Luciano Huck

Luciano Huck: Ouvindo o outro lado

Em menos de 40 anos a Coreia do Sul tornou-se um país desenvolvido investindo em educação

Pense num país tomado pela corrupção, com parte da população vivendo em favelas, baixos índices de desenvolvimento humano e de educação, sem compromisso com a sustentabilidade, refém da violência urbana e do subdesenvolvido. Errou quem pensou no Brasil. Estamos falando da Coreia do Sul.

Na década de 1980, porém, enquanto por aqui o Chacrinha balançava a pança e animava as massas, do outro lado do planeta começava uma verdadeira revolução silenciosa. Em menos de 40 anos a Coreia do Sul transformou-se numa democracia pujante e num país desenvolvido. Erradicou a pobreza, reduziu os abismos de desigualdades, criou oportunidades, virou sinônimo de inovação e vanguarda tecnológica, reconstruiu seu patrimônio histórico, galgou o topo das listas de desenvolvimento humano, ganhou voz na geopolítica global e, de quebra, fez jovens de todo o planeta se encantarem com a sua música, o K-pop. Como? Simples... Fazendo da educação prioridade de Estado.

Por total obra do destino, eu estava em Seul exatamente na semana em que o Brasil saiu às ruas para protestar contra os cortes dos investimentos em educação. Inspirado pela curiosidade, e no contexto da caminhada a que me propus, em que aprender é mais importante do que ter certezas, resolvi mergulhar no sistema público de ensino sul-coreano, visitar escolas, conversar com alunos, ouvir professores e dialogar com autoridades. Foi inspirador.

No Brasil, quando o tema são políticas públicas, para qualquer direção que olharmos existem demandas e necessidades de enorme complexidade. Na educação, porém, não precisamos reinventar a roda.

Além de já termos avançado de forma relevante nessa área, temos bons exemplos de políticas regionais que colheram expressivos resultados. Como o da cidade de Sobral (CE), as escolas em tempo integral de Pernambuco ou o salto qualitativo do Espírito Santo. A sociedade civil brasileira já produziu material suficiente e de qualidade para alicerçar o desenvolvimento de políticas educacionais viáveis e de alto impacto. Se no Brasil também queremos mirar a redução das desigualdades, a eliminação da pobreza extrema, endereçar soluções urbanas, transformar investimento em produtividade e criar oportunidades, a educação tem de ser a prioridade número um, o centro das atenções.

Há 40 anos o PIB per capita da Coreia do Sul era menor que o do Brasil. Hoje é três vezes maior. Por lá, de um lado, ser professor é ser “sagrado”, admirado e respeitado. O Estado capacita, recicla, mas também avalia. E investe num corpo docente jovem. Apenas 23,5% do total tem mais de 50 anos e boa parte do meio milhão de professores da rede pública foi recrutada entre os 20% melhores alunos do ensino médio. Bons alunos viram bons professores.

De outro, ser aluno é um direito que pode e deve ser exercido. Absorver os ensinamentos disponíveis é sinônimo de direito de escolha e mobilidade social. Estar sentando na sala de aula não significa necessariamente estar aprendendo. Assim como o Brasil vem discutindo a implementação da sua base curricular comum, por lá eles entenderam que a receita implementada na década de 80 já não respondia a todas as demandas contemporâneas.

O século 21 trouxe novos desafios, menos programáticos e mais existenciais. E a Coreia do Sul ensaia mais um salto qualitativo, um novo sistema de ensino conectado a essas novas demandas. Considerando o histórico patriarcal das sociedades orientais, a disciplina familiar rígida e a excessiva competitividade natural do povo coreano, derrubar as barreiras igualando homens e mulheres no sistema educacional, abrindo diálogo entre professor e aluno e dissociando esforço de exagero, esses são sinais claros da evolução da sociedade.

É fato que o país lida com altos índices de suicídio entre os jovens. Mas é importante refletir sobre esse dado. Realmente, o sucesso acadêmico virou obsessão familiar, o que transformou o dia a dia do estudante sul-coreano numa maratona sem fim, com a inacreditável média de mais de 15 horas diárias dedicadas aos estudos. E como, evidentemente, nem todos conseguem um lugar no alto do pódio, o grau de frustração é enorme.

Ao mesmo tempo, entender que o índice de suicídios na Coreia seja um dado exorbitante depende da referência. Como praticamente não existe violência no país, o atentado à própria vida acabou encabeçando a lista dos problemas nacionais. Para ter uma ideia, enquanto o Brasil lida com o estarrecedor número anual de 63 mil mortes violentas, a Coreia do Sul teve menos de 10 mortes de civis por arma de fogo no último ano.

Nas últimas décadas as políticas públicas educacionais sul-coreanas conviveram com líderes autoritários, eleições democráticas, governos de direita e esquerda, escândalos de corrupção e mandatários encarcerados, mas jamais foram postas em xeque. Interessante registrar que desde 2007 os secretários de Educação são escolhidos pela população em eleições diretas.

Retornei ao Brasil poucos dias atrás. Quase 30 horas de voo separam Songdo, minha última parada na Coreia do Sul, do Rio de Janeiro, onde moro. Enquanto por lá toda a água da cidade é reciclada, o lixo doméstico de 130 mil moradores viaja por dutos de sucção até usinas de reciclagem e retorna em forma de energia, o índice de violência é zero e para cada grupo de 10 mil habitantes existe uma escola pública, por aqui não consigo sequer chegar em casa. As vias que ligam a zona sul à zona oeste estão obstruídas, professores morrem abatidos a tiros a caminho do trabalho, mães desesperam-se diante da própria impotência e nem os voos para a outrora Cidade Maravilhosa aterrissam mais por aqui.

Nas ruas, professores, pais e alunos levantam suas vozes em defesa da educação. Sinceramente, espero que esses gritos ecoem, porque só ela transforma de verdade.

Não é rápido, não é simples, não é fácil.

Mas é o único caminho.

*Empresário e apresentador de TV


Luciano Huck: Inaceitável

Nenhum país avança com tanta gente em favelas

Não consigo pensar em nenhum país que seja realmente admirado e tido como referência em qualquer área do desenvolvimento humano que ainda tenha parte significativa de sua população vivendo em favelas.

Mas o que se vê por aqui não é aceitável. Enquanto a humanidade se vê a caminho de extrair minério no espaço, de se deslocar em carros autônomos, de interagir com inteligência artificial, vivendo sua quarta revolução industrial, por aqui não vemos nenhum sinal, rumo ou projeto para solucionar esse que é um dos mais evidentes e escancarados retratos da injustiça social do nosso país.

A materialização do abismo social que nos divide é capaz de colocar no mesmo CEP a miséria e o luxo em cidades partidas como o Rio de Janeiro, consegue proezas como fazer a expectativa de vida oscilar mais de uma década nas poucas quadras que separam o Arpoador do Pavão Pavãozinho.

Por mais pujantes que sejam a cultura produzida nas comunidades, o intenso comércio, a vida colorida e sorridente, os bailes, a energia empreendedora, os costumes que transbordam do morro para o asfalto, definitivamente não é justo.

Não podemos aceitar que nenhum brasileiro ainda viva em condições tão adversas; das escadas intermináveis enfrentadas todos os dias por senhoras carregadas de sacolas aos valões, passando pelas paredes que emendam com paredes, vielas sinuosas, esgoto a céu aberto, balas perdidas, ausência do Estado e todas as mazelas que a total falta de planejamento urbano e uma ocupação caótica podem trazer.

