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Foto: Gabriela Bila/Folhapress

Revista online | No ataque à democracia, cultura também é alvo da fúria bolsonarista

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988

As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance. 

Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram. 

As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.

As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.

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Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora. 

Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.

A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.

Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.

No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.

Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo. 

O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública. 

Confira, a seguir, galeria:

Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência BrasilManifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército | Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial. 

Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira.  Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro. 

Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente. 

A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Foto: Carl de Souza

WikiFavelas: um caminho para reconstruir o Brasil

Outras Palavras*

Encerramos a coluna do Dicionário de Favelas Marielle Franco no Outras Palavras em 2022 com esperança. O nosso texto falava sobre as dificuldades de aquilombar a política no Brasil, num cenário de sub-representação de pessoas negras, pobres e faveladas nos espaços da política institucional. Mas, apesar de enormes dificuldades, o primeiro domingo do ano nos abriu oportunidades: o povo brasileiro subiu a rampa do Palácio do Planalto em toda a sua diversidade. Teremos indígenas, mulheres negras, faveladas, pessoas com deficiência, trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra e tantos outros setores estratégicos na refundação do Brasil.

Os ares que sopram nos abrem caminhos para uma discussão profunda, aliada aos importantes movimentos sociais insurgentes, sobre democracia e direitos humanos no Brasil. Silvio Almeida, nomeado ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, ao tomar posse reforça o reconhecimento e a dignidade que deverá ser a principal ação do atual governo para a garantia de direitos de tantos corpos marcados pela discriminação e pela exclusão na sociedade brasileira. Por mais que muitos e muitas tentem vilipendiar o sentido dos direitos humanos e limitar o acesso à dignidade, a cada dia fica comprovado que sem um sistema de garantia de direitos fundamentais para todas as pessoas, não conseguiremos avançar como sociedade. Num período histórico de intensa polarização, que, como vimos, não se esgotou com o fim das eleições presidenciais de 2022, tem-se disputado também o sentido dos direitos humanos. E precisamos utilizar desse espaço para posicionar os setores progressistas e de esquerda na consolidação dos direitos. Sem anistia! – é o clamor da sociedade!

O segundo domingo do ano nos deu muitos recados. Diante de ameaças (falidas) de golpe de Estado, uma malta fascista tomou a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para destruí-la. Flávio Dino, Ministro de Justiça e Segurança Pública, buscou nas forças de segurança formas de conter os terroristas, porém as polícias, sob o comando do governador do Distrito Federal, cooperaram na invasão e se mantiveram dispostas a servir de base para o que há de pior no Brasil: o racismo e as violações de direitos humanos. Em seu histórico de violências em todo território nacional, percebemos que o Estado é forte quando impõe seu braço armado contra populações pobres e negras, por exemplo, na promoção constante e institucionalizada de chacinas policiais em favelas e periferias do Rio de Janeiro. A identificação de “bandido”, portanto, não reconhece homens brancos de meia idade vestidos com o uniforme da CBF quebrando vidraças e destruindo obras de arte. Caso o comando seja identificar criminosos que atentem contra a democracia, os policiais não sabem para quem olhar, já que terão que olhar também para si mesmos.

Como discute Luiz Eduardo Soares em artigo recente neste mesmo site, a infiltração contagiosa do fascismo nas polícias não é novidade, tem história e sua erradicação passará por mudanças institucionais e culturais, eliminando focos e estruturas que permitem a reprodução das práticas que perpetuam a repressão seletiva como forma de dominação. Por outro lado, é urgente que se aprimore em toda a sociedade a crítica como uma oportunidade de inflexão política. Pesquisadores(as), lideranças e moradores(as) de favelas e periferias já vêm denunciando as estratégias do militarismo e os riscos para a democracia brasileira. A discussão sobre a desmilitarização das polícias, no entanto, encontra o crescimento exponencial das milícias, como no caso do Rio de Janeiro, e aprofunda problemas estruturais. Desde a redemocratização, o papel constitucional das polícias não problematiza as forças de segurança como forças que reproduzem contra suas próprias populações uma “guerra” de inimigos internos. A “guerra” como metáfora se ancora, justamente, na excepcionalidade de uma situação de risco que exige medidas também excepcionais e estranhas à normalidade institucional e democrática para atender aos anseios da ordem e da sociabilidade, daqueles que são tidos como cidadãos de direito. Tentativas de repressão e controle a título de “pacificação” já demonstraram que a democracia no asfalto não pode coexistir com o estado de exceção nas periferias e favelas. Um dia o aparato repressivo fora do controle da sociedade, em promiscuidade com as milícias e a militarização das políticas públicas se tornaram o modo dominante de exercício do poder.

Após a prisão de centenas de pessoas em Brasília em função dos atos terroristas na sede dos três poderes, o general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República, foi às redes pedir que os direitos humanos das pessoas custodiadas fossem respeitados. O peso simbólico deste ato, onde um dos expoentes da ultradireita no país – que esteve à frente de um dos governos que mais atacou as políticas de direitos humanos (especialmente de pessoas pobres, negras, LGBTIA+, mulheres, povos originários…) – pede clemência para que seus eleitores, acusados de uma série de crimes envolvendo depredação de patrimônio público, terrorismo, golpe de Estado e afins, usufruam do conjunto de direitos contra os quais ele mesmo se encarregou de lutar, é também parte do que precisamos colocar sobre a mesa.

O mesmo pedido de clemência se estende aos pobres e desassistidos que sofrem com a ausência de políticas públicas na saúde, na educação, no trabalho e na moradia? Ou apenas aos empresários que estão destruindo a Amazônia com desmatamento ilegal? Ou isenta o governador do Rio de Janeiro, atual recordista em operações policiais letais em favelas e periferias? Ou inclui os milhares de jovens negros encarcerados por uma (também falida) guerra às drogas?

Silvio Almeida convoca a ação em seu discurso de posse quando pede que “nós não nos rendemos. Pois nós somos o povo que, mais de um século antes do pastor Martin Luther King, dizíamos, com Luiz Gama, ter um sonho: ver ‘o Brasil americano e as terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos!’”.

Logo após os atos terroristas reprimidos por meio de uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, em um palácio destroçado, esperançamos mais uma vez ao acompanhar a posse de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, potências que inscrevem em seus corpos e, agora, oficialmente, no governo federal: a luta das mulheres indígenas, negras, quilombolas e tantas outras Marias, Mahins, Marielles e malês. É tempo, portanto, de reparação, verdade e justiça! E de tomar a pauta dos direitos humanos por seus próprios defensores e defensoras.

