meio ambiente

‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada

Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.

A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.

De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.

Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

 

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‘Óleo nas praias brasileiras mostra incapacidade do governo’, diz Anivaldo Miranda à Política Democrática

Jornalista aponta, em artigo à revista da FAP, falta de sincronia de esforços diante de catástrofes

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

Das praias do Maranhão às do Espírito Santo, a tragédia causada pelas manchas de petróleo assusta pela quantidade de óleo vazado, os impactos à vida marinha e os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país. A avaliação é do jornalista Anivaldo Miranda, em artigo que ele publicou na 13ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

» Acesse, aqui, a 13ª edição da revista Política Democrática online

A revista pode ser acessada de graça no site da fundação, que é vinculada ao Cidadania. Miranda, que também é mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), diz que o caso serve para destacar “a recorrência não só da demora da resposta, mas também da incapacidade de sincronia de esforços diante das ocorrências catastróficas que se estão multiplicando no Brasil, resultantes tanto de fenômenos naturais, como da ação ou inação humanas”.

Conforme ele escreve no artigo publicado na revista Política Democrática online, o poder público tardou em perceber a gravidade e a abrangência do evento, e as providências deram-se de forma tardia, apesar dos instrumentos legais e operacionais que já estão disponíveis para enfrentar contextos de tal criticidade. “Tal atraso é sempre nocivo, tendo em vista que a larga experiência internacional ensina que tempo e agilidade podem minimizar significativamente os danos relativos a quaisquer acidentes”, alerta.

O autor afirma, ainda, que fontes do governo federal insistem em dizer que, desde a primeira notícia do aparecimento do óleo nas praias da Paraíba, em 30 de agosto último, teve início a mobilização oficial para avaliar e enfrentar o problema. No entanto, segundo ele, é diferente da versão do Ministério Público Federal no Nordeste, que acionou a União e acusou o Ministério do Meio Ambiente por não ter reconhecido formalmente a “significância nacional do desastre ambiental”.

Em razão isso, segundo Miranda, o governo não acionou em sua integridade o PNC (Plano Nacional de Contingência). Na sua opinião, a omissão que gerou luta de liminares bastante ilustrativa das complicações de ordem burocrática que atravancam a operacionalidade da ação estatal, até mesmo em situações de emergência.

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Revista Política Democrática || Reportagem: Um Oásis no meio da destruição

Lago em Serra Pelada está cercado por desmatamento que aumenta com ação de garimpeiros, mostra segunda reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois

Por Cleomar Almeida, enviado especial

Um lago de 200 metros de profundidade sobrevive como um oásis em meio ao cenário de terra arrasada, em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. A ação das chuvas criou o reservatório no mesmo local onde há 40 anos passou a ser aberta uma cratera de 24 mil metros quadrados para exploração do maior garimpo livre do mundo até o final dos anos 1980. Contudo, ao redor do lago, dentro da floresta amazônica, garimpeiros aumentam cada vez mais o desmatamento, já que são explorados para trabalharem como tatus atrás de ouro na região.

No Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge anos 1980. Desde aquela época, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará. A maioria dos garimpeiros atua em situação ilegal, como mostrou a primeira reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois.

Os garimpeiros deixam seus rastros visíveis de destruição ao se embrenharem na floresta em busca do ouro. Derrubam árvores. Acumulam montanhas de terra em cima da vegetação. Com pás, enxadas, picaretas e motosserras, exploram uma área até se esgotar qualquer chance de encontrar o metal. Em seguida, partem para outra região da Amazônia e repetem o mesmo ciclo do desmatamento.

— A gente vem para o garimpo para não passar necessidade, mas todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada. A gente só obedece, diz um garimpeiro da região que pediu para não ser identificado.

De agosto de 2018 a julho de 2019, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados, no dia 18 de novembro, pelo Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O aumento percentual deste ano é o terceiro maior da história. Outros aumentos preocupantes só foram registrados nos anos de 1995 e 1998. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais.

O Pará é o que mais destruiu a região desde o ano passado, com 3.862 km² de área desmatada. De acordo com o Prodes, foram 39,56% de toda a floresta derrubada. Juntos, os estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Amazonas foram responsáveis por 84% do total desmatado no período, cerca de 8.213 km².

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia. As medidas incluiriam transferência de parte dos órgãos de identificação, monitoramento e pesquisa de biodiversidade e floresta, e o setor de ecoturismo, que faz parte do ministério.

— Os garimpos que foram autuados neste ano foram os mesmos autuados em anos anteriores, o que mostra que essa colocação de que atividades ilegais tenham começado agora por causa de discurso, seja ele qual for, não é verdade, afirmou Salles.

Em menos de um ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido discursos de apoio a garimpeiros prometendo legalizar a atividade, enquanto critica os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e ataca os dados de desmatamento monitorados e divulgados pelo Inpe.

O Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

— O dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre. E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.



Ruínas de mineradora canadense mancham paisagem da região

As ruínas de um esquema fraudulento de retomada da exploração do garimpo pioram o cenário de destruição e abandono em Serra Pelada, no Sul do Pará. Excesso de concreto – alguns acumulando água da chuva –, vigas de ferro jogadas por todos os cantos, balcões vazios e túnel desativado dão um sinal do que restou da desenfreada ação humana atrás do ouro na região, de 2008 a 2014.

O novo empreendimento de exploração de ouro foi resultado de uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a empresa de mineração Colossus Minerals, do Canadá. A aliança, firmada em 2008, gerou uma terceira empresa, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), detentora da portaria de lavra, documento concedido pelo governo federal que permite a retirada de minério do local.

Na época, a operação de retomada do garimpo foi articulada pelo senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão. A suspeita era de que operação envolvia pagamentos suspeitos a cabos eleitorais dele e empresas - algumas supostamente de fachada - instaladas no Brasil e no Canadá.

Ainda em 2007, como senador, Lobão agiu para que o governo federal convencesse a Vale, até então detentora da mina, a transferir à cooperativa seus direitos de exploração de ouro e outros metais nobres em Serra Pelada. Na época, a Vale submeteu a proposta a seu conselho de administração, que concordou em atender ao pedido de Brasília e, em fevereiro de 2007, assinou um "termo de anuência" repassando à cooperativa dos garimpeiros o direito de explorar a mina principal.

Colossus ingressou na sociedade com 51% de participação na nova empresa. A Coomigasp ficou com 49%. Pouco depois, sempre com a anuência dos diretores da cooperativa ligados a Lobão, a mineradora canadense conseguiu ampliar sua participação para 75%.