E, por favor, que ninguém apareça com a velha “solução mágica”: a ideia de gastar bilhões do erário com construções de qualidade e arquitetura questionáveis, a quilômetros de distância dos centros urbanos, cercadas por nada e serviço nenhum, e muitas vezes nem sequer atendidas pelo transporte coletivo.

Muito pelo contrário.

Temos que nos organizar, dialogar, trocar ideias, tabular iniciativas, curar as melhores soluções mundo afora; Colômbia, Chile, Cingapura para citar alguns. Não é possível que seja um problema sem solução. Não dá para conviver com a ideia de que atravessaremos mais um século achando que as favelas fazem parte da paisagem e ignorando a (falta de) qualidade de vida de quem as habita.

Como membros da sociedade civil podemos contribuir com a geração de ideias e propor soluções, mas a transformação exponencial só será possível com políticas públicas e programas de governo modernos e disruptivos. Se não for assim, tudo será paliativo.

Gosto das provocações do arquiteto e urbanista Washington Fajardo: onde mora o pobre? Como vivem ele e sua família? Onde morarão seus filhos?

Se isso me for perguntado, com alguma facilidade consigo elaborar respostas pertinentes para as duas primeiras interrogações.

Não nasci nem vivi em favelas. Mas nos últimos 20 anos me relaciono de maneira bastante próxima com muitas comunidades, principalmente do Rio de Janeiro, cidade onde escolhi viver desde a virada do século.

Para qualquer um que viva o dia a dia da cidade, o morro e o asfalto se confundem no Rio. Mas tive a sorte de ter um trabalho que me levou um pouco mais fundo nessa relação entre as duas faces da cidade. E, felizmente, segue levando a histórias emolduradas por diversas comunidades no Rio e no Brasil.

Desde que pisei pela primeira vez nesses recortes da cidade, guiado nos primeiros passos por meu amigo José Junior, fundador e líder do Afroreggae, que o vai e vem, morro acima morro abaixo, nunca mais saiu da minha vida e das minhas áreas de interesse.

A mesma curiosidade que me levou ao Afroreggae me levou à Cufa, ao Gerando Falcões, à Voz da Comunidade, aos Caçadores de Bons Exemplos, à Casa Amarela, entre tantas outras iniciativas heroicas que tentam trazer alguma dignidade aos morros e periferias.

Mas conhecer e viver um pouco mais de perto o dia a dia das comunidades não foi suficiente para me capacitar a responder a pergunta seguinte: onde morarão seus filhos? Eis a questão...

Aceitar a perpetuação da injustiça é, para dizer pouco, irresponsável e cruel. Estamos cientes de que o país precisa de reformas estruturais e de que o Estado precisa de uma reforma completa.

Mas isso não pode produzir uma cortina de fumaça para nossos problemas sociais.

Como um cidadão que se esforça para deixar a zona de conforto, a mistura de tudo isso me mobiliza mais e mais a dar alguma contribuição real e concreta na busca de soluções possíveis e viáveis para esse nó social.

O Movimento Agora, do qual faço parte, vem articulando neste sentido, cruzando e tabulando o que existe de melhor no universo acadêmico, na ciência, no urbanismo e em políticas públicas que se mostraram eficazes mundo a fora.

O Brasil do futuro, que nunca chegou, passa por repensar nossas cidades. E repensar nossas cidades passa por saber empregar nossos melhores recursos para encontrar soluções possíveis para as favelas.


Alon Feuerwerker: Ação no Rio e Huck - a guerra é pelo voto do pobre

O PT ganhou as três primeiras eleições presidenciais pelo mesmo placar: arredondando, 60% a 40%. 2014 foi mais apertado, porque no segundo turno a terceira via descarregou em parte no adversário do PT. As três primeiras tiveram resultados bem parecidos, mas as semelhanças escondem diferenças essenciais que ajudam a entender acontecimentos de agora. Como o canto da sereia para Luciano Huck e a intervenção no Rio.

Fernando Henrique bateu duas vezes Lula com boa ajuda dos pobres e do Nordeste. O Plano Real, como o Cruzado de Sarney, provou-se investimento de alto retorno eleitoral. Mesmo em 2002, quando o PT finalmente chegou ao Planalto, parte grande desse estoque foi para o candidato do PSDB. Lula ganhou com forte apoio das camadas médias nos grandes centros urbanos. O PT era então o partido diferente dos outros.

A crise desencadeada pelas acusações/revelações do deputado Roberto Jefferson em 2005 ajudou a operar uma mudança fundamental na coalizão social do assim chamado lulismo. Saíram os grupos do meio da pirâmide antes atraídos pela promessa de “ética”. Entraram os contingentes beneficiados pelo emprego, pelo aumento do salário mínimo e também pelos programas sociais. Tal troca já foi bem estudada e analisada pelos especialistas.

Desde 2006, é essa a aliança social que sustenta as vitórias eleitorais do PT e da esquerda aliada. E, segundo as pesquisas, é o pilar fundamental da resiliência atual de Lula. E da sua capacidade teórica para alavancar outro nome na disputa presidencial. É só olhar os números: se nada for feito, esse estoque de apoio popular levará um candidato da esquerda ao segundo turno, onde ele será competitivo. Nas circunstâncias, seria um feito e tanto.

A conclusão é óbvia. Não bastará a um candidato da direita (ou de seu genérico, o “centro”) recolher os votos do antipetismo. Não foi suficiente antes e não será agora. Ou ela entra firme nos pobres e no Nordeste, ou a situação eleitoral será de risco. De novo, é só olhar os números. Lula não estará na cédula eletrônica, mas confiar cegamente nisso é complicado. Vai que, como em 2010, o eleitorado lulista decide dar mais um voto de confiança ao líder…

Daí a caça a um candidato ou a uma política pública que sensibilizem o pobre e o Nordeste, onde tem mais pobre que a média nacional. O candidato era Luciano Huck, o comunicador de biografia supostamente generosa para os “mais humildes”. Não deu certo. Jamais saberemos se funcionaria. Agora temos a intervenção federal na segurança do Rio. É inteligente, também na teoria. Será que vai funcionar? A resposta, é claro, estará na execução. Como costuma ser.

Adaptando Joãosinho Trinta, quem gosta de discurso sobre como melhorar a segurança pública é intelectual. Pobre gosta mesmo é de segurança pública. É ele quem mais sofre com a falta dela. Esse é um flanco que a esquerda tem imensa dificuldade para fechar, também por cegueira ideológica. A esquerda não deve porém se desesperar. Considerando-se a perícia necessária e a complexidade da operação proposta, a chance de flopar é real.

Sempre há, entretanto, o risco de confiar demais na incompetência alheia. Mas viver é correr riscos.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Luciano Huck: Estou dentro

 

Escrevo para dizer, mais uma vez, que não sou candidato a presidente. Mas se alguém imaginou que estou saindo de cena, errou na mosca.

Não existe vento bom para uma nau sem rumo. Mas desta vez não vou evocar Ulisses para ilustrar minhas reflexões.

Escrevo aqui, mais uma vez, para dizer que não sou candidato a presidente do Brasil.

Mas, se fosse somente esta a minha motivação, pouparia a todos de um terceiro artigo para defender a mesma tese, o que seria redundante e sem sentido.

Escrevo para organizar e cadenciar as ideias e, mais do que tudo, para compartilhar com quem se interessa pelo que penso minhas crenças, meus sentimentos e aprendizados.

