” do tráfico de drogas, dos “coronéis” das milícias. Dos 45 mandados de prisão expedidos pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, ontem, foram executados 33, com as prisões de 13 doleiros no Rio, oito em São Paulo, cinco no Rio Grande do Sul, dois em Minas Gerais, dois no Distrito Federal, e outros três no Uruguai.

Dário Messer, apontado como o doleiro mais influente no país, seria o centro das conexões, segundo os investigadores, porque era o “chefão” da rede de doleiros desbaratada ontem com apoio de autoridades uruguaias, mas que envolve 3 mil empresas offshore, que operam em 52 países e movimentaram US$ 1,6 bilhão (R$ 5,6 bilhões). Os suspeitos integravam um sistema chamado Bank Drop, no qual doleiros remetem recursos ao exterior através de uma operação chamada de “dólar-cabo”, completamente fora do controle do Banco Central. Ele foi denunciado pelos doleiros Vinícius Vieira Barreto Claret, o “Juca Bala”, e Cláudio Fernando Barbosa, o “Tony”, que estavam presos havia mais de um ano e ontem foram liberados para cumprir prisão domiciliar, depois de entregarem o esquema.

A operação de “dólar-cabo” é amplamente utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e compensa no exterior, apagando os rastros da operação em paraísos fiscais. Dario está foragido, não foi encontrado no seu apartamento no Leblon, Zona Sul do Rio, nem no Paraguai, onde também há um mandado de prisão contra ele. Após o caso Banestado — maior escândalo de lavagem de dinheiro do Brasil —, Messer passou a operar do Uruguai e do Paraguai. Messer foi dono do banco EVG, de Antígua e Barbuda. Entre os nomes supostamente ligados a ele estão Alexandre Accioly e Arthur César de Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur”, acusado de pagar propina a Cabral. Messer deixou a sociedade no banco em 2012, após desentendimento com Enrico Machado, outro dono do banco que também firmou delação premiada.

Outro peso-pesado envolvido na Operação “Câmbio, Desligo” é o chinês Wu-Yu Sheng, apontado como responsável por obter dinheiro em espécie do comércio da 25 de Março, no Centro de São Paulo, para a empreiteira Odebrecht, ou seja, a grana da propina em espécie. Segundo o Ministério Público Federal, a Odebrecht teria movimentado cerca de R$ 90 milhões entre 2011 e 2014, e R$ 110 milhões entre 2014 e 2016, por meio de Wu-Yu, que se mudou para Miami. O chinês teria feito acordo de delação premiada com as autoridades norte-americanas depois da delação premiada de Marcelo Odebrecht, o que pode dificultar sua extradição.

O colapso
Mas o que deixou em colapso o lado B do câmbio foi a ofensiva contra a família Matalon (Marco Ernet, Ernesto Patrícia e Bella Kayreh Skinazi), que atua no câmbio ilegal em São Paulo desde a década de 1990, em parceria com os Messer, do Rio. Os patriarcas Mordko Messer, dono da Antur Turismo, e Marco Matalon, dono da Rosetur, são velhos amigos. Até 2003, com a transferência das operações para o Uruguai, as duas famílias movimentaram grandes montantes de dólar paralelo no país. O famoso relatório da CPI do Banestado, que não chegou a ser votado, apontou a evasão de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 99 bilhões) de uma agência de Foz do Iguaçu (PR) para contas do antigo banco estatal no exterior, ao final da década de 90, via CC-5, contas utilizadas por empresas multinacionais para transferir dinheiro para fora do país.

As operações feitas pela família Matalon eram liquidadas no Uruguai por Claret e Barbosa, cujos depoimentos deram base à operação desta quinta. Os dois operavam o dólar-cabo desde a década de 1980, em agências de turismo, mas os Matalon supostamente optaram por encerrar sua estrutura em São Paulo e terceirizar a entrega, recolhimento e pagamento das operações. Patricia Matalon, sobrinha do patriarca Marco Matalon, chegou a fechar acordo de colaboração premiada no âmbito do Banestado, mas voltou a operar com Barbosa. Entre 2014 e 2017, ela teria movimentado mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 6,6 bilhões), servindo clientes que possuíam dólares no exterior e precisavam obter reais em espécie no Brasil para corromper agentes públicos.

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Luiz Carlos Azedo: Não tem volta!

