Luciano Huck

El País: O camaleão que corre por fora

Todos os caminhos hoje, indicam que se Lula não conseguir ser candidato, o segundo turno será disputado entre Luciano Huck e Jair Bolsonaro 

Por Marcello Faulhaber

Em outubro do próximo ano, os brasileiros irão às urnas eleger um novo presidente da República. Assim como outros analistas e estrategistas político-eleitorais, venho fazendo pesquisas e acompanhando de perto a movimentação dos potenciais candidatos – tenham eles declarado oficialmente a intenção de concorrer ou não.

Tudo isso demonstra que Huck é candidatíssimo. De acordo com as pesquisas qualitativas que tenho feito em vários municípios do país e com o modelo de projeções de resultados eleitorais que eu adoto (que cruza variáveis como nível de conhecimento, rejeição e intenção de voto dos diversos candidatos) ele, assim como LulaJair Bolsonaro e Joaquim Barbosa, já tem o dobro de chances de ir para o segundo turno se comparados com Marina Silva, Geraldo AlckminJoão Doria e Ciro Gomes.

Se Lula, realmente, não conseguir ser candidato; João Doria se vir obrigado a recuar do seu sonho presidencial; e Joaquim Barbosa decidir não disputar as eleições como cabeça de chapa, ouso afirmar, com doze meses de antecedência, que Luciano Huck, inevitavelmente, será um dos dois nomes do segundo turno das eleições. Mais que isso: poderá até ganhar a corrida presidencial já no primeiro turno, especialmente se conseguir fazer de Joaquim Barbosa o seu vice.

Para compreendermos o porquê disto, é preciso, em primeiro lugar, entender como o eleitorado brasileiro está segmentado. A maior parte dos analistas tende a segmentar o eleitorado brasileiro a partir de uma percepção unidimensional do eleitor. Com esse tipo de percepção, divide-se o eleitorado em esquerda e direita, ou, na melhor das hipóteses, em esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e direita.

Nos polos desse tipo de segmentação, situam-se “entidades míticas” que habitam o inconsciente coletivo da classe média e que coincidem com os posicionamentos das tradicionais elites políticas do país: A “esquerda” – defensora do Estado grande e de valores comportamentais liberais; e a “direita” – defensora do Estado pequeno e de valores comportamentais conservadores.

Esse tipo de segmentação funciona muito bem em alguns países desenvolvidos, mas não no Brasil. De fato, em território tupiniquim, existe um problema grave nesse tipo de segmentação: a suposta correlação entre os valores comportamentais do eleitor e a sua visão a respeito do papel do Estado.

No Brasil, esse tipo de correlação é absolutamente falsa - mesmo no ambiente polarizado das redes sociais que tende a reduzir as pessoas a “coxinhas” e “mortadelas”. Não é verdade, especialmente entre eleitores das classes C2, D e E, que quanto mais conservador (do ponto de vista comportamental) for um eleitor, maior a sua preferência por um Estado pequeno; ou que, quanto maior a preferência de um eleitor por um Estado grande, mais liberais serão seus valores do ponto de vista comportamental.

Na realidade, o eleitor brasileiro, mesmo sem se dar conta, faz suas escolhas políticas, primordialmente, de acordo com essas duas variáveis não-correlacionadas: seus valores comportamentais e a sua visão a respeito do papel do estado. Em 2018, esse fenômeno será mais forte do que nunca. Dessa forma, para segmentar corretamente o eleitorado brasileiro, precisamos percebe-lo a partir de dois grandes eixos: o “eixo valores” e o “eixo visão do Estado”.

O “eixo valores” tem a ver com a opinião dos eleitores a respeito de assuntos como homossexualidadereligiãodrogasaborto e formas de combate à violência, entre outros. Os elementos causais mais críticos que definem o posicionamento do eleitor em relação a esses diversos temas são sua percepção sobre a família (o que é e como preservá-la) e sua defesa dos valores cristãos mais tradicionais. A forte correlação que existe no posicionamento dos eleitores em relação a esses diversos temas comportamentais, nos permite estabelecer dois polos no “eixo valores” e aqui - já consciente das críticas que virão de alguns teóricos - usarei a nomenclatura “liberais” e “conservadores”.