Em novembro deixei claro aqui neste espaço que não seria candidato a nada. O ano começou e meu nome seguiu sendo ventilado no noticiário político e nas pesquisas eleitorais. Gente de todos os lugares, idades e crenças me procurou para depositar em mim suas esperanças, diga-se, já no fim.
E, por mais coerente que eu tente ser, não posso esconder que o coração se encheu de força, a cabeça de ideias e que todas as intempéries e adversidades que os amigos mais queridos apontavam incessantemente, encolheram e ficaram minúsculas por alguns instantes.

A recorrência desta hipótese em torno do meu nome fez ressurgir uma espiral positiva de tamanha força que foi humanamente impossível não me deixar tocar.

Assim, a cabeça e a alma começaram a operar novamente seus ciclos de altos e baixos, trazendo de volta ao meu radar uma decisão avassaladora.

Enquanto isso, a tal espiral novamente atraiu de forma ainda mais potente para perto de mim inteligências brilhantes, cabeças encantadoras, das mais experimentadas às mais novas e cheias de disposição. Gente que me fez voltar a acreditar na palavra servir no tempo e significados corretos. Um encontro de pessoas muito especiais com intenção genuína de sair da letargia e de se unir pelo que é comum.

Foram centenas de conversas, cada uma delas um aprendizado. Ideias se conectando umas às outras e fazendo enorme sentido. No total, foram mais de dez meses de escuta profunda, debates, leituras, reflexão... um tempo de tanta intensidade e qualidade, que provocou uma revolução interna, virando do avesso tudo o que eu acreditava serem meus limites e demolindo os tetos que inconscientemente limitavam o espaço acima da minha cabeça.

E o aprendizado, ainda que nunca termine, já me permitiu algumas conclusões. Desde revelar a amplitude do espaço que preciso e quero percorrer em termos de preparo pessoal e de conhecimento, até a certeza de que a renovação política é só um dos milhares de passos que teremos que dar coletivamente se quisermos mesmo que o Brasil seja um país mais justo, humano e eficaz.

É claro que não tenho, simplesmente porque não existe, um modelo preconcebido de panaceia universal para o Brasil, mas consegui ao longo da minha vida e, muito especialmente, nesses últimos meses, enxergar as grandes linhas de um projeto de país em que acredito.

A tal espiral que mencionei antes teve o poder de me aproximar de mentes brilhantes de origens, idades, classes sociais, etnias e crenças diferentes que vem desenhando com maturidade, cautela e inteligência o Brasil absolutamente possível do futuro. E mais uma vez vou repetir algo que falei antes: vou trabalhar por este projeto com toda a força e energia que tiver em mim.

Se alguém imaginou que estou saindo de cena, errou na mosca.

Estou tendo a alegria e o enorme privilégio de ver de perto o nascimento dos novos movimentos cívicos que brotam pelo país afora. Me aproximei dos que enxergam caminhos mais alinhados com aqueles em que acredito, o Agora e o RenovaBR. Mas vejo que não só estes dois, mas todos os movimentos genuínos de renovação, independente da corrente ideológica que representem, poderão formar uma grande plataforma de mudança radical do esfarrapado quadro da política nacional. Todos juntos pela renovação verdadeira.

Reafirmo minha convicção de que há tempos deixei para trás minha zona de conforto num caminho sem volta; vou servir, contribuir com meu tempo, dedicação e ideias para ressignificar a política no Brasil. Mas isso não se dará por geração espontânea. Temos que nos aproximar, colocar a mão na massa. Só a política pode de fato tirar essas ideias e projetos do papel. Não devemos renegá-la, mas sim ocupá-la com uma nova agenda e uma nova forma de exercê-la, ética e altruísta.

Quero concluir sugerindo a todos que não se deixem levar pela sensação de desânimo que o quadro social e político do país tem produzido. Da minha parte, vou dedicar todo o tempo e a energia que estiverem ao meu alcance para ajudar a fazer este Brasil que a gente merece definitivamente acontecer.

Deste projeto, acredite, estou mais dentro do que nunca!

Mas sei que este Brasil do futuro só tem alguma chance, se não depender de mim nem de qualquer indivíduo. Mãos à obra.

* Luciano Huck é apresentador de TV e empresário

 


Maurício Huertas: Vai, Luciano Huck! Representa esta nossa geração!

Tenho 46 anos, assim como Luciano Huck. Sou pai de uma filha de 21, terminando a faculdade. Ele é pai de três filhos, crianças ainda. Somos jornalistas. Estagiamos em publicidade. Não nos conhecemos. Ou melhor, ele não me conhece. Temos a mesma idade e aparentemente os mesmos anseios, a mesma curiosidade pelo mundo, a mesma vontade de aprender e o mesmo objetivo sincero de impactar positivamente na vida das outras pessoas.

A notícia do dia é que Luciano Huck desistiu de se candidatar à Presidência da República. Outra vez. Aliás, é a "não notícia", até porque ele nunca se colocou abertamente como candidato. Era uma possibilidade aventada pela imprensa e conversada entre amigos próximos e algumas lideranças significativas de partidos políticos e movimentos cívicos - estes que eu e Luciano frequentamos e botamos fé para ajudar a mudar o Brasil.

Pausa para os comerciais. Acompanho Luciano Huck à distância, por essas coincidências que a vida nos impõe. Aos 20 anos de idade, Luciano Huck fez um estágio na agência W/Brasil, do publicitário Washington Olivetto. Depois, estagiou na DM9 de Nizan Guanaes. Eu, com 17, concluí meu curso técnico com um trabalho sobre ambos, gênios da publicidade há décadas. Bebemos da mesma fonte.

Ele abriu o bar Cabral, eu frequentei. Trabalhou na 89 FM, a Rádio Rock, eu ouvia. Escreveu na Playboy, eu assinava. Teve coluna no Jornal da Tarde, eu lia e amava o JT. Apresentou o Circulando na TV Gazeta, eu assistia. Isso tudo com vinte e poucos anos. Século e milênio passados, da geração anterior a esta que já nasceu postando nas redes sociais.
Em 1996, estreou o Programa H, na Band. Eu casei. Fui pai. Em 1999, ele assinou com a Globo para apresentar o Caldeirão do Huck. Eu me filiei ao PPS no mesmo dia, uma coisa até então impensável na minha cabeça de jornalista que se pretendia 100% isento e imparcial. Bobagem. Demora mas a gente descobre que nada nem ninguém é 100% isento e imparcial. Precisamos defender posições.
Como apresentador, empresário, cidadão, pai de família, Luciano Huck não é isento nem imparcial. Tem lado. E que bom que tenha! Faz bem para o seu público e dá esperança renovada ao país. Não por acaso, desponta com potencial de ampliar o seu papel de influenciador midiático para se tornar de fato uma nova liderança política, social, ética, comportamental, geracional.
Em quatro artigos publicados na Folha - 'Estou aqui' (14/05/2017), 'Tá ligado?' (28/08/2017), 'Tempos e movimentos' (18/10/2017) e finalmente 'No rumo' (27/11/2017) - expõe de modo didático e sintético o que pensa do Brasil e do protagonismo que a nossa geração deve assumir. Suas ideias repercutiram. Passaram a aglutinar gente que pensa e deseja o mesmo para o Brasil. (Leia: Acredito. Renova Brasil, Agora!)
Faz nove meses que o nome de Luciano Huck começou a ser gestado como possível candidato a presidente da República. A semente foi plantada por Fernando Henrique Cardoso em uma entrevista à Folha de S. Paulo no dia 8 de maio do ano passado.