Com o impeachment de Dilma e as reformas do governo Temer, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do Congresso definhou

Uma boa maneira de aferir a capacidade de mobilização do movimento sindical é observar as comemorações do Dia do Trabalhador mundo afora. A data comemorativa surgiu como marco de luta para que a relação entre trabalho e capital deixasse de ser um caso de polícia para se tornar uma questão social. No Brasil, isso somente veio a acontecer com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 1930, quando foi criada a legislação trabalhista e os sindicatos foram oficializados, sob o manto protetor e vigilante do Ministério do Trabalho. Nossa estrutura sindical, ainda hoje, tem viés corporativista. Não se pasmem, sua origem é a Carta Del Lavoro, de inspiração fascista.

Esse viés sobreviveu ao ciclo democrático do pós-Segunda Guerra Mundial e ao regime militar. Parecia que haveria uma ruptura após a democratização do país, em 1985, mas não foi o que ocorreu. Os novos sindicalistas, tão logo assumiram o controle, gostaram do que tinham nas mãos: uma estrutura assistencialista e financiada pelo imposto pago por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, arrecadados pelo governo direto na folha de pagamento e repassado às entidades sindicais.

As disputas entre as diversas correntes político-sindicais, que geraram meia dúzia de centrais, entre as quais a CUT e a Força Sindical, não chegaram à base de arrecadação dos sindicatos, porque aí se manteve a unicidade da representação. A divisão se deu em razão de uma “indústria” de criação de sindicatos cartoriais, principalmente de servidores públicos, seccionando as categorias por critérios cada vez mais corporativos. Até sindicatos de aposentados foram criados. Em contrapartida, com esses recursos, montou-se uma enorme estrutura sindical, com ativistas profissionalizados e fora da produção, que resultou no sindicalismo cupulista, apelegado e de baixo poder de mobilização nas campanhas salariais que temos hoje.

A chegada do PT ao poder, sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que hoje está preso), foi como se a classe operária atingisse o paraíso. Houve o coroamento de uma estratégia bem-sucedida de “pacto social” seletivo, a partir do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com enorme impacto na economia do país e na vida de nossas cidades. O chamado “acordo automotivo”, celebrado durante o governo de Itamar Franco, pôs fim ao ciclo de greves metalúrgicas, garantiu o regime de pleno emprego para a categoria durante um bom período e aumentos constantes de salário real, ao mesmo tempo em que manteve o setor como polo mais dinâmico da indústria brasileira, graças a incentivos e renúncias fiscais. Também nas cidades, o setor automotivo manteve-se como eixo dinâmico das economias locais.

Surgiu ali uma nova elite sindical “empoderada”, uma espécie de aristocracia operária, que viria a ocupar um papel de destaque nos governos Lula e Dilma Rousseff. Com a crise mundial de 2008 e a guinada da política econômica do governo em direção à nova “matriz econômica”, esse processo se esgotou. O país foi lançado na sua pior recessão, o padrão de mobilidade urbana ditado pelo acordo automotivo provou grandes manifestações de protesto em março de 2013 e o desemprego em massa desarticulou o movimento sindical. Com o impeachment de Dilma Rousseff e as reformas do governo Michel Temer nas relações capital-trabalho, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do próprio Congresso definhou. Além disso, o fim do imposto lançou-os em sua a sua maior crise de financiamento.

Novos meios
Essa crise do movimento sindical, porém, não se restringe a isso. Os metalúrgicos vivem o drama particular da automação e da robotização, que também se reproduz em outros setores importantes, de grande tradição de luta. De igual maneira, o setor bancário vive o impacto da informatização acelerada. Não é muito diferente a situação entre os trabalhadores rurais, mesmo entre os sem-terra, cujo peso relativo na economia rural é inversamente proporcional aos ganhos de produtividade e renda no campo com a tecnologia embarcada nos equipamentos agrícolas. No setor petrolífero, os sindicatos fizeram vista grossa à roubalheira na Petrobras e agora amargam o preço de reestruturação da empresa e da desorganização da exploração do petróleo da camada pré-sal, que somente agora começa a ser retomada. Os sindicatos também fizeram vista grossa, por exemplo, à má gestão dos fundos de pensão.