Deve ser o primeiro ponto de pauta a discussão sobre direitos humanos em favelas e periferias, pois é um movimento essencial se quisermos retomar os rumos democráticos do Brasil. Não há como discutir democracia sem pensar nas milhares de execuções de negros e negras que acontecem diariamente em favelas, periferias e na manutenção de presos sem julgamento, humilhados e mortos nas prisões, assim como não há como pensar em democracia sem acesso a saneamento, habitação, saúde, educação e alimentação. Democracia não é uma abstração ou algo utópico, tampouco uma ação isolada. Democracia é um processo, é uma caminhada, é um conjunto de posicionamentos e práticas fundamentais para a vida digna da população. No verbete “Segurança Pública e Direitos Humanos: algumas considerações para seguirmos em luta”, os psicólogos e pesquisadores Caíque Azael, Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho discutem sobre a necessidade de seguir em luta “para a construção de futuros possíveis, onde práticas que perpetuam violências, desigualdades e aniquilamentos não sejam mais uma realidade, muito menos operadas pelo Estado brasileiro”. Confira o texto na íntegra no Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Nas entrelinhas: Lula assume o comando das Forças Armadas

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Somente ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, de fato, o comando supremo das Forças Armadas, após uma transição difícil, com gestos de descortesia em relação ao presidente da República eleito e ao seu ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, por parte de ex-comandantes — que culminaram com o não comparecimento do almirante de esquadra Almir Garnier Santos, ex-chefe da Marinha, à solenidade de troca de comando, na qual deveria passar o timão para Marcos Sampaio Olsen.

Em entrevista aos jornalistas credenciados no Palácio do Planalto, Lula afirmou que as Forças Armadas não são o “poder moderador como pensam que são”, numa alusão à ideia-força que ainda predomina entre os militares, que são o povo brasileiro em armas e tutores das instituições republicanas. Essa é uma velha doutrina, responsável por sucessivas intervenções militares e golpes de Estado, como o da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, e o golpe cívico-militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart e nos levou a 20 anos de regime autoritário.

Lula reiterou que o papel dos militares, definido na Constituição, “é a defesa do povo brasileiro e da nossa soberania contra possíveis inimigos externos”. Também defendeu Múcio, que vem sendo muito criticado por ter defendido a tolerância com os acampamentos à porta dos quartéis, principalmente o do QG Exército, que serviu de estado-maior para o assalto ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), no domingo passado.

“Quem coloca ministro e tira ministro é o presidente da República. O José Múcio fui eu quem trouxe para cá. Ele vai continuar sendo meu ministro porque confio nele, relação histórica. Tenho o mais profundo respeito por ele. Ele vai continuar”, afirmou o presidente, num dia em que a reação ao atentado golpista prosseguiu com toda a força contra os envolvidos, inclusive o ex-ministro da Justiça e Segurança Públicas, Anderson Torres, cuja prisão está decretada.

Até agora, Lula não havia se pronunciado publicamente sobre o papel das Forças Armadas, consciente da influência do ex-presidente Jair Bolsonaro junto aos militares. Vinha mantendo um relacionamento efetivo com os novos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, mas não esperava o que ocorreu no domingo, quando todos os dispositivos de segurança dos Poderes falharam, inclusive a Guarda Presidencial. Houve um colapso das cadeias de comando, que precisa ser investigado para que os responsáveis sejam punidos e não ocorra novamente.

Haiti não é aqui

Lula tem consciência de que existe uma questão militar em aberto. O Congresso nunca debateu profundamente o novo papel das Forças Armadas, a partir da Constituição de 1988. Numa ordem democrática, essa definição não cabe aos militares de forma autárquica — deve ser debatida amplamente para que se tenha um consenso na sociedade. Isso até hoje não aconteceu, 37 anos após a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. De certa forma, os governos Lula e Dilma contribuíram para que essa relação se tornasse litigiosa.

Lula, involuntariamente, ao atribuir missões de ordem prática às Forças Armadas que fossem atreladas à projeção do Brasil na cena internacional como potência regional, inclusive com a formação de um novo complexo militar-industrial, cuja maior expressão é o projeto do submarino nuclear. Entretanto, sem elaborar e consolidar entre os militares e na sociedade uma nova doutrina de defesa, na qual não exista um “inimigo interno” a ser combatido.

De certa forma, as missões de pacificação em guerras civis sobre a bandeira da ONU, particularmente no Haiti, onde se formou uma espécie de “irmandade”, e as sucessivas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante as crises de segurança pública, ressignificaram a mentalidade salvacionista-institucional que predominou nas Forças Armadas desde a Proclamação da República.

O ponto de inflexão, porém, foi o governo Dilma Rousseff. Ex-guerrilheira torturada, a presidente da República não escondia seus ressentimentos em relação aos militares e nem de longe manteve a cordialidade com que Lula os tratava. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi a gota d’água. Oficialmente instalada em 16 de maio de 2012, para investigar crimes, como mortes e desaparecimentos, cometidos por agentes representantes do Estado no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, revolveu o passado. O escrache dos militares envolvidos com a tortura e os assassinatos nos quarteis despertou solidariedade da caserna e a velha narrativa do inimigo interno, comunista, subversivo e covarde.

O objetivo não era punir e nem indiciar criminalmente qualquer um que tenha violado os direitos humanos nessa época, mas amenizar a dor dos familiares de envolvidos, prestar esclarecimentos à população e elaborar documentos para estudo histórico-social. Entretanto, tornou-se um instrumento de ajuste de contas moral com os militares. O troco veio com a Operação Lava-Jato, que atingiu em cheio a elite política do país, e o impeachment de Dilma, que abriram caminho para a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-assume-o-comando-das-forcas-armadas/

Nas Entrelinhas: O ministro boa praça e os generais legalistas

Luiz Carlos Azedo*/Correio Braziliense

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é um político escolado e sagaz, capaz de conduzir negociações delicadas e manter o diálogo positivo em momentos de estresse, graças à sua fleuma de saquarema pernambucano. É conservador, experiente nas negociações com o Congresso e no relacionamento com a alta burocracia da República.

Boa praça, desconhece um inimigo figadal na política. Desde que assumiu, seu espírito conciliador com os bolsonaristas, inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sofre o “fogo amigo” do PT, acirrado ainda mais por causa da avaliação equivocada de que os acampamentos à porta dos quartéis se dissolveriam espontaneamente.

Há no governo e fora dele os que desejam um ministro durão, para “enquadrar” as Forças Armadas, como se isso fosse possível numa canetada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não pensa dessa forma e o mantém no cargo, apesar do desgaste que Múcio sofreu por causa da invasão do Palácio do Planalto. A sede do governo deveria ter sido defendida pelo Batalhão de Guarda Presidencial, criado há 200 anos com essa finalidade, mas não foi o que aconteceu. Houve conivência dos militares.

Entretanto, o Exército sai mais desgastado do episódio do que o ministro da Defesa. Se compararmos com a situação anterior, noves fora o que houve no domingo, restabelecer o caráter civil do Ministério da Defesa e do próprio governo é um grande avanço.

Um balanço do que houve no domingo mostra, também, que o vandalismo bolsonarista resultou no fortalecimento de Lula, no alinhamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em defesa da democracia, e no repúdio aos golpistas de quase toda a sociedade civil. Mas há um grande ponto de interrogação: as Forças Armadas foram capturadas por Bolsonaro e seu projeto antidemocrático?