O título era: "Ainda é cedo para 2018, mas Doria e Luciano Huck são 'o novo', diz FHC". O texto, reproduzido ipsis litteris da Folha, começava exatamente assim: "Principal referência do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz ser ´muito cedo´para falar em candidaturas ao Planalto em 2018, mas considera que hoje ´o novo´ no cenário político é representado por figuras como o prefeito paulistano, João Doria, e o apresentador de TV Luciano Huck."

Assim nascia a possível candidatura de Luciano Huck para a sucessão de 2018. E a matéria, assinada pelo repórter Igor Gielow, prosseguia:

Doria surge naturalmente na conversa, já que é estrela emergente no PSDB por ter alta popularidade e não estar associado à Operação Lava Jato como seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (SP), ou o senador Aécio Neves (MG). 

Citados em delações, os até então presidenciáveis do tucanato viram suas intenções de voto derreterem. O PSDB também perde pela associação ao impopular Temer. Já o nome de Huck, amigo de FHC, foi semeado pelo ex-presidente de forma quase fortuita. Se ele o fez para germinar ou para dividir atenção com o prefeito paulistano, o tempo dirá. 

O apresentador da Globo já disse que está na hora de "sua geração" chegar ao poder, mas não confirma pretensões eleitorais e até aqui não está filiado a nenhuma agremiação.

O primeiro artigo de Huck na Folha, em maio de 2017, começava com a seguinte frase, emblemática: "Não, não sou candidato a presidente da República". Nove meses depois, tentando botar um ponto final na onda de sondagens e especulações, ele repete como decisão irrecorrível: "Não, não sou candidato a presidente da República."
Afinal, Luciano Huck, por que não? É a hora da nossa geração!
A intenção desse texto - tão pouco jornalístico e intencionalmente personalista - é justamente provocar uma resposta, uma reação, um repensar. Movimentos coletivos são necessários para discutir ideias, conectar pessoas, apoiar causas. Mas os grandes momentos da nossa história muitas vezes nascem das decisões individuais, das reflexões solitárias, da coragem pessoal e da ação inspiradora de grandes líderes.
Como você mesmo pontuou, Luciano, pode ser o momento exato, único, certo, de usar a visibilidade e o crédito que você conquistou com muito trabalho para apontar a direção que entendemos ser a melhor para o conjunto. Para liderar. Enfim, como descobrir o compromisso de cada um de nós com o nosso destino sem arriscar, empreender, criar, acreditar, agir e transformar?

 


El País: As ideias, por ora frustradas, que moviam Luciano Huck à presidência

Apresentador da TV Globo, que deve confirmar sua desistência alegadamente definitiva, vinha agrupando nomes do mercado, intelectuais liberais e progressistas

Por Felipe Betim, do El País

O apresentador da TV Globo Luciano Huck deve anunciar nesta sexta-feira que mantém sua decisão de não concorrer às eleições presidenciais em outubro deste ano. A informação, adiantada pelo site O Antagonista, deixa, de momento, órfãos um conjunto de forças - de nomes do establishment político e do mercado financeiro a intelectuais da elite progressista nos costumes e liberal na economia - que viam sua candidatura como um oxigênio nas eleições de 2018, capaz de ao mesmo tempo ser competitiva no eleitorado mais pobre, ainda mais com a virtual ausência de Luiz Inácio Lula da Silva, e renovadora de um quadro político brasileiro em crise.

Huck já havia dito em novembro, em artigo no jornal Folha, que não iria concorrer. Mas uma possível candidatura voltou ao holofote após a condenação em segunda instância do ex-presidente Lula (PT). O projeto ganhou força nas últimas semanas com a bênção e o impulso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), alçado a conselheiro político de Huck para o desgosto do governador de São Paulo e presidenciável tucano Geraldo Alckmin.

Influenciou na decisão do apresentador - por ora, definitiva, ainda que o prazo para associação a partidos para concorrer só termine em abril - o prazo que a Globo havia dado, até esta sexta-feira, para que ele comunicasse sua decisão. Caso optasse pela candidatura, ele e sua esposa, a também apresentadora Angélica, estariam fora da emissora, com todo o peso de perda financeira que a decisão acarretaria, e não voltariam mais. O apresentador também teve amostras de como é estar no olho do furacão. Na última semana, por exemplo, foi revelado pelo blog O Tijolaço e confirmado pela Folha de S. Paulo que ele adquirira seu jatinho particular através de um empréstimo junto ao BNDES com juros de 3% ao ano (abaixo da inflação). Além disso, não raro circulavam nas redes sociais fotos suas com políticos como Aécio Neves e empresários como Joesley Batista, dono da JBS e preso pela Operação Lava Jato.

Os esforços de Huck para a corrida ao Planalto não foram poucos. Ele ouvia especialistas em marketing político há quase um ano sobre suas eventuais chances. Em rara apresentação no programa do colega de emissora Faustão, ele soou como candidato. Além de FHC, o apresentador recorreu um bom leque da elite brasileira. Já faz alguns meses que Huck vinha se reunindo com acadêmicos, empresários e ativistas políticos.

Com bom trânsito nos círculos liberais na economia, junto com o economista e ex-ministro da Fazenda, Armínio Fraga, o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Eduardo Mufarej, presidente do Somos Educação e sócio da Tarpon Investimentos, ele se tornou um dos financiadores do RenovaBR, que reúne especialistas de diversas áreas com o objetivo de formar e acelerar “novas lideranças políticas e renovar o nosso Congresso Nacional”.

Também aglutinava setores dos círculos progressistas. É irmão do cineasta Fernando Grostein Andrade, que em 2011 lançou o documentário Quebrando Tabu, que discutia alternativas para a guerra às drogas. O filme se transformou na marca de uma das principais páginas progressistas do Facebook, ao abordar temas tabus na sociedade: direito das mulheres e feminismo, direitos da população LGBTQI+, racismo, entre outros. Além disso, Huck entrou, no ano passado, no Agora!, um movimento formado por profissionais técnicos, acadêmicos e empresários que pretende renovar a política brasileira elegendo novos quadros para o Legislativo. Ainda que se defina como apartidário, plural e sem fins lucrativos, o grupo tem uma agenda inicial que mistura políticas progressistas e liberais, tais como reduzir drasticamente a desigualdade, uma nova política de segurança e de drogas e garantir oportunidades iguais a todos, ainda que até agora não tenha se definido sobre questões cruciais e urgentes como rotas de saída para a crise fiscal do Estado ou sobre a reforma da Previdência.

“Ele viu a nossa agenda e disse 'nossa, mas eu concordo com isso tudo", disse Ilona Szabó ao EL PAÍS no começo do ano. Além de ser uma das fundadoras do Agora!, ela é especialista em segurança pública e diretora-executiva do Instituto Iguarapé, um think tank que se opõe abertamente à política de guerra às drogas. “A gente sabia que para o movimento ganhar as ruas a gente precisava ter tradutores, pessoas que tenham mais capacidade e experiência de conversar com a população, e o Luciano tem muita capacidade e experiência para isso”, disse ao jornal. Também admitiu, entretanto, que o movimento ainda não tinha cacife para disputar a presidência da República e reafirmou o foco no Legislativo. O movimento mantém conversas avançadas com o PPS para abrigar os membros que queiram concorrer neste ano.

Eleitorado não ideológico de LulaPara Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Locomotiva e fundador do Data Popular, a candidatura do apresentador representava o liberalismo econômico clássico. "São os que defendem que não há meritocracia sem igualdade de oportunidades. Defendem as cotas e o melhor pra quem mais precisa, consertar desigualdades históricas em regiões do país", explica ele. "Ele traria um debate que que vai além do tamanho do Estado. São políticas que foram implementadas aqui por Governos de esquerda e que são encontrados em países liberais e sociais-democratas", argumenta.