Hoje, teremos um grande teste nas manifestações de Primeiro de Maio. Os sindicatos vivem um dos seus piores momentos desde a democratização. Com o passar dos anos, esses atos sindicais se tornaram eventos festivos, com shows milionários e distribuição de brindes de alto valor, como automóveis, por exemplo. Digamos que esse seja um novo momento de luta dos trabalhadores, no qual ocorrem grande mudanças na estrutura produtiva e na relação entre o capital e o trabalho, com o desaparecimento de velho “ser operário” como classe geral, ou seja, que representava os interesses dos demais trabalhadores e tinha grande poder de mobilização graças à grande indústria mecanizada. Essa realidade não existe mais, com os sistemas flexíveis de produção, a automação, informatização e robotização em curso na indústria, nos serviços e na agricultura, que caracterizam a globalização e a revolução tecnológica em curso. De certa forma, a palavra de ordem “Lula livre”, que unifica os sindicatos, é compreensível. Ele é o símbolo de uma época que ficou para trás. E não tem volta. Os sindicatos terão que se reinventar.

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Luiz Carlos Azedo: Efeito Palocci

O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia

Quanto mais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reza, mais assombração lhe aparece. Tudo indica que seu ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que também foi chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, realmente fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Os termos da delação são desconhecidos, mas deverão cair no colo do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. O acordo é o primeiro do gênero no âmbito da Lava-Jato e, de certa forma, atropela a força-tarefa do Ministério Público Federal, que havia recusado conceder o benefício a Palocci. Em tese, caberá a Moro homologar o acordo.

Palocci havia sinalizado a intenção de fazer delação premiada ao prestar depoimento sobre o funcionamento do esquema de propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos “em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, de caixa um, caixa dois”. Na ocasião, assumiu que era o “Italiano” das planilhas da empresa e que havia se reunido com Lula para tratar da obstrução à Lava-Jato. O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia, desde quanto ele a revelou ao ex-ministro José Dirceu, quando ainda estavam juntos na cadeia. Condenado a 12 anos e 2 meses de prisão em regime fechado, Palocci está na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, mas não tem contato com Lula. Sua decisão tem a ver com o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 votos a 4, no dia 12 de abril, ter rejeitado o habeas corpus que sua defesa havia impetrado.

Palocci foi uma peça-chave na eleição de Dilma Rousseff em 2010, sendo o grande responsável pela arrecadação de recursos para a campanha junto ao empresariado. Seu desempenho garantiu-lhe o cargo de ministro da Casa Civil, uma espécie de volta por cima depois de ter sido defenestrado do Ministério da Fazenda no governo Lula, por causa da quebra de sigilo bancário de um caseiro, suspeito de vazar informações para a imprensa. O ex-ministro foi ejetado da Casa Civil por causa de um novo escândalo: a compra de um apartamento nos Jardins, área nobre de São Paulo, por R$ 7 milhões em valores da época, em dinheiro vivo.

Estruturado

Na versão inicial de Palocci, a conta de propina da Odebrecht que administrava teria recebido um depósito de R$ 40 milhões como forma de compensá-lo por negócios vantajosos que garantiu para o grupo durante dois mandatos. Cinco anos antes de comprar o apartamento, havia declarado à Justiça Eleitoral possuir patrimônio no valor total de R$ 375 mil, cujos principais bens seriam uma casa de R$ 56 mil em Ribeirão Preto, um terreno e três carros. Na ocasião da compra do apartamento, o ex-ministro também comprou um escritório nas proximidades da Avenida Paulista; pagou R$ 882 mil em dinheiro vivo.

Sempre houve a suspeita de que Palocci havia criado a empresa de consultoria para administrar R$ 120 milhões em propina repassados pela Odebrecht. Conforme a confissão do executivo Marcelo Odebrecht, essa conta “estruturada” era administrada por Palocci, mas se destinava ao PT, com conhecimento pleno de Lula. Nos bastidores da Lava-Jato, porém, comentava-se que Palocci poderia provocar a anulação da delação premiada da Odebrecht, pelos mesmos motivos que levaram à revisão da delação premiada da JBS: a omissão de informações. Não por acaso, Marcelo Odebrecht continua passando informações para a força-tarefa da Lava-Jato, para complementar seus depoimentos anteriores.

Ontem, foi mais um dia agitado na Lava-Jato. O juiz Sérgio Moro decidiu que a ação sobre o sítio de Lula em Atibaia deve permanecer em Curitiba, até que seja julgada a chamada exceção de incompetência impetrada pela defesa do ex-presidente, há oito meses, na Justiça Federal do Paraná. O senador Aécio Neves (PSDB) prestou três horas de depoimento na sede da Polícia Federal em Brasília, no inquérito que apura se recebeu propina da Andrade Gutierrez e da Odebrecht para beneficiar essas empresas na construção da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. E a Polícia Federal pediu a prorrogação por mais 60 dias do inquérito que investiga o presidente Michel Temer, aliados dele e empresas do setor portuário.

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Luiz Carlos Azedo: Truco no Jardim do Éden

O ministro-relator Edson Fachin está em minoria na Segunda Turma do STF e perde quase todas as votações, embora conheça profundamente as investigações e os processos da Lava-Jato

O truco é muito popular entre paulistas e goianos. Apesar de parecer simples, é um jogo de cartas que exige muita astúcia e possui diferentes táticas, o que complica a vida dos iniciantes. A primeira delas é manipular o adversário. Para isso, o bom jogador precisa ser agressivo, fazer o máximo possível para intimidá-lo. O jogador truca gritando, com objetivo de assustar e prejudicar o desempenho do concorrente durante o resto da disputa. Outra tática importante é escolher bem o parceiro. É preciso ter confiança e química para que possam se comunicar com um olhar. Quando o parceiro é perfeito, metade do jogo está ganho. Conhecer a ordem das cartas também é fundamental para não trucar na hora errada. E, finalmente, ter confiança em si mesmo, para convencer os demais jogadores de que suas cartas são as melhores, mesmo que não sejam. Por isso, o bom jogador nunca reclama do jogo que tem nas mãos, mesmo quando ele é fraco. Se blefar com convicção, ganha o jogo.

A sessão de ontem da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi como uma partida de truco bem jogada. Por 3 votos a 2, essa turma (chamada de Jardim do Éden pelos advogados) decidiu retirar trechos da delação de executivos da construtora Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da alçada do juiz Sérgio Moro, do Paraná, enviando esses depoimentos para a Justiça Federal de São Paulo. Os ministros Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes concluíram que as informações dadas pelos delatores da Odebrecht sobre o sítio de Atibaia e sobre o Instituto Lula não têm relação com a Petrobras e, portanto, com a Operação Lava-Jato. Votaram pela manutenção o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, e o decano da Corte, Celso de Mello.

Segundo Toffoli, Lewandowski e Mendes, não há razão para os depoimentos dos delatores serem direcionados a Moro, que é o responsável pela Lava-Jato na primeira instância da Justiça Federal. Essa interpretação pode ter sérias consequências para a Operação Lava-Jato, em especial para os processos aos quais responde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua defesa, que considera Moro “um juiz de exceção”, já anunciou que fará um pedido para retirar da Justiça Federal do Paraná os processos aos quais o ex-presidente responde. Tanto a força-tarefa da Lava-Jato quanto o juiz federal foram pegos de surpresa e ainda não se pronunciaram sobre a decisão.

Há uma profunda divergência de entendimento entre a maioria da segunda turma do STF e o Ministério Público Federal, uma vez que a delação premiada da Odebrecht tem origem no esquema de corrupção da Petrobras investigado pela força-tarefa da Operação Lava-Jato. Acontece que o ministro-relator Edson Fachin está em minoria na turma e perde quase todas as votações, embora conheça profundamente o andamento das investigações e os autos dos processos da Lava-Jato. O recurso de Lula estava sendo analisado desde março, quando o ministro Toffoli pediu vista e interrompeu o julgamento. Ao retomá-lo, encaminhou o voto que mudou o rumo do processo. O julgamento só não foi relâmpago (durava 20 minutos) porque aguardou o ministro Gilmar Mendes, que estava viajando, chegar ao STF, para desempatá-lo, num voto curto e grosso.

O bem e o mal
A segunda turma é chamada de Jardim do Éden pelos advogados por causa da maioria “garantista” formada pelos três ministros, que votam em bloco. Todas as decisões são na direção de circunscrever a Lava-Jato e conceder habeas corpus, ao contrário da primeira turma, apelidada de “Câmara de Gás” pelos advogados dos réus, porque joga mais duro com os acusados e manda prendê-los. No Jardim do Éden, segundo o relato judaico-cristão, por ordem divina, o homem podia comer os frutos de todas as árvores, exceto os da árvore do conhecimento. Ao desobedecer essa ordem e comer esse fruto proibido, Adão e Eva conheceram o bem e o mal, e do pecado nasceu a vergonha e o reconhecimento de estarem nus.

Os teólogos debatem muito o significado dessa passagem bíblica. Todas as questões morais eram objetivas e não subjetivas. Havia uma moralidade absoluta. Alguém poderia fazer a coisa errada, mas a escolha estaria clara. A árvore cria uma confusão moral. Comer da árvore seria confundir o certo e o errado. Quando Adão e Eva comem da árvore, porém, os sentidos se tornam mais poderosos do que o intelecto e cada pessoa se sente com poderes para decidir por si mesma entre o certo e o errado, e a confusão moral entra no mundo.

A propósito do certo e do errado, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a condenação do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) em segunda instância a 20 anos e um mês de prisão. A defesa do tucano pedirá embargos declaratórios, mas isso não muda mais a sentença, e pode recorrer a tribunais superiores. De acordo com a denúncia, o mensalão tucano teria desviado recursos para a campanha eleitoral de Azeredo, que concorria à reeleição ao governo do estado, em 1998. Ele nega envolvimento nos crimes.

 

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Luiz Carlos Azedo: E la nave va

No Supremo Tribunal Federal (STF), seus ministros se digladiam para decidir se concedem a Paulo Maluf (PP-SP), em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso

Parece uma espécie de ópera bufa. Em Porto Alegre, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitaram ontem o último recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, o que levou o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, a qualificar a decisão de ilegal: “Mesmo levando em consideração os fatos analisados pelo TRF-4, colide com a lei e com a Constituição Federal”, disse. Lula está preso em Curitiba e mantém sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível.

O protesto do advogado está em linha com a entrevista concedida à rede de televisão do mundo árabe Al Jazeera pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PR), também enrolada na Operação Lava-Jato. Ela denuncia a condenação de Lula, ataca a Justiça brasileira, faz um apelo à solidariedade do mundo árabe, a pretexto de que teria havido um golpe de Estado no Brasil, e afirma que Lula é um preso político. É o caso de perguntar: que tipo de apoio ela está querendo da esquerda árabe, notoriamente ligada ao terrorismo?

Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal (STF), trava-se mais uma batalha ao vivo e em cores entre seus ministros, desta vez para decidir se concedem ao deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), atualmente em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. Votaram contra os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, enquanto Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski manifestaram-se a favor. O julgamento será concluído hoje, quando votarem os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Condenado em maio, o ex-prefeito de São Paulo teve um primeiro recurso negado em outubro pela Primeira Turma do STF. Em dezembro, o ministro Edson Fachin rejeitou um segundo recurso e determinou o cumprimento da pena em regime fechado, mas seu colega Dias Toffoli, a pedido da defesa, concedeu prisão domiciliar a Maluf por razões humanitárias. O episódio é a síntese das divergências na Corte, cujas turmas foram apelidadas pelos advogados de “Câmara de Gás”, a primeira, liderada por Barroso, que manda prender; e “Jardim de Éden”, a segunda, na qual Gilmar é o grande protagonista, que manda soltar.

Caso a Corte derrube a decisão de Fachin, Maluf poderá responder ao processo em liberdade; caso seja recusado, os ministros decidirão se permanecerá em prisão domiciliar ou voltará para o regime fechado. A votação é importante porque pode mudar a jurisprudência da Corte contra os recursos infringentes, ampliando as possibilidades de protelação dos julgamentos e de prescrição das penas. Os políticos enrolados na Operação Lava-Jato, sem distinção, torcem por Maluf.

Cortejo fúnebre

Para os que já estão enfadados de acompanhar os julgamentos, uma boa pedida é ver ou rever o clássico de Frederico Fellini, que empresta o título à coluna. Último grande filme desse mestre do cinema, E La Nave Va foi lançado em 1983, inspirado na mais original criação artística italiana: a ópera. Numa de suas passagens mais antológicas, os passageiros cantam um trecho de La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi. Recortes das obras de Bellini, Tchaikovsky e Rossini tecem a trilha sonora, numa homenagem ao compositor Nino Rota, responsável pelas trilhas originais de todos os seus filmes anteriores, que havia falecido.

O navio Glória N. parte com a nata do mundo artístico clássico em direção à Ilha de Erimo, com o propósito de jogar no mar as cinzas da grande diva Edmea Tetua, inspirada em Maria Callas, a célebre cantora grega que foi casada com o magnata Aristóteles Onassis. Matronas fellinianas, palhaços, tenores, sopranos, gente de todas as inclinações sexuais, e uma equipe de jornalismo que registra a viagem, além de um rinoceronte, são os passageiros da nave louca. Acabam surpreendidos pela dura realidade da Primeira Guerra Mundial quando resgatam um náufrago sérvio.