Aparentemente, não, apesar da antipatia dos militares em relação a Lula e do apoio majoritário ao projeto de reeleição de Bolsonaro. Prevaleceu a autoridade dos generais legalistas. Entretanto, o compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência dos militares com os protestos contra o resultado da eleição e do imobilismo diante do que ocorreu domingo.

Professor de História Moderna e Contemporânea da IFCS/UFRJ e de Teoria Política do CPDA/UFRRJ, o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, num artigo publicado na revista Brasil de Fato, em janeiro de 2020, chamava a atenção para o aspecto de que os militares, mais de 30 anos após o fim do regime militar, “representam uma memória reconstruída pela direita nacional, cristã e dita patriótica, como repositório salvacionista-institucional” contra os movimentos populares e a esquerda, rotulados de comunistas e bolivarianos. Além disso, a expectativa “salvacionista” em torno dos militares transbordara para amplos setores da sociedade e grupos políticos.

Morrer na praia

“Trata-se, sem dúvida, de uma herança cesarista, com raízes em movimentos como o tenentismo, na Revolução da Aliança Nacional Libertadora, de 1934/35, ou nos regimes militares do tipo Juan Velasquez Alvarado (1968-1975) no Peru”, destacava.

Não se tratava, necessariamente, da presença física de elementos humanos unindo épocas — apesar do fato de o general Augusto Heleno ter sido ajudante de ordens do general Sílvio Frota, demitido do cargo de ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel por ser contra abertura política do regime —, mas do “compartilhamento de memórias inventadas e da construção contínua da história através de entidades infra-institucionais, especialmente os colégios e escolas militares, as cerimônias e liturgias militares, as ordens do dia e entidades militares”.

“O papel da memória reconstruída, compartilhada e da liturgia corporativa são, neste processo, fundamentais”, destacou Teixeira. Graças a esse caldo de cultura, as manifestações de 2013 foram o catalisador do posicionamento político das Forças Armadas.

Os militares apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, no bojo de um processo de colapso econômico do governo petista e seu isolamento político, com a bandeira da ética predominando na política, em razão da Operação Lava-Jato. A contrapartida foi o restabelecimento do controle militar sobre o Ministério da Defesa, com a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo pelo presidente Michel Temer, que assumira o poder.

O comandante do Exército à época, general Eduardo Villas Boas, cuja liderança na Força era indiscutível, na crise, resgatou e ressignificou o papel de tutela das Forças Armadas sobre as instituições republicanas, com o diagnóstico de “um país à deriva”. O ponto culminante desse protagonismo foi o seu famoso tuíte dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que não concedesse um habeas corpus a Lula, candidato favorito às eleições de 2018, que foi preso.

O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro, cuja vitória representou a volta dos militares ao poder, pelas urnas. Nesse aspecto, a volta de Lula nas eleições de 2022 deixa-lhes a mesma frustração de “morrer na praia” da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-ministro-boa-praca-e-os-generais-legalistas/

Pouco a pouco, o presidente da República retoma o controle político da situação | Imagem: reprodução/Outras Palavras

Ataque a Brasília: o silêncio da banca

Outras Palavras*

O intervalo foi de apenas uma semana. Entre a maravilhosa e emocionante jornada da posse de Lula na Esplanada dos Ministérios, no 1º de janeiro, e a crueldade criminosa dos atos terroristas perpetrados pela horda fascista do bolsonarismo, neste domingo, fica o retrato contraditório de um país que saiu dividido do processo eleitoral. Não restam muitas dúvidas a respeito da responsabilidade direta do governador reeleito do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, bem como de seu secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. Ambos sabiam exatamente o que estava sendo preparado para aquele fim de semana, a partir das articulações dos golpistas acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília.

Além disso, o sistema de informações do governo federal também tinha informações a respeito das caravanas que estavam sendo organizadas nos estados, em especial das regiões Sul e Centro Oeste. Ibaneis sempre foi um aliado de todas as horas do presidente fujão, tendo oferecido a área de segurança do DF para a famiglia Bolsonaro. Anderson Torres é um servidor da Polícia Federal, oferecendo uma fidelidade canina ao esquema de poder derrotado nas urnas. Tanto que foi nomeado Ministro da Justiça e Segurança Pública logo depois da saída de Moro em 2021. Em mais um gesto de reconhecimento do governador do DF, agora foi agraciado com a pasta distrital da segurança. Fez todo o corpo mole possível, sonegou informações, deixou o comando da Polícia Militar (PM) local colaborar como quis com os terroristas e fugiu para os Estados Unidos, com a intenção explícita de se juntar ao clã na Florida.

O Ministro da Defesa nomeado por Lula foi outro fator que ajudou indiretamente na empreitada golpista. José Múcio chegou passando pano nas manifestações em frente às instalações militares pelo Brasil afora, classificando-as como democráticas, tanto que teria amigos e familiares participando das mesmas. Uma loucura! Ora, em uma situação como esta, o recado foi entendido pelos terroristas como um claro sinal verde para seus atos criminosos. Daí para frente, tratou-se de uma sucessão de erros e equívocos na administração da segurança e na estratégia mesmo militar de proteção dos edifícios e da própria Praça dos Três Poderes. O Ministro Flávio Dino se diz enganado pelo governo distrital com a ausência de comando da segurança militar do Palácio do Planalto, o número reduzido de efetivos de segurança para impedir o aceso às áreas estratégicas da Esplanada e até mesmo a cumplicidade da PM/DF com os golpistas, oferecendo apoio às movimentações na região.

Financismo de rabo preso com o golpismo

Depois de todo o estrago consumado, no final da tarde Lula promove a intervenção na área de segurança do DF até o final de janeiro e o ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afasta o governador do DF de suas funções até 31 de março. No início da semana, a realização da reunião com todos os 27 governadores foi um marco importante no processo de construção política de uma união nacional contra o terrorismo bolsonarista. Neste momento, é mais do que fundamental aprofundar o isolamento político do fugitivo e de seus seguidores, marcados pelo fanatismo, que antes pregavam e agora praticam o terror. A manifestação de solidariedade dos governos do resto do mundo com Lula e a condenação do terrorismo também contribuem para afastar qualquer ameaça de golpe militar. Pouco a pouco, o presidente da República retoma o controle político da situação, mas ainda precisa resolver a complexa e sensível “questão militar”. A presença de Múcio na pasta da Defesa deveria ser uma questão de tempo, o necessário para que Lula encontre uma solução que seja de sua absoluta confiança e também conte com algum respaldo nas Três Armas.

O fato interessante é que não saiu nenhuma nota, entrevista ou declaração do povo do financismo a respeito da grave crise que o país viveu e da qual ainda sente os efeitos. Aliás, é sempre assim. Os escribas e especialistas a mando do sistema financeiro adoram deitar falação e cobrar publicamente os governos quando entendem que a sua pauta de austeridade fiscal, privatização e liberalização está correndo algum tipo de perigo. E dá-lhe matérias alertando para catástrofe de aumentos de despesas governamentais na área social, os riscos de um “retrocesso” no processo de venda das empresas estatais ou de alguma flexibilização no arcabouço da política fiscal.

