judiciário

Cristian Klein: Três juízes, 40 milhões de votos e R$ 50 milhões

Judiciário vira ator central da 'vontade manufaturada'

O momento da política brasileira é confuso, a pesquisa do Datafolha divulgada nesta quarta-feira aponta para mais incertezas na corrida presidencial e não custa recorrer aos clássicos para entender o que se passa. Foi Joseph Schumpeter, o economista austríaco, em sua análise influente e ácida sobre a democracia, o autor do conceito de "vontade manufaturada".

Eleições não refletem o resultado da vontade geral e espontânea de um povo, de uma sociedade, em abstrato. Seus resultados são fabricados. Há uma longa "cadeia produtiva" na qual uma malha de atores planejam, articulam, moldam a disputa, muito antes de chegar a vez de o cidadão comum opinar. O eleitor escolhe quando o cardápio está pronto. É mais um consumidor do que a emanação de vontade própria.

Eleição deriva da palavra elite e é um processo de escolha que tem características aristocráticas. A rigor, o sorteio, praticado na Grécia antiga, seria o método democrático por excelência, como lembrou o cientista político francês Bernard Manin. (Talvez não fosse má ideia diante da encalacrada em que se transformou o caminho para a seleção do próximo presidente da República). Tais formulações rebaixam as expectativas a respeito de um sistema dito democrático.

Desde a publicação de "Capitalismo, Socialismo e Democracia", em 1942, as pesquisas eleitorais ganharam em sofisticação e relevância e incorporaram cada vez mais a vontade prévia do eleitor. Levantamentos quantitativos e qualitativos podem derrubar uma candidatura. Antecipam o que o consumidor quer ou não como produto no mercado eleitoral. Mas a ideia de que o cidadão comum está na maior parte do tempo alheio à construção da oferta eleitoral ainda sobrevive.

Em regra, os atores que influenciam o processo são os políticos e os econômicos. A novidade na conjuntura brasileira para 2018 é a presença monolítica do Judiciário como instituição central para a elaboração da "vontade manufaturada".

Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenaram Lula são, até o momento, os grandes eleitores da corrida presidencial deste ano. Formaram o que pode ser considerado o primeiro turno, de fato, ao Planalto. Os votos de três magistrados se sobrepõem à preferência de 34% do eleitorado, no cenário mais provável pesquisado pelo Datafolha. Lula teria cerca de 40 milhões de votos se a eleição fosse hoje.

Mas a decisão tem o condão de retirar do páreo o favorito que venceria em todos os cenários, na primeira rodada, e na segunda etapa de votação. Lula vai recorrer, não está morto, mas está inelegível, pela Lei da Ficha Limpa. O primeiro turno de 2018 ocorreu em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro.

Sem o petista, o levantamento do Datafolha mostra uma eleição indefinida, em que até a posição do fenômeno Jair Bolsonaro não está assegurada. Por enquanto, se apresenta como forte candidato, se mantiver o patamar de 20%. É o suficiente para chegar ao segundo turno, sobretudo se confirmada a tendência de fragmentação de candidaturas como em 1989. Até o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) - velho frequentador de telejornais, porém peça inexpressiva no tabuleiro presidencial - registrou 6%.

No entanto, sem estrutura partidária, será complicado para Bolsonaro deter o avanço dos adversários. Seja da máquina política do PSDB - ainda que o governador Geraldo Alckmin não tenha decolado -; seja de algum candidato outsider e mais ao centro como o apresentador Luciano Huck - que também está abaixo do que se esperaria de figura tão midiática e popular -; seja pela migração das preferências por Lula para outro candidato do PT ou ligado à esquerda, especialmente Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), no momento os maiores beneficiários do banimento do petista da disputa.

Jaques Wagner marcou apenas 2% mas tende a crescer na medida em que sua imagem, durante a campanha, for associada à de Lula. O poder de transferência de votos do ex-presidente se reduziu em relação à última pesquisa, mas ainda é propulsor para candidatura de qualquer apadrinhado - sobretudo num cenário de fragmentação: 27% dos eleitores afirmam que o apoio de Lula os faria votar, "com certeza", num candidato indicado pelo petista, e 17% disseram que "talvez" votassem. Se apenas metade do primeiro grupo mantiver a disposição até outubro, o candidato lulista já atingiria 13,5%.

A dificuldade é que o processo de transferência precisaria ser feito o quanto antes e, no PT, a disposição é de bancar Lula até o limite do impossível. Nesse sentido, a prisão do líder petista pode até ser, paradoxalmente, vantajosa eleitoralmente pois tende a definir o rumo do partido na disputa. Decidir no meio do caminho, sem construir a alternativa, aumenta o risco de fim melancólico para as pretensões de um PT a serviço dos destinos de Lula.