Durante a viagem, as personalidades, os temores e os defeitos dos passageiros são revelados por uma câmera onipresente, que mostra uma verdadeira guerra de egos entre eles. O jornalista ironiza o próprio trabalho: “Dizem: faça a crônica, conte o que acontece… Mas quem é que sabe o que acontece?” A guerra, porém, muda o rumo da história. Os temas da política e da diplomacia roubam a cena com a chegada de mais náufragos. A elite do navio desdenha do que acontece no convés, enquanto os miseráveis observam tudo pelas janelas do salão principal. É uma bela alegoria para o que está acontecendo na política brasileira, às vésperas de mais uma sucessão presidencial.

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Luiz Carlos Azedo: Lembrai-vos de 1964

Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política

No dia primeiro de abril de 1964, as cidades brasileiras amanheceram com suas praças e ruas mais importantes ocupadas por soldados e tanques. Não era piada. Apoiado por importantes líderes políticos e pelos Estados Unidos, o golpe de Estado durou 21 anos. Somente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, voltamos à democracia. Sempre é bom lembrar o que aconteceu naquele ano, assim como os militares lembram a tentativa de assalto ao poder dos comunistas em 1935. Nos dois episódios, Luís Carlos Prestes, o lendário líder do movimento tenentista que aderiu ao Cominter, teve grande protagonismo. Foram momentos de irracional radicalização política esquerda versus direita.

Por isso mesmo, é importante refletir à luz da história. Nunca os militares estiveram tão presentes na vida nacional. Seu protagonismo contrasta com o desprestígio, a incompetência e a má fama dos políticos. As Forças Armadas estão em todo lugar, prestando serviços à população na Amazônia, no Nordeste e, agora, no Sudeste, por causa da violência. Segundo as pesquisas, estão entre as instituições mais confiáveis e de maior prestígio do país, em meio à crise ética que afasta o Executivo e o Legislativo da maioria da sociedade. O Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo arrastado para o redemoinho da radicalização política, devido ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, fosse um cidadão qualquer, já estaria a cumprir pena, mas não pode ser preso porque obteve um salvo-conduto do Supremo. A Corte interrompeu o julgamento do seu caso ao meio porque dois ministros estavam com passagem marcada e não queriam perder o avião. Será concluído na próxima quarta-feira.

Trancos e barrancos
O cenário não é mais grave porque o país saiu da recessão e as instituições, aos trancos e barrancos, ainda funcionam. O governo federal mantém certa capacidade de governança, tem base parlamentar majoritária no Congresso, mas não tem a menor chance de reverter os desgastes causados pelas denúncias contra seus integrantes, a mais recente no círculo de amigos mais próximos do presidente Michel Temer. Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política. Ainda mais diante da radicalização do processo eleitoral, que ameaça descambar para a violência política, tal o fanatismo dos partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), homem assumidamente de extrema-direita, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste em manter sua candidatura, mesmo sabendo que a Lei da Ficha Limpa o impede de concorrer à Presidência.

Só não vê quem não quer. Estão sendo criadas as condições para uma intervenção militar, que seria aplaudida por parcela expressiva da maioria da população. Alguns dirão: o golpe de 1964 foi resultado da guerra fria e da intervenção do imperialismo norte-americano. Não, apesar disso, o golpe era evitável. O país tinha eleições marcadas para 1965 e Juscelino Kubitschek era franco favorito na disputa, mas a esquerda considerava sua volta ao poder um retrocesso. O problema não eram os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, ou de Minas, Magalhães Pinto, que articularam o golpe. Prestes articulava a candidatura de Jango à reeleição, era uma saída golpista para a crise política. O marechal Castelo Branco deu o golpe primeiro.

“A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na história”, disse certa vez o ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. O general liderou a retirada em ordem do poder e a volta dos militares aos quartéis, onde permanecem. Até agora, em meio à crise ética, os militares estão demonstrando mais compromisso com a Constituição de 1988 do que a maioria dos nossos políticos. Oxalá o Supremo não decepcione a sociedade.

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Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite

Depois da revelação de que a família do ministro do STF Edson Fachin,sofreu ameaças, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula  fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais

 

O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.

Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.

Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.

“Estava imóvel — os olhos amarelos acinzentados sonhadores —, quando ouviu o grito. Era um grito de mulher, agudo e estridente de terror. Spade estava atravessando a porta quando ouviu o tiro. Era um tiro de revólver, amplificado, reverberando pelas paredes e pelos tetos”, seus contos inspiram cenas recorrentes no cinema, como no clássico Um tiro na noite, de Brian de Palma, de 1981.

O sonoplasta Jack Terry (John Travolta) prepara a trilha sonora de um filme B sobre assassinatos em uma universidade. Na gravação de um áudio, em local ermo, salva a mocinha (Nancy Allen) de um acidente automobilístico. Ao resgatá-la, Jack descobre que ela estava em companhia do governador George McRyan (John Hoffmeister), um dos candidatos à Presidência dos EUA. Depois do incidente, na conferência do material sonoro, constata que o acidente pode ter sido um crime encomendado; percebe que o som do estouro do pneu, na verdade, era de um tiro de revólver.

Lava-Jato
Depois da revelação de que a família do ministro relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, sofreu ameaças, os tiros disparados contra o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais. Só foram descobertos por causa dos buracos de bala. Os tiros precisam ser investigados, tal qual nas histórias noir.

Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, Lula desafia a Justiça e força a barra para manter a candidatura a presidente da República, com uma retórica de radicalização política no gogó e um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal nas mãos, enquanto aguarda a conclusão do julgamento de seu polêmico pedido de habeas corpus pela Corte, suspenso porque dois ministros não poderiam perder o avião. Seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), como já reiteramos, com discurso truculento e reacionário, retroalimenta a radicalização. É um ambiente que começa a sair do controle, como a segurança pública no Rio de Janeiro.

No Brasil, até agora, não houve atentados ou mortes na Operação Lava-Jato. Aparentemente, todos os envolvidos são pessoas de índole pacífica. Nem um pouco parecida com a dos responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol), há duas semanas, executada com quatro tiros na cabeça, logo após sair de uma reunião de mulheres negras, supostamente uma resposta à intervenção federal na segurança pública daquele estado.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas, deflagrada em fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio), em dois anos, resultou em 2.993 mandados de prisão e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mas houve 12 suicídios e os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram assassinados pela máfia.

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Luiz Carlos Azedo: As cinco pontes

Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas com 467 mil empregados

Na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, a China comunista leva vantagem em relação aos Estados Unidos, assim como outros regimes da Ásia em relação às democracias do Ocidente em crise de representação, porque reprime duramente greves e protestos. É a face política mais obscura da globalização, na qual crescem a concentração de renda e as desigualdades, num processo no qual o regime de pleno emprego e os chamados exércitos industriais de reserva perderam a razão de ser. No Brasil, pela primeira vez, o contingente de trabalhadores do mercado informal suplantou o número dos com carteira assinada. As mudanças em curso provocam reações quase ludistas em relação ao surgimento de atividades que substituem as tradicionais, gerando milhares de postos de trabalho, como acontece na disputa entre taxistas e o Uber nas grandes cidades.

O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Impactados pela Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O movimento ganhou esse nome por causa de seu líder, Ned Ludd. Com a participação de operários das fábricas, os “quebradores de máquinas”, como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas, por causa do desemprego e das péssimas condições de trabalho no período. O ludismo perdeu força com o surgimento das trade union, os sindicatos da época.

A briga entre taxistas e motoristas de Uber é um bom exemplo do choque de interesses provocado pelas mudanças em curso. Reproduz em escala global um episódio ocorrido na Baía de Vitória em 1927. Uma ponte de aço construída na Alemanha chegou à capital capixaba para permitir a primeira ligação da ilha com o Continente. É um patrimônio histórico e arquitetônico, um conjunto de cinco pontes ferroviárias de aço, interligadas. Tão logo ficou pronta, um açoriano empreendedor criou uma linha de lotação ligando Vila Velha a Vitória, mas houve violenta reação dos catraieiros que faziam a travessia do canal que separa as duas cidades. Ainda hoje é possível fazer a travessia do cais do Paul para o centro da capital do Espírito Santo de catraia, um barco a remo seguro, que transporta até oito pessoas e virou até atração turística. Mas a greve dos catraieiros não tinha a menor chance de dar certo. Assim é o progresso.

Correios
A greve por tempo indeterminado dos funcionários dos Correios pode ter o mesmo destino. Balanço da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que engloba 31 sindicatos, mostra que a paralisação atinge os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo (regiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos e Vale do Paraíba), além do Distrito Federal. Amazonas e Amapá a qualquer momento podem aderir à paralisação. É uma rajada no próprio pé.

Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas expressas, a maior em todo o mundo. Com sede em Bona, a empresa tem 467 mil empregados em mais de 220 países. Surgiu em 1995 como resultado da privatização da empresa de correios alemã, Deutsche Bundespost. O escritório federal alemão de correios era um serviço postal e de telecomunicações fundado logo após o final da II Guerra Mundial. Inicialmente foi o segundo maior empregador federal durante seu tempo, mas seu pessoal foi reduzido para cerca de 543.200 funcionários em 1985. A empresa foi dissolvida em 1995 e dividida em três empresas de capital aberto: a Deutsche Post AG, a Deutsche Telekom e a Deustsche Postbank.

Com 5% do comércio mundial nas mãos, hoje a Deutsche Post não entrega apenas correspondências e outras encomendas. Com a subsidiária DHL, a Deutsche Post cobre não apenas as exportações da Ásia para a Europa ou América, mas também entre os países asiáticos. Opera na China com uma rede nacional de transporte com cerca de 300 pontos de apoio. Com a compra da Airborne, a Deutsche Post se tornou a terceira maior empresa de serviço de entrega “express” nos Estados Unidos. Na América do Norte e na do Sul, a companhia alemã de correios conta com mais de 40 mil funcionários. Nos países europeus, excetuando-se a Alemanha, são 75 mil funcionários e um faturamento de 10 bilhões de euros. Incluindo-se as atividades na Alemanha, a empresa movimentou 60 bilhões de euros no ano passado, obtendo um lucro líquido de 2,7 bilhões de euros.

 

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Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência

A ida de Jungman para o Ministério da Segurança Pública é uma solução natural, tipo “prata da casa”. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, pasta criada para o poder civil

No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.

Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.

Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.

Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.

Bandeira

Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.

O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.

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Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso

Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.

O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.

Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.

Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.

Habeas corpus
Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!

Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.

Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.

A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.


Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho

O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.

Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).

Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!

O divórcio

O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.

O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.

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Luiz Carlos Azedo: O espírito das leis

O Supremo é o guardião da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo que contrariarem a Carta Magna

Um dos pais do Estado moderno, para Montesquieu havia três tipos de governos: o republicano, “aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detém o poder supremo”; o monárquico, no qual “governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas”; e o despótico, em que “um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios”. Essa definição existe desde 1748, quando foi publicada em Genebra, em dois volumes, a sua obra O espírito das leis, sem o nome do autor, porque havia sido proibida na França. Dois anos depois, a proibição foi suspensa e a obra virou um verdadeiro best-seller, com 22 edições em 15 meses.

A referência a Montesquieu, que sofreu forte influência de Aristóteles e John Locke, vem a propósito da narrativa petista sobre o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ataques do líder petista ao Judiciário. Seu comportamento é típico de um candidato a déspota, como o descrito no início desta prosa, e não de um réu injustiçado. O grande objetivo de Montesquieu foi garantir a liberdade política e tornar impossível o despotismo, através de uma separação de poderes ampla e absoluta: “Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”.

Ontem, ao reabrir os trabalhos do Judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, na presença do presidente Michel Temer e dos presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), reafirmou o velho princípio de separação de poderes e aproveitou para responder aos ataques de Lula: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual fora do direito não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal.”

Carmem Lúcia fez a ressalva de que a Justiça também não está acima do bem e do mal: “O Judiciário aplica a Constituição e a lei. Não é a Justiça ideal, é a humana, posta à disposição de cada cidadão para garantir a paz. Paz que é o contínuo dos homens e das instituições. Se não houver um juiz a proteger a lei para os nossos adversos, não haverá um para nos proteger no que acreditamos ser o nosso direito”.

Lava-Jato
Essa questão nos remete aos debates da elaboração da Constituição norte-americana, protagonizados por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, origem do “americanismo”, que hoje influencia fortemente a magistratura brasileira. Eles escreveram 85 artigos para O federalista, publicados sob o pseudônimo Publiu, em Nova York, entre outubro de 1787 e maio de 1788, dos quais cinco foram dedicados ao Judiciário. Uma das inovações dos federalistas foi a introdução do princípio de que a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo e/ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo, quando estas contrariarem a Carta Magna. Esse é o principal contrapeso para garantir a democracia contra os excessos do Executivo e eventuais maiorias parlamentares.

Nesse aspecto, foi importante também o posicionamento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, num momento em que se arma uma coalizão no Executivo e no Legislativo para acabar com a Operação Lava-Jato: “O Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a Justiça seja bem distribuída; para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade; para defender a dignidade humana, de modo a erradicar a escravidão moderna, a discriminação que causa infelicidade, e para assegurar acesso à educação, à saúde e a serviços públicos de qualidade.”

 

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