Meirelles acredita que uma possível candidatura de Huck poderia encontrar eco em diversos setores da sociedade, mas principalmente nas classes C e D, muito concentradas no Nordeste. O apresentador poderia ocupar um vácuo deixado por Lula, que deve sair inelegível de sua condenação na Lava Jato. Mauricio Moura, CEO da Ideia Big Data, uma consultoria com experiência em campanhas nos EUA e no Brasil, segue o mesmo raciocínio: "Quem mais admira o Huck é o campo popular. Estamos falando do eleitor que é fiel ao Lula, mas não é ideológico". Esse imenso campo segue em aberto.

"Lula sai na frente nas pesquisas porque, num cenário sem renovação, ele aparece como o presidente na última vez que a vida das pessoas melhoraram", explica Meirelles. No entanto, uma pesquisa do Locomotiva para o RenovaçãoBR identificou que 96% dos brasileiros não se sentem representados pelos políticos em exercício, enquanto que 93% acredita que formar novas lideranças é necessário para mudar o país. "Então a grande maioria quer uma renovação, tanto na forma de fazer política como nos rostos que estão sendo colocados", diz Meirelles.

É por isso que a candidatura de Huck soava atrativa, ainda que com ressalvas, para Luiz Carlos Guedes, de 25 anos. Engajado politicamente, trabalha há anos com políticas públicas e passou pela prefeitura do Rio e pela ONU. Hoje está na Fundação Cidadania Inteligente e foi aprovado no processo seletivo do RenovaBR com a ideia de começar ele mesmo a se envolver na política tradicional. "Uma candidatura dele pode ser melhor que uma possível eleição. Poderia simbolizar uma oxigenação da personalidade política, de que a liderança na política ela não passa necessariamente por processos tradicionais e, ao mesmo tempo, ela consegue representar um compromisso com a sociedade", argumenta Guedes. Mas pondera: "Ao mesmo tempo é muito perigoso as pessoas que entram na arena da política para negar a política. Ela é fundamental para reduzir as desigualdades. Acho que há o risco de uma falsa tecnocracia, de despolitizar a visão de país, a desigualdade e o serviço público".

Afinado com o liberalismo econômico, Huck mostrava potencial na elite empresarial, como é o caso de Fábio Cristilli, executivo de uma multinacional, investidor e residente nos Estados Unidos. “Enxergo nele um possível agente de mudança, pois é também um empresário de sucesso, que trafega em todos os setores da sociedade. Estamos em um momento em que a conversa no mundo já mudou de patamar. Vá explicar o que é a necessidade de investir em inovação e os seus benefícios a um político?! Estão todos atrasados”, explicou Cristilli à redatora-chefe do EL PAÍS Carla Jiménez.

Reações à candidatura e a busca do 'outsider'Os holofotes sobre Huck não deixaram a classe política indiferente. Enquanto parte do establishment político, como FHC, queria apostar no outsider até como falta de alternativa ante a grande incerteza no quadro eleitoral, outros mostravam desconforto. Se nos bastidores Alckmin parecia incomodado com as pressões do grande nome do seu partido diante de seu baixo desempenho nas pesquisas, publicamente ele deu as boas-vindas protocolares a Huck: "Se ele for candidato, ótimo, é o povo que decide, não tem nenhum problema. No PSDB, nós vamos ter a primária em 11 de março. Ele não é filiado ao PSDB, aliás nem sei se tem alguma filiação partidária. Quem quiser ser candidato, tem que se filiar agora em março. Eu nunca desestimulo as pessoas a participarem da política", disse na semana passada.

Já o senador Cristovam Buarque, que lançou sua pré-candidatura pelo PPS, o mesmo partido que abriu suas portas para o apresentador da Globo, disse ao EL PAÍS: "Eu fiquei muito satisfeito dele querer entrar na política, mas já como candidato a presidente não era melhor para o partido. Talvez como deputado ou qualquer outra coisa. Acho que ele não tem a proposta para o Brasil que precisamos agora. Eu vi como mais um dos candidatos que procura atender a raiva que o povo tem dos políticos, e não a esperança que o povo precisa ter para o futuro". Por sua vez, a presidenciável Marina Silva (REDE) declarou para este jornal: "Não deu certo com a Dilma. Tem aquilo 'ah, é um gestor que está acima do bem e do mal', e olha o que aconteceu com o Rio de Janeiro. Mas eu saúdo os que querem melhorar a qualidade da política".

 


El País: O plano do Agora para chegar ao poder

Ilona Szabó explica as bases do movimento ao qual Huck se juntou. Grupo diz que combate à desigualdade é uma das metas e que foco para outubro será o Legislativo

Por Mariana Rossi

Sobre uma mesa em Medellín, durante um encontro regional do Fórum Econômico Mundial em junho de 2016, um grupo de três jovens rabiscava alguns nomes em um guardanapo. Queriam lembrar das figuras que poderiam se juntar a eles para formar um movimento capaz de “juntar a geração e se aproximar da política”, como descreve Ilona Szabó, que integrava o trio naquele dia. Com ela, Leandro Machado e Patrícia Ellen criavam o Agora! (eles escrevem com exclamação ao final: Agora!).

O movimento se autodefine como apartidário, plural e sem fins lucrativos. Formado em grande parte por profissionais técnicos e acadêmicos – são 90 membros no total, sendo 50 cofundadores – um dos seus objetivos é “renovar a política”, termo que já não tão novo assim no desgastado cenário político brasileiro.

Ganhou maior visibilidade nas últimas semanas, quando o apresentador global Luciano Huck anunciou no programa Domingão do Faustão, da Globo, que era membro do movimento. Só isso já seria suficiente para que os holofotes se voltassem ao Agora. Mas junta-se a este anúncio o fato de o apresentador ter sido fortemente cotado como pré-candidato à presidência no ano passado. Embora tenha anunciado sua desistência da candidatura no dia 27 de novembro, no programa dominical ele aparece com ares de candidato ainda, dizendo querer “um Brasil melhor” e “o que o destino e o que Deus esperam para mim, eu vou deixar rolar”. O programa foi ao ar no dia 7 de janeiro, mas fora gravado em 11 de novembro, antes, portanto, do anúncio da desistência de Huck.

De qualquer forma, Ilona Szabó rejeita o carimbo de movimento do Luciano Huckpara o Agora. “Luciano é um membro como outro qualquer”, diz. “Todos os membros trazem alguma coisa para o Agora.” No caso do apresentador, ela afirma que ele é um “membro chave” para a estratégia de comunicação. “A gente sabia que para o movimento ganhar as ruas a gente precisava ter tradutores, pessoas que tenham mais capacidade e experiência de conversar com a população, e o Luciano tem muita capacidade e experiência para isso”, diz. "Se não tivesse uma figura pública como ele, certamente demoraria mais para a gente ser compreendido, mas a gente não vai decepcionar", diz.

Por outro lado, ela reconhece que o movimento restringiu a ampliação do leque de figuras públicas porque Luciano Huck ganhou muita visibilidade. O apresentador foi anunciado como membro do movimento em outubro do ano passado, após “um namoro longo”, segundo Ilona. “Ele viu a nossa agenda e disse “nossa, mas eu concordo com isso tudo”.

A entrada de Huck levou à primeira crise pública do Agora, na época com pouco mais de um ano de vida. Alexandre Youssef, que participou da criação da Rede, de Marina Silva e era um dos fundadores do movimento, anunciou sua saída assim que o apresentador chegou oficialmente ao grupo. “A escolha do Alê tem a ver com a escolha de vida dele e cada membro vai ter que fazer essa pesagem. Cada um tem o direito de entrar e sair, mas o grupo tem uma essência muito clara”, explica Ilona.

Os demais membros do Agora embora não sejam apresentadores, podem ser perfilados com características muito comuns às do global. Estão na faixa entre os 30 a 40 anos, são em sua grande maioria brancos, que fazem parte da elite intelectual e econômica do país. Tiveram acesso à educação e oportunidades, como estudar no exterior. Todos já eram engajados em outras frentes antes de entrar para o Agora. Talvez a maior exceção a essas regras seja Anapuaka Tupinambá, líder indígena.

Ilona Szabó, por exemplo, é presidenta do Instituto Igarapé, que atua na área de segurança pública e drogas. É próxima ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e foi uma das roteiristas do filme Quebrando o Tabu. Leandro Machado é cientista político, criador do Cause, consultoria que apoia marcas e organizações na gestão de causas, e foi assessor da campanha de Marina Silva (Rede) em 2010. Fechando o trio de Medellín, Patrícia Ellen liderou a Prática de Setor Público e Social da McKinsey. Além do engajamento, os três têm um título em comum. “Fazemos parte de uma rede, cujo nome é bastante esnobe, que é a rede de jovens líderes globais [Young Global Leader, do Fórum  Econômico Mundial], seja lá o que isso signifique”, diz Ilona, rindo. “Mas para nós é um espaço interessante de troca”.

Foco no Legislativo

Ilona explica que inicialmente a ideia era que os membros do Agora entrassem em cargos do Executivo, como assessores ou consultores, por exemplo, e contribuíssem por meio das propostas tiradas em conjunto no grupo. Mas, com o longa duração da crise política, “percebemos que o buraco era mais embaixo e que teríamos que entrar também em cargos eletivos”.

Por não ter configuração jurídica de partido, o Agora não pode lançar candidatos oficialmente. “Não somos partido e não queremos perder essa característica de movimento”, diz Ilona. Como a legislação brasileira não permite candidaturas independentes, o movimento pretende então “explorar parcerias com partidos que nos deixassem manter a nossa identidade”. Na prática, os membros do Agora que queiram disputar a eleição estão livres para escolher em qual partido querem se filiar. “Mas eles devem saber que uma vez sendo do Agora, o compromisso é com a nossa agenda”, diz Ilona. “Com um partido com uma agenda antagônica à nossa, o militante vai ter que se desligar”.

Apesar da liberdade de escolha, Ilona afirma que realizou conversas com partidos que “tinham interesse em nos oferecer um espaço legítimo de autonomia, de independência e de troca”. São eles a Rede, de Marina, e o PPS. “Queremos ter voz e voto em decisões do partido, porque queremos de alguma maneira influenciar o programa do partido, mas queremos ser livres enquanto movimento", diz. "Se houver divergências de agenda, por exemplo, somos livres para votar conforme a nossa agenda”.

Ela diz que, por enquanto, o foco é no Legislativo. “Não vamos lançar candidatos porque não somos partido”, diz Ilona. “Mas estamos apoiando e é óbvio que vai ficar claro que são os candidatos do Agora porque eles estarão usando a bandeira do movimento". A expectativa é apoiar de 15 a 20 pessoas, concorrendo entre seis e dez estados. Ela e os três demais fundadores não estão nesta conta, por enquanto.

Sobre a presidência, a grande polêmica que envolve o movimento, Ilona é categórica: “Não temos cacife para disputar a presidência”, diz. “No primeiro turno vamos oferecer as nossas propostas, no que estamos chamando de carta de mandato, para todo mundo. Será de domínio público, não importa o partido, se você é candidato vinculado ao Agora! ou não”, explica. Já no segundo turno, ela diz que não descarta apoiar alguém, “se tivermos um candidato que tiver muitas afinidades com nossas propostas. Mas isso será discutido com o grupo a cada passo”.

Posicionamentos

Por enquanto, o movimento é sustentado com a contribuição dos seus próprios membros. As contas ainda não estão abertas, mas estarão em breve, segundo Ilona. A forma organizacional se constitui em onze grupos de trabalho com temáticas como sustentabilidade, cultura e reforma do Estado. Já organizaram algumas reuniões com simpatizantes para ouvir o que a população tem a dizer sobre temas sensíveis ao país.

As boas intenções do grupo, porém, ficarão à deriva se não se posicionarem diante de questões fundamentais para o país em ano eleitoral. Questionados sobre o que pensam em relação a temas como descriminalização do aborto, regulamentação das drogas, redução da maioridade penalreforma da Previdência e reforma trabalhista, informam que o movimento é “um grupo muito plural e reúne pessoas com visões variadas. Embora os membros individualmente tenham suas posições, o movimento ainda está debatendo esses temas e vai lançar suas diretrizes de políticas públicas a partir do segundo trimestre”.

Entre se posicionar como liberal ou progressista no campo econômico, o movimento parece ficar no meio do caminho também. "Queremos um Estado mais eficiente, menos burocrático, mais próximo das pessoas e responsável", diz Ilona. "Os serviços públicos essenciais tem que ter muita qualidade para quem não pode pagar".

Outro ponto muito debatido em todo o mundo e que pode ser sensível para um grupo situado tão no topo da pirâmide é a questão tributária. A taxação das grandes fortunas é uma proposta defendida até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). "A redução da desigualdade é a principal causa do grupo. E quando falamos em redução de desigualdade não tem como não falar na questão tributária", diz Ilona. "Isso não é um tabu para o grupo. Pelo contrário, é um tema que certamente estará na nossa agenda. Não é a única proposta que teremos, mas é uma delas".

Ao encerrar a entrevista, Ilona, que não se esquiva das perguntas embora não deixe clara todas as respostas, pede para falar um pouco da história dos membros do Agora!: "Óbvio que a gente faz parte de uma elite, mas a maior parte dos nossos membros vem de famílias de classe média ou baixa. Tem gente que vem de comunidade. São pessoas que batalharam muito, tiveram acesso à educação, mas por conta desse desnível (de oportunidades) se encontram na classe A e B", diz. "Temos poucos membros com perfil de famílias ricas, mas mesmos fizeram a sua própria história".


Luiz Carlos Azedo: O poderoso Huck

As velhas raposas políticas costumam dizer que ninguém é candidato de si mesmo. É um princípio basilar que precisa ser levado a sério por todos que têm pretensões eleitorais

Uma entrevista como a de Luciano Huck no Faustão de domingo não acontece por acaso, nem pode ser avaliada como algo trivial, sem conotação política. Mesmo que as intenções do apresentador e da direção da TV Globo fossem desfazer a ideia de que ele pode vir a ser candidato a presidente da República, o que todo mundo tem o direito de duvidar, o efeito de sua entrevista ao lado da mulher, a também apresentadora Angélica, foi posicioná-lo novamente como possível candidato. E mais do que isso, alavancá-lo nas próximas pesquisas de opinião. Na ambiguidade que costuma tecer o processo político, Huck pode não ser candidato, mas sua candidatura, eleitoralmente falando, já existe.

As velhas raposas políticas costumam dizer que ninguém é candidato de si mesmo. É um princípio basilar que precisa ser levado a sério por todos que têm pretensões eleitorais. Na entrevista, Huck negou mais uma vez que é candidato, mas se colocou aberta e francamente como um protagonista do processo eleitoral de 2018: “Neste momento, se eu me isentar de tentar melhorar, eu estaria sendo covarde. Não quero que seja uma pretensão minha (ser presidente) e não quero ser pretensioso de maneira nenhuma. O que estou fazendo, e vou continuar fazendo, é tentar mobilizar uma geração inteira, não importa se é de direita ou de esquerda, não acredito mais nisso. E não queria fazer isso pelos partidos políticos, porque eles estão derretendo, temos que ocupar de novo. Optei por fazer pelos movimentos cívicos, gente da sociedade civil que está a fim de se juntar para ter ideia e falar ‘quero ser deputado’, ‘quero ser governador’, ‘quero ser senador’, e mobilizar essas pessoas a se lançarem na política para tentar renovar”.

Huck foi além do que seria uma celebridade dando pitaco na conjuntura. Entrou em sintonia com o eleitor descontente com os partidos e políticos (“a sociedade como um todo está envergonhada da classe política”) e avançou duas casas ao definir aquele que seria seu inimigo principal na disputa: “É um ano superimportante, o voto é o melhor e o único jeito de transformar. Com essa crise, tem gente que pede volta à ditadura. Não existe isso, democracia é feita para melhorar a vida das pessoas. Temos nossa arma e temos que agarrar com unhas e dentes”. Mirou o deputado Jair Bolsonaro, que recentemente anunciou sua transferência do PSC para o PSL, atacando diretamente sua principal base eleitoral. Foi sagaz na declaração, ao não atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode se tornar uma carta fora do baralho eleitoral depois do julgamento de 24 de janeiro.

Nenhum político profissional comparece à televisão sem estudar muito bem o que pretende falar. Mesmo assim, a exposição em tevê aberta com uma audiência como a do programa do Faustão é sempre um risco. Para um neófito na política, Huck foi muito além do excepcional apresentador de tevê. Não deu um passo em falso, falou o que o cidadão comum gostaria de ouvir, sem passar recibo da candidatura, e se posicionou no cenário eleitoral como uma espécie de coelho na cartola do establishment empresarial do país. O simples fato de a TV Globo expô-lo em horário nobre não deixa de ser um recado do tipo “ainda temos uma bala de prata” e “ri melhor quem ri por último”.

Mergulho
Huck mergulhou em novembro passado depois de dois meses de especulações sobre a sua candidatura, nos quais saltou de 17 pontos percentuais em uma pesquisa do Instituto Ipsos publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, na qual saiu de 43% para 60% de aprovação, enquanto sua desaprovação caiu de 40% para 32%. Depois dessa pesquisa, foi para o pelourinho das redes sociais, porque ultrapassou o ex-presidente Lula (PT), então com 43% de avaliação positiva e 56% de avaliação negativa. A versão oficial foi de que teria recebido um ultimato da TV Globo e que a candidatura enfrentava muita oposição da família, principalmente de Angélica, sua mulher. Um artigo no jornal Folha de São Paulo anunciou a retirada estratégica. A entrevista de domingo, de certa forma, põe em dúvida essa versão. O candidato saiu de cena, mas a candidatura ficou no ar.

Um mês depois, no levantamento feito pela Ipsos em dezembro, Huck ainda se mantinha à frente de Lula, com 57% de aprovação contra 45%, enquanto sua desaprovação subia para 36% e a de Lula caia para 54%. O problema é que a saída de cena de Huck não melhorou nem um pouco a situação de outros candidatos que poderiam se tornar uma alternativa, principalmente por causa da alta rejeição: Marina Silva (Rede) 28% positivo e 62% negativo; Jair Bolsonaro, 21% e 62%; Ciro Gomes, 19% e 65%; e Geraldo Alckmin (PSDB), 19% e 72%. todos acima dos 60%. O único nome que realmente despontava era outro outsider na política: o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, que namora o PSB, com 37% de aprovação e 44% de rejeição. Mas ninguém se iluda, a entrevista de Huck no Faustão abriu a temporada de caça eleitoral e haverá forte reação dos partidos e dos políticos, principalmente do PMDB, do PT e do PSDB. Políticos profissionais não morrem de véspera.


Luciano Huck é candidatíssimo a Presidente da República em 2018

Se alguém ainda tinha dúvida da imprevisibilidade da eleição presidencial deste ano, a participação de Luciano Huck no programa Domingão do Faustãodeixou todo mundo com a pulga atrás da orelha. Apesar de repetir que "neste momento" não é candidato nem se julga um "salvador da pátria", deixou o futuro em aberto: "O que o destino e o que Deus espera pra mim, vou deixar rolar."

Quem assistiu ficou com a nítida impressão de que foi uma espécie de pré-lançamento extra-oficial da campanha. Assista e forme a sua opinião.


Hubert Alquéres: Pedras no caminho

“Mongezinho, Mongezinho, tens um duro caminho”. As palavras que Martinho Lutero ouviu de um frei amigo quando da sua peregrin ação para Worms caem como uma luva para o duro caminhar do governador Geraldo Alckmin para se tornar protagonista da sucessão presidencial.

Sua maratona começa no próximo fim de semana quando, por consenso, será sacramentado presidente do PSDB na convenção partidária. Com a Pax tucana do momento, procura saltar a primeira pedra no meio do caminho: a eterna divisão interna que tantos prejuízos trouxeram em outras campanhas.

Se a balcanização do tucanato não fosse temporariamente estancada seriam diminutas suas chances de inverter a centrifugação do campo político situado entre os extremos Lula-Bolsonaro. Por falta de um polo catalizador, o centro navega à deriva, com suas possíveis candidaturas sofrendo de raquitismo eleitoral como mostram os dados do último Datafolha.

Diz-se de Geraldo Alckmin ser um político bafejado pela fortuna. A sorte parece lhe sorrir de novo, uma semana após a desistência de Luciano Huck. A conclusão do voto do juiz relator do julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da Quarta Região é uma confirmação da informação de Lauro Jardim, segundo a qual este julgamento acontecerá em marços ou abril.

Nunca se sabe o que se passa em cabeça de juiz, mas nove entre dez analistas acreditam na condenação de Lula. Nem ele mesmo acredita na sua absolvição. Mesmo que seja um cabo eleitoral fortíssimo, uma coisa é a urna eletrônica com Lula, outra é sem ele.

No mínimo caciques do PMDB vão refrear seu ímpeto de embarcar na canoa do caudilho. Ora, Alckmin ganha tempo com isso. A sorte pode estar tirando outra baita pedra do seu caminho. Sem Lula, o fantasma Bolsonaro perde gás. Eleitores que estão em sua órbita por ser antilulista podem voltar o leito do centro democrático.

E mesmo nos números do Datafolha é possível ver frestas de luz onde só se enxerga breu.

Ainda que a recuperação da economia acelere o passo, o impacto sobre o humor dos brasileiros não se dará a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre do governo, tipo Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia.

Com Maia não se dispondo a entrar em aventuras e Meirelles comportando-se como um elefante em loja de louça, sua entrevista à Folha mostrou isso, é bem capaz de o tucano virar o candidato do centro por W.O, assim como foi ungido presidente do PSDB.

Ninguém se elege só com a sorte. Sem a virtude, ela é de pouca monta. O candidato tucano terá de provar a sua competência para superar os próximos vários obstáculos na corrida presidencial. Sem um projeto para o país ser uma nação desenvolvida e socialmente justa, o PSDB não irá muito longe.

Outra pedra é o chamado“desembarque elegante”, uma verdadeira esfinge. A qualquer hora pode surgir novo curto circuito na relação com o governo Temer. A dubiedade da bancada do PSDB na Câmara Federal para aprovar a reforma da previdência pode inviabilizar a estratégia do paulista de ficar com o bônus do tempo televisivo dos partidos governistas sem o ônus de ser governo.

Esta é a parte mais delicada da estraté gia de Alckmin. De um lado, tem de fazer gestos a Michel Temer e ao PMDB, de outro, não pode colar sua imagem à de um governo de popularidade baixíssima. Político que se preza não dá o beijo da morte com ninguém. E Temer é o próprio beijo da morte.

Sobretudo é preciso construir uma explicação para a sociedade, a essas alturas pouco tolerante com a ambiguidade do tucanato. Há que se arrumar uma explicação convincente para duas perguntas caraminholadas na cabeça do seu eleitorado tradicional: por que sair do governo só agora? E qual a razã o para sair?

Tudo será inócuo se não promover a reconciliação do PSDB com seus eleitores. Seu baixo índice de intenção de votos no Datafolha também é produto da mágoa dos 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio e, legitimamente, se sentem traídos. Para Alckmin é fundamental a aliança com os partidos tradicionais, mas só terá chances reais de vitória se incorporar os sentimentos de renovação da política e de valorização da ética.

Só assim não será punido pelos eleitores e terá um final bem mais feliz do que o de Lutero que, ao encerrar sua dura caminhada, se salvou da morte, mas foi excomungado e condenado ao silêncio pela Dieta de Worms.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo


Davi Zaia: O Brasil precisa contar com todos nós

Vimos recentemente grande movimentação no cenário político por causa da possível candidatura de Luciano Huck à presidência da república nas próximas eleições. Toda essa especulação sobre o comunicador se findou no dia 27, quando ele se manifestou, por meio de um artigo, que não seria candidato.

Embora a discussão sobre sua candidatura tenha se acabado, a situação toda suscita uma reflexão sobre o papel de cada cidadão.

Em seu artigo sobre a “desistência” de se tornar candidato, Luciano afirma que o Brasil pode contar com ele, mas não como presidente. Aí está a chave de tudo.

Diante de um cenário de desânimo popular, sabemos que é difícil acreditar em avanços. Mas devemos acreditar em nós mesmos como agentes de transformação. Se queremos mudança, devemos fazê-las. Como?

Exercendo nossa cidadania. Sendo participativos.

Seja na política partidária ou em movimentos organizados, o que importa é promover atitudes que, como o próprio Huck mencionou, se revertam em transformações capazes de tornar o Brasil “de um país à deriva em uma nação de verdade, que possa de uma vez por todas refletir a qualidade indiscutível do seu povo”.

Ao contrário do que prega o senso comum, a omissão só nos leva ao retrocesso. É hora de contarmos com pessoas que, independentemente de status ou posição, se coloquem à disposição do futuro do Brasil.

Neste sentido, o voto é o começo do exercício da cidadania. Porém, além de escolher os governantes e demais representantes, precisamos nos organizar, diagnosticar nossos problemas, elencar prioridades, apontar soluções cabíveis e construir juntos o Brasil que queremos. É ingênuo achar que haverá um “salvador da Pátria” se não somarmos esforços. Portanto, passemos juntos pela “Odisseia” em favor de nosso país.

* Davi Zaia é deputado estadual pelo PPS-SP e vice-presidente nacional do partido

 


Hubert Alquéres: A sereia e o mar

Desfeito o mistério da odisseia de Luciano Huck. Desde quinta-feira passada, quando o barômetro político Estadão-Ipsos apontou o apresentador com 60% de aprovação, o mundo político entrou em ebulição. Consolidava-se ali um possível candidato com potencial para romper a polarização Lula-Bolsonaro e liderar a tão sonhada, pelos brasileiros, renovação política.

E as pesquisas em suas mãos o davam com dois dígitos nas intenções de voto, o que, convenhamos, é um mar de possibilidades eleitorais nas quais ele poderia nadar de braçada.

Mas Huck é uma personalidade ímpar, não se enquadra nos padrões aos quais nos acostumamos. Normalmente, candidatos desistem de suas intenções eleitorais após um bombardeio de notícias negativas. Huck é o primeiro a fazê-lo após um fato altamente positivo: ter sua imagem mais do que aprovada.

De acordo com suas palavras, resistiu ao canto da sereia, não para retornar à zona de conforto de sua Penélope ou das redes sociais. Mas por achar que pode dar sua parcela de contribuição ao país por meio de movimentos cívicos, sem ser candidato. Não nega a política, apenas diz que ela é insuficiente e necessita ser renovada.

Sua carta não deixa de ser uma tapa de luva de pelica em quem o via como um aventureiro e aríete moderno das elites empresariais, cuja possível candidatura – legítima, diga-se de passagem- se sustentaria apenas por ser uma celebridade. Que o mundo carcomido da política formal tenha resistido a ele, nenhuma novidade. E muito menos a baixaria de Lula de o caracterizar como o candidato da Globo.

Surpresa foi a reação de segmentos da intelectualidade e de mentes embotadas da esquerda que se dizem renovadoras.

Por questões menores mergulharam na onda da desqualificação de Huck, como se seu ingresso na disputa presidencial fosse a mais perfeita edição da espetacularização da política.

Não se deram conta que estavam ajudando a dinamitar uma das possibilidades de o centro se aglutinar em torno de uma proposta mais arejada, pautada na redefinição do papel do Estado, na combinação do liberalismo político com a universalização dos direitos sociais e em novos padrões éticos.

Amarrado ao mastro para não cair na tentação da sereia, Huck jogou a toalha, mas o mar onde sua candidatura poderia navegar continua imenso. Ele vem se agitando desde as jornadas de julho de 2013, quando ficou evidenciado o fosso entre a representação política e a sociedade.

Mesmo com as manifestações multitudinárias do impeachment, o sistema político aprofundou sua impermeabilidade, com vistas a garantir sua reprodução nas eleições de 2018.

Mudanças também ocorreram em águas mais profundas e em escala planetária. A fragmentação das classes e o advento da sociedade do conhecimento e identitária tornaram anacrônicas polarizações passadas, como burgueses e proletários, esquerda e direita.

Em grande medida, a crise de representação decorre daí. No caso brasileiro o fenômeno foi agravado pelas mazelas da forma de se fazer política e pela maior crise ética, econômica, social e política de nossa história.

Vivemos a seguinte contradição: há um espaço enorme para uma candidatura de centro e renovadora, mas o sistema político praticamente inviabiliza a renovação. Os partidos tradicionais se fortaleceram por meio de definição de regras eleitorais voltadas para a reeleição de seus parlamentares. Mas são gigantes de pés de barro sem conexão com a sociedade.

A demanda por uma candidatura capaz de aglutinar o centro e promover a renovação política continua existindo, independentemente da desistência do apresentador. Alguém vai preencher esse espaço.

De imediato, os ventos da fortuna parecem soprar na direção de Geraldo Alckmin. No mesmo dia o governador ganhou na loteria por duas vezes: com o fim da odisseia de Huck e com a sua unção como presidente do consenso peessedebista. Terá contudo o desafio de mostrar ser competitivo a ponto de atrair os partidos tradicionais do centro democrático e, ao mesmo tempo, ser o depositário das expectativas de renovação da política, que Luciano Huck tão bem expressou ao final do seu artigo:

“Não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter e incapaz de entender o conceito básico de interdependência ou do pensar no coletivo (...) A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar no próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.

Perfeito, com um acréscimo: e também para não sermos vítimas de candidaturas que querem nos remeter ao mar cinzento, onde cantam as sereias do populismo ou da incompetência.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo