Lava Jato

Maria Cristina Fernandes: O tatame minado de Fux

Operação expõe teia de relações entre escritórios e tribunais

O Ministério Público Federal estendeu um grande tatame para a posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal. A operação de ontem é a maior a envolver as relações entre escritórios de advocacia e gabinetes de tribunais superiores em Brasília. A denúncia desfia tráfico de influência e exploração de prestígio, ferramentas com as quais, há décadas, se desmonta o combate à corrupção.

Derivada da delação do ex-presidente da Fecomercio, a denúncia, que envolve 26 advogados, expõe como essa teia operou a favor da manutenção do cartório do Sistema S por meio de triangulações montadas pelo ex-governador Sérgio Cabral.

Faixa vermelha e preta de jiu-jitsu, Luiz Fux já foi feito de refém num assalto a seu apartamento de Copacabana em 2003, quando ainda estava no STJ. A partir de hoje, é esta teia de interesses que tentará fazer do ministro, prisioneiro.

A presença do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na mesma operação que também alvejou o ex-advogado do presidente Jair Bolsonaro sugere que a esquerda montou na cavalgada anti-Lava-Jato sem olhar os dentes. O bom discurso de Lula no dia da pátria não rima com uma retaguarda jurídica que mora no mesmo prédio dos maiores doleiros de São Paulo.

Entre a defesa de Lula e Bolsonaro estende-se uma lista de advogados, entre os quais, filhos de ministros e ex-ministros que ascenderam ao STJ e ao TCU com o apoio de lideranças que, desde o governo José Sarney, personificam, em revezamento, o Centrão.

O momento político é favorável aos denunciados. O ataque a advogados, num momento em que a democracia está nas cordas, sempre poderá ser traduzido como parte do arbítrio. Dois desfechos já são dados como prováveis. O primeiro é uma liminar do ministro Gilmar Mendes. O outro é um embate entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, com aquela que era a única, no lavajatismo, que escapara das ofensivas contra Curitiba e em São Paulo.

Escolhido para relatar a primeira das ações da Lava-Jato do Rio, Gilmar Mendes hoje é o destino natural de todas aquelas que se originam daquela perna da operação. Some-se aí a relatoria da ação do foro do senador Flávio Bolsonaro e é possível aquilatar o poder do ministro face ao presidente da República e sua família.

Com a ação de ontem, a este poder acresça-se aquele sobre a teia de relações denunciadas pelo MP. São interesses que extrapolam o mandato de Bolsonaro. Entra presidente, sai presidente, eles estão sempre lá. Não por acaso, o último ministro a se confrontar com eles, Joaquim Barbosa, que só recebia advogados de uma parte na presença daqueles da outra parte, teve duros embates com Gilmar Mendes.

Fragilizado, ao tomar posse, por investigações que o envolviam e que acabariam por ser o motivo original do inquérito das “fake news”, Toffoli buscou abrigo sob a toga de Gilmar. O resultado é que o ministro deixa a presidência do tribunal menor do que entrou.

Cometeu dois erros capitais, o de ter suspendido o acesso da Lava-Jato aos dados do Coaf e de ter franqueado a Aras os dados da Lava-Jato do Paraná. Em ambos os casos, foi derrotado pelos colegas.
Enquanto Toffoli cumpria a pauta à risca e se congraçava cada vez mais com o presidente da República, a ponto de ter apagado da memória todas as afrontas perpetradas por Jair Bolsonaro contra a democracia, Gilmar se aproximava da esquerda, na condição de paladino do Estado de direito e crítico da militarização do governo.

Uma das medalhas de reconhecimento foi a participação, a convite do Movimento dos Sem-Terra, de uma plenária virtual com camponeses.
O dueto dificilmente se repetirá com Fux. Primeiro lugar no concurso para a magistratura, presidente da comissão de juristas que, junto com o Congresso, reformou o Código de Processo Civil, Fux não se intimida no debate técnico em plenário.

Se Gilmar Mendes tem a Lava-Jato do Rio na mão, Fux é relator de um dos mais importantes processos do Mato Grosso, do ex-governador Silval Barbosa. Dificilmente, porém, o embate se encaminhará para os vínculos de um e do outro com seu Estado natal.

Os votos pró-Lava-Jato de Fux deixam claro que não há composição possível com o trio formado por Gilmar, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Restaria, então, à trinca de ministros, neutralizá-lo. A reforma administrativa corrobora com essa estratégia. Depois de Executivo e Legislativo encamparem a ideia, restaria ao Judiciário enfrentar o tema que causa desconforto para um ministro, como Fux, ferrenho defensor do auxílio-moradia de juízes.

Em contrapartida, o ministro terá o poder de pauta. A partir de sua posse, é possível que Edson Fachin, relator da Lava-Jato do Paraná, sinta-se estimulado a levar mais as votações para o plenário, uma vez que o ministro tem perdido todas na Segunda Turma desde a convalescença do ministro Celso de Mello. Restaria ao trio as decisões monocráticas e os pedidos de vistas, recurso contra o qual Fux não terá como se insurgir visto que foi um dos ministros que dele mais se valeu ao longo dos dois últimos anos.

Desconhece-se a estratégia de Fux para enfrentar a onda anti-Lava-Jato, mas é previsível que, quaisquer que sejam seus recursos, a pauta ficará amplamente desfavorecida com a troca de Celso de Mello, em novembro, e de Marco Aurélio Mello, em julho.

A ordem de votos, se hoje ainda favorece a Lava-Jato, jogará contra com Fux na presidência. Como os novos entrantes votam antes, quando a vez chegava aos “garantistas”, o placar, frequentemente, já estava 1 (Alexandre de Moraes) a 5 (Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia).

Aquele que entrar, muito provavelmente, abrirá o placar contra a Lava-Jato porque esta é a vontade do presidente que patrocinará sua indicação. O jogo deve ficar equilibrado até que, efetivamente, esteja garantido a partir de julho. A operação de ontem dá redobradas chances para Aras conseguir uma das cadeiras, estrangulando a força-tarefa do Rio.

Quem quer que entre no tribunal o fará sob bombardeio, condição que, a exemplo de Toffoli, o deixará à mercê do abrigo de Gilmar Mendes. A partir de julho de 2021, o ministro será o decano do tribunal, condição simbólica de prestígio que lhe dará redobrada força.

A não ser que esconda um golpe secreto neste tatame tão minado, Fux poderá se dar por vitorioso com um empate.


O Estado de S. Paulo: Frederick Wassef e advogados de Lula e Witzel são alvo de buscas em investigação sobre desvio de R$ 355 milhões do Sesc, Senac e Fecomércio do Rio

Operação E$quema S cumpre 50 ordens de busca e apreensão no Distrito Federal e em cinco Estados para investigar suposta estrutura irregular de pagamento a escritórios de advocacia; os advogados Cristiano Zanin, Caio Rocha e César Asfor Rocha já se pronunciaram sobre as investigações do Ministério Público Federal

Pepita Ortega, Rayssa Motta e Fausto Macedo,o Estado de S. Paulo

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal deflagraram na manhã desta quarta, 9, a Operação E$quema S para cumprir 50 mandados de busca e apreensão em endereços de advogados, escritórios e empresas investigadas pelo possível desvio, entre 2012 e 2018, de cerca de R$ 355 milhões das seções fluminenses do Serviço Social do Comércio (Sesc RJ), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac RJ) e da Federação do Comércio (Fecomércio/RJ). Entre os alvos das buscas estão o advogado Frederick Wassef, que já defendeu o senador Flávio Bolsonaro, os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, que representam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a advogada Ana Tereza Basilio, que defende o governador afastado do Rio Wilson Witzel. As ordens são cumpridas no Distrito Federal e em cinco Estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Alagoas, Ceará e Pernambuco.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato no Rio, a ofensiva é aberta em paralelo ao início de uma ação penal contra 26 pessoas, incluindo o ex-governador Sérgio Cabral, a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, advogados como Zanin, Ana Tereza, Eduardo Martins (filho do atual presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins) Tiago Cedraz (filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União) e o ex-ministro do STJ César Asfor Rocha e seu filho, Caio Rocha. O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, recebeu a acusação referente a parte das investigações, sendo que a peça abrange 43 fatos criminosos e trata de crimes de organização criminosa, estelionato, corrupção (ativa e passiva), peculato, tráfico de influência e exploração de prestígio.

Documento

As investigações partiram da Operação Jabuti, aberta em 2018, e reuniram dados compartilhados de apurações da Receita, Tribunal de Contas da União, da Operação Zelotes, quebras de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário, e também informações de Orlando Santos Diniz, ex-gestor das entidades paraestatais e delator, diz a Procuradoria.

O Ministério Público Federal informou que entre 2012 e 2018 o Sesc, o Senac e a Fecomércio do Rio teriam destinado mais de 50% do seu orçamento anual a contratos com escritórios de advocacia. A denúncia já aceita pela Justiça Federal aponta que de tal montante, ao menos R$ 151 milhões foram desviados em esquema supostamente liderado por Orlando Santos Diniz e integrado por Marcelo Almeida, Roberto Teixeira, Cristiano Zanin, Fernando Hargreaves, Vladimir Spíndola, Ana Tereza Basílio, José Roberto Sampaio, Eduardo Martins, Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo. Os 11 foram denunciados por organização criminosa, indicou a Procuradoria.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, o esquema incluía ‘o uso de contratos falsos com escritórios daqueles acusados ou de terceiros por eles indicados, em que serviços advocatícios declarados não eram prestados, mas remunerados por elevados honorários’.

“As apurações comprovaram que Diniz era persuadido pelos integrantes da organização criminosa no sentido de que novos contratos (e honorários) eram necessários para ter facilidades em processos em curso no Conselho Fiscal do Sesc Nacional, no TCU e no Judiciário. Como os contratos eram feitos com a Fecomércio/RJ, entidade privada, o seu conteúdo e os seus pagamentos não eram auditados pelos conselhos fiscais do Sesc e do Senac Nacional, pelo TCU ou pela CGU, órgãos que controlam a adequação dos atos de gestão das entidades paraestatais com a sua finalidade institucional”, indicou o MPF em nota.

A força-tarefa da Lava Jato fluminense listou parte dos fatos descritos na denúncia em um infográfico:

Operação E$quema S. Foto: Reprodução/MPF

Os investigadores apontaram que as novas buscas e apreensões se referem a outros contratos advocatícios da Fecomércio do Rio sob investigação – parte com alguns dos denunciados, parte com outros escritórios. No caso de Frederick Wassef, por exemplo, que é alvo de buscas mas não da denúncia do MPF, a força-tarefa da Lava Jato fluminense identificou repasses de ao menos R$ 2,6 milhões feitos em benefício do escritório do advogado por parte de um outro escritório que teria desviado cerca de R$ 4,4 milhões do Senac e do Sesc do Rio.

O MPF, a PF e a Receita também investigam a devolução em espécie a Diniz, por alguns denunciados e outros alvos da Operação E$quema S, de parte dos valores desviados daquelas entidades, informou a Procuradoria.

“Aportes em favor dos escritórios vinculados aos denunciados foram contemporâneos às aquisições de carros e imóveis de luxo no país e no exterior, em franco prejuízo ao investimento na qualidade de vida e no aprendizado e aperfeiçoamento profissional dos trabalhadores do comércio no Estado do Rio de Janeiro, atividade finalística de relevantíssimo valor social das paraestatais”, afirmam os procuradores em nota.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO CRISTIANO ZANIN

“1. Atentado à advocacia e retaliação. A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito. É público e notório que minha atuação na advocacia desmascarou as arbitrariedades praticadas pela Lava Jato, as relações espúrias de seus membros com entidades públicas e privadas e sobretudo com autoridades estrangeiras. Desmascarou o lawfare e suas táticas, como está exposto em processos relevantes que estão na iminência de serem julgados por Tribunais Superiores do país e pelo Comitê de Direitos Humano da ONU. O juiz Marcelo Bretas é notoriamente vinculado ao presidente Jair Bolsonaro e sua decisão no caso concreto está vinculada ao trabalho desenvolvido em favor de um delator assistido por advogados ligados ao Senador Flavio Bolsonaro. A situação fala por si só.

2. Comprovação dos serviços. De acordo com laudo elaborado em 2018 por auditores independentes, todos os serviços prestados à Fecomércio/RJ pelo meu escritório entre 2011 e 2018 estão devidamente documentados em sistema auditável e envolveram 77 (setenta e sete) profissionais e consumiram 12.474 (doze mil, quatrocentas e setenta e quatro) horas de trabalho. Cerca de 1.400 (mil e quatrocentas) petições estão arquivadas
em nosso sistema. Além disso, em 2018, a pedido da Fecomércio-RJ, entregamos cópia de todo o material produzido pelo nosso escritório na defesa da entidade, comprovando a efetiva realização dos serviços que foram contratados. Os pagamentos, ademais, foram processados
internamente pela Fecomércio/RJ por meio de seus órgãos de administração e fiscalização e foram todos aprovados em Assembleias da entidade — com o voto dos associados.

3. Natureza dos serviços prestados. Nosso escritório, com 50 anos e atuação reconhecida no mercado, foi contratado a partir de 2012 para prestar serviços jurídicos à Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), que é uma entidade privada que representa os 2 milhares de empresários e comerciantes daquele Estado. A atuação do escritório em favor da Fecomércio/RJ e também de entidades por ela geridas por força de lei — o Sesc-RJ e do SenacRJ —, pode ser constatada em diversas ações judiciais que tramitaram perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, e também em procedimentos que tramitam no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e perante outros órgãos internos e externos à entidade. Em todos os órgãos judiciários houve atuação pessoal e diligente do nosso escritório. A atuação do nosso escritório deu-se um litígio de grandes proporções, classificado como uma “guerra jurídica” por alguns veículos de imprensa à época, entre a Fecomércio/RJ e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), duas entidades privadas e congêneres de representação de empresários e comerciantes. Cada uma delas contratou diversos escritórios de advocacia para atuar nas mais diversas frentes em que o litígio se desenvolveu.

4. Abuso de autoridade. Além do caráter despropositado e ilegal de autorizar a invasão de um escritório de advocacia e da casa de um advogado com mais de 20 anos de profissão e que cumpre todos os seus deveres profissionais, essa decisão possui claros traços de abuso de autoridade, pois: (a) o seu prolator, o Sr. Marcelo Bretas, é juiz federal e sequer tem competência para tratar de pagamentos realizados por uma entidade privada, como é a Fecomercio/RJ, e mesmo de entidades do Sistema S por ela administrados por força de lei; a matéria é de competência da Justiça Estadual, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça; (b) foi efetivada com o mesmo espetáculo impróprio a qualquer decisão judicial dessa natureza, como venho denunciando ao longo da minha atuação profissional, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato; (c) foi proferida e cumprida após graves denúncias que fiz no exercício da minha atuação profissional sobre a atuação de
membros da Operação Lava Jato e na iminência do Supremo Tribunal Federal realizar alguns dos mais relevantes julgamentos, com impacto na vida jurídica e política do país. Ademais, foge de qualquer lógica jurídica a realização de uma busca e apreensão após o recebimento de uma denúncia — o que mostra a ausência de qualquer materialidade da acusação veiculada naquela peça.

Esse abuso de autoridade, aliás, não é inédito. A Lava Jato, em 2016, tentou transformar honorários sucumbenciais que nosso escritório recebeu da Odebrecht, por haver vencido uma ação contra a empresa, em valores suspeitos — e teve que admitir o erro posteriormente. No mesmo ano, a Lava Jato autorizou a interceptação do principal ramal do nosso escritório para ouvir conversas entre os advogados do nosso escritório e as conversas que eu mantinha com o ex-presidente Lula na condição de seu advogado, em grave atentado às prerrogativas profissionais e ao direito de defesa. Não bastasse, em 2018 a Lava Jato divulgou valores que o nosso escritório havia recebido a título de honorários em decorrência da prestação de serviços advocatícios.

Todas as circunstâncias aqui expostas serão levadas aos foros nacionais e internacionais adequados para os envolvidos sejam punidos e para que seja reparada a violação à minha reputação e à reputação do meu escritório, mais uma vez atacadas por pessoas que cooptaram o poder do Estado para fins ilegítimos, em clara prática do lawfare — fenômeno nefasto e que corroeu a democracia no Brasil e está corroendo em outros países.”

COM A PALAVRA, CAIO ROCHA

“Nosso escritório jamais prestou serviços nem recebeu qualquer quantia da Fecomércio-RJ. Procurados em 2016, exigimos, na contratação, que a origem do pagamento dos honorários fosse, comprovadamente, privada. Como a condição não foi aceita, o contrato não foi implementado. O que se incluiu na acusação do Ministério Público são as tratativas para o contrato que nunca se consumou”.

COM A PALAVRA, CÉSAR ASFOR ROCHA

“As suposições feitas pelo Ministério Público em relação a nosso escritório não têm conexão com a realidade. Jamais prestamos serviços nem recebemos qualquer valor da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, tampouco de Orlando Diniz”.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem busca contato com os citados na denúncia do MPF e os alvos da Operação E$quema S. O espaço está aberto para manifestações.


Murillo Camarotto: Fogo no Parquet

Ascensão de Moro deixou Lava-Jato ao relento institucional

A tempestade perfeita chegou de vez ao parquinho da Lava-Jato. Em pouco mais de dois meses, o cenário, que já era difícil, se aproximou perigosamente da implosão, na esteira de uma sequência de reveses sofridos pelas forças-tarefa. Entre os dissabores mais recentes, a demissão coletiva dos responsáveis pela investigação em São Paulo. Dias antes, o principal ícone do grupo, Deltan Dallagnol, abdicou da República de Curitiba envolto em punições disciplinares.

A deterioração, é verdade, começou mais cedo. Integrantes das forças-tarefa reconhecem em reserva que o pecado capital foi a ascensão do superjuiz Sergio Moro a superministro de Jair Bolsonaro. Ao topar a mudança para Brasília, Moro teria empurrado sobre a Lava-Jato uma nuvem de desconfiança antes circunscrita a petistas inconformados e políticos abertamente fisiológicos.

À derrocada lavajatista também contribuiu o vazamento das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores, mas foi a ruidosa saída do ministro da Justiça que degringolou o quadro. Para os procuradores envolvidos na investigação, a forma escolhida para sair de cena aumentou bastante o rol de inimigos poderosos da Lava-Lato.

“A partir do momento em que o Moro se torna um potencial adversário eleitoral do presidente, ele expõe a Lava-Jato a ataques, ‘fake news’ e todo o tipo de prática típica do modus operandi bolsonarista”, disse um procurador.

O respaldo político definhou ainda mais com a aliança entre Bolsonaro e o Centrão - que se arrepia só de ouvir falar em combate à corrupção. “Tirando um ou outro parlamentar, hoje quase toda a classe política está contra, da esquerda à direita”, completa o mesmo procurador.

Quando se olha para o outro lado da Praça dos Três Poderes, o contexto também é de desalento. Há duas semanas, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a parcialidade de Moro em um processo referente ao Banestado e anulou a sentença. A decisão sinaliza que condenações impostas ao ex-presidente Lula podem caminhar para o mesmo fim.

Importante lembrar que esse resultado só foi possível devido ao empate na votação da turma, desfalcada do decano Celso de Mello. Os procuradores, ainda assim, avaliam que o STF poderia ter adiado os julgamentos mais polêmicos até o quórum estar completo ou mesmo ter permitido que outro ministro participasse, garantindo o desempate.

Apesar de a posse do ministro Luiz Fux na presidência da Corte ser vista com bons olhos pelos procuradores, a possibilidade de Dias Toffoli ser incorporado à Segunda Turma é um contraponto de peso correspondente - ou maior.

Dentro de casa, a conjuntura é mais alarmante. O termo parquet, que em tradução livre poderia ser definido como “cercadinho”, remete às origens do Ministério Público, na França Antiga. Naquela época, os chamados “procuradores do rei” ocupavam uma área apartada nos tribunais.

A existência de um “procurador do rei” é justamente o que tira o sono da Lava-Jato. A escolha de Augusto Aras por Bolsonaro - por fora da lista tríplice - foi um mau presságio que se materializa no dia-a-dia. Em Curitiba, São Paulo e no Rio, investigadores têm convicção de que o procurador-geral da República trabalha para, no mínimo, desmontar o conceito conhecido de força-tarefa.

A estratégia passa pelo estabelecimento de uma hierarquia na estrutura do MPF, algo impensável para a maioria absoluta dos procuradores e sua sacrossanta autonomia funcional. O traço mais marcante do plano é a criação da Unac, um órgão central, baseado em Brasília, para onde deverão convergir todas as informações colhidas nas investigações dos Estados.

Além da Lava-Jato, o MPF conta hoje com outras 22 forças-tarefa ativas, que investigam das queimadas na Amazônia ao desastre de Brumadinho. O esvaziamento de uma investigação conjunta passa principalmente pela retirada da exclusividade dos integrantes, que ficam obrigados a acumular outras funções. Na força-tarefa de São Paulo, uma procuradora terá que cuidar de uma comarca no do Mato Grosso do Sul.

“Se ele tiver sucesso, acabou o Ministério Público como conhecemos desde 1988”, salientou outro procurador.

O estrangulamento do apoio administrativo é mais um procedimento denunciado. Demissionários da força-tarefa paulista lembram que tiveram que pagar do bolso as passagens aéreas para um encontro - “muito improdutivo” com Aras.

Nem mesmo a OAB é vista como trincheira aliada. A crise com a entidade é resultado dos anos de queixas de criminalistas aos inegáveis abusos da Lava-Jato. Nessa seara, quando instados a praticar a autocrítica tão cobrada de seus alvos, especialmente do PT, os procuradores respiram fundo.

Até admitem que “power points”, palestras remuneradas, entrevistas e conduções coercitivas passaram do ponto. Argumentam, contudo, que decisões difíceis tiveram que ser tomadas sob grande pressão, e que a perseguição sofrida é reflexo dos acertos, e não dos erros. Alguns também culpam a Polícia Federal de ter “botado pilha” na espetacularização. “A PF gosta de show”, costumam dizer.

Em meio à maior crise nos seus quase seis anos, a Lava-Jato ainda tem muito o que fazer. Com a prisão recente de Dario Messer, o “doleiro dos doleiros”, a força-tarefa do Rio está apenas começando uma devassa no setor financeiro. As primeiras impressões são de que os grandes bancos foram lenientes ou falharam muito nas políticas de compliance. Cerca de 3 mil offshores em mais de 50 países já estão mapeadas. “Um mundo. De dezenas e dezenas de bilhões”, garante um investigador.

O ministro Teori Zavascki costumava dizer que, na Lava-Jato, “cada vez que você puxa uma pena, vem uma galinha inteira”. Se considerado somente o que já está dito em delações premiadas, é trabalho para mais alguns anos. Resta saber se a operação terá algum respaldo institucional ou se vai voltar para o “cercadinho”.


Rosângela Bittar: A cartada decisiva

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões envolvendo o PT

A posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal, amanhã, inaugura o processo de decisões judiciais do longo e tenso calendário eleitoral brasileiro, o da sucessão presidencial de 2022. No alto da lista de providências está a aprovação do grid de candidaturas e, nele, a dúvida na escuderia PT: estará ou não sob a direção de Luiz Inácio Lula da Silva?

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões que darão vantagem ou desvantagem ao Partido dos Trabalhadores. A ascensão de Fux é uma desvantagem. Na divisão do STF, o novo presidente se alinha à Lava Jato e é titular absoluto no grupo dos punitivistas, em oposição aos garantistas. Entre os primeiros, estão os juízes que passam por cima de regras e adotam a máxima de que, para situações excepcionais, decisões excepcionais. Já os garantistas têm na letra da lei o seu único compromisso.

Na Segunda Turma do STF, no entanto, onde se julgará, ainda sem data marcada, o habeas corpus impetrado por Lula arguindo a suspeição do então juiz Sérgio Moro nas decisões que o tornaram inelegível, o PT enxerga uma vantagem. Tanto se o ministro Celso de Mello reassumir seu posto no STF antes da aposentadoria, em novembro, quanto se não voltar.

Celso teria comunicado a alguns colegas que sexta-feira, dia 11, estará no trabalho. O PT torce para que o decano participe da decisão sobre Lula. Relembra que, ao julgar caso semelhante em processo do Banestado, em que também foi questionada a imparcialidade de Sérgio Moro, Celso de Mello foi veemente ao admitir a falta de isenção do juiz. Agora, a argumentação seria ainda mais densa que a anterior.

Considerando a semelhança das situações, os políticos apostam num placar de 3 a 2 a favor de Lula (Celso, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski contra Edson Fachin e Cármen Lúcia).
Mas, se o decano não voltar, o PT também conta vitória, pois o empate de 2 a 2 favorecerá Lula.

A nova composição do Supremo é um teorema que inclui a discussão sobre a substituição do ministro Celso de Mello, o que pode tirar a vantagem do PT em casos futuros, de recursos, por exemplo. O novo ministro será, com certeza, fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mesmo rompido com Moro e unido ao Centrão, grupo implicado na operação anticorrupção, o presidente não deve capitular: contra a Lava Jato, sim, mas sempre e principalmente contra Lula.

Em pronunciamento pelas redes sociais, no 7 de Setembro, Lula apresentou uma verdadeira plataforma eleitoral em que foi do combate à pobreza à restauração da democracia. Mas se dispensou de declarar-se candidato, por ser óbvio: se conseguir o voto favorável do Supremo, ninguém lhe tira a candidatura.

Se, ao contrário, não se livrar da condição de ficha-suja, aí terá de enfrentar uma situação que o PT não admite, por enquanto: a preparação de outro candidato.

Aí, nesta fase, tudo passará a depender da segunda configuração política crucial para o partido, a das eleições municipais, essenciais para a disputa presidencial de 2022. Nas capitais do Sudeste, mas, sobretudo, em São Paulo, onde o candidato petista patina, nem sequer tem candidato a vice e está flechado à esquerda, ao centro e à direita.

Para se precaver da repetição deste quadro a nível federal, o PT, discretamente, trabalha dois nomes: o governador Rui Costa (Bahia) e o ex-prefeito Fernando Haddad (São Paulo).

Por enquanto, Haddad tem uma vantagem: foi candidato em 2018 e seus 45 milhões de votos não são um recall desprezível. Mas a cúpula do partido não o filtra bem: mesmo lulista, é considerado independente demais do partido.

Quanto a Rui Costa, sua principal vantagem é a capacidade de articular uma grande coligação centro-liberal, que já experimenta com êxito na Bahia. Bom gestor, criativo e ousado, falta-lhe ganhar visibilidade nacional.


Merval Pereira: Nos bastidores

A mudança da composição da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), palco de julgamentos sensíveis como o da parcialidade do juiz Sérgio Moro, que pode beneficiar Lula e vários outros condenados pela Lava-Jato, e o do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, sobre o foro em que seu processo sobre a “rachadinha” na Assembléia Legislativa do Rio será julgado, já está sendo negociada nos bastidores.

Sendo o mais provável que o ministro Celso de Mello (foto), que se aposenta no último dia de outubro, não reassuma seu posto por falta de condições de saúde, a Segunda Turma deveria normalmente ser composta pelo novo ministro indicado pelo presidente Bolsonaro para substituí-lo, mas há obstáculos.

Alega-se que ele já entraria tendo pela frente um caso politicamente delicado, o de Lula, e outros em que poderia se declarar impedido, como o do filho do presidente que o indicou. Se acontecer isso, que muitos ministros consideram apenas um pretexto, a troca seria feita com algum membro da Primeira Turma.

A prioridade seria do ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo na Corte, mas ele recusará pela segunda vez. Continua afirmando: “Não mudo de camisa”. Está na Primeira Turma desde 2002, quando deixou a presidência do STF. O ministro Dias Toffoli, que vai para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assumirá a presidência na quinta-feira, poderá, por antiguidade, escolher mudar de turma, e não será a primeira vez que o fará.

Em março de 2015, os ministros da Segunda Turma estavam incomodados com a falta do quinto nome do grupo, pois havia sete meses que esperavam pela definição da presidente Dilma sobre o novo indicado ao STF para substituir o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentara. Toffoli acabou eleito presidente da Turma substituindo Teori Zavascki, cujo mandato terminaria em maio daquele ano, e herdou os processos do presidente. Edson Fachin, nomeado em lugar de Barbosa, foi para a Primeira Turma.

Também houve outra troca, quando morreu o ministro Zavascki, que era o relator da Lava-Jato na Segunda Turma. O ministro Alexandre de Moraes, que o substituiu, foi para a Primeira Turma, e Fachin prontificou-se a ir para a Segunda Turma, acabando como relator da Lava-Jato, escolhido por sorteio.

Atribui-se ao ministro Gilmar Mendes a negociação que levou Fachin para a Segunda Turma, da mesma maneira que agora ele estaria manobrando para levar Toffoli para lá. Fachin passou a votar ao contrário de Gilmar na maioria das vezes.

Se o ministro Dias Toffoli escolher ir para a Segunda Turma, voltará a enfrentar as críticas sobre sua própria parcialidade, como no julgamento do mensalão. Por ter sido advogado do PT, Toffoli foi pressionado para julgar-se impedido, mas não admitiu. Agora estará diante de um problema mais diretamente ligado ao ex-presidente Lula, pois votando pela parcialidade Moro estará permitindo que o ex-presidente se candidate em 2022.

Como tem sido considerado um “traidor” pelos petistas, especialmente por ter se aproximado do presidente Jair Bolsonaro neste seu mandato, estará em um impasse. Mas, ao mesmo tempo, o ministro Toffoli, deixando a presidência, poderá encontrar na importância de sua presença na Segunda Turma a manutenção de um prestígio político.

Caso Toffoli não aceite, o que, apesar de tudo é improvável, o próximo da lista é o ministro Luis Roberto Barroso, que não deve aceitar por estar às voltas com a eleição municipal como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como a ministra Rosa Weber é a presidente da Primeira Turma, restaria o ministro Alexandre de Moraes.

Mais uma vez a judicialização da política leva o Supremo Tribunal Federal (STF) a ser o definidor da disputa presidencial de 2022. O julgamento da parcialidade de Moro deve acontecer no primeiro trimestre do próximo ano, quando as reuniões presenciais tiverem sido retomadas, e deve ter influência decisiva na armação do xadrez político-eleitoral.

Lula tendo condições de disputar a eleição, a esquerda brasileira terá que se reorganizar, seja em torno dele, como já sugeriu o governador Flavio Dino, ou se contrapondo a ele, como pretende até o momento Ciro Gomes do PDT.

Esse golpe na Operação Lava-Jato deverá forçar uma definição do ex-juiz Sérgio Moro como alternativa à polarização Lula x Bolsonaro. E teremos ainda no próximo ano a provável definição de Luciano Huck. Será um ano animado, se a pandemia deixar.


Hélio Schwartsman: Réquiem para a Lava Jato

Não vejo como afastar a suspeita de que apoio de Bolsonaro nunca passou de uma farsa

Em 1972, Richard Nixon, talvez o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, fez uma visita à "China vermelha" que marcou a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Pequim, após 25 anos de isolamento. A viagem consagrou a expressão "It took Nixon to go to China" (foi preciso Nixon para ir à China), que designa situações em que só políticos muito identificados com alguma tese podem ir contra ela sem pagar um preço exorbitante.

"Mutatis mutandis", a metáfora se aplica a Bolsonaro no esvaziamento da Lava Jato. Só o candidato que tomara carona na operação para eleger-se poderia voltar-se contra ela sem sofrer um enorme desgaste por isso. Ironicamente, foi sob Bolsonaro, e não sob o PT ou o centrão, que se estancou a sangria, se é lícito usar a expressão imortalizada por Romero Jucá.

Não estou, obviamente, afirmando que a Lava Jato ocorreu sem máculas. Como sempre ocorre nesse tipo de movimento, houve abusos que devem ser corrigidos. Penso que há elementos que justificam nulidades parciais em alguns casos, mas receio que estejamos prestes a cair no extremo oposto, pondo a perder os bons serviços prestados pela operação.

Como já disse aqui, pagaremos um mico internacional se tentarmos devolver para os bancos suíços o dinheiro repatriado, a fim de que seja restituído às contas dos ex-condenados. Apesar das coisas erradas, a Lava Jato teve o inegável mérito de desbaratar esquemas bilionários de corrupção e de condenar até então intocáveis empresários e políticos do primeiro escalão.

Há uma diferença importante entre Nixon e Bolsonaro. A aproximação com a China não significou uma traição às ideias anticomunistas do americano. Ele quis explorar as desavenças entre Pequim e Moscou, pois julgava a URSS um inimigo mais poderoso. No caso de Bolsonaro, não vejo como afastar a suspeita de que seu apoio à Lava Jato nunca passou de uma farsa.


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro desligou a Lava Jato

Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a luta contra a corrupção

Na semana passada, o STF concluiu o processo judicial mais longevo da história brasileira. Tratava-se de disputa entre, veja bem, a princesa Isabel e o governo brasileiro para saber quem é dono do Palácio Guanabara, onde trabalha seja lá quem a milícia tiver escolhido para ser governador do Rio de Janeiro. O processo durou 125 anos.

Mas a briga da princesa já tem concorrentes para o posto de processo que demorou mais e deu em menos na história brasileira. Afinal, as investigações de corrupção chegaram à direita.

Resultado: em menos de uma semana, o governador do Rio, que nomeia o procurador-geral, que investiga a família Bolsonaro, foi trocado por outro governador, aliado de Bolsonaro. E a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo renunciou porque a procuradora indicada pelo PGR de Bolsonaro parecia disposta a melar as investigações.

Eu me lembro, jovens, da fúria santa que caracterizava o clima político quando as investigações eram contra a esquerda. Mas chegou à direita, e, agora, cai o governador para beneficiar o presidente, desmonta-se a Lava Jato na frente de todo mundo, e nada.

Por isso, sempre que você ouvir a pergunta “o que significam esquerda e direita no Brasil de hoje?”, responda: esquerda é o cara que foi preso. Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a campanha contra a corrupção que prendeu o cara de esquerda. Centro é o procurador que entrou nesse negócio achando que ia mesmo poder prender todo mundo.

Quem matou as investigações de corrupção foi a extrema direita. Jair Bolsonaro, o candidato outsider de 2018 eleito na “eleição da Lava Jato”, foi quem matou a Lava Jato. Os generais que iam para o Twitter ameaçar golpe se absolvessem o Lula mataram a Lava Jato. Os bolsonaristas que não tinham “bandido de estimação” mataram a Lava Jato.

Mas e aqueles movimentos todos de rua, camisa de seleção, ética na política? Bom, o Vem pra Rua está pedindo o impeachment do Aras, o procurador-geral da República. Isso, o do Aras, não o do Bolsonaro, esse impeachment eles não querem.

Perguntem aos procuradores da Lava Jato o que aconteceu no governo Bolsonaro e vejam se eles acham que a culpa é do Aras ou do Bolsonaro.

A esta altura, você pode perguntar: mas a Lava Jato não era mesmo cheia de problemas, não estava na hora de acabar aquilo e seguir com a vida? É mais complicado que isso, mas, para facilitar, digamos que seja o caso.

Mesmo assim, perdoe-me por achar chato que acabe depois do meu lado ter perdido muito mais. É muito, muito ruim para a democracia que as instituições possam ser ligadas e desligadas conforme o interesse de um dos lados do espectro político.

A própria esquerda está satisfeita com o fim da operação. Muita gente inteligente, gente que eu respeito, acha que os resultados do ciclo antissistêmico dos anos dez foram tão desastrosos que, a essa altura, qualquer acomodação ajuda.

Talvez eles tenham razão. O que eu ainda não entendi é por que eu devo confiar que o processo em curso seja um desmonte ideologicamente equidistante, e não um aparelhamento bolsonarista. O que me parece é que a capacidade de ligar e desligar as instituições está se tornando mais, e não menos, concentrada nas mãos da turma de sempre.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Eliane Cantanhêde: De retrocesso em retrocesso

Sem Lava Jato e com ‘fiscais do Messias’, logo chegaremos a 1980. Viva o Centrão!

Além da pandemia, que parece arrefecer, mas já matou mais de 125 mil brasileiros, o Brasil convive neste momento com ameaças a vários alvos bem definidos: Lava Jato, reforma administrativa, ministro Paulo Guedes e liberalismo do governo, vacinação em massa contra a covid-19 e preços de alimentos. Pairando sobre tudo isso, um mesmo fantasma que insiste em rondar o País: retrocesso.

O cerco à Lava Jato une a esquerda de Lula à direita de Bolsonaro, PGR, ministros do Supremo, cúpula e líderes do Congresso e parte da mídia, com tudo caminhando para um gran finale de efeitos explosivos: o julgamento sobre a suspeição do ex-ministro Sérgio Moro nas condenações do ex-presidente Lula, que passaria de réu a vítima e de preso a candidato.

O aperitivo foi quando a Segunda Turma do STF, por empate, que é pró-réu, anulou as condenações do Banestado e depois sustou ação penal contra o ministro do TCU Vital do Rêgo. A sobremesa, em cascata, será quando os advogados entrarem aos montes com recursos (que já devem estar prontos) pedindo “isonomia” para os seus presos e condenados.

“Se estava tudo tão errado assim na Lava Jato, vamos ter de soltar o Sérgio Cabral e devolver o dinheiro, mansões, lanchas, joias e diamantes do Sérgio Cabral?”, adverte um ministro do próprio Supremo, refletindo um temor que cresce na opinião pública na mesma rapidez com que caem os instrumentos e agentes da Lava Jato.

Já a reforma administrativa, que nove entre dez autoridades reconhecem como “fundamental”, mas só de boca para fora, está sem pai e sem mãe. O presidente Jair Bolsonaro, que trancou a proposta por dez meses, não quer e vai querer cada vez menos mexer com o funcionalismo – ou qualquer coisa que possa ameaçar sua reeleição em 2022. E Paulo Guedes e Rodrigo Maia, ambos fortemente a favor da reforma, romperam bem na hora decisiva.

Ex-Posto Ipiranga e ex-superministro, Guedes promete muito, entrega pouco, perdeu as graças do presidente, rompeu com a ala forte do governo e agora se mete numa briga juvenil com o homem-chave das reformas e do seu futuro no governo. E de um jeito ridículo. Proibir seus secretários de conversar com o presidente da Câmara?! Bem, Maia apresentou uma reforma da própria Câmara e foi cuidar da reforma tributária. Guedes que se vire. Com quem? Não se sabe.

E que tal ter na Presidência alguém que usa o cargo para fazer propaganda de um medicamento sem comprovação científica em nenhuma parte do mundo e para desestimular o uso obrigatório da vacina para livrar o País da maldição da covid-19? Por quê? Porque ele governa o Brasil misturando seus achismos com conselhos de terraplanistas que apostavam em no máximo 2.100 mortos. Já chegam a 125 mil, mas Bolsonaro continua firme com eles.

A última do presidente é apelar para o “patriotismo” dos donos de supermercados para segurar os preços. É evidente que a disparada dos preços já começou, em função de pandemia, dólar, estoques da China. E que o governo não tem ideia do que fazer. Além de apelar a empresários, talvez seja hora de orar. Milhões de pessoas sem emprego, com alta de preços de arroz, feijão e óleo… Boa coisa isso não dá.

Como alertou o colega José Fucs, é a volta aos anos 1980. A polícia (ou o Exército?) laçando bois no pasto, “fiscais do Messias” prendendo gerentes nos supermercados ao som do Hino Nacional. Nada com liberalismo, tudo com populismo e perfeitamente de acordo com cegueira ideológica, meio ambiente, Educação, saúde, política externa, cultura, inclusão, respeito à divergência, combate à corrupção e… censura quando se trata de Flávio Bolsonaro. De retrocesso em retrocesso, logo chegaremos a 1980. E viva o Centrão.


Merval Pereira: Não há intervenção

A triste coincidência da saída do coordenador da Operação Lava-Jato Deltan Dallagnol, provocada por problemas de saúde em sua família, e os embates políticos que ele vinha tendo com opositores políticos e no Judiciário deu mais uma vez motivos para teorias conspiratórias. Esta teria sido uma exigência do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para prorrogar o funcionamento da força-tarefa, que se encerraria no dia 10.

Essa ilação, no entanto, não resiste aos fatos. A subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, que integra o Conselho Superior do Ministério Público Federal, antecipou-se a Aras e concedeu uma liminar prorrogando por mais um ano a força-tarefa de Curitiba, logo depois do anúncio de Dallagnol de que teria que deixar o cargo de coordenador da força-tarefa.

A sub-procuradora enviou então a decisão para o próprio Augusto Aras, que não colocara na pauta do Conselho Superior, como ela pedira, a prorrogação. Se depender da opinião dos procuradores de Curitiba, e do próprio Deltan Dallagnol, nada mudará na Operação Lava-Jato com sua substituição pelo procurador Alessandro Oliveira.“Não aceitaríamos uma intervenção. Aconteceria uma debandada”, garante Dallagnol, que foi quem ligou para Alessandro para propor a troca de funções.

O procurador que coordenará a Operação Lava-Jato é considerado uma pessoa séria e capaz, com estilo negociador, que já conhece como funciona a força-tarefa em Curitiba, de onde é originário. Esse conhecimento da operação e dos demais membros que dela fazem parte é outro motivo para tranquilizar os procuradores que ficarão no posto mesmo com a saída de Dallagnol.

As decisões são tomadas em conjunto pelos 14 procuradores da equipe, e Dallagnol avalia que deram muita importância individual à sua atuação sem entender que as decisões são tomadas por consenso. Deltan Dallagnol, que é evangélico da Igreja Batista, aceita com resignação os problemas de saúde de sua filha de 1 ano e 10 meses: “Deus nos manda dias de sol e dias de chuva. Agora é o momento de fazermos todo possível para sermos os melhores pais que pudermos”.

O diagnóstico definitivo sairá dentro de cerca de dois meses, mas o que já foi detectado pede ação imediata, com terapia que exige a presença dos pais. A filha tem problemas de “poda neural”, que pode surgir em crianças a partir de 1 ano e meio. “Identificamos sinais que nos preocuparam em nossa bebezinha. Ela parou de falar algumas palavras, deixou de olhar para a gente nos nossos olhos e rostos, e também quando nós a chamamos. A nossa filhinha está passando por uma série de exames e terei que me dedicar como pai. E isso não pode esperar”, afirma o procurador.

Ele explica que pais que identificarem esse tipo de sinais devem buscar atenção médica. A filha está passando por uma série de exames para um diagnóstico que deve demorar pelo menos 9 semanas, “mas os profissionais da saúde já identificaram que, independentemente da causa, é preciso uma intervenção imediata com terapias. A intervenção precoce nesse tipo de situação pode fazer toda a diferença em razão da plasticidade cerebral e capacidade do cérebro de fazer novas redes neurais, agora isso depende de estímulos certos”.

Ele está esperançoso, pois pesquisas avançaram nas últimas décadas e há métodos e técnicas que exigirão o conhecimento dos pais. Dallagnol conta que, segundo uma especialista consultada ontem, “quanto mais tempo investirmos, melhores serão as condições para ela se desenvolver, sendo possível até seu desenvolvimento pleno”.

Ela recomendou, entre terapias e tratamentos formais e domésticos, 40 horas semanais. “Isso exigirá dedicação intensa da família. Após o período de transição, para passar com responsabilidade as funções que exerço, tirarei férias para estudar, treinar e cuidar da nossa filhinha”.


Folha de S. Paulo: Após saída de Deltan, Aras articula encurtar duração da Lava Jato e reduzir procuradores

Procurador-geral, que trava embate com a força-tarefa de Curitiba, avalia prorrogar equipe por tempo menor

Após a saída do procurador Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato no Paraná, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia prorrogar a força-tarefa em Curitiba por um prazo mais curto e com número menor de integrantes.

Deltan anunciou nesta terça-feira (1º) que deixa o grupo de investigadores. Ele continuará no MPF (Ministério Público Federal), mas em outros casos.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o procurador afirmou que sai da força-tarefa por questões familiares. Segundo ele, o desligamento se deve a um problema de saúde de sua filha de um ano de idade.

Aras, por sua vez, prepara nova ofensiva contra a Lava Jato. Em atuação desde 2014, a operação poderá sofrer outro revés.

Uma das soluções avaliadas pelo chefe do Ministério Público Federal envolve a designação apenas de procuradores da República, opção que elimina a necessidade do aval do CSMPF (Conselho Superior do MPF), órgão máximo deliberativo na estrutura da instituição para a designação de integrantes do grupo.[ x ]

Na atual configuração da Lava Jato atuam procuradores da República e procuradores regionais da República, o que exige na legislação interna o referendo do Conselho Superior. Hoje há 14 investigadores —o número com uma eventual redução não foi definido.

Crítico da Lava Jato, Aras já travou embates no colegiado com outros integrantes por causa de posicionamento divergente que tem sobre o trabalho dos procuradores em Curitiba. Ele tem sido pressionado por integrantes do conselho a prorrogar a força-tarefa.

Também nesta terça-feira, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, uma das integrantes do conselho superior, decidiu de forma liminar (provisória) prorrogar a Lava Jato por um ano.

Caetana é relatora de um pedido de prorrogação e propôs o debate do assunto no encontro desta terça do colegiado. Como não houve tempo, ela tomou a decisão. Além de provisória, avaliam integrantes da PGR, ela não vincula Aras a segui-la.

O procurador-geral ainda não se pronunciou sobre a decisão de Caetana. Desde a criação da força-tarefa, a indicação de nomes para atuar na investigação foi referendada pelo colegiado.

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná já teve a estrutura prorrogada por sete vezes. O prazo de encerramento das atividades do grupo expira no próximo dia 10.

No cargo, Deltan enfrentava um processo de desgaste e se tornou alvo de ações internas no MPF, além de estar envolvido em um embate com Aras.

"Depois de anos de dedicação intensa à Lava Jato, eu acredito que agora é hora de me dedicar de modo especial à minha família [...]. Essa é uma decisão difícil, mas estou muito seguro de que é a decisão certa e a que eu quero tomar como pai", afirmou Deltan em um vídeo na internet.

Deltan teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil, alguns deles analisados em conjunto com a Folha.

Além de ver contestada sua relação com o então juiz Sergio Moro, também enfrentou questionamentos por causa do plano de negócios de eventos e palestras que montou para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.

Nos últimos meses, Deltan enfrentou o avanço de ações contra ele no Ministério Público e se envolveu em conflito com Aras sobre o sigilo dos dados sob investigação na força-tarefa em Curitiba. Ele aguardava processos que poderiam afastá-lo da Lava Jato.

Nesta terça, sem citar nomes, Deltan pediu em vídeo que a sociedade continue apoiando a Lava Jato diante da fase decisiva envolvendo os trabalhos do grupo. "A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e que serão tomadas em Brasília afetarão os seus trabalhos", disse.

Ao final do vídeo, Deltan afirmou ainda que vai continuar lutando contra a corrupção "como procurador e cidadão". "Não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, com um país mais justo e melhor."

Em nota, o MPF do Paraná elogiou o trabalho do colega. "Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais", diz a nota do órgão.

"Parabenizo o procurador Deltan Dallagnol pela dedicação à frente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, trabalho que alcançou resultados sem paralelo no combate à corrupção no país. Apesar de sua saída por motivos pessoais, espero que o trabalho da FT [força-tarefa] possa prosseguir", escreveu Moro, no Twitter.

O ex-procurador-geral Rodrigo Janot tratou a saída de Deltan como resultado de uma ação contra a Lava Jato. "Seguimos o caminho pouco virtuoso do crepúsculo da Operação Mãos Limpas! Lá, como aqui, o sistema contra-atacou! Resiliência tem de ser a motivação! Dias melhores virão das trevas! Fiat lux!", afirmou, com menção à ação italiana frequentemente tida como inspiração da força-tarefa brasileira.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a decisão de Deltan e a alternância de poder no cargo. "Se a decisão foi pessoal, é melhor para que não fique polêmica em relação à saída dele", disse.

"Não é possível que, no meio de tantos procuradores, não tenham outros procuradores que têm a qualidade dele, que têm a dedicação que ele teve à frente de uma área que foi tão importante para o Brasil nos últimos anos."

No mês passado, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o julgamento de Deltan no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Deltan seria julgado em processos que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro.

Celso havia concordado com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cerceado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica.

Semanas depois, porém, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com recurso no STF para que a corte reveja a decisão.

Outro processo no entanto, movido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi arquivado. O petista acusava Deltan e os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público, no episódio do PowerPoint que apontava Lula como líder de um esquema de corrupção na Petrobras.


Merval Pereira: Lava-Jato sob risco

Duas decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dão indicações de que as decisões judiciais geradas pela Operação Lava-Jato estão a ponto de serem revistas.

A ausência do ministro Celso de Mello por doença transformou a Segunda Turma, que já foi chamada de Jardim do Éden, no refúgio mais seguro para os críticos do ex-juiz Sérgio Moro (foto) e dos procuradores da Lava-Jato.

Não se trata de acusar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, mas de constatar que, por circunstâncias aleatórias, o pensamento dos dois em relação à ação da força-tarefa de Curitiba prevalecerá nas questões penais, pois o empate favorece sempre os réus.

A presença do ministro Edson Fachin, o relator da Operação Lava-Jato no Supremo, atrai para a Segunda Turma todos os processos sobre a operação, o que significa que o empate permanente favorecerá sempre os que a questionam.

As decisões tomadas na terça-feira, embora se refiram a casos fora da Lava-Jato, indicam o que poderá acontecer quando chegar a hora de julgamentos que lhe digam respeito, especialmente a ação que acusa o ex-juiz Sérgio Moro de ter sido parcial contra o ex-presidente Lula.

O STF, representado pela Segunda Turma, derrubou uma sentença de Moro condenando um doleiro no caso do Banestado, anos atrás, alegando que o juiz foi parcial ao incluir no processo documentos fora do prazo.

Moro, em nota, afirma que o Código de Processo Penal lhe confere o direito de mandar juntar aos autos documentos necessários, e lembra que a condenação foi avalizada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em outra decisão, pela primeira vez o Supremo aceitou um pedido de anulação de delação premiada feita por investigados na Operação Pelicano, sobre desvio de dinheiro público por fiscais de renda em Curitiba.

Um deles denunciou o grupo, que entrou no Supremo para anular a delação premiada, alegando ilegalidades no acordo entre o delator e o Ministério Público. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski afirmaram que o caso em pauta era especial, pois havia ilegalidades evidentes.

A Segunda Turma está reduzida a quatro, ministros, com posições claramente definidas nas questões criminais. Fachin e Carmen Lucia a favor da Lava-Jato como instrumento de combate à corrupção. Gilmar Mendes e Lewandowski vêem ilegalidades neste combate à corrupção, que anulariam a maioria das decisões.

Consideram, inclusive, Sergio Moro parcial, quase um ativista político.

Essas decisões da Segunda Turma preparam o futuro, que tem o ponto alto no julgamento da parcialidade ou não do juiz Sérgio Moro nas condenações do ex-presidente Lula.

Ação que já começou a ser julgada, com os votos dados a favor de Moro pelos ministros Fachin e Cármen Lucia. A definir se num caso como o do Lula, tão importante, o ministro Gilmar Mendes, que pediu vista e é quem prepara a pauta da Turma, vai colocar em julgamento com a Turma desfalcada, se vai esperar Celso de Mello voltar, ou ainda se vai esperar a mudança do ministro para fazer o julgamento com a Turma completa.

Evidentemente, os ministros que têm visão crítica em relação à Lava-jato abriram caminho para que investigados entrem com processos contra as delações, e também, condenando por parcialidade o juiz Sergio Moro no caso do Banestado, estão indicando suas posições.

O julgamento de Deltan Dallagnol, coordenador dos procuradores de Curitiba, definiu que o caso estava prescrito e não poderia ser julgado. Só que julgaram. Todos deram suas opiniões, criticaram a Lava-jato, criticaram os procuradores. Por que fizeram isso?

No final, o advogado do Lula, Cristiano Zanin, disse que ia juntar a opinião dos ministros do CNMP para reforçar os processos no Supremo.

Está tudo sendo armado para que esse corpo estranho no Judiciário, a operação Lava-Jato, os juízes de Curitiba, o direito penal de Curitiba, como diz o ministro Gilmar Mendes seja controlado.


Bernardo Mello Franco: O palavrão que salvou Deltan

Na fase áurea da Lava-Jato, Deltan Dallagnol enchia auditórios para pontificar contra a corrupção. O procurador virou tribuno e lançou uma campanha para endurecer as leis penais. Queria aumentar as penas e reduzir as hipóteses de prescrição.

“Uma das razões centrais da impunidade é aquilo que a gente chama de prescrição. Prescrição é um palavrão jurídico que significa o cancelamento do caso criminal porque ele demorou muito tempo na Justiça”, dissertou, em outubro de 2016. “Você dá um atestado de boa conduta para o criminoso, o corrupto, como se o crime não tivesse acontecido”, prosseguiu, em entrevista a uma rádio paulista.

Um mês antes, Deltan virou alvo de reclamação no Conselho Nacional do Ministério Público. O motivo foi o PowerPoint em que ele apontou o ex-presidente Lula como “comandante máximo” dos desvios na Petrobras.

Em entrevista transmitida ao vivo na TV, o chefe da força-tarefa definiu o petista como o maestro de uma “grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos”. Em outro momento, chamou Lula de “grande general” da roubalheira.

O procurador ainda comparou Lula a um assassino que “foge da cena do crime após matar a vítima e depois busca silenciar as testemunhas”. O falatório foi ilustrado com um diagrama de 14 setas que apontavam para o nome do ex-presidente.

O espetáculo tinha um problema: apesar do discurso inflamado, Deltan não denunciou o ex-presidente por organização criminosa. Ele foi acusado num caso específico, em que teria recebido vantagens da OAS.

No Supremo, o ministro Teori Zavascki reprovou a performance. “Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o objeto da denúncia nem com a seriedade que se exige na apuração”, condenou.

A reclamação se arrastou no CNMP por quatro anos. Com recursos e chicanas que fariam inveja aos réus da Lava-Jato, o procurador conseguiu adiar 42 vezes o próprio julgamento. Ontem seu advogado convenceu o conselho de que o episódio já estava prescrito. Deltan foi salvo pelo “palavrão jurídico” que combatia.