Em contraste, o sentimento de injustiça e a necessidade de sobrevivência podem dar ao PT um espírito de coesão que parece faltar à equipe de Bolsonaro neste período de pré-campanha. O deputado federal não carece apenas de recursos de fundo partidário e eleitoral e do tempo de TV, mas de entendimento mínimo entre os auxiliares.

De acordo com uma fonte muito próxima ao pré-candidato, consultada pela coluna, a equipe original de Bolsonaro rachou durante o fracassado processo de migração do PSC para o PEN/Patriota. Não fazem mais parte do núcleo duro da equipe o advogado Bernardo Santoro, o ex-árbitro de futebol Gutemberg de Paula Fonseca e Rodrigo Amorim, que foi vice de Flávio Bolsonaro, filho do deputado, na chapa que disputou a prefeitura do Rio no ano passado. Eram "os três porquinhos" como o interlocutor a eles se refere, ao sugerir que teriam feito supostas negociações escusas à revelia do pré-candidato nos diretórios que passaram a comandar.

O grande receio de Bolsonaro, mesmo depois de ter acertado a filiação ao PSL de Luciano Bivar, ainda é levar uma pernada e ver seu nome rifado pela sigla na reta final. "Já ouvi que nossa candidatura vale R$ 50 milhões e um ministério", diz o interlocutor do parlamentar. É muita vontade de manufaturar.

 


Alon Feuerwerker: Abre-se o espaço para um líder político rumo a 2019. E quem ganha com a saída de Lula da corrida

Lula está fora da candidatura presidencial. A chance de ele ser autorizado a participar é 1%. Os adversários trabalharão para que fique fora também da campanha. Se for preso, não poderá subir em palanques, articular apoios ou gravar. Será uma baixa de peso para seu campo, ao menos no curto prazo. Sem Lula na operação, cresce o risco (ou esperança) de dispersão.

Até 24 de janeiro, a esquerda vinha trabalhando a disputa eleitoral com parâmetros algo normais. Lula esticaria o enredo até quase o final, daí escolheria um estepe, os nomes alternativos teriam cada um sua votação, e se juntariam todos no segundo turno. Mas o ambiente da decisão do TRF-4 fez cair a ficha: usar padrões de normalidade em épocas anormais tem custo.

A novidade na conjuntura pós-TRF-4 é que a esquerda passou a compartilhar o principal problema da direita: a dificuldade de convergir rapidamente para um nome e ganhar massa crítica antes do outro campo. Quem junta massa crítica primeiro passa a exercer força gravitacional sobre possíveis dissidências do lado inimigo. Assim se ganham, e se perdem, as eleições.

Se antes o maior risco da esquerda era Lula ser definitivamente impugnado a menos de vinte dias da urna, quando a lei já não permite substituir, agora isso se inverteu. Lula está na prática inviabilizado eleitoralmente e não se vislumbra uma solução rápida de substituição. E a tática “Eleição sem Lula é fraude” será um ruído adicional na hora de vender um possível substituto.

Se a eleição estava mais ou menos desenhada de um lado, mas algo bagunçada do outro, agora a bagunça espalhou-se. E quem vai se dar bem no novo cenário? As pesquisas vão mostrar, mas é legítimo projetar que a vantagem estará com o nome que exibir capacidade de exercer liderança política. Se um líder sai, é razoável acreditar que haverá espaço para outro.

A rigor, até 24 de janeiro havia dois líderes: Lula e Bolsonaro, e não me refiro a líderes de pesquisa. Agora, só resta por enquanto um: Bolsonaro. Não é totalmente fora de propósito especular, inclusive, que o deputado ultraconservador herde um pedaço do espólio lulista. Assim como é possível Marina recolher uma fatia. Essa deve ser a configuração provisória imediata.

Que será chacoalhada se e quando aparecer um novo líder pela esquerda, ou um líder “por transferência”, e/ou quando e se surgir um desafiante musculoso para Bolsonaro na direita. Não precisa ser imediato. Mas os dois lados tampouco têm todo o tempo do mundo. E, de novo, quem chegar antes no riacho vai beber água limpa. Para isso terá de trabalhar. E já.

A demanda pelo líder cresce à medida que se frustram as expectativas de uma recuperação econômica vistosa. Disso dependeria a força gravitacional da continuidade. E o apelo eleitoral do “gestor”. Sem isso, a mudança prevalece. E a demanda por mudança anaboliza precisamente o cacife dos líderes, gente especializada em materializar a esperança de um bom futuro.

Assim, chegamos à hora em que a competência política separará os homens, ou as mulheres, dos meninos, ou meninas. No vácuo pós-TRF-4, largará na frente quem aparecer com uma solução que acenda antes a fagulha da esperança e, ao mesmo tempo, tenha os pés no chão da governabilidade. A configuração ótima. Mas sem o ótimo haverá sempre mercado para o bom.

*

Debate-se muito sobre o próximo presidente, na ilusão de que chegando ao Planalto com a força do voto ele terá músculos para “fazer o que precisa ser feito”. Só que não. Prestar atenção na composição do próximo Congresso e em como vai evoluir até lá a relação entre o Judiciário e os demais poderes talvez seja tão importante quanto.

O principal risco político de 2019 não está na possível eleição de A ou B, mas na quase certa extrema dificuldade que B ou A terão para exercer o poder numa Brasília feudalizada e onde pululam centros alternativos de força, que só estão de acordo entre si na manutenção dos próprios privilégios. Uma democracia progressivamente disfuncional, tendente à paralisia.

Feliz 2018 a todos.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


IHU On-Line: “O Judiciário usurpou o papel que era da política”, diz Luiz Werneck Vianna

Apesar das expectativas com as eleições presidenciais que irão ocorrer em outubro deste ano, “até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação aos rumos” que o país irá tomar daqui para frente, afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna à . O Brasil “irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas?”, questiona. Segundo ele, “o tema do nacional-desenvolvimentismo encontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro”, mas outra possibilidade seria “estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia política e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda”. Entretanto, adverte, “isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Viannatambém comenta o julgamento do ex-presidente Lula, que irá ocorrer na próxima quarta-feira, 24 no TRF-4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na avaliação dele, “este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”. Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão”. As possibilidades reais de concretização do processo que envolve o ex-presidente, afirma, são “a confirmação da sentença” e “o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial”. Ele diz ainda que a aposta da esquerda na eleição do ex-presidente “é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito às últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a política do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aí, dessa maneira complicada que está aí”.
Werneck destaca ainda que o “fenômeno que importa entender” na atual conjuntura brasileira é a judicialização da política.
“O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido”.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Já está claro o que podemos esperar em termos políticos para este ano de eleição presidencial?
Luiz Werneck Vianna – Uma coisa é o que devemos esperar, outra é o que podemos esperar. O que deveríamos esperar é um processo de discussão sobre a retomada de rumos da sociedade e da economia brasileira, ou seja, em que direção irá: irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas? Até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação a esses rumos. Sabe-se que o tema do nacional-desenvolvimentismoencontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro, assim como também se cogita estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia política e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda. Mas isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame.
• Uma candidatura do Lula representaria certamente uma campanha voltada para a retomada, de certo modo, do nacional-desenvolvimentismo
Uma candidatura do Lula representaria certamente uma campanha voltada para a retomada, de certo modo, do nacional-desenvolvimentismo e está dependendo de uma decisão judicial, aliás, como tudo neste país. Agora, penso que, ao contrário do que muitos meios de comunicação estejam procurando sublinhar, acentuar e enfatizar, estamos muito longe de cenas de fim do mundo. Apesar dos conflitos e das ideias contrapostas, as instituições marcham e dia a dia elas se reforçam, por incrível que pareça. O fato é que todos se referem à Carta de 88, pretendem ser os melhores interpretes dela, e ela se reforça. Não há tentativas que procurem recusar a Carta de 88. Então, não creio que estamos vivendo um clima de fim do mundo e nem de colapso. Tenho algumas indicações empíricas que sustentam essa minha percepção.
IHU On-Line – Quais?
 
Luiz Werneck Vianna – Vou tentar mostrá-las. Fala-se muito na distância entre o Estado e a sociedade, mas não é isso que está ocorrendo agora, por exemplo, no principal estado da federação com a vacinação para a febre amarela. O que está se vendo é uma demonstração de confiança da população nas agências do Estado, especialmente nas agências de saúde - que são tão criticadas -, onde se vê que as pessoas ordenadamente e disciplinadamente acorrem aos postos para fazer a vacina. Isso demonstra confiança na ação estatal dessas agências, e é um indicador forte para mim de que a crise na população não tem a mesma proporção da crise que se constata na leitura da mídia. Outro processo também muito visível em São Paulo é a busca por formação de blocos de carnaval, que deve, neste ano, superar todas as marcas com a criação de blocos novos. Eu vejo nisso indicações de que à medida que o dia do julgamento de Porto Alegre se aproxima, não caminhamos para um colapso, um conflito. Ele pode até ocorrer, mas o mais previsível é que não ocorra.
• À medida que o dia do julgamento de Porto Alegre se aproxima, não caminhamos para um colapso, um conflito
 
IHU On-Line – O senhor quer dizer que não há uma mobilização social, para além da militância petista, ao julgamento do ex-presidente Lula? Por que na sua avaliação a população não está comovida com o julgamento?
Luiz Werneck Vianna – Porque este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”. Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão. Agora, qual será a decisão? É muito previsível – digo isso sem fazer juízo de valor – que o Tribunal de Porto Alegre confirme a sentença e mantenha a condenação. Agora, depois disso, no próprio âmbito do judiciário, a questão é como a decisão será interpretada: a condenação com trânsito em julgado – porque esgotadas todas as instâncias de apelação – leva, logicamente e de maneira irrecorrível, à possibilidade de tornar a candidatura do Lula inviável, e a cassar a possibilidade dessa candidatura pela Lei da Ficha Limpa. Essa será outra batalha, mas acho difícil contornar a tendência de que Lula seja erradicado do processo eleitoral como candidato. Como personalidade política talvez terá uma força, inclusive indicando um candidato.
Agora, as possibilidades reais de concretização desse processo são: 1) a confirmação da sentença; 2) o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial; e 3) temos que esperar.
A descrença das ruas em relação às soluções dramáticas, a meu ver, está presente na organização dos blocos de carnaval em termos massivos, ou seja, as ruas serão ocupadas pelos carnavalescos.
 
• A eleição será polarizada, mas não se sabe em que direção, porque tudo está na dependência de saber se Lula será candidato ou não
Os indicadores que estou tomando são, de um lado, a mobilização para o carnaval e, de outro, a demonstração de confiança que a população vem dando para as políticas em matéria de saúde, indo aos postos em massa. Não se vê conflito nesses postos de saúde. Essa política está sendo legitimada e com isso o Estado também está. E se reconhece na ação do Estado um serviço público importante, qual seja, a luta contra a febre amarela.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a aposta da esquerda no nome do ex-presidente Lula como principal candidato à presidência? Qual é o impacto político dessa aposta?
 
Luiz Werneck Vianna – A aposta da esquerda no Lula é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito às últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a política do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aí, dessa maneira complicada que está aí.
IHU On-Line – Que cenários vislumbra para a disputa presidencial deste ano?
• Este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do “Dia D”
Luiz Werneck Vianna – A candidatura Alckmin é praticamente certa. Do lado do PT, fora essas especulações fantasistas do Lula ser candidato, teremos o Jaques Wagner, que é um candidato bastante palatável do PT. A candidatura de Meirelles vai depender da batalha política dele, se ele conseguir espaço. O governo, especialmente se a economia continuar a dar as respostas positivas que vem dando, vai ter um papel aí no sentido de indicar um candidato, que pode ser o Meirelles ou o Alckmin.
A hipótese da candidatura do Temer me parece muito fantasista. De outro lado, não vejo o Bolsonaro como alternativa, embora o tema dele esteja na ribalta, que é a segurança, a ordem, mas tenho a sensação de que a candidatura dele não decola. Existe a possibilidade de uma candidatura de um outsider. Ela existe, mas adivinhar quem seria não vale.
IHU On-Line – Um tema que voltou a ser discutido entre os partidos é a possibilidade de fazer alianças, e partidos como o PT e o PCdoB já declararam que poderão fazer alianças com o PMDB. Que alianças provavelmente serão feitas nesta eleição? O PMDB continuará mantendo uma influência nesse sentido?
 
Luiz Werneck Vianna – O PMDB, com o tamanho da bancada parlamentar que tem e com a sua capilaridade, que se manifesta na sua presença nas principais cidades do país de forma significativa, vai continuar com o seu papel de centro, como foi no governo Lula. Foi a Dilma quem interrompeu essa experiência exitosa, porque ela tinha horror ao PMDB. Aliás, ela veio para a política do Rio Grande do Sul, onde se acumulava ressentimentos com o PMDB a nível local e nacional. Então, todos os candidatos têm a percepção clara de que sem passar pelo PMDB não há vitória possível, nem governo possível. De qualquer forma, esse horizonte está muito turvo e não é responsável da perspectiva de agora falar nas alianças sem saber quais serão os candidatos.
Todos os candidatos têm a percepção clara de que sem passar pelo PMDB não há vitória possível, nem governo possível
Digamos que a minha análise esteja equivocada e que o Tribunal não confirme a sentença, então o Lula será candidato e aí muda tudo, mas essa hipótese, para mim, é fantasista, é um exercício sem possibilidade de se concretizar. A possibilidade de concretização é a do Tribunal confirmar a condenação e, em seguida, pela Lei da Ficha Limpa, afastar o Lula da candidatura presidencial. Haverá outras batalhas jurídicas, mas são batalhas condenadas a ter um resultado previsto, qual seja, o de não admitir a possibilidade de recursos defensáveis da candidatura Lula. E aí vamos para a eleição.
 
IHU On-Line – Na eleição deste ano deve se repetir um cenário polarizado, como o da última eleição presidencial?
 
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que a eleição será polarizada, mas não se sabe em que direção, porque tudo está na dependência de saber se Lula será candidato ou não. Estou trabalhando com a hipótese de ele não ser candidato, olhando para o comportamento do Tribunal, ou seja, como ele tem se comportado e como a condenação do Lula fortaleceria essa intervenção que o Judiciário está fazendo na vida política do país. Esse é o fenômeno que importa entender.
O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido. Assim como antes, que caminhos tivemos que descobrir para que os militares voltassem aos quartéis, agora teremos que descobrir o caminho para que os magistrados retomem seus lugares nos tribunais e fiquem por lá. Isso não vai ser fácil.
 
• O Judiciário usurpou o papel que era da política: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito
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IHU On-Line – Quais são suas maiores preocupações em relação à atuação do Poder Judiciário?
 
Luiz Werneck Vianna – Temos que colocar cada macaco no seu galho. Se a Constituiçãoestá tão valorizada, ela define como questão estratégica a divisão entre os poderes, porque não existe só um poder ou um poder acima dos demais. Isso vai depender de luta política, intelectual, jurídico-política, ou seja, de uma reflexão muito grande da sociedade sobre essa patologia da judicialização da política que tomou conta da nossa vida.
 
IHU On-Line - Recentemente o senhor escreveu que estamos “deixando para trás o tempo da modernização que aqui vingou de Vargas a Dilma”. Quais são as evidências disso e quais devem ser os reflexos disso nas eleições deste ano?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma percepção que tenho da época que estamos vivendo, de que um paradigma, uma certa concepção do país, ficou para trás. A Revolução de 30 está ficando para trás, mas ainda não ficou inteiramente para trás, mas já nos afastamos muito dela e ela vem perdendo força e capacidade de persuasão. Está aí a Legislação Trabalhista que não “segurou o tranco”. Por mais que os advogados trabalhistas estejam se mobilizando em defesa da Consolidação da Lei de Trabalho - CLT, a CLT ao fim e ao cabo jamais encontrou apoio forte dentro do próprio PT, dentro do governo Lula. Só a partir de um determinado momento ele foi flexibilizando no sentido de voltar aos anos 30, de reencontro com o nacionalismo do governo Geisel. A escora dessa política agora está mais na direita do que na esquerda: é Bolsonaro que defende o populismo, o nacional-desenvolvimentismo. Isso é uma mudança importante; não é a esquerda que está valorizando essa alternativa, ao contrário, é a direita. Aliás, é o que acontece no mundo: o nacional-desenvolvimentismo ganha espaço na Europa e nos EUA, com Trump. A esquerda está afastada disso e no Brasilvemos esse afastamento se aprofundar.
• Não existe só um poder ou um poder acima dos demais
A bandeira da modernização está cedendo lugar para a bandeira do moderno. Por bandeira do moderno eu quero significar o tema da autonomia, a autonomia das organizações, a valorização da sociedade civil, novas formas de articulação da sociedade civil com o Estado. É isso que entendo pela emergência do moderno entre nós. Ao meu ver, essa é uma tendência muito poderosa. Já vitoriosa? Ainda não, mas é muito forte e penso que nessas eleições isso vai se fortalecer mais ainda.

Míriam Leitão: Tempo de atenção

O presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores, não demonstrou ansiedade na conversa de terça-feira com a ministra Cármen Lúcia. Apenas relatou que o tribunal tem tido todo o apoio das forças de segurança do Estado e avisou que comunicaria se houvesse qualquer anormalidade. Nos meios jurídicos, o que se diz é que a Justiça está em estado de atenção, mas não de tensão.

Thompson Flores não pediu reforços de segurança, apenas relatou todos os fatos da perspectiva do Tribunal. Explicou o trabalho da segurança do próprio Tribunal, e das forças do Estado. Disse que não seria conveniente que o TRF-4 sofresse qualquer tipo de ameaça indevida. A Constituição prevê a liberdade de manifestação, mas ela precisa ser comunicada pelos organizadores. Ele ficou de avisar ao Conselho Nacional de Justiça sobre qualquer anormalidade.

De qualquer maneira, o país vive entre esses dois estados, atenção e tensão, nestes dias prévios do julgamento do ex-presidente Lula. O que o país está vendo é a proximidade de um acontecimento inédito: o julgamento em segunda instância de um ex-presidente da República condenado por corrupção. O PT recorre à militância e à retórica porque isso é parte do jogo político, mas na Justiça o que se diz é que o Judiciário não é um poder político, portanto essa estratégia não funciona para o fim desejado pelo partido.

A afirmação feita ontem pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao site Poder 360, de que para prender Lula terá que “matar gente” está sendo relativizada e não vista como ameaça concreta. Ela própria refez um pouco o que havia dito, mas fica claro que a intenção é a politização extrema como estratégia de defesa, o que juridicamente não tem valor. Não é a capacidade de mobilização do PT que está em julgamento, mas os autos do processo nos quais Lula foi condenado em Curitiba e que foram para a revisão da segunda instância.

Há muitas incógnitas, como em qualquer julgamento. Pode até, apesar de pouco provável, que alguém peça vistas do processo. Mas o que fontes do Judiciário explicam é que o mais provável é que haja uma decisão. Se ele for condenado, seja por unanimidade, seja por dois votos a um, recursos só serão aceitos se couberem. O direito a recorrer não é automático, é preciso verificar se existe a possibilidade do embargo.

Se os embargos forem declaratórios, no caso de uma decisão unânime, não haverá mudança de resultado, apenas o pedido de esclarecimento de algo eventualmente confuso no acórdão. Se forem embargos infringentes, no caso uma divergência entre os juízes sobre condenar ou não, pode-se pedir até um novo julgamento. Mas será preciso a defesa encontrar os caminhos jurídicos cabíveis. É preciso cumprir as exigências processuais. Não adianta nada a agitação da militância.

O discurso de que Lula está sendo perseguido juridicamente perde muito a força na hipótese de ele ser condenado em segunda instância. Até agora, os advogados sustentaram que ele era um perseguido de Sérgio Moro. Se o TRF-4 confirmar a sentença, ficará mais difícil sustentar a mesma tese.

Se Lula for condenado, não vai ser preso imediatamente porque será preciso publicar o acórdão. E aí serão feitos os recursos ao próprio tribunal, através dos embargos, se forem encontrados os elementos para isso. Se, esgotados os recursos, permanecer a condenação em segunda instância, o ex-presidente poderá recorrer ao STJ, mas já sem qualquer efeito suspensivo da pena. Ou seja, o tribunal pode decretar a prisão do ex-presidente.

A visão na Justiça é que seria um erro deixar-se contaminar pela retórica política. Ela tem que ficar num pêndulo: não acender alertas desnecessários, mas não desconhecer os riscos que forem reais. Não agir de forma açodada, mas prevenir-se para o risco de os manifestantes saírem da retórica para a ação física contra o Tribunal.

Serão dias de tensão na política e no Brasil neste fim de janeiro, mas no mundo jurídico a palavra que preferem usar é “atenção”. Julgar é parte inerente ao trabalho e é isso que está sendo feito. Nada termina no dia 24, mas muito se define a partir da decisão do tribunal.

 

 


Rita de Cássia Biason: “Corrupção não se acaba, se controla”

Cientista política avalia que o Brasil ainda precisa progredir no monitoramento e controle contínuos dos gastos públicos para combater a corrupção

Por Germano Martiniano

A corrupção é um dos males da política e, segundo organismos internacionais, caracteriza-se pela utilização de recursos públicos para fins privados. No Brasil, o fenômeno tem atravessado séculos, entranhado na estrutura política do Estado. Desde a redemocratização do país, em 1985, dois presidentes, Fernando Collor e Dilma Roussef, sofreram impeachment, tendo seus governos fortemente marcados por desvios de recursos públicos.

Atualmente, o Brasil assiste à "Lava-Jato", uma das maiores operações de combate à corrupção já vista no mundo e que colocou diversos políticos de alto escalão - e empresários brasileiros - atrás das grades. Porém, como afirma Rita de Cássia Biason, cientista política, professora da UNESP e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção, “a corrupção não se acaba, se controla, e os países que obtiveram controle sobre ela, foram aqueles que fizeram e fazem monitoramento contínuo sobre os gastos públicos, e é neste quesito que o Brasil precisa progredir”. Confira, a seguir, trechos da entrevista com Rita de Cássia Biason:

Rita, por que existe tanta corrupção no Brasil? Nosso sistema político favorece esse fenômeno?
Em parte o sistema favorece, mas o que ainda mais falta é controle. Quando se fala em corrupção, existem três mecanismos importantes para se controlar: primeiro, a prevenção, que é o arcabouço normativo, os procedimentos existentes para se prevenir a corrupção; segundo, e no outro extremo, temos a punição, como temos visto na “Lava-Jato”, todo ordenamento de julgamentos e condenações. O Brasil é muito eficaz nestes dois extremos, entretanto, o combate à corrupção não é nem a priori nem a posteriori, ela é um processo. Isso posso afirmar com base em pesquisa que coordenei, juntamente com o Instituto Ethos, de 2014 a 2016, sobre os dispositivos normativos de controle da corrupção e de transparência na União.

Nossa falha é o instrumento intermediário que é o controle, dispositivo essencial para se acompanhar os gastos públicos. Por exemplo, um processo licitatório de grandes obras tem que ser fiscalizado durante todo o processo e não apenas no final, como ocorre tradicionalmente durante a prestação de contas. Os responsáveis seriam os Tribunais de Contas ou próprio Ministério Público, porém, não existe esse acompanhamento sistemático, e quando se observa já houve a prática de corrupção. O que se tenta fazer é punir, isso apenas reitera nossa tradição positivista punitiva de acreditar que a lei é suficiente e resolve tudo. Os países que obtiveram controle na corrupção, pois corrupção não se acaba, foram aqueles que fizeram, e fazem, monitoramento contínuo sobre os gastos públicos. Uma das formas desse monitoramento sistemático é a publicização de informações e a transparência nos processos.

Você acredita que a corrupção é inerente à cultura brasileira, que está nos pequenos atos do cidadão brasileiro e se expande para vida pública?
Não, são duas coisas distintas. Temos no Brasil o que se chama de pequena corrupção, que está ligada as transgressões e não necessariamente afetam o coletivo, e a grande corrupção, que é aquela que afeta um número maior de pessoas do que a pequena corrupção. A pequena corrupção está ligada ao indivíduo que comete uma violação, pois ele faz está excluído do acesso a bens e serviços. Por exemplo, uma pessoa que necessita de uma mamografia, urgentemente, tem que aguardar meses para ser chamada pelo hospital público, então ela oferece um dinheiro por fora a algum servidor para poder ser atendida mais rapidamente. Portanto, eu não entendo como um processo de cultura brasileira. A pequena corrupção eu vejo como falta de acesso aos serviços e bens públicos. Já a grande corrupção ocorre pela falta de controle, que foi citada acima. É uma questão mais institucional do que cultural.

Quais as melhores práticas para se combater a corrupção? A Sra. acredita que um dia esta prática terá fim?
Ela tende a diminuir se olharmos com mais acuidade para nosso sistema de controle. Porém, sempre com momentos de vulnerabilidade. A Alemanha, que é tida como modelo de controle de corrupção, teve o caso de corrupção da Siemens, conglomerado industrial alemão que pagava propina a agentes públicos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Ou seja, mesmo nos países considerados mais íntegros há também falhas no controle.

A operação Lava-Jato é um marco no combate à corrupção no Brasil?
Ela é um marco em termos punitivos, mas há momentos que antecedem a Lava Jato que devem ser destacados. O primeiro deles foi o processo de impeachment do Collor por “caixa dois”. O segundo marco foi o Mensalão, o esquema de compra de votos dos parlamentares, e cujo julgamento coube ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Muito da jurisprudência que se tem hoje para a Lava-Jato se deve ao caso do Mensalão. A Lava-Jato representa um marco pela extensão e pelo caráter punitivo, porém o ineditismo e o marco vêm mais do Mensalão, no sentido jurídico, de abrir precedentes para a operação atual.

A Lava-Jato é apolítica?
Uma parte dela sim, que é aquela que os envolvidos têm uma preocupação de se punir os corruptos no Brasil. Porém, existe outra parte que se aproveita da Lava-Jato para aumentar seu protagonismo frente aos poderes legislativo e o executivo. Quando vemos a estrutura de sistema de poder no Brasil, o legislativo e o executivo sempre tiveram grande protagonismo na política brasileira, com o judiciário sempre ficando à mercê na tomada de decisões. Com a Lava-Jato, o judiciário teve a possibilidade de “aflorar”.

A sra. acha que o governo Temer tem tentado obstruir a operação Lava-Jato? E independentemente dos que são contra, a operação vai conseguir cumprir seus objetivos até o fim?
Eu não vejo o Temer tentando vetar ou interferir na Lava-Jato. Eu vejo que esta operação tem uma autonomia muito grande, se fosse no começo da operação poderíamos até analisar dessa forma. Hoje, podem até acontecer alguns ruídos por parte do governo de Temer, não do Temer em si, mas parte do judiciário que é contra algumas partes da operação, mas no geral a operação está conseguindo avançar.

O grande problema da Lava-Jato, atualmente, é a sua longevidade, com quase quatro anos de operação, que pode levá-la ao próprio esvaziamento. Quando se tem um processo de investigação de corrupção deve ser muito preciso, rigoroso e rápido. Quanto mais se avança com a operação, mais se abre possibilidades de interferência. Desta forma, a longevidade da operação, com a quantidade de investigações que se abriu e se abrem, faz com que haja possibilidade para interferências externas. Tem de haver uma limitação em torno desse processo, ela tem que concluir um ciclo e, se necessário, abrir para as extensões que surgiram durante a operação.

E as delações premiadas, há quem diz que é uma confirmação de que o “crime compensa”. Como a sra. enxerga essa prática?
Nos EUA existe a delação premiada desde os anos 60 é chamada de plea bargain. É um recurso válido aqui e acolá, pois quando se fala em corrupção, falamos de um processo que tende a não deixar pistas, indícios e provas objetivas. Se você verificar para nosso Código Penal, é necessário provas objetivas. Por exemplo, para se colocar o Sérgio Cabral na prisão foram necessárias provas objetivas e essas provas precisam ser muito bem documentadas. Necessita-se então de extratos bancários, número de contas na Suíça e outros detalhes, que quem cometeu o crime e foi preso, não irá denunciar. Assim é necessária uma rede de delatores/colaboradores para que se chegue a essas informações. As delações fazem parte do percurso de obtenção de provas. É um benefício legal concedido ao réu, em uma investigação criminal, que queira denunciar os companheiros. A delação não é aleatória, a pessoa que a faz tem que apresentar provas do que ela está falando. A contrapartida é a redução de pena de quem colabora ou cumprimento em regime semi-aberto. Não entendo que haja uma idéia de o crime compensa, apenas uma facilidade para os que investigam os casos de corrupção.

O ministro Gilmar Mendes afirmou dias atrás que a supressão do Foro Privilegiado, tem caráter simbólico, e que não será isso que acabará com a corrupção no Brasil, e que pode, inclusive, agravar. Como você analisa essa afirmação?
O fim do Foro Privilegiado, ou Foro Especial por Prerrogativa de Função, dará agilidade ao julgamento, pois não será necessário criar um julgamento especial para políticos. Por outro lado, se levarmos o julgamento para a primeira instância, e tenho de concordar com Gilmar Mendes, pode haver juízes partidários que se valerão de recursos jurídicos para proteger quem está sendo acusado. Outra possibilidade é a morosidade no julgamento pelos tribunais de 1ª Instância, uma ação contra um político, pode levar décadas. Têm-se os dois lados!

Por fim, como a sra. interpreta a atual situação política do país? Acredita em renovação para 2018?
Pensando no âmbito de composição do Congresso Nacional e disputa a presidência, os candidatos que têm se manifestado até agora não suscitam nenhuma renovação significativa. Na verdade, desde a década de 90, são os mesmos personagens, portanto não acredito que haja renovação. O único candidato diferente é o Bolsonaro, porém é um candidato que assusta pelo discurso conservador. O que acredito é que haverá uma renovação do comportamento dos candidatos a presidente e dos congressistas, que estarão mais vulneráveis - desde a campanha- e mais suscetíveis a denúncias durante a disputa. Não acredito que tenhamos novas figuras com potencial catalizador. O que observo é que o cenário eleitoral, em 2018, será de conflitos e polarizações.

* Rita de Cássia Biason é cientista política, com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Ciência Política pela Universidade de Valladolid- Espanha. Atualmente é professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Franca e coordena, na mesma instituição, o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção.

 


Merval Pereira: Força externa

No momento em que vários movimentos contrários à Operação Lava-Jato, no Legislativo e no Judiciário, tentam conter as investigações contra a corrupção, vem do exterior o reconhecimento dos que fizeram dela um dos mais importantes trabalhos contra a corrupção já realizados.

A força-tarefa coordenada pelos procuradores da República em Curitiba foi reconhecida ontem, mais uma vez, como o órgão de investigação criminal do ano pelo prêmio da Global Investigations Review, o mesmo que já havia vencido em 2015.

E o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos de primeira instância da Operação Lava-Jato, será, em maio de 2018, o orador convidado da 173ª turma de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, papel que já foi desempenhado em outras ocasiões pelo ex-presidente americano Barack Obama e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan.

Sergio Moro havia sido homenageado em outubro com o Prêmio Notre Dame, o mesmo já concedido, entre outros, à Madre Teresa de Calcutá e ao ex-presidente americano Jimmy Carter e sua mulher, Rosalynn. O prêmio é “entregue periodicamente para homens e mulheres cuja vida e obra demonstram dedicação exemplar aos ideais pela qual a Universidade preza”. (...) “Os homenageados previamente com o Prêmio Notre Dame, cada um à sua maneira, atuaram como pilares de consciência e integridade, suas ações beneficiando seus compatriotas e, através de seus exemplos, o mundo inteiro, quando se comprometeram com a fé, a justiça, a paz, a verdade e a solidariedade com os mais vulneráveis”, informa a Universidade.

Ao receber o prêmio, o juiz Sergio Moro fez uma afirmação que já se tornou emblemática: “(...) há razões para acreditar que a era dos barões da corrupção está chegando ao fim no Brasil.”

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ao anunciar a premiação da força-tarefa de Curitiba no Facebook, disse que o maior prêmio seria “resgatar o país das mãos de um sistema político criminógeno. (...) mais que prêmios, precisamos de mudanças. De outra forma, daqui a alguns anos, estaremos diante do mesmo descalabro que vemos hoje na política brasileira”.

O presidente da Universidade Notre Dame, reverendo John I. Jenkins, diz que o juiz Sergio Moro tem os valores para inspirar os estudantes. “