Em 2010, a Colossus Minerals encontrou dois depósitos inesperados com alta concentração de ouro e platina no seu projeto de Serra Pelada, no Pará, aumentando as expectativas de que existam mais reservas minerais ainda não descobertas na região. Em 2014, a mineradora fez demissões em massa e comunicou a paralisação das atividades.

— Com certeza tiraram várias toneladas de ouro e os garimpeiros não ficaram com nada. O que estamos pedindo, agora, é para as autoridades investigarem o processo. Queremos que o governo nos ajude a desvendar o que houve aqui, diz o diretor da cooperativa Almir José da Cruz Arantes, que assumiu o cargo após eleição de nova diretoria.

Em nota, a Vale informou que não tem qualquer participação na Colossus. A reportagem não conseguiu contato de representantes da mineradora canadense e de Edison Lobão. O governo federal não se pronunciou.

 


 

Fotógrafo lançará livro com primeiras fotos de garimpo

Serra Pelada é conhecida por fotos históricas de um formigueiro humano dentro da cratera de exploração de ouro. O fotógrafo André Dusek (63 anos), o primeiro profissional brasileiro a registrar essa “cena babilônica”, como ele mesmo a denomina, deve lançar em janeiro um livro com fotografias históricas de Serra Pelada em três épocas: 1980, 1996 e 2019. A previsão dele é de que o lançamento do livro ocorra em Brasília, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.

Dusek conseguiu seu primeiro acesso livre à Serra Pelada, em 1980, enquanto fazia um trabalho para o Correio Braziliense, em outro garimpo, em Conceição do Araguaia, no Sul do Pará. Anos depois, trabalhou também para veículos de circulação nacional, como o Estado de S. Paulo e a revista IstoÉ.

A autorização ocorreu após um encontro rápido com o Major Curió, como ficou conhecido Sebastião Rodrigues de Moura, que ficou conhecido no Norte do país por ter sido o comandante da ação que exterminou a Guerrilha do Araguaia, em 1974. Quando o governo quis “organizar” a exploração do ouro em Serra Pelada, Curió foi destacado como interventor, em maio de 1980. Era a única autoridade civil e militar na região.

Acompanhado de Curió, o fotógrafo chegou de helicóptero a Serra Pelada. Como havia usado boa parte dos filmes de sua máquina fotográfica em outra reportagem, Dusek, que tinha 23 anos na época, seguiu para o maior garimpo a céu aberto do mundo com muito frio na barriga e uma vontade enorme de fotografar todos os detalhes possíveis. Ficou dois dias no local.

— Talvez, seja um dos trabalhos mais importantes da minha vida. Só tinha 5 filmes de 20 poses, ou seja, 100 chapas para fazer as fotos. Tinha mais um filme de 36 fotos coloridas. Essa foto mesma eu só fiz uma, disse ele, referindo-se à fotografia do formigueiro humano na cratera de exploração de ouro.

Em 1981, o fotógrafo fez uma exposição na Aliança Francesa e publicou parte de seu material na revista francesa de fotorreportagem. Fez uma seleção minuciosa e, para o seu novo livro, pretende construir um trabalho que reúna o seu retorno à região nos anos 1996 e 2019.

— No garimpo de ouro, as pessoas ficam obcecadas. É como se estivessem em um jogo. Começam a tirar ouro e não querem parar. Estive lá e presenciei isso, na época.  Foi algo muito emocionante. Não estava ali para procurar ouro, queria era fazer foto boa, conta Dusek.

 


 

Na história

O tenente-coronel Sebastião Rodrigues Moura era um nome pouco conhecido nos garimpos do Pará, nos anos 1980. A mesma pessoa usou nomes falsos durante oito anos: Marco Antônio Luchini e Major Curió. Ele foi agente do Sistema Nacional de Informação (SNI) e comandou as operações oficiais em Serra Pelada. Hoje, aos 81 anos, vive com o auxílio de um profissional de saúde em uma casa no Lago Sul, em Brasília.

Com a promessa de ser a ponte entre garimpeiros e Estado, Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho em Serra Pelada. Usou sua popularidade como major da região para chegar ao Congresso. Foi eleito deputado federal pelo Pará, em 15 de novembro de 1982, com 49.529 votos. Sua candidatura foi anunciada em maio daquele ano. Em Brasília, Curió tentou prolongar ao máximo a concessão de direitos ao trabalho manual dos garimpeiros.

Até 1984, o garimpo manual seguiu instável, passando por longos meses de fechamento. Em junho, o governo estendeu por mais cinco anos a chance de trabalho humano nos barrancos de Serra Pelada. Um churrasco com direito a fogos de artifício e à liberação da visita de mulheres foi realizado no povoado. Em entrevista à imprensa, Curió declarava que a questão estava resolvida, ou seja, que a lavra manual seria mantida.

 


Revista Política Democrática || Anivaldo Miranda: As lições que nos chegam do mar

Das praias do Maranhão às do Espírito Santo, a tragédia causada pelas manchas de petróleo assusta pela quantidade de óleo vazado, os impactos à vida marinha e os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país 

Alguns dizem que é o maior crime ambiental já ocorrido no Brasil. Mas como se trata de evento que ainda está em andamento, e como estamos assistindo nos últimos 4 anos à uma sucessão assombrosa de graves ocorrências similares, envolvendo rompimentos de grandes barragens de rejeitos de minério, comprometimento de rios de grande porte e, ultimamente, incêndios florestais em grande escala, fica difícil, nesse ranking deprimente, qualificar qual dessas tragédias é a pior em termos de efeitos destrutivos e sequelas a encarar.

Não há dúvida, porém, que o impacto causado pelas manchas de petróleo que chegaram ao litoral brasileiro – das praias do Maranhão às do Espírito Santo – é algo assustador por várias razões: a quantidade de óleo vazado, a dispersão e fragmentação das plumas resultantes, os impactos agressivos e de grande monta em relação à vida marinha e à saúde dos seus ecossistemas, os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país.

Das muitas lições que se pode tirar desse evento, destaca-se a recorrência não só da demora da resposta, mas também da incapacidade de sincronia de esforços diante das ocorrências catastróficas que se estão multiplicando no Brasil, resultantes tanto de fenômenos naturais, como da ação ou inação humanas.

O poder público tardou em perceber a gravidade e a abrangência do evento, e as providências deram-se de forma tardia, apesar dos instrumentos legais e operacionais que já estão disponíveis para enfrentar contextos de tal criticidade. E tal atraso é sempre nocivo, tendo em vista que a larga experiência internacional ensina que tempo e agilidade podem minimizar significativamente os danos relativos a quaisquer acidentes.

Fontes do governo federal insistem em dizer que, desde a primeira notícia do aparecimento do óleo nas praias da Paraíba, em 30 de agosto último, teve início a mobilização oficial para avaliar e enfrentar o problema. Mas essa não é a versão do Ministério Público Federal no Nordeste, que acionou a União e acusou o Ministério do Meio Ambiente por não ter reconhecido formalmente a “significância nacional do desastre ambiental” e, como tal, não ter acionado em sua integridade o Plano Nacional de Contingência (PNC), omissão que gerou luta de liminares bastante ilustrativa das complicações de ordem burocrática que atravancam a operacionalidade da ação estatal, até mesmo em situações de emergência.

Verdade seja dita, mesmo que tivesse sido ativado a tempo, o PNC, nas condições da cultura centralizadora e prepotente do Estado brasileiro que rejeita o compartilhamento de processos decisórios com a sociedade, dificilmente teria possibilitado em toda sua amplitude, as ações voluntárias e tempestivas de muitos escalões intermediários do poder público – da União, Estados ou municípios, bem como de universidades e escolas, populações ribeirinhas ou costeiras, pescadores, marisqueiros, trabalhadores e empresários do turismo – para fazer frente ao desafio do óleo espalhado no mar.

Uma análise mais detida da estrutura funcional e administrativa do PNC identificará não só o fardo burocrático de sua concepção, mas também sua frágil legitimidade, em razão da ausência de representações dos governos estaduais e municipais e dos segmentos da iniciativa privada e da sociedade civil. Não obstante essa verificação, o acionamento pleno do PNC sempre se justificará, por conta do grau de incertezas quanto à origem do vazamento, a estimativa aproximada da quantidade de óleo vazado e os danos causados ao ambiente, sobretudo ecossistemas marinhos e costeiros de grande valor para a biodiversidade.

Em seu momento, investigações da Polícia Federal apontaram o navio tanque de origem grega – o Boubolina – como suspeito do vazamento. No entanto, análises do mar, via satélites de origem diversa, descartaram recentemente essa hipótese, a exemplo da respeitada organização Skytruth, que atua nos Estados Unidos, e do Laboratório de Análises e Pesquisas Espaciais (LAPIS) da Universidade Federal de Alagoas, que atribui maior probabilidade a um navio fantasma que não pôde ser detectado pelo sistema de localização, quando da presumível data em que o óleo vazou. Seja como for, o “dossiê” continua em aberto, e certas declarações oficiosas dão a entender que nem a hipótese de vazamento de um poço sem controle foi descartada.

Deve ser registrada a mobilização – tardia ou não – de um grande número de servidores públicos, incluindo contingentes e equipamentos militares, pesquisadores e voluntários civis, providência que não deve ser desativada, porque ainda há muito trabalho e esforço para detectar, contabilizar, diagnosticar e reparar, até onde for possível, os impactos causados aos ecossistemas marinhos e costeiros pelo vazamento do petróleo. E para que tais tarefas sejam desempenhadas, é preciso estar alerta e impedir que razões de ordem fiscal e orçamentária sejam mais uma vez acionadas para frustrar ou limitar as atividades imprescindíveis à minoração dos danos causados à biodiversidade.

Convém lembrar que o Brasil não vem passando nos últimos testes a que foi submetido pelas catástrofes agora mais frequentes. Nesse sentido e mantendo o foco apenas nessa questão do vazamento do óleo, é importante destacar a enorme faixa costeira atlântica do Brasil e as águas oceânicas que com ela interagem. A multiplicação do tráfego marítimo em toda essa área, a perfuração e a exploração exponencial de poços de petróleo em águas brasileiras e fora delas, como é o caso do Golfo da Guiné, na África, onde vazamentos de petróleo também poderão atingir nosso litoral, configuram cenário que bem dimensiona a grandeza do desafio que o país tem pela frente.

É urgente, portanto, que se reserve atenção especial à preparação do país para continuar desenvolvendo as melhores e mais seguras tecnologias possíveis para extração de petróleo e gás em ambientes aquáticos, transporte de poluentes em águas oceânicas ou interiores e observação, fiscalização e monitoramento do tráfego marítimo, complementando essas políticas com intensa cooperação internacional.

É vital que não se restrinjam às nossas limitações tecnológicas e científicas os fatores que conspiram contra a capacidade satisfatória do Brasil de prevenir e responder a eventos catastróficos. Por trás dos nossos dilemas, avulta-se também a gestão pública de baixa qualidade, um fantasma complexo que nos assombra desde tempos imemoriais, além de uma cultura negligente em face dos riscos inerentes à vida, desde os mais cotidianos, no plano  doméstico, até os riscos de grande escala que deixamos de gerenciar adequadamente em nome, muitas vezes, da internalização de lucros abusivos conseguidos às expensas da externalização criminosa dos custos humanos, sociais e econômicos de atividades sujeitas a perigos inaceitáveis..

A sucessão de eventos catastróficos que o Brasil vivenciou nos últimos tempos decorre, dentre outras causas, da baixa de qualidade da gestão pública, processo que vem se agravando há mais de uma década. Agora, sob a égide de uma ideologia ultraliberal agressiva e conservadora, esse processo tem-se acentuado, o que eleva os riscos das atividades econômicas a novos patamares no rastro do desmonte das políticas públicas de meio ambiente e de recursos hídricos por conta, também, de uma retórica eivada de conteúdo ideológico rasteiro que nada em comum tem com as práticas e metodologias científicas próprias da boa gestão do meio ambiente.

Não estão alheios a tal processo os grandes setores da economia monopolista que, confrontados entre os cânones da modernidade gerencial do desenvolvimento sustentável, de um lado e, do outro lado, as vantagens oportunistas que podem obter no contexto de sociedades fragilizadas que flexibilizam irresponsavelmente os marcos legais do controle ambiental, optam pelo segundo caminho para assegurar taxas de lucros impublicáveis.

O Brasil do pós-Mariana, Barcarena (Pará), Brumadinho, dos mega incêndios florestais e atualmente do óleo no mar precisa refletir de maneira abrangente sobre isso e fazer conexões mentais importantes no contexto de sua inteligência coletiva, para enfrentar os dilemas do século atual com boas possibilidades de acerto que, ao final, conduza seu povo a um nível razoável de bem-estar e mantenha seu território e biodiversidade num plano seguro de preservação e capacidade de reprodução.

No século do aquecimento global, em que se terá, por bem ou por mal, de trabalhar a capacidade nacional de resiliência às novas condições climáticas, as catástrofes recomendam cada vez mais mudanças de comportamento, tais como adotar a cultura do planejamento, da gestão de qualidade tanto privada como pública e, no caso desta última, uma gestão cada vez mais transparente, participativa, compartilhada e descentralizada como pilar essencial para que se possam impulsionar ciclos de crescimento saudáveis que aliem a ciência e a tecnologia a uma cultura cidadã mais consistente e consciente que capacite os brasileiros e as brasileiras ao enfrentamento de seus grandes desafios.

* Jornalista e mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL.


Bernardo Mello Franco:  O desastre ambiental da dupla Salles e Bolsonaro

Desde a campanha, Bolsonaro promete facilitar a vida dos desmatadores. No poder, ele se aliou aos madeireiros e passou a hostilizar líderes indígenas e ambientalistas

Não cabia mais ninguém no auditório da Fiesp. Numa noite fria de junho, o presidente cantou o Hino Nacional, posou para fotos e ganhou uma medalha dos capitães da indústria. Depois caminhou até a tribuna e passou a elogiar o ministro do Meio Ambiente.

“O Ricardo Salles é um homem que está no lugar certo”, exaltou. “Os produtores rurais, cada vez mais, têm menos medo do Ibama. Eu paguei uma missão para ele: ‘Mete a foice em todo mundo’. Não quero xiita ocupando esses cargos”, prosseguiu.

A plateia interrompeu o discurso com aplausos. Animado, Jair Bolsonaro continuou a enaltecer o ministro. “Não podemos ter uma política ambiental como tínhamos há pouco tempo”, disse. Em seguida, esbravejou contra a demarcação de terras indígenas e prometeu acabar com a “indústria de estações ecológicas”.

Ontem o Inpe divulgou os dados do Prodes, que mede a taxa anual de desmatamento da Amazônia. A devastação chegou a 9.762 quilômetros quadrados, o pior resultado desde 2008. Em 12 meses, o Brasil perdeu o equivalente a um Líbano de florestas.

“Os números são um atestado do desastre que estamos vivendo”, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl. “E o principal motivo é a agenda antiambiental de Salles e Bolsonaro”, resume.

Desde a campanha, o presidente promete facilitar a vida dos desmatadores. No poder, ele se aliou a garimpeiros, madeireiros e grileiros de terras. Para agradá-los, passou a hostilizar líderes indígenas e ambientalistas que se ariscam na defesa da mata.

Em agosto, Bolsonaro brigou com os números do Inpe e demitiu o cientista que dirigia o instituto. A atitude só serviu para minar a credibilidade do país, que voltou a ser visto como um vilão ambiental.

Recrutado no Partido Novo, Salles se revelou o homem certo para “meter a foice” e desmontar os órgãos de fiscalização. Enquanto a Amazônia ardia, as autuações por crime ambiental recuaram 23%. Na Fiesp, Bolsonaro disse aos empresários que as punições “vão continuar diminuindo”. “Vamos acabar com essa indústria da multa”, prometeu.


Luiz Carlos Azedo: A inércia do erro

“O presidente da República toma decisões na base do “achismo”, desconsiderando indicadores científicos”

Há casos famosos de líderes que preferiram matar o mensageiro a reconhecer os próprios erros. Em 335 a.C., o imperador persa Dario III, em guerra com Alexandre Magno, da Macedônia, ao ser alertado sobre os possíveis erros de sua estratégia pelo mercenário grego Charidemus, resolveu estrangulá-lo num ataque de fúria. Acabou derrotado. Também é famoso o caso do almirante inglês Clowdisley Shovell, que havia derrotado os franceses no Mediterrâneo e naufragou a sudoeste da Inglaterra, em meio a um nevoeiro, porque não quis reconhecer que seus cálculos de navegação estavam errados, perdendo cinco navios e dois mil homens. Preferiu enforcar o subalterno.

É mais ou menos o que está fazendo o presidente Jair Bolsonaro com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, a quem acusou de estar “a serviço de alguma ONG” por divulgar dados que mostram o grande aumento do desmatamento na Amazônia. Funcionário de carreira, com uma longa folha de serviços prestados, o pesquisador rebateu as acusações e reafirmou a veracidade dos dados sobre desmatamento divulgados pelo Inpe, cuja política de transparência permite o acesso completo aos dados e adota metodologia reconhecida internacionalmente.

De acordo com números divulgados pelo Inpe no início deste mês, o desmatamento na Amazônia Legal brasileira atingiu 920,4 km² em junho, um aumento de 88% em comparação com o mesmo período do ano passado. Áreas da Amazônia que deveriam ter “desmatamento zero” perderam território equivalente a seis cidades de São Paulo em três décadas. Fora das áreas protegidas, a Amazônia perdeu 39,8 milhões de hectares em 30 anos, o que representa 19% sobre toda a floresta natural não demarcada que existia em 1985, uma perda equivalente a 262 vezes a área do município de São Paulo. Nas áreas protegidas, a perda acumulada foi de 0,5%. É óbvio que a nova política para o meio ambiente já é um fracasso.

Houve protestos de instituições como a Academia Brasileira de Ciência e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no país e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”, diz a nota da SBPC. Segundo a entidade, dados podem ser questionados em bases científicas e não por motivações políticas e ideológicas.

Bolsonaro argumenta que, antes de divulgar dados sobre desmatamento no Brasil, o diretor do Inpe deveria, no mínimo, procurar o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao qual está subordinado, para informar antecipadamente o conteúdo que seria divulgado. Afirmou que está acostumado com “hierarquia e disciplina” e questionou a divulgação de dados sem seu prévio conhecimento. Segundo Bolsonaro, pode haver algum equívoco na divulgação das informações ambientais sem um crivo prévio do governo, sob o risco de “um enorme estrago para o Brasil”.

Conselhos

Políticas públicas e indicadores sobre a realidade brasileira, porém, devem ter transparência e serem acessíveis ao público, pois são elementos fundamentais para análises e pesquisas. O problema é outro. O presidente da República toma decisões na base do “achismo”, desconsiderando indicadores científicos, sem levar em conta que a inércia do erro num país de dimensões continentais como o Brasil, que tem uma escala muito grande, pode ser muito desastrosa.

É o que está acontecendo com o desmatamento, em razão do estímulo ao avanço do agronegócio em áreas de proteção ambiental e das medidas adotadas contra a política de fiscalização do Ibama. Os números divulgados pelo Inpe mostram o tamanho do estrago que o governo agora quer varrer para debaixo do tapete.

Na verdade, no Palácio do Planalto, enquanto sobram decisões intempestivas, falta planejamento. O mesmo fenômeno pode vir a ocorrer no trânsito, por exemplo, com as mudanças propostas em relação às multas — não vamos nem considerar as cadeirinhas de bebê e os cintos de segurança. O endurecimento das regras não ocorreu por acaso, mas em razão do impacto dos acidentes de trânsito nos indicadores de mortes violentas e nos custos do sistema de saúde pública.

O desmantelamento dos conselhos que subsidiavam as políticas públicas, a pretexto de enxugá-los e dar mais agilidade às decisões do governo, tem o objetivo de eliminar o contraditório na tomada de decisões. Entretanto, tende a aumentar a margem de erro e gerar contenciosos desnecessários com a sociedade, o que pode ter efeito exatamente ao contrário do objetivo de alcançar mais eficiência.

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Luiz Carlos Azedo: A charada do tsunami

“Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora. Seus eleitores querem um Estado capaz de manter a ordem, mas desprezam os políticos e os partidos”

O presidente Jair Bolsonaro sempre cria uma polêmica ou gera um grande suspense quando participa de eventos ou concede entrevistas tipo “quebra-queixo” (aquelas improvisadas, nas quais é cercado por repórteres e fotógrafos). Dessa vez, foi na saída de um evento da Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira, ao comentar as derrotas do governo na comissão especial da Câmara que examinou a reforma administrativa de seu governo. Enigmaticamente, declarou: “Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram, uns erros são imperdoáveis, outros, não.” É uma charada.

O que será esse tsunami? Pode ser uma rebordosa de alguma medida já tomada, como o corte de verbas das universidades, que está provocando grandes manifestações de protesto de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos, ou o espanto causado, entre os defensores dos direitos humanos e autoridades do setor de segurança pública, pela liberação do porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, como advogados e caminhoneiros, e praticantes de tiro ao alvo. Será que vem por aí uma nova greve de caminhoneiros, um dos segmentos de sua base eleitoral?

Pode ser também alguma coisa ligada ao evento em si, como anunciar a venda dos ativos da Caixa Econômica Federal (CEF), cujas atividades ficariam restritas ao financiamento imobiliário, como pretende o secretário das Privatizações, Salim Mattar. Na quarta-feira, em fala aos jornalistas após a primeira reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Mattar afirmou que é mais fácil para o governo vender participações em empresas, cujo prazo para conclusão do processo varia de 60 a 90 dias, do que a preparação de uma companhia estatal para venda, que demora de seis meses a um ano e meio, de forma a cumprir a legislação e as exigências dos órgãos de controle.

“Desinvestimentos acontecerão mais cedo, mas as privatizações vão acontecer. É uma questão de ajuste”, disse Mattar. Comparou os primeiros meses de gestão à preparação de uma orquestra sinfônica. “Nesses quatro meses de governo, estamos ensaiando para fazer essa orquestra funcionar, e vai funcionar”. Traduzindo, significa fazer uma lipoaspiração nas empresas estatais e mesmo na administração direta, vendendo ativos públicos, como no caso já citado da Caixa Econômica Federal (CEF). O governo planeja, por exemplo, focar o Banco do Brasil no crédito rural e a Petrobras, na exploração de Petróleo, desfazendo-se de outras atividades. Além disso, quer vender milhares de imóveis do patrimônio da União pelo país afora, começando pelos parques nacionais, santuários da nossa natureza.

Fricção política
A agenda do governo está mesmo repletas de temas polêmicos. “Na reforma da Previdência eu deixei mesmo o clima de Fla-Flu. É tudo ou nada”, declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, sexta-feira, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante o 31º Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no centro do Rio, para debater Previdência e macroeconomia. Ao reiterar a urgência das mudanças previdenciárias, o ministro voltou a falar que o governo Temer deu um passo à frente rumo ao equilíbrio fiscal ao estabelecer um teto de gastos, mas não ergueu “paredes” para segurá-lo. Por isso a urgência da reforma da Previdência”.

Voltemos à charada de Bolsonaro? Afora essas agendas, os três temas de muita fricção do momento são a crise na Venezuela, que deu uma desanuviada com a reabertura da fronteira em Roraima; o estresse com os militares, por causa do controle da política de comunicação do governo pelo ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e a Operação Lava-Jato, cuja força tarefa costuma retaliar os políticos sempre que seus objetivos são contrariados. As derrotas sofridas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, na comissão especial da reforma administrativa, foram impostas por políticos que estão sendo investigados. Com a volta do ex-presidente Michel Temer à prisão, o julgamento do seu habeas corpus na próxima terça-feira, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), exacerbará essas tensões.

Uma coisa é certa: Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora em relação aos costumes e às políticas públicas, em todas as áreas. Seus eleitores querem um estado capaz de manter a ordem, mas desprezam a política, os políticos e os partidos. É uma contradição: como ter um Estado mais eficiente, ou seja, que cumpra suas finalidades, e renegar os meios oferecidos pela democracia para que isso ocorra: o sistema político? Na democracia é impossível; a dificuldade da democracia representataiva é essa, no mundo inteiro.


Luiz Carlos Azedo: Um delírio ambiental

”É óbvio que a linha adotada pelo governo em relação aos problemas ambientais provocará novos desastres”

Não tem risco de dar certo a intervenção policial-militar do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com a nomeação de um coronel, dois tenentes-coronéis e dois majores da Polícia Militar de São Paulo para comandar a instituição. A transformação do tema da sustentabilidade num caso de polícia, por capricho pessoal do ministro, não tem precedentes na história das políticas públicas ambientais do país, inauguradas no governo José Sarney, quando foi lançado o programa Nossa Natureza, do qual resultou a fusão de vários órgãos e a criação do Ibama.

Nada contra os militares individualmente, até porque são homens que atuaram intensamente no policiamento florestal. Entretanto, a área exige interdisciplinaridade para uma boa gestão, o que a formação policial simplesmente não garante, embora seja importante para combater os crimes ambientais. Como diria o falecido astrofísico norte-americano Carl Sagan, é o tipo de decisão que somente pode ser atribuída ao “analfabetismo científico”, que está em alta em razão dos conceitos estapafúrdios do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, com repercussão mundial desde a saída do governo norte-americano do Acordo de Paris.

A propósito de um comentário de Platão sobre o ensino de matemática às crianças do Egito Antigo, Sagan dizia que a ignorância em ciência e matemática nos dias atuais é muito mais danosa do que em qualquer outra época. A raiz dos problemas ambientais brasileiros é uma cultura atrasada, que estimula e protege agressões ao meio ambiente, muitas vezes insanáveis, tanto no meio urbano como no rural. É por isso que muitos ignoram e negam o aquecimento global, a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo e o desflorestamento da Amazônia.

É óbvio que a linha adotada pelo governo em relação aos problemas ambientais provocará novos desastres, como os já ocorridos em razão de ações governamentais realizadas na marra, contra pareceres originais dos órgãos ambientais, como é o caso da Usina de Belo Monte, no Pará. Sem falar das licenças ambientais, da fiscalização e do controle que deveriam ter evitado as tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, nas bacias do Rio Doce e São Francisco, respectivamente. A agenda ambiental do governo está com sinal trocado; em vez da busca de soluções em base científicas, a opção é pela truculência administrativa contra pesquisadores e cientistas.

Há inúmeros exemplos históricos de resultados desastrosos em consequência de políticas que, por razões ideológicas e religiosas, trataram a ciência como caso de polícia, como a perseguição do Colégio de Roma aos matemáticos italianos, porque consideravam uma heresia o cálculo infinitesimal, que foi fundamental para o desenvolvimento da Ciência e a Revolução Industrial na Inglaterra. O mesmo aconteceu com a medicina europeia na Idade Média, com a perseguição aos médicos seculares e o desprezo pela cultura judaica e islâmica por parte da Inquisição espanhola. O fundamentalismo ideológico preside decisões como a tomada na intervenção policial-militar no ICMBio.

Chumbo trocado
O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, tentou, mais uma vez, pôr um ponto final no tiroteio entre o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, e o vice-presidente Hamilton Mourão. Disse que as declarações do general sobre os ataques que recebeu — “quando um não quer, dois não brigam” — estão de acordo com o pensamento do presidente Bolsonaro.

Aparentemente, os generais ganharam a briga no Palácio do Planalto com o guru do clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho, que, ontem, declarou ser um “boi de piranha” que protege o presidente da República. Carlos Bolsonaro estaria fora do controle do pai, mas, quem conhece a família, diz que o “garoto” não se deixa enquadrar. Ontem mesmo, estava alfinetando o general Santos Cruz por causa do atraso na campanha do governo em defesa da reforma da Previdência. É a tal história, para Bolsonaro, chumbo trocado não dói.

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Bernardo Mello Franco: Um antiministro no Meio Ambiente

Ricardo Salles transformou o ministério num playground dos ruralistas. Sua meta é destruir o que devia proteger

Entre a eleição e a posse, o presidente Jair Bolsonaro desistiu de extinguir o Ministério do Meio Ambiente. Talvez fosse melhor ter mantido o plano original. A nomeação de Ricardo Salles transformou a pasta num playground da bancada ruralista. Ele atua como um antiministro, empenhado em destruir o que deveria proteger.

A escolha do advogado paulista já foi uma provocação. Antes de assumir o cargo, ele foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraudar um plano de manejo para favorecer mineradoras. Fundador do grupo Endireita Brasil, candidatou-se a deputado pelo Partido Novo, financiado por fazendeiros e fabricantes de armas. Não se elegeu, mas arrumou uma boquinha no governo do capitão.

Desde janeiro, Salles tem se dedicado ao desmonte do ministério. Acabou com a secretaria de mudanças climáticas e apoiou a transferência do Serviço Florestal Brasileiro e da Agência Nacional de Águas para outras pastas.

O antiministro também se especializou em ameaçar e perseguir servidores. Em fevereiro, promoveu uma demissão em massa no Ibama. Cortou as cabeças de 21 dos 27 superintendentes regionais do órgão, responsável pelo combate ao desmatamento.

Em março, transferiu a atuação do atacado para o varejo. Ele exonerou José Augusto Morelli, fiscal do Ibama que autuou Bolsonaro por pesca ilegal em 2012. O então deputado foi fotografado com a vara de pescar numa estação ecológica, mas alegou que estava no aeroporto. A multa foi cancelada no apagar das luzes do governo Temer.

Nos últimos dias, Salles radicalizou a caça aos servidores. Abriu processo disciplinar contra funcionários do ICMBio que não compareceram a uma reunião dele com parlamentares ligados ao agronegócio. A atitude levou o presidente do órgão a entregar o cargo. Em nota, servidores acusaram o ministro de trabalhar pela “destruição da gestão ambiental federal”.

O clima de intimidação tem produzido resultados. No início do mês, o presidente do Ibama se dobrou à pressão e autorizou um leilão de petróleo próximo a Abrolhos. Ignorou um parecer técnico que alertou para o risco de um vazamento atingir o paraíso de corais. No país de Mariana e Brumadinho, não parece exagero temer por uma nova tragédia em alto-mar.


Luiz Carlos Azedo: Secos e molhados

“As conversas de Bolsonaro com os líderes do Centrão foram muito protocolares, apesar da aparente informalidade, e muito pouco resolutivas”

O presidente Jair Bolsonaro assinou, ontem, 18 decretos para comemorar os 100 dias de governo, entre os quais os projetos de autonomia do Banco Central e de educação domiciliar, muito polêmicos. Após a cerimônia em que anunciou a medida, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez um balanço das realizações do governo, dizendo que o presidente havia cumprido mais do que as 35 metas anunciadas no Plano dos 100 dias. O pacote mistura medidas de grande alcance para a economia com mudanças meramente burocráticas, como num armazém de secos e molhados.

As medidas anunciadas, ontem, também foram incluídas no balanço de realizações. “Existem ações que precisavam estar delimitadas e apresentadas. Como o estudo em casa, a questão do Banco Central. São coisas que vão se prolongar. Nosso compromisso era ter uma ação dentro dos 100 primeiros dias que mostrasse que o governo estava trabalhando nisso”, explicou Lorenzoni. Na avaliação do governo, a reforma da Previdência será aprovada no primeiro semestre deste ano; a reforma tributária será o passo seguinte. “Iniciaremos no segundo semestre a descentralização dos recursos para estados e municípios. Vamos caminhar para uma reforma tributária que simplifique o sistema”, anunciou.

Entre as medidas de maior alcance anunciadas ontem estão a minuta de termo aditivo de revisão do contrato de cessão onerosa, firmado entre a União e a Petrobras em 2010; o projeto de lei complementar que garante autonomia ao Banco Central; e o projeto que será enviado ao Congresso para regulamentar a educação domiciliar, com “requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir”. Outro projeto padroniza o procedimento adotado para instituições públicas e privadas para a nomeação dos seus dirigentes, passando a prever que os dirigentes e administradores de bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa, tenham de ser aprovados pelo Banco Central, usando critérios que serão estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional.

O Rubicão do governo, porém, continua sendo a Previdência. Enquanto Bolsonaro fazia o balanço, deputados do chamado Centrão se articulavam na Câmara para inverter a pauta da próxima sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com objetivo de votar a PEC das emendas impositivas de bancada ao Orçamento da União antes do relatório sobre a reforma da Previdência. Pedem precedência por se tratar de um projeto da própria Casa, que foi alterado no Senado e, por isso mesmo, precisa ser novamente apreciado pelos deputados, antes de ser promulgado.

A inversão da pauta depende do presidente da comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que sofre forte pressão. Caso não aceite a mudança, o próprio plenário da CCJ pode inverter a pauta, o que não é improvável. Os articuladores do governo veem na mudança uma manobra para atrasar a reforma e aumentar o poder de barganha do Centrão. Na verdade, as conversas de Bolsonaro com os líderes do Centrão foram muito protocolares, apesar da aparente informalidade, e muito pouco resolutivas. Havia expectativa de nomeação de um político para o Ministério da Educação, mas essa não foi a opção do presidente da República, que nomeou o economista Abraham de Bragança Vasconcelos Weintraub para o cargo.

Doutores e excelências

Entre as medidas assinadas por Bolsonaro, ontem, estão a revogação de 250 decretos considerados desnecessários, na linha da desburocratização, além da extinção de conselhos e cargos vagos ou que vierem a vagar; e a criação do Comitê Interministerial de Combate à Corrupção para assessorar elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas de combate à corrupção. Um decreto que determina o uso de “senhor” e “senhora” para o tratamento de autoridades, inclusive em cerimônias, proibindo “vossa excelência” e “doutor”, exceto “nos casos em que haja previsão legal ou exigência de outros Poderes e entes federados”. O decreto exclui da regra as comunicações com autoridades estrangeiras e organismos internacionais. Outra medida simplifica a conversão de multa ambiental simples em serviço de preservação.

Também foram lançadas a Política Nacional de Turismo, com objetivo de desenvolver segmentos turísticos relacionados ao Patrimônio Mundial Cultural e Natural do Brasil; a Política Nacional de Alfabetização, que estabelece as diretrizes para as futuras ações e programas do governo de redução do analfabetismo; e a Política Nacional de Drogas. No varejo, ainda foram anunciadas medidas sobre modificação de veículos para compor frotas de táxi e locadoras, doação de bens para a administração pública, e unificação dos portais do governo na internet.

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Fernando Gabeira: Brasil, uma visão de tempo

Nada se parece mais com comunista do que as ideias de Bolsonaro sobre meio ambiente

A longo prazo estaremos todos mortos. Essa frase, atribuída a lorde Keynes, é verdadeira. Mas prefiro ficar com as dimensões de tempo descritas pelo grande historiador Fernand Braudel: o tempo imediato é local, a convergência de fatos que produzem uma nova conjuntura é a extensa linha do longo prazo. Naturalmente, estaremos todos mortos, mas existe uma linha de longo prazo e devemos interrogá-la para definir uma estratégia.

No meu entender, a vitória de Bolsonaro é uma convergência de fatos que produziu uma nova conjuntura. Mas continuo achando que na linha do tempo, no longo prazo, o Brasil não pode fugir de seu destino de detentor de grandes riquezas naturais que são um trunfo econômico e diplomático.

O governo Bolsonaro foi eleito pela maioria, de forma democrática. Alguns de seus ministros, Agricultura e Meio Ambiente, consideram que o controle ambiental sobre a produção é coisa de comunista fantasiado de defensor do meio ambiente. Melancias, verdes por fora, vermelhas por dentro. O chanceler Ernesto Araújo classifica o aquecimento global como uma invenção do marxismo globalizante.

Isso não corresponde à realidade. Eles não conhecem um país comunista. Não visitaram o Leste Europeu, não viram a devastação ambiental deixada pelo regime. Os desastres por lá, a julgar por Chernobyl, eram piores que os nossos. Aqui, contaminamos com lama e minério dentro de nossas fronteiras. As usinas nucleares espalham a radiação por todo o continente, às vezes além dele.

Os ministros de Bolsonaro ignoram até o debate nacional. Em 2003, quando saí do PT, afirmei que o partido tinha uma visão ambiental atrasada e replicava a visão dos velhos partidos comunistas. A ideia dos antigos quadros era de que o essencial era o crescimento econômico, a melhoria de condições dos trabalhadores. Era preciso competir e vencer o Ocidente.

Por mais que Bolsonaro deteste os comunistas, nada se parece mais com eles do que suas posições sobre crescimento e meio ambiente. Na realidade, seu ponto de partida é diferente. Bolsonaro defende a propriedade privada e acha que está sendo tolhida pelo controle ambiental. Pelo menos é isso que depreendo de seus discursos de campanha.

A defesa da propriedade privada é uma boa causa. No entanto, ela tem nítidos limites. Um rio que passa na sua fazenda não pode ser usado de qualquer maneira. Há pessoas a jusante, comunidades que dependem dele.

Por causa disso, afirmamos em lei que os rios são de responsabilidade dos Estados ou do governo federal. E criamos um instrumento democrático para geri-los: o comitê de bacia, no qual os usuários são também representados.

Seria fácil descartar a visão de Bolsonaro e seus ministros, afirmando só que ignoram os fatos. Eles, ao que parece, têm uma visão de longo prazo. Acreditam que o meio ambiente pode ser explorado com menos limites se avançamos em ciência e tecnologia. É uma suposição muito frequente a de que as principais tarefas da natureza podem ser substituídas por descobertas científicas. Ainda que isso fosse possível, estaríamos construindo uma civilização solitária, a mais solitária que existiu até hoje, dispensando plantas, animais, fontes de água limpa.

No meu entender, a linha decisiva de longa prazo vai prevalecer. Governos passam. E ainda que não passassem (há os que duram demais), a realidade acabará por se impor.

Os exemplos estão aí. Dilma fazia um governo próximo do marxismo. Mas após o desastre de Mariana ela não mandou fechar as barragens existentes nem proibiu as que são construídas a montante. O governo Bolsonaro, que odeia ecologistas e acha que o controle ambiental deveria ser relaxado em nome da produtividade e do respeito à propriedade privada, fez exatamente o que o chamado marxismo não fez: proibiu as barragens a montante e deu um prazo para que fossem esvaziadas.

Isso foi depois de Brumadinho. Mas não desmonta o argumento de que os fatos acabam produzindo uma aproximação do que chamo de linha estratégica de longo prazo.

O ministro do Turismo de Bolsonaro compreendeu também que a melhor tática para salvar Brumadinho é estimular o turismo, sobretudo o baseado no grande museu a céu aberto de Inhotim. Na verdade, o museu é só uma das atrações da área, rica em águas, no pé da Serra do Rola-Moça, com grandes pedaços de Mata Atlântica ainda preservados.

Ao desenvolver essas ideias, não quero dizer que exista uma história pré-escrita, nem aconselhar que as pessoas cruzem os braços e deixem de lutar por melhores condições ambientais. Ao contrário, quero dizer apenas que existem fortes tendências determinadas por nossa rica biodiversidade que abrem um caminho para o Brasil num mundo assustado com a degradação planetária.

Não importa tanto, aqui, se o ministro gosta de laranjas ou tangerinas, neste caso específico o importante é que faça a coisa certa. Não importa, ainda, se Bolsonaro atribuiu ao PT a defesa de nosso meio ambiente ou se o chanceler confere ao marxismo a constatação de que o planeta esquenta de forma perigosa. Karl Marx compartilhava o otimismo burguês com a exploração ilimitada dos recursos naturais.

Quem vai conter a realidade quando ela se revela em eventos extremos, furacões e tempestades, quando a barragem mineral desce na forma de um tsunami de lama? Não tem nenhuma importância que continuem a combater um comunismo desenhado na cabeça deles, nem mesmo que nos mandem prender por criticá-los com acidez. Conjunturas, convergência singular de alguns fatos, são ebulições que nos deixam pensar tudo, sobretudo fantasiar a realidade como um produto de nossa ideologia. Mas a longa linha do tempo, as grandes tendências históricas acabam nos trazendo ao mundo concreto.

Esta é minha interpretação livre da visão de tempo de Braudel. Não sei se ele autorizaria minha tosca leitura. Pelo menos estou lendo e tentando entender.

 


Luiz Carlos Azedo: A lição de Brumadinho

“A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito, assim como achar que o aquecimento global é cascata”

Erros de conceito custam caro para qualquer estratégia empresarial. Costumam causar desastres irreparáveis, como os de Mariana e Brumadinho. O poder da Vale nos estados onde atua, como Minas, Pará, Maranhão e Espírito Santo, além do poderoso lobby que sempre manteve junto ao governo federal, ao Congresso e ao próprio Judiciário, foi exercido de forma permanente para reduzir custos com medidas de segurança e de controle de impacto ambiental. Prefeituras de todas as áreas onde atua vivem perdendo as quedas de braço com a empresa, que prefere fazer políticas compensatórias de caráter social e urbano do que investir mais pesado na redução de danos ambientais. Agora, a casa caiu.

O plano para “descomissionar” todas as suas barragens construídas pelo método de “alteamento” ã montante é uma confissão de culpa e o reconhecimento de que houve erro de conceito na forma como a empresa resolveu tratar os dejetos de suas atividades de mineração, que poderiam ser reaproveitados utilizando tecnologias mais modernas. “Todas as barragens da Vale apresentam laudos de estabilidade emitidos por empresas externas, independentes e conceituadas internacionalmente”, alega a companhia. As represas que desmoronaram, porém, também tinham esses laudos. No caso de Brumadinho, seus responsáveis já estão até presos.

Qual é a razão de tais medidas não terem sido adotadas antes? A própria Vale fornece uma pista. Estima-se que serão gastos R$ 5 bilhões para a desativação das barragens, ao longo dos próximos três anos. A empresa está sendo obrigada, por medida de segurança, a suspender as operações de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande, e as operações de Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba, incluindo também a paralisação das plantas de pelotização de Fábrica e Vargem Grande. Deixarão de ser produzidos 40 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, dos quais 11 milhões de toneladas de pelotas.

A Vale pretende redirecionar a produção para outras regiões do país — cada vez mais, as suas atividades de mineração se deslocam de Minas/Espírito para o Pará/Maranhão — e aproveitar todos os trabalhadores da empresa, mas qual será o impacto na economia das cidades mineiras e capixabas, em termos de arrecadação e geração de emprego e renda? Com certeza, será muito negativo. O caso de Brumadinho, nesse aspecto específico, é muito pedagógico, pois reflete um erro de conceito da empresa em relação ao reequilíbrio de suas atividades com o meio ambiente e o entorno social. Há outros erros correlatos, mas o principal talvez seja a subordinação da agenda ambiental aos interesses da produção e da lucratividade financeira da empresa, custe o que custar, embora isso esteja em contradição com a missão definida no planejamento estratégico da própria: “Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”.

Narrativas
Brumadinho também pôs de pernas para o ar a narrativa do novo governo sobre a questão ambiental, que se tornou uma agenda emergente. Os trabalhos no Congresso serão reabertos amanhã, mas nos corredores da Câmara e do Senado, ontem, já se articulavam uma comissão especial de inquérito para investigar a Vale e outra comissão, mista, isto é, em conjunto com o Senado, para investigar milhares de barragens existentes no país, muitas delas sem licenciamento sequer. Não se deve demonizar a mineração, que é uma atividade essencial para a economia do país, mas há que se repensar o modus operandi das companhias: o custo da tragédia de Brumadinho será muito maior do que aquele que se teria se tivesse adotado medidas efetivas. O saldo dessa tragédia, até agora, é de quase 100 mortos e mais de 250 pessoas desaparecidas. O impacto na opinião pública das operações de resgate é mundial e já mobiliza os organismos internacionais e acionistas da própria Vale.

Mariana é um exemplo do poder do lobby da Vale junto aos governos, ao Congresso e ao Judiciário no sentido de não honrar suas responsabilidades ambientais e sociais; a empresa simplesmente se recusa a pagar as multas aplicadas e é um dos atores mais poderosos no sentido de desmoralizar os órgãos de controle ambiental e seus técnicos. A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito. Mais ou menos como achar que o aquecimento global é uma cascata dos seus pesquisadores, quando as alterações climáticas estão aí mesmo, alterando a rotina das pessoas e provocando catástrofes naturais pelo mundo. O Brasil não está fora disso.

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