E os efeitos econômicos do terror?

 O financismo não parece considerar o famoso “risco”, tal como costumam quantificar, representado pelas ações terroristas financiadas e patrocinadas por setores importantes de nossas classes dominantes. Apesar de toda a habilidade demonstrada por Lula em “fazer desse limão uma limonada”, o fato concreto é que a imagem internacional do Brasil sofreu arranhões com as cenas, ocupando espaços dos grandes meios de comunicação nos cinco continentes. Nada que não seja recuperável, mesmo no curto prazo. Mas esse tipo de ação não merece atenção, nem nota, nem repúdio da parte desse povo da banca.

Eles adoram calcular o impacto de tal e qual medida voltada a atender necessidades da população mais carente, como o reajuste do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e outras. Mas não mandaram seus estagiários prepararem a planilha para estimar os custos diretos e indiretos provocados pela depredação do patrimônio físico, cultural e histórico daquele dia triste em que o terrorismo tomou conta do centro do poder em Brasília. Ou ainda não se preocupam em botar suas equipes para realizarem as contas de quais são os custos dos acampamentos, dos transportes e toda a logística que foram bancados pelos empresários que há muito tempo vêm financiando as manifestações golpistas e, agora, o próprio dia do terror.

Silêncio demonstra cumplicidade

Por outro lado, começam a surgir as informações relativas aos movimentos próximos às refinarias e aos ataques contra as linhas e transmissão de energia elétrica em vários cantos do país. Trata-se de claras ações de sabotagem e terrorismo. São custos sociais e econômicos que deveriam ser cobrados na Justiça, juntamente com a condenação pelos crimes tipificados pela legislação antiterrorista. Esse pessoal adora condenar as ações legais e legítimas movidas pelos sindicatos e pressionam a Justiça do trabalho a cobrar das entidades pelo suposto prejuízo causado pelas paralisações. E, agora, como é que fica? Apenas um silêncio que denuncia a cumplicidade e o rabo preso com os golpistas.

Na verdade, outra consequência bastante negativa desse movimento antidemocrático é o retardamento do início do processo de reconstrução nacional. O novo governo já deveria estar se debruçando sobre as pautas de restabelecimento das políticas públicas que foram sistematicamente desmontadas ao longo dos últimos seis anos. Lula poderia estar coordenando as tarefas de recuperação do protagonismo do Estado, uma vez que seu objetivo declarado é fazer 40 anos em 4. Se tal sabotagem era um dos intuitos dos mandantes e financiadores da tentativa de putsch, o fato é que o tiro talvez saia pela culatra. O terceiro mandato pode ter seu início ainda com a ampliação de sua base de apoio político, social e também parlamentar.

O silêncio do financismo sobre os fatos dos últimos dias é carregado de significado. Apesar da oposição de seus principais representantes a algumas das medidas anunciadas por Lula e necessárias para a retomada das atividades econômicas com foco na redução de desigualdades e no desenho de um projeto de desenvolvimento, a cumplicidade com o golpismo pode arranhar sua credibilidade e pode lhes custar mais caro do que imaginam. O governo deve sair fortalecido quando essa poeira toda baixar. E Lula poderá usar esse reforço de autoridade para impulsionar a agenda — que ele sabe ser necessária para que seu terceiro governo — faça mais do que ele conseguiu realizar nos outros dois mandatos. É possível que, no quadro atual, a oposição da banca não encontre tanta ressonância no restante da sociedade. Aguardemos, pois.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Nas entrelinhas: Simone Tebet no governo Lula esvazia a “terceira via”

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Qual o significado principal da presença da ex-senadora Simone Tebet no governo Lula? Numa visão economicista, diríamos que servirá de contraponto liberal à política do ministro da Fazenda, Fenando Haddad, supostamente estatizante e sem compromisso com a responsabilidade fiscal, como apontam a maioria dos oposicionistas que criticam o governo Lula por sua política econômica, desde antes mesmo de sua posse. Errado: a presença de Simone Tebet exerce um papel simbólico e político que transcende suas responsabilidades no Ministério do Planejamento e Orçamento: reforça o caráter de centro-esquerda da coalizão democrática de governo. Não é pouca coisa.

É óbvio que a política econômica do novo governo, que está em disputa, terá um papel decisivo para o posicionamento da elite econômica e da classe média que não apoiou Bolsonaro nem Lula no primeiro turno, preferindo Simone Tebet ou Ciro Gomes (PDT). É óbvio que as propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são um fator de acirramento de desconfianças em relação ao novo governo, que acaba associado ao fracasso da “nova matriz econômica” que levou à derrocada econômica o governo Dilma Rousseff. Mas a questão de fundo, mesmo para esses setores, é política: Simone no governo significa o esvaziamento da chamada “terceira via”, ou seja, da possibilidade de romper a polarização Lula versus Bolsonaro por meio de uma terceira alternativa de poder desde já.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), com 4,76% e 1% dos votos, respectivamente, no primeiro turno das eleições de 2018, por experiência própria, se aperceberam do esvaziamento da “terceira via” a partir daquela eleição. O fracasso levou-os a apoiar Lula sem vacilar. O ex-governador paulista até trocou o PSDB pelo PSB para ter uma legenda que lhe permitisse aceitar o convite de Lula para ser seu vice. Da mesma forma, o então governador de São Paulo Rodrigo Garcia, que concorria à reeleição, diante do mesmo fenômeno, trabalhou fortemente para inviabilizar a candidatura do ex-governador João Doria pelo PSDB. Eduardo Leite (PSDB), mesmo com a desistência de Doria, optou para disputar um segundo mandato no governo do Rio Grande Sul, do qual havia até se desincompatibilizado. Ambos não acreditavam na terceira via. Garcia apoiou Bolsonaro no segundo turno.

Coube a Ciro Gomes (PDT), um sobrevivente de 2018, quando obteve 12,47% dos votos, e a Simone Tebet (MDB) representar o projeto de” terceira via”, que novamente fracassou. Ciro Gomes teve a sua menor votação em quatro disputas: 3,04%. Simone surpreendeu na terceira colocação, mas com 4,6%, ou seja, menos de 1 voto para cada 20 eleitores. Como Lula havia batido na trave no primeiro turno e teve que fazer uma disputa dramática com o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, no segundo turno, o apoio da candidata do MDB ao petista teve um papel decisivo, ainda mais porque Ciro Gomes se recusou a fazer campanha para Lula.

Divergências

Simone nunca foi uma real alternativa de poder, mas seu engajamento na campanha de Lula não somente contribuiu para que o petista aumentasse a votação e ganhasse a eleição, como lhe deu projeção política maior do que tivera no primeiro turno, principalmente por causa das mobilizações de rua, sozinha ou ao lado de Lula. Tanto do ponto de vista eleitoral, em razão da votação que obtivera, quando em razão do alinhamento político com Lula, que a convidou para o Ministério do Planejamento, as possibilidades de projeção política futura de Simone são maiores ao participar do governo. Sem mandato nem apoio do MDB, na oposição, como desejavam alguns aliados que insistem na possibilidade de uma terceira via em 2026, perderia todo o protagonismo político. Além disso, colocaria ambição pessoal acima dos riscos que a democracia corre se contribuísse para desestabilizar o governo Lula.