O “eixo visão do Estado” tem a ver com a opinião do eleitor a respeito do papel do Estado na provisão de renda (por meio de transferências) e de serviços para a população, além do quanto ele deve intervir na economia, seja como indutor do crescimento, seja como regulador. As duas variáveis mais críticas na definição do posicionamento do eleitor nesse eixo são a sua formação política na juventude e, principalmente, o seu nível de renda. Há também uma forte correlação nas preferências do eleitor em relação aos temas deste eixo. Chamarei o primeiro polo do “eixo visão” de “Estado grande” e o segundo, de “Estado pequeno”.

A partir desses dois eixos, podemos segmentar o eleitorado brasileiro em quatro grandes grupos: 1) eleitores com valores conservadores que preferem (ou precisam de) um Estado grande; 2) eleitores com valores liberais que preferem (ou precisam de) um Estado grande; 3) eleitores com valores conservadores que preferem um Estado pequeno; 4) eleitores com valores liberais que preferem um Estado pequeno.

Como já me referi anteriormente, nossas elites políticas se dividem entre os “liberais do Estado grande” (“a esquerda”) e os “conservadores do Estado pequeno” (“a direita”). Já as maiores fortunas e as lideranças dos principais grupos empresariais do país (o establishment) que, em larga medida, tem forte influência sobre a mídia, identificam-se com valores liberais e preferem um Estado pequeno (com exceção da conta de juros, evidentemente).

A última pesquisa que realizei, indica os seguintes percentuais para cada um desses segmentos do eleitorado: 55% para os “conservadores do Estado grande”, 23% para os “liberais do Estado grande”, 16% para os “conservadores do Estado pequeno” e apenas, 6% para os “liberais do Estado pequeno”. Esses percentuais nos demonstram o porquê da maioria da população se sentir tão pouco representada, seja por nossas elites políticas, seja pelos mais importantes veículos de comunicação do país.

A única candidatura que provavelmente adotará uma narrativa coincidente com um segmento específico será a do PSOL: seu discurso será liberal do ponto de vista comportamental e em defesa do “Estado grande”. Lula (apesar do PT), Bolsonaro, Doria, Alckmin e Ciro são candidatos que se posicionam exclusivamente em um polo de um eixo específico e são difusos no outro eixo: Lula e Ciro são os champions do “Estado grande”; Bolsonaro e Alckmin são os champions dos valores comportamentais conservadores; e Doria é o championdo “Estado pequeno” – não por acaso até muito recentemente, era o mais querido do mercado financeiro.

Huck, Marina e Joaquim Barbosa são candidatos “camaleônicos”: conseguem expressar imagens e discursos variados dependendo do público. Eles podem, por exemplo, ser percebidos por eleitores das classes C2, D e E como “conservadores do Estado grande” e simultaneamente, serem percebidos como “liberais do Estado pequeno” pelos eleitores das classes A, B e C1. No mundo de hoje, a figura que mais classicamente encarna esse tipo de posicionamento é a chanceler alemã, Angela Merkel: a líder que há mais tempo comanda um país democrático no mundo.

Num primeiro olhar, esse tipo de posicionamento pode parecer infalível, mas não é bem assim. No segundo turno das eleições, ele é bem próximo da invencibilidade, mas, no primeiro turno, ele pode ser bastante arriscado, especialmente num momento de forte polarização política como é o caso do Brasil atual. De fato, a fluidez nos posicionamentos pode se tornar alvo fácil dos adversários no primeiro turno – candidatos camaleônicos podem acabar ficando marcados por uma imagem de indecisão, incoerência e ambiguidade. Por isso, esse tipo de posicionamento demanda cuidados extras na comunicação política: a imagem pode sim ser camaleônica, mas o discurso jamais.

Além da correta segmentação do eleitorado e do posicionamento dos principais candidatos dentro dela, há uma terceira variável que será determinante na projeção do resultado da eleição presidencial de 2018: a habilidade dos candidatos se comunicarem com os eleitores das classes C2, D e E (que juntos, equivalem a 55% do eleitorado brasileiro). Apesar da eventual multiplicidade de candidatos e da possível pulverização dos votos, aqueles candidatos que não conseguirem se fazer ouvir pelos eleitores mais pobres, fatalmente ficarão fora do segundo turno. E aí, é preciso distinguir a imagem do candidato da capacidade dele se fazer ouvir. A imagem, de fato, potencializa a capacidade de se fazer ouvir. Mas, a imagem sem a capacidade de se fazer ouvir torna-se inócua.

Dentre os diversos candidatos, os únicos que podem desenvolver de forma crível uma imagem de quem conhece os problemas dos mais pobres, que se solidariza com eles e que trabalhará prioritariamente por eles, são: Lula, Marina, Luciano Huck, Joaquim Barbosa e Geraldo Alckmin (apenas em São Paulo). Por outro lado, os únicos que tem demonstrado capacidade retórica de serem ouvidos pelos mais pobres são: Lula, Bolsonaro e Luciano Huck – Marina se perdeu na complexidade dos próprios pensamentos “progressistas”; Joaquim Barbosa, depois de tantos anos de atividade jurídica, trocou a linguagem popular pela retórica da lei e terá dificuldades de fazer a viagem reversa; Ciro tem a capacidade de ser ouvido pelas massas, mas, há muito tempo, optou pela retórica tecnocrática a qual ele domina melhor que qualquer outro pleiteante ao maior cargo da república.

Sendo assim, por conta das características dos eleitores mais pobres, os candidatos que podem mais se beneficiar da eventual ausência de Lula das eleições são o apresentador Luciano Huck e por incrível que pareça (mas, em menor escala), Jair Bolsonaro - afinal, não há nada mais próximo de um extremo do que o outro extremo, especialmente num momento de grave crise econômica e de convulsão social.

É verdade que Ciro e Marina poderiam ser os herdeiros naturais dos eleitores de Lula, mas os problemas na retórica e na linguagem de ambos assim como suas críticas periódicas ao ex-presidente, tornam essa possibilidade cada vez mais remota. Quanto à possibilidade dos votos de Lula serem herdados por um “poste” do PT, esqueçam. É verdade que preso ou condenado, Lula se tornará o maior eleitor do país, mas ele conseguir levar um representante orgânico do PT para o segundo turno é algo muito improvável por conta da enorme rejeição ao partido – muito maior que a dele próprio. Se, como se vem falando, esse nome for o do Haddad - um “poste” derrotado e paulista - o que já era improvável tornar-se-á impossível.

Em resumo, todos os caminhos hoje indicam que se Lula não conseguir ser candidato, o segundo turno será disputado entre Luciano Huck e Jair Bolsonaro. Mas, o caminho é longo e erros fatais poderão ser cometidos.

No caso de Bolsonaro, há três erros possíveis no horizonte: 1) Ele adotar um discurso liberal na economia - Bolsonaro não pode perder a imagem do militar nacionalista, defensor do Estado forte, que induz o crescimento econômico e que protegerá a população da ganância de grandes grupos empresariais; 2) Ele não suavizar um pouco sua retórica conservadora - ele precisa fazer isso para evitar o crescimento da candidatura Alckmin (ou Doria) e principalmente, para ter alguma chance de vitória no segundo turno; 3) Ele permitir que uma outra candidatura do seu campo, como, por exemplo, a do General Hamilton Mourão, ganhe força nos próximos meses.

No caso de Luciano Huck, há também três erros que podem inviabilizar o sucesso de sua jornada rumo ao Palácio do Planalto: 1) Ele ser identificado pelos eleitores, especialmente os mais pobres e a classe média, como o candidato dos ricos, do establishment, da Globo. Afinal, a revolta da população com os principais veículos de comunicação do país é tão grande quanto sua revolta com nossas elites políticas - não adianta surgir como um não-político e ao mesmo tempo, ser percebido como o candidato do grande baronato do crony capitalismbrasileiro; 2) Ele cair na armadilha, assim como Aécio fez em 2014, de bater em Lula.

Aécio, incensado pelo establishment nacional e pelo tucanato paulista, não concentrou suas baterias sobre a presidente Dilma e seu governo, mas sobre Lula e o PT. Esse erro foi fatal na medida em que permitiu que os estrategistas do PT levassem o debate para a comparação dos 12 anos desse partido com os 8 anos de FHC. Foi essa estratégia equivocada de pregar para os convertidos que, em última análise, fez Aécio perder uma eleição que estava ganha. O fato é que milhões de brasileiros continuam extremamente gratos ao ex-presidente pela melhora histórica de suas condições de vida na década passada e o tempo tem nos mostrado que não há acusação, denúncia ou condenação capaz de mudar esse sentimento; 3) Ele não saber usar corretamente a estratégia do camaleão. No fundo, para ganhar essa eleição e fazer um governo histórico, será preciso que Luciano Huck seja mais coração e menos razão, que se guie mais por seus valores de homem de família que quer melhorar a vida das pessoas do que pela ideologia que há em sua cabeça.

O tempo vem consolidando Lula e Bolsonaro, duas reconhecidas figuras anti-establishment, como favoritos para o segundo turno das eleições. O não-político que parecia poder ameaça-los, segundo “analistas torcedores” do mercado financeiro, tornou-se mais político que todos os outros: colocou seu mandato recém conquistado em segundo plano para fazer campanha, passando por cima até mesmo de quem lhe criou politicamente - sua candidatura não tem futuro.Mas, agora, surge um não-político de verdade, correndo por fora e com chances reais de complicar a vida de Lula e Bolsonaro: o “camaleão” Luciano Huck.

Em maio deste ano, eu escrevi neste jornal que a eleição presidencial de 2018, da mesma forma como ocorreu nas principais capitais do país em 2016, seria ganha por um outsider: um não-político ou uma figura anti-establishment. A cada dia que passa, essa certeza só aumenta.

 

* Marcello Faulhaber é mestre (MSc.) em Economia Política pela London School of Economics e foi o estrategista da campanha de Marcelo Crivella à Prefeitura do Rio em 2016.

 

     


    Jose Roberto de Toledo: Huck e o faro do DEM 

    O abandono da pré-candidatura presidencial de João Doria pelo DEM é relevante não por de onde o partido está saindo mas por onde ele está entrando. Segundo a repórter Andreza Matais, “o foco do DEM se voltou para Luciano Huck”. O DEM não é exatamente um campeão das urnas, mas é o melhor perdigueiro político que Brasília já criou. Sente o cheiro de poder e é capaz de apontar sua direção bem antes do resto da matilha.

    Se o PMDB está no governo sem grandes interrupções desde o fim da ditadura militar, o DEM permanece lá desde a própria. Só não aderiu às raras administrações para as quais não foi convidado. O ex-PFL é mais resiliente do que qualquer outro partido. Mesmo sem muito voto, emplacou dois vices que sentaram na cadeira presidencial: Marco Maciel e Rodrigo Maia. Sem contar Sarney, que nunca foi do PFL no papel, mas sempre foi da família.

    Nada mal para uma defecção do lado perdedor. Seu segredo é farejar as mudanças políticas antes que ocorram. Foi assim em 1985 quando, diante da inexorável derrota de Maluf no colégio eleitoral, seus pais fundadores aderiram ao oposicionista Tancredo Neves e desertaram as fileiras do PDS. Nascia o PFL.

    Repetiriam a dose em 1989, abandonando o candidato do partido, Aureliano Chaves, durante a campanha presidencial. Primeiro, tentaram teleguiar Silvio Santos rumo à Presidência, inseminando-o no nanico PMB. O TSE abateu a manobra em pleno ar, e os pefelistas acabaram aderindo a Fernando Collor. Foram recompensados com ministérios – como já haviam sido por Sarney e viriam a ser por Itamar, FHC e, mais recentemente, Temer.

    Conhecido pela ironia e franqueza, Claudio Lembo gosta de referir-se aos filiados de seu partido como “perseguidos pelo poder”. A definição não poderia ser mais verdadeira, desde que se compreenda o real sentido da perseguição, obviamente.

    Por isso, se os resilientes ex-pefelistas fazem posição de pointer inglês com o focinho voltado para Luciano Huck, é bom prestar atenção. O que levaria o experiente DEM a apostar – de novo – num apresentador de TV sem nenhuma experiência política?

    Não são poucos os motivos. O primeiro é o vácuo que se forma no campo mais popular do eleitorado se Lula não puder se candidatar. Cruzamentos de pesquisas de intenção de voto indicam que um terço dos eleitores do ex-presidente votam apenas em Lula (e, imagina-se, em quem ele endossar). Ou seja, dois terços (20% ou mais do eleitorado total) estariam sem eira e com pouca beira caso o nome do petista não apareça na urna em 2018.

    Quem teria mais facilidade (ou menos dificuldade) para conquistar esse eleitor pobre e desassistido? Um apresentador de TV ultraconhecido e cujo programa consiste, basicamente, em dar assistência a pessoas pobres, ou um ex-apresentador de TV nem tão conhecido assim cuja frase, copiada, é “você está demitido”?

    O fato de já ter muito recall dispensa Huck de se expor ao fogo (inimigo e amigo) de uma pré-campanha. Ele pode deixar para anunciar sua eventual candidatura aos 45 minutos do 2º tempo, ou seja, o dia 7 de abril de 2018. Essa é a data limite para quem for participar das eleições de outubro descer do umbuzeiro.

    Outra vantagem de Huck é que ele é autofinanciável. Além de ter um patrimônio capaz de bancar parte da própria campanha, tem amigos com bolsos mais fundos do que a maioria.

    Quais os pontos fracos do apresentador? O principal deles é não ser levado a sério como presidenciável. Seu paraquedas é vistoso demais. Vale lembrar, porém, que a inexperiência é o único defeito que não piora com o tempo. Huck é um dos patronos do “fundo cívico” eleitoral. Está sentindo o vento. O DEM fariscou.

     


    Luiz Carlos Azedo: Dispersão de forças

    A natureza da próxima eleição presidencial pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014

    Há um ano a ex-presidente Dilma Rousseff subia ao cadafalso do Senado, que aprovou o seu impeachment em 31 de agosto, após a longa agonia iniciada em 2 de dezembro de 2015. Tudo começou pelas mãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que foi cassado pelos colegas e condenado à prisão pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, titular da Operação Lava-Jato. Dilma era passageira do fracasso do projeto nacional populista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; hoje, é um espectro que ronda as caravanas petistas na pré-campanha de seu padrinho político pelos grotões do país.

    Os números do desgoverno Dilma não devem ser esquecidos: queda de 16% do PIB per capita entre 2013 e 2016, isso é, de R$ 30,5 mil para R$ 25,7 mil por ano. Aumento do desemprego de 6,4% para 11,2%, com a demissão de 12 milhões de trabalhadores. A pior recessão da história: chegou a 6%. Para se ter uma ideia do que isso significava, a grande recessão de 1929-1933 foi de 5,3%; a de 1980 a 1983, 6,3%; e a de 1989 a1992, 3,4%. O deficit fiscal subiu de R$ 145 bilhões para R$ 200 bilhões. A dívida pública chegou a 70% do PIB ao fim do ano. Esse cenário foi revertido pelo impeachment.

    Dilma foi julgada por causa das “pedaladas fiscais”. Mas já estava bastante enrolada nas investigações sobre o caixa dois de suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. De acordo com a Constituição, não podia, porém, ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. O julgamento de Dilma Rousseff no Senado foi um grande mise-en-scène petista para construir a narrativa do “golpe de estado” e dele sair como vítima, sem assumir a responsabilidade principal pela crise econômica, política e ética da qual o país agora tenta emergir.

    A passagem do PT pelo poder foi um assalto ao Estado. Em dois sentidos: primeiro, o aparelhamento do governo por meio da ocupação de milhares de cargos comissionados, tanto na administração direta, como na indireta, inclusive estatais, de forma fisiológica e clientelística; segundo, o sistemático desvio de recursos públicos para financiamento eleitoral e formação de patrimônio pessoal, via superfaturamento de obras e serviços. Mas o PT não assaltou o poder sozinho, parte das forças que hoje estão no governo Temer, a começar pelo PMDB, participou de tudo isso. E não dá para ignorar que setores da antiga oposição também se atolaram na lama da crise ética.

    O resultado é um tremendo desgaste das instituições políticas, dos partidos e dos seus líderes. O presidente Michel Temer, ao assumir, herdou o estrago do governo de Dilma, do qual fizera parte, e seu índice de aprovação é baixíssimo. O desprestígio do Congresso dispensa comentários. Pesquisa recente do instituto Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas mostra a decepção com os principais líderes políticos do país. Os níveis de rejeição são um verdadeiro strike na elite política: Michel Temer (93%), Aécio Neves (91%), Eduardo Cunha (91%), Renan Calheiros (84%), José Serra (82%), Fernando Henrique Cardoso (79%), Dilma Rousseff (79%), Geraldo Alckmin (73%), Rodrigo Maia (72%), Lula (66%), Marina Silva (65%), Ciro Gomes (63%), Henrique Meirelles (62%), Marcelo Crivella (60%), Jair Bolsonaro (56%), Paulo Skaf (55%), Tasso Jereissati (55%), Nelson Jobim (54%), João Doria (52%) e Luciano Huck (42%).

    Onde está o centro?

    Quem mira as eleições de 2018 vê o potencial dos possíveis candidatos com sinal trocado na mesma pesquisa. Huck tem 44% de aprovação; Lula, 32%; Marina, 24%; Jair Bolsonaro, 21%; Doria, 19%; Dilma, 18%; Renan, 15%; Alckmin, 14%, Ciro Gomes, 11%; FHC, 10%, para ficar nos dois dígitos. Vejam bem: não se trata de uma pesquisa eleitoral; é uma pesquisa de imagem dessas personalidades, algumas das quais são pré-candidatas assumidas; outras nem cogitam disputar as eleições.

    Como as pré-campanhas mais agressivas são de Lula e Bolsonaro, quando são feitas as pesquisas eleitorais, ambos aparecem como protagonistas de uma radicalizada polarização direita versus esquerda. Considerando-se, porém, os índices de rejeição, pode ser que essa probabilidade não seja tão grande assim. Ao olharmos com atenção a pesquisa Ipsos, veremos que a possibilidade do surgimento de alternativas de centro-direita (Huck, 44%; Doria, 19%) e centro-esquerda (Marina, 24%; Alckmin, 14%) realmente existe. Mas qual é a dificuldade para isso? É a rejeição aos partidos e políticos que aí estão.

    O grande problema da construção de uma candidatura do “centro democrático” tem a ver com isso. E com a natureza da próxima eleição, que pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014, quando as estruturas de poder tiveram um peso decisivo na construção das alianças e no desfecho do resultado das urnas. As eleições municipais passadas, principalmente nas principais cidades do país, revelaram enorme descolamento da sociedade em relação à política tradicional. A eleição de domingo no Amazonas revelou índices astronômicos de abstenção. Pode ser que essas tendências persistam até o próximo ano. Uma candidatura ao centro também pode surgir a partir da sociedade e não das estruturas de poder, como sempre acontece. Huck e Marina, muito mais do que Doria e Alckmin, estão sinalizando isso.


    Murillo de Aragão: A renovação política nas Eleições 2018

    Caminho para alavancar uma candidatura não alinhada com o antigo será o das redes sociais

    Uma das perguntas mais recorrentes em minhas palestras é como e se o novo prevalecerá nas eleições de 2018. A pergunta parte do pressuposto de que existe um notável sentimento antipolítico na sociedade e que, a partir dessa constatação, seria mais do que natural uma grande renovação do sistema político.

    No entanto, existem condições muito duras para que o novo prevaleça. A primeira barreira para a disseminação do novo, que chamarei de novos entrantes, são as regras atuais. O marco regulatório das eleições estabelece regras para a distribuição de fundos partidários e para o uso de tempo de televisão. Ambas são críticas para a campanha eleitoral e estabelecem uma situação de privilégio para as estruturas partidárias tradicionais.

    Grandes partidos ganham mais verbas, mais tempo de televisão e, na maioria das vezes, mais prefeituras. Ora, numa competição em que haverá escassez de recursos – pela ausência de financiamento empresarial e pela debilidade das doações individuais – o maior financiador da campanha será o Fundo Partidário.

    Sabendo disso, o relator da minirreforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido, está prevendo uma verba de R$ 3 bilhões para os partidos. Ainda que tamanha indecência não seja aprovada, grandes partidos continuarão a ser fortes financiadores da campanha eleitoral.

    Apenas no primeiro trimestre deste ano o PT recebeu mais de R$ 23 milhões do fundo. Já legendas como o Partido Novo, que não tem nenhum deputado federal, recebeu pouco mais de R$ 300 mil. Ou seja, o sistema privilegia quem está no poder.

    Outro fator crítico é a máquina pública. Somente o PMDB tem mais de mil prefeitos eleitos no Brasil. O PSDB tem pouco mais de 700. Entre os novos partidos, somente o PSD tem desempenho importante: 539 prefeituras.

    Existem duas saídas para os novos entrantes: aliar-se às estruturas tradicionais ou buscar caminhos completamente inovadores. A fórmula novo-antigo foi testada com sucesso em São Paulo com João Doria. Com um discurso novo, uma campanha inovadora e uma estrutura partidária tradicional e poderosa venceu com certa facilidade. No Rio de Janeiro, a dupla finalista na disputa pela capital apresentou comportamento semelhante. Marcelo Crivella e Marcelo Freixo disputaram apresentando-se como o novo, ainda que os dois não representem nada de novo em termos políticos.

    Faltando pouco mais de um ano para as eleições gerais, o sentimento antipolítico não se organizou para se expressar de forma competitiva. As especulações abrangem poucos nomes que poderiam aglutinar a sociedade em torno de um projeto político alternativo. Fala-se de Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até mesmo de Sergio Moro. Porém como torná-los competitivos?

    A resposta está no trinômio participação-mobilização-redes sociais. Os críticos do sistema político devem transformar sua crítica em participação e a participação em mobilização. Sem uma tomada de posição o sistema continuará mais ou menos como está – mudando pouco para não ter de mudar muito.

    Pesquisa recente do Ibope aponta que pela primeira vez eleitores consideram a internet o maior influenciador para eleger um presidente da República. Ainda que o resultado seja apertado em relação à televisão, as mídias virtuais estão em ascensão, conforme pondera José Roberto Toledo (Estado, 12/6). Destaca-se, ainda, o fato de a internet ser fundamental para os eleitores jovens.

    Dados do Facebook indicam que 45% da população brasileira acessa a rede social mensalmente. Seriam mais de 92 milhões de brasileiros acessando regularmente as redes. O Instagram tinha 35 milhões de usuários no Brasil em 2016. E o aplicativo de mensagens Whats-App já é utilizado por mais de 120 milhões de brasileiros!

    Nos Estados Unidos, na eleição de Donald Trump, segundo seus estrategistas, a vitória se confirmou com a opção de privilegiar as redes sociais, em detrimento da mídia tradicional. Na França, Emmanuel Macron abandonou um partido tradicional, organizou um movimento e usou as redes para alavancar a campanha.

    Considerando que as redes sociais assumem papel preponderante na formação da opinião política, pela primeira vez na História do Brasil poderemos ter eleições nas quais as estruturas tradicionais podem não ser decisivas para o resultado final. Em especial se um novo entrante chegar ao segundo turno, em que o tempo de televisão destinado à propaganda eleitoral gratuita é igual para os dois concorrentes.

    Poderemos ter um fenômeno Macron no Brasil? Sim e não. Para responder afirmativamente à questão volto às duas peças iniciais do trinômio que propus. Sem participação e mobilização nada de novo acontecerá. A indignação com a política será estéril. Ficará nas intenções vagas de sempre. Porém, se a sociedade civil se mobilizar em torno de um projeto que seja aglutinador e expresse uma nova forma de fazer política, tudo pode mudar. E o caminho para alavancar uma candidatura que não esteja alinhada com o antigo será as redes sociais.

    A conjunção de fragilidade financeira das campanhas – sem as doações empresariais – com desmoralização do mundo político e a emergência das redes sociais pode proporcionar uma surpresa eleitoral que ainda não tem cara nem nome. No entanto, justamente por não ter nome é que o tradicional pode prevalecer. Outro fator importante é que a indignação com a política ainda não se traduziu em participação e mobilização. O tempo está passando. Nem a política tradicional dá sinais de querer renovar-se nem os novos entrantes ainda dão sinais de querer, efetivamente, participar.

    *Advogado, consultor e jornalista, é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela universidade de brasília

    Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-renovacao-politica-em-2018,70001875569