“Nosso papel, sem descuidar da responsabilidade fiscal, da qualidade dos gastos públicos, é colocar o brasileiro no orçamento”, disse Simone, ontem, ao tomar posse no Ministério do Planejamento, consciente de seu papel no “governo do PT e da frente ampla democrática”. Ao fazê-lo, deixou claro que não renunciaria a convicções políticas: “Ministro Haddad, ministro Alckmin e ministra Esther, temos divergências econômicas”, disse.

Mas de onde vêm essas discordâncias? Dos economistas, que têm sérias divergências e visões de mundo, cada um com um modelo de economia na cabeça. A divergência fundamental está na avaliação do papel do mercado na superação dos problemas econômicos. Economistas neoliberais acreditam que se deixarmos o mercado funcionar livremente tudo se resolverá. Economistas conhecidos como keynesianos e estruturalistas apontam a incapacidade de os agentes resolverem grandes depressões, recessões prolongadas e promover a transformação estrutural ´para o desenvolvimento econômico. Economistas liberais ou “neoclássicos” acreditam no poder dos mercados para levar as sociedades a estados ótimos de bem-estar para as pessoas. Os “novo-keynesianos” acreditam no mercado no longo prazo, mas não no curto prazo.

Entretanto, é por causa dessas divergências que os políticos têm o poder de decisão sobre a política econômica. Suas escolhas são mais importantes do que as teorias econômicas. Quando Lula admite divergências entre seus ministros da área econômica, estabelece o contraditório e, a partir dele, aumenta sua capacidade de acertar nas decisões.

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Nas entrelinhas: Adeus reformas. Agenda possível é mais modesta

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O mais ambicioso programa de reformas de estrutura da história do Brasil foi o do presidente João Goulart (1961-1964), que havia assumido governo no lugar de Jânio Quadros, em meio a uma tentativa de golpe e graças a uma solução de compromisso: a adoção do parlamentarismo. Em razão das nossas desigualdades, no seu governo havia um cenário de radicalização político-ideológica e intensificação dos conflitos sociais.

Jango, como era chamado, sofria fortes pressões do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), principalmente de seu cunhado, Leonel Brizola, e de outras lideranças de esquerda, como o líder comunista Luís Carlos Prestes e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, para realizar reformas estruturais na sociedade, entre as quais a agrária. Com a volta do presidencialismo, decidida por um plebiscito em 1963, Jango se sentiu fortalecido para levar adiante o projeto nacional-desenvolvimentista da esquerda brasileira.

As chamadas Reformas de Base abarcavam um conjunto amplo de problemas: a questão agrária, o sistema financeiro, a crise fiscal, a urbanização acelerada, o atraso burocrático e o acesso às universidades. O principal objetivo delas era combater a concentração de propriedade e de renda, além de ampliar a participação política da sociedade. Para isso, era preciso mudar a Constituição de 1946, o que exigia maioria ampla no Congresso. Pela legislação, o governo indenizaria os proprietários de terra, em caso de desapropriação, com dinheiro em espécie, mas Jango queria fazê-lo com títulos públicos e a longo prazo.

Jango também pretendia criar condições para os inquilinos comprar as residências que alugavam com títulos públicos. Também pretendia limitar a remessa de lucros ao exterior, estatizar alguns setores econômicos e expandir a Petrobras. Além disso, estava aceitando a pressão de militares de baixa patente para aumentar a sua representação política concorrendo a cargos eletivos, como os de vereadores e deputados.

Nada disso significava uma mudança de regime político, uma opção pelo socialismo. Mas assim passou a ser visto pela maioria da sociedade, após intensa campanha da oposição, liderada pelo governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o principal líder da UDN à época, que era candidato a presidente da República. No início de 1964, Jango perdeu o apoio do PSD (Partido Social Democrático), de Juscelino Kubitschek, que sonhava com a volta à Presidência nas eleições previstas para 1965. Brizola pretendia ser candidato, mesmo estando inelegível por ser cunhado do presidente da República, e Prestes articulava a reeleição de Jango nos bastidores.

O Congresso, de maioria conservadora, rejeitou as reformas de base. Jango resolveu mobilizar os trabalhadores urbanos e rurais para respaldar a adoção das reformas por decreto presidencial. No dia 13 de março de 1964, o chamado comício da Central do Brasil, reuniu cerca de 150 mil pessoas. Nele, Jango anunciou que decretaria as Reformas de Base, à revelia do Congresso.

Moral da história

A reação conservadora foi imediata: convocada por forças políticas e religiosas de direita, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na cidade de São Paulo, em 19 de março de 1964, reuniu quase 500 mil pessoas. Outras manifestações se realizaram no interior paulista e em outros estados. Em 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado, depôs Jango e deu início a 20 anos de ditadura.

No dia 2 de abril, no Rio de Janeiro, realizou-se a Marcha da Vitória. Não foram apenas o ambiente de guerra fria e a quebra de hierarquia nas Forças Armadas que viabilizaram golpe. As marchas conservadoras demonstraram que o golpe também era vitorioso na sociedade.

Qual é a moral da história? Darcy Ribeiro dizia que foi melhor ser derrotado do lado certo, pois as reformas eram necessárias. E eram mesmo, tanto que a maioria foi feita pelos militares, durante a ditadura, como o Estatuto da Terra, a estatização de empresas de infraestrutura e expansão da Petrobras, a reforma bancária e fiscal, a expansão das universidades. Alguns chamam esse processo de modernização pelo alto de “revolução passiva”, outros de “autoritarismo funcional”. Os militares que apoiaram o governo Bolsonaro sonhavam — e ainda sonham — com a ressignificação do regime militar.

O governo Jango pôs o carro à frente dos bois, ao tentar fazer as reformas de base na marra, sem aprovação do Congresso. Além disso, a esquerda considerava um retrocesso a volta de JK ao poder, o favorito nas eleições marcadas para 1965. Para se manter no poder, defendia a candidatura de Brizola, inelegível por ser cunhado do presidente da República, ou até mesmo a reeleição de Jango.

1964 serve de exemplo para o governo Lula, que precisa adotar um programa democrático, porém, mais modesto do ponto de vista das reformas. É mais exequível focar o programa de governo na gestão ambiental e nos direitos básicos e universais da população (saúde, educação, trabalho, moradia, transporte e segurança pública). É o caminho para construir uma ampla maioria no Congresso e, ao mesmo tempo, corresponder à expectativa de seus eleitores, que hoje se resume a trabalho e renda, além do respeito aos direitos humanos e o combate ao racismo estrutural.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-adeus-reformas-agenda-possivel-e-mais-modesta/

Nas entrelinhas: O Brasil de Pelé e o novo governo

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

A posse dos ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ofuscada pelo velório de Edson Arantes do Nascimento. Repetiu-se o mesmo fenômeno do dia da morte do maior atleta do século passado, que será enterrado hoje. Grande massa de torcedores santistas e de outros comparece ao estádio da Vila Belmiro, em Santos, para reverenciá-lo. Personalidades do mundo esportivo nacional e internacional também. Corintiano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em meio à montagem de seu governo e às primeiras medidas administrativas, viajará de Brasília para Santos para participar das últimas homenagens fúnebres.

Talvez o maior atleta profissional de todos os tempos, em 14 de junho de 1970, Pelé, camisa 10 do Brasil às costas, agachou-se no círculo central do gramado do estádio Jalisco, em Guadalajara, no México, sob olhar de Tostão, e amarrou pacientemente sua chuteira. Ao fazê-lo, inventou o marketing esportivo, mais ou menos como João Gilberto inventara a bossa nova em 21 de janeiro de 1962, ao cantar Chega de Saudade no Carnegie Hall, em Nova York, até então um lindo samba canção. Uma chuteira Puma continuaria igual a uma Adidas, mas o futebol mundial nunca mais seria o mesmo, com as transmissões dos jogos pela tevê.

Além de bola, camisas, meias, chuteiras, shorts e outros materiais esportivos, uma infinidade de outros produtos, como refrigerante, cervejas e complementos alimentares passaram a associar sua marca ao futebol. Os mais velhos devem se lembrar do terno de tergal da Ducal, com um paletó e duas calças, vendidos pelo crediário.

Hoje, os craques do futebol são manequins das grandes grifes mundiais. O advento da tevê a cabo e das redes de internet completou o ciclo, com o esporte ocupando o espaço nobre para suprir os novos meios de comunicação de conteúdos que aliavam audácia, beleza, criatividade, emoção, energia e resiliência, entre outros atributos positivos, de produções de grande audiência e relativamente baratas.

Pelé também simbolizou a ascensão social e econômica por uma via que até então era objeto de grande atração popular, graças à rivalidade das torcidas, mas reproduzia a exclusão social e a enorme distância entre a grande massa popular e as elites brasileiras. De 1924, quando Vasco da Gama rompeu com isso, recusando-se a dispensar 12 jogadores negros, mulatos e pardos para participar do Campeonato Carioca, aos dias atuais, foi um longo processo.

Gradativamente, o futebol se tornou uma via de ascensão social e econômica pelo talento, chegando aos dias de hoje como um dos maiores e mais bem remunerados espetáculos de massa. Os grandes atletas ganham fortunas inimagináveis (*), inclusive os brasileiros que jogam no exterior, exibindo roupas de grife e carros de luxo, além de ostentar padrões de consumo extravagantes, como comer carne folheada a ouro em restaurantes de alto luxo.

Desigualdades

Entretanto, o Brasil que Pelé projetou internacionalmente, muito mais do que qualquer outra personalidade, precisa virar a página das desigualdades e injustiças sociais, entre as quais o racismo estrutural. Pelé fecha o ciclo de profissionalização e globalização do futebol, foi protagonista dessa mudança. Entretanto, sua trajetória, em comparação com a de outros atletas de sua geração, como Mané Garrincha, desnuda essa realidade. É aí que entra em cena o novo governo Lula, ao propor um pacto na sociedade para superar a abissal distância entre os ricos e a maioria da população, com renda até 2 salários-mínimos.

Desde a eleição de Getúlio Vargas, em 1950, não tínhamos uma disputa eleitoral em que as diferenças de classe social estivessem tão demarcadas. Esse fenômeno foi agravado por uma polarização ideológica que colocou em risco a democracia e fraturou a coesão social em torno de alguns valores que estavam acima das divergências políticas, como a identidade com as cores da bandeira e o pertencimento à nação.

A posse dos ministros de Lula, em diversas áreas, especial de Camilo Santana na Educação e Nísia Trindade na Saúde, sinalizou na direção da superação dessas diferenças, com o resgate de políticas públicas universalistas, porém nossas prioridades regrediram décadas, como a alfabetização e a vacinação das crianças, por exemplo. São enormes os desafios no plano econômico e administrativo para que as condições de mobilidade e progresso social sejam oferecidas a todas as camadas sociais.

Vivemos um momento muito desafiador. Com uma coalizão de centro-esquerda, Lula pretende conduzir a frente política que o levou à Presidência pela terceira vez na direção do combate às desigualdades. Não é uma tarefa fácil. A agenda social do governo precisa ser calibrada de modo a ter amplo apoio das forças democráticas, que têm interesses econômicos diferenciados.

O principal desafio é obter o apoio do Congresso Nacional, no qual predominam forças conservadoras e velhas oligarquias políticas. Sem uma base parlamentar, não haverá combate às desigualdades; sem combate às desigualdades, não haverá mobilização popular em apoio ao novo governo.

(*) Pelé deixou uma herança de R$ 80 milhões, o que equivale ao rendimento mensal do novo contrato de Cristiano Ronaldo com o Al Nassr, da Arábia Saudita, até 2025.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-brasil-de-pele-e-o-novo-governo/

Sinalizações iniciais da equipe de transição do governo eleito são desanimadoras | foto: Adriano Machado/Reuters

Revista online | Evitaremos outra década perdida?

Benito Salomão, economista*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)

No próximo dia 1º de janeiro de 2023, um novo governo tomará posse permeado por inúmeros problemas de curto prazo, o mais evidente deles é o fiscal. Este artigo, no entanto, se propõe a sair um pouco da análise de conjuntura e pensar a economia sob uma perspectiva de mais longo prazo. Este ano sela a nova década perdida brasileira, quando o crescimento do PIB per capita variou negativamente de US$8965, em 2011, para US$8551, em 2021. O governo que irá assumir tem como missão, portanto, reverter esse contexto desolador de estagnação do crescimento.

Os primeiros sinais vindos da transição não são animadores. A preocupação social cristalizada na retórica petista pode se converter em captura político-eleitoral dos programas sociais pelo governo, com consequências não desprezíveis para o equilíbrio macroeconômico do país. Se isso acontecer, novamente a agenda de estabilização de curto prazo da economia brasileira irá se sobrepor às questões de longo prazo, e, dificilmente, o país conseguirá escapar de uma nova década perdida.

Os modelos que se debruçam a compreender o crescimento de longo prazo das economias sugerem uma combinação de fatores que podem desencadear um longo horizonte de prosperidade para as nações. Robert Solow, em clássico artigo de 1956, atestou que a dinâmica de longo prazo das economias está relacionada com a sua capacidade de acumular capital, que, por sua vez, depende da evolução da taxa de poupança doméstica. Olhando para o modelo de Solow, cujos avanços tecnológicos ou da produtividade são considerados exógenos e estimados via resíduos, as perspectivas não são boas, de forma que o Brasil não será capaz de crescer a taxas elevadas mantendo uma taxa de poupança em torno de 15% do PIB.

Veja, a seguir, galeria:

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Há, no entanto, outras abordagens. A família dos chamados modelos de crescimento endógeno se difere do modelo de Solow pela forma como é tratada a dinâmica da tecnologia e, consequentemente, da produtividade. Neste caso, a evolução tecnológica e do capital humano necessário para elevarem o crescimento de longo prazo das economias se dá diante da dinâmica do próprio modelo. Neste caso, políticas de desenvolvimento tecnológico e de ampliação do capital humano têm papel central na definição da trajetória de longo prazo das economias. São expoentes dessa literatura autores como Robert Lucas Jr (1988); Paul Romer (1990) e Adam Posem (1992).

Uma terceira corrente de pensadores não pode ser negligenciada. Os institucionalistas vão argumentar que a dinâmica de longo prazo das economias é resultado da qualidade das instituições desenvolvidas pelos mais variados pactos políticos. Em livro bastante intuitivo e acessível a não economistas, chamado “Why The Nations Fail” (Por que as Nações Fracassam), Daron Acemoglu e James Robinson discorrem a partir de exemplos históricos e ilustrativos, como instituições importam para o desempenho dos países.

Os autores apelam ao velho conceito de destruição criativa cunhado por Joseph Schumpeter para argumentar que o tipo de instituições determina a dinâmica de inovações em uma economia e, consequentemente, o seu desempenho em termos de crescimento do PIB. Para eles, instituições inclusivas são aquelas que permitem e garantem à sociedade usufruir dos bônus de novas descobertas. Esse incentivo criaria uma dinâmica de busca pelo conhecimento e pelas inovações que são a base do crescimento sustentável. Analogamente a isso tem-se as instituições extrativas, oriundas de pactos políticos que permitem às elites asfixiar ou capturar os bônus destas inovações. Neste caso, não há incentivos para acúmulo de capital humano e novas descobertas.

Ao se projetar no governo as preocupações da equipe de transição, toda essa discussão é negligenciada. O vício do modelo keynesiano simples dá a falsa sensação de que os problemas podem ser solucionados por expansões do gasto público, desconsiderando os efeitos disso sobre a produtividade total dos fatores (PTF); sobre a taxa de poupança e sobre os incentivos que tais políticas produzem. Há um risco real que estejamos entrando noutra década perdida.

Sobre o autor

*Benito Salomão é doutor em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGE/UFU).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Manifestantes bolsonaristas atearam fogo em um ônibus no centro de Brasília | Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Revista online | Editorial: Sinais de 2023

Após um ano tenso e conturbado, o país está às vésperas do início de um novo ano e da passagem do governo para as forças vitoriosas no segundo turno das eleições. No entanto, o desenrolar do processo político, no período curto que se encerra entre a votação e a divulgação dos resultados do segundo turno e a posse dos eleitos, pleno de episódios graves e inesperados, deixa sinais que permitem perscrutar tendências possíveis para o primeiro ano do novo governo.

Chama a atenção, em primeiro lugar, o chamado à radicalização, que levou partidários do governo que se encerra à concentração em torno de instalações militares, na capital e em diversas cidades do país. Manifestantes pediram, ao longo de dois meses inteiros, o não reconhecimento do resultado das eleições, por meio da ação das Forças Armadas, contra os Poderes Judiciário e Legislativo. Parte desses manifestantes promoveu tumultos em diversos pontos de Brasília, contra as medidas repressivas tomadas pela Polícia Federal. Finalmente, uma parte menor ainda desse coletivo procedeu ao planejamento e execução de atentados terroristas, com potencial enorme de vítimas, no caso de sua concretização. Tudo sob a sombra da condescendência das autoridades do Distrito Federal, de parte dos efetivos policiais e até, ao que consta, de setores militares.

Esse processo e o apoio que encontra em parte expressiva da população, assim como as vitórias eleitorais em governos de Estados relevantes, no Senado e na Câmara dos Deputados, indicam a persistência do curto prazo de uma oposição expressiva de extrema direita autoritária ao governo que se inicia em janeiro.

Veja, a seguir, galeria de fotos de manifestações contra Bolsonaro:

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O novo governo, por seu turno, parece ter cumprido com sucesso sua primeira tarefa política: a montagem de uma equipe com a amplitude suficiente para garantir um mínimo de governabilidade, nas duas Casas do Congresso Nacional. No entanto, esse processo deve prosseguir, até a obtenção de um acordo com todas as forças políticas democráticas, com os objetivos de isolar a oposição autoritária, pactuar uma agenda de objetivos comuns no que toca à reconstrução democrática do país, com destaque para a promoção da inclusão e o combate às desigualdades, assim como uma estratégia de atuação coordenada até as eleições municipais de 2024, momento em que forças democráticas e autoritárias se enfrentarão mais uma vez no campo da disputa pelo voto dos eleitores.

Urge retirar, de forma paciente, por meio da política, a direita autoritária da condição de alternativa real de poder. Apenas dessa forma o debate e a disputa legítima no interior do campo democrático poderão fluir de forma livre e construtiva, resultando em ganhos sustentáveis no que toca ao incremento da equidade, da prosperidade e da sustentabilidade no país.

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Sonia Guajajara, deputada eleita pelo PSOL, será ministra dos Povos Indígenas (Foto: Adriano Machado - 15.out.2022/Reuters)

Sônia Guajajara será ministra dos Povos Indígenas de Lula

Geledés*

A deputada federal eleita Sonia Guajajara (PSOL-SP) foi escolhida para ser a primeira ministra dos Povos Indígenas. O anúncio oficial deve ser feito por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos próximos dias, junto com o restante dos escolhidos para ocupar a Esplanada.

Guajajara foi um dos três nomes enviados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) como sugestões para o cargo mais alto da pasta, que será criada pelo próximo governo. Ela passou o Natal em sua aldeia e chegou nesta terça-feira (27) a Brasília, onde será convidada formalmente por Lula, provavelmente em um encontro pessoal —já houve conversas por telefone e ela aceitará o cargo.

Na lista de cotados também estavam Joênia Wapichana, deputada federal não reeleita da Rede de Roraima, e o vereador de Caucaia (CE) Weibe Tapeba (PT).

A definição do seu nome demorou mais que o previsto, como mostrou a coluna Painel, em razão da indefinição acerca do formato que a futura pasta terá.

Durante a transição, Lula chegou a indicar que, na verdade, poderia criar uma secretaria especial em vez de um ministério —possibilidade que foi prontamente rebatida pelas lideranças indígenas, como mostrou a Folha.

Segundo pessoas envolvidas na estruturação do ministério, ele abraçará a Funai (Fundação Nacional do Índio) e pode funcionar com o seu orçamento em um primeiro momento. A transferência da fundação, que hoje está sob o Ministério da Justiça, para os Povos Indígenas, foi um dos entraves para a formulação do organograma da pasta, uma vez que há questões burocráticas que precisam ser resolvidas para funcionar.

Por exemplo, por lei, demarcações de terra, que são de incumbência da Funai, precisam passar pela Justiça para serem homologadas.

Já a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), um dos órgãos com maior verba dentro da política indígena, deverá seguir com o Ministério da Saúde.

O argumento é que, em primeiro lugar, uma mudança drástica em todas as instâncias da política indígena neste momento pode atrapalhar a operação de algumas áreas importantes —como no caso da saúde.

Ao mesmo tempo, o movimento indígena entende que é importante ter capilaridade dentro do governo federal, ou seja, ter espaço também em outras pastas e não só na dos Povos Indígenas. Nesse sentido, a reivindicação é de que também a chefia de outros órgãos, como a Sesai ou a secretaria responsável pela educação indígena, seja ocupada por lideranças indígenas ou pessoas indicadas por elas.

Ativista conhecida internacionalmente, Guajajara despontou como a favorita para assumir a pasta nas últimas semanas.

Ela foi eleita deputada federal pela primeira vez na eleição deste ano, em que disputou por São Paulo, e não pelo Maranhão, onde nasceu. A explicação é que o estado paulista tem direito a mais deputados na Câmara e é uma região onde ela teria um potencial de votos maior que em sua terra natal, em razão do maior colégio eleitoral.

A escolha de Guajajara para o ministério, no entanto, irá desfalcar a bancada indígena no Congresso.

Uma vez que a atual deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) não conseguiu se reeleger e deixou a Câmara nessa legislatura, apenas Célia Xakriabá (PSOL), eleita em Minas Gerais, será diretamente ligada ao movimento indígena na Casa.

Como mostrou a Folha, no geral, a bancada indígena contará com nomes não reconhecidos pelo movimento e também de direita, como o senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-SC e autodeclarado indígena) e Silvia Waiapi (PL-RO), bolsonarista.

Sônia Guajajara, 48, nasceu na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, e ainda criança se mudou para Imperatriz. Se tornou uma das principais lideranças do movimento indígena, inclusive tendo discursado em cúpulas das Nações Unidas.

Já em 2018, já no PSOL, ela foi candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos.

Com a escolha de Sônia Guajajara e também a da deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), esta última para o Meio Ambiente, a federação entre os dois partidos terá dois novos nomes na Câmara dos Deputados.

Pelo resultado das eleições, os dois primeiros nomes na lista de suplência para o estado de São Paulo são a professora Luciene Cavalcante e o atual deputado Ivan Valente, ambos do PSOL.

Texto publicado originalmente no portal Geledés.


Nas entrelinhas: Com Simone, Lula montou uma coalizão de centro-esquerda

Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense

A senadora Simone Tebet, que disputou a Presidência pelo MDB e, no segundo turno, se engajou na campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, cumprindo um papel fundamental para sua eleição, aceitou participar do governo de coalizão, como ministra do Planejamento. O MDB estará contemplado ainda com mais dois ministérios, o das Cidades e o do Turismo, muito provavelmente. Com isso Lula, montou um governo de centro-esquerda, que contará, também, com a participação formal do PSD, do União Brasil, do Solidariedade e do Podemos. A incógnita é a participação do Cidadania, já que o PSDB, com quem está federado, anunciou que fará oposição ao novo governo.

A pressão para que Simone não aceitasse participar do governo foi enorme, somando-se à própria frustração da senadora por não ter assumido o Ministério do Desenvolvimento Social, como desejava. A pasta foi destinada ao senador Wellington Dias (PT), que governou o Piauí por quatro mandatos, estado no qual Lula teve a sua maior votação, proporcionalmente. Setores da oposição que votaram em Simone e muitos que apoiaram Bolsonaro no segundo turno passaram a fazer a leitura de que Lula montou um governo de esquerda, puro-sangue, sob o hegemonismo do PT. A hegemonia petista no governo é uma coisa mais ou menos óbvia, até porque foi Lula que venceu as eleições. O hegemonismo é outra coisa: a canibalização dos aliados, na medida em que a correlação de forças é favorável para isso, como aconteceu nos países do Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial.

De certa forma, Lula contribuiu para essa leitura. Empoderou a área meio com ministros de sua confiança — Rui Costa na Casa Civil, Flávio Dino na Justiça, Fernando Haddad na Fazenda, José Múcio Monteiro na Defesa e o chanceler Mauro Vieira —, e entregou para a esquerda as políticas sociais e as pastas ligadas aos direitos humanos para os movimentos identitários. Somente nesta semana começou, de fato, a ampliação da equipe em direção ao centro, para dar à coalizão de governo o caráter da verdadeira frente ampla que o elegeu no segundo turno.

Pelo andar da carruagem, ao contemplar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicarão aliados para os ministérios de Minas e Energia e Integração Nacional, Lula terá sua governabilidade garantida. A capacidade de governança já estava assegurada pela qualidade técnica e experiência política da maioria dos ministros dessas áreas.

Qual é o pomo da discórdia dos setores não bolsonaristas que insistem em permanecer na oposição? A política econômica de Lula, que não prevê um choque fiscal e tem viés desenvolvimentista. Esses setores também  se beneficiaram com a política de Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro, e não veem com bons olhos a narrativa de Lula de que os pobres vão ter renda e os ricos pagarão mais impostos. Em parte, com razão, porque a mudança de perfil da distribuição de renda no Brasil somente é possível com a retomada do crescimento. Sem isso, o conflito distributivo continuará dividindo o país: a grande massa da população de baixa renda que elegeu Lula, de um lado, e a maioria da classe média e da elite economica, que apoiou a reeleição de Bolsonaro, de outro.

Contaminação

Essa visão, de certa forma, contaminou setores da oposição que fazem uma leitura economicista do governo e insistem na construção de uma terceira via supostamente progressista, indiferentes à centralidade da questão democrática, que continua na ordem do dia. A propósito, a semana está sendo muita tensa por causa das manifestações de extrema direita que pedem uma intervenção militar e uma tentativa de atentado terrorista em Brasília.

O atual comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, antecipou a saída do comando da Força Terrestre para sexta-feira. Segundo o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o general Júlio Cesar de Arruda assumirá o cargo no dia 30, às 10h30. Em última instância, será o responsável pela segurança na posse de Lula, caso as forças policiais do Distrito Federal, a Polícia Federal e a Guarda Presidencial não consigam conter os manifestantes bolsonaristas.

A troca de comando na Aeronáutica será na próxima segunda-feira. O tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno vai assumir o posto do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, aliado de Bolsonaro. A troca de comando da Marinha ainda não foi marcada. O almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen deverá assumir o cargo, no lugar do almirante Almir Garnier Santos, outro insatisfeito com a vitória de Lula. Já o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas será o almirante de Esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire.

Nos bastidores da troca de comandos das Forças Armadas, que seguiu o critério de antiguidade, Lula se reuniu com os ex-comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica de seu governo anterior. Eles estão atuando na transição para neutralizar a influência de Bolsonaro junto aos oficiais generais da ativa. Embora deixe o posto antecipadamente, o atual comandante do Exército, general Freire Gomes, fez uma saudação de Natal aos subordinados na qual reiterou o compromisso da Força com a hierarquia e a disciplina.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-com-simone-lula-montou-uma-coalizao-de-centro-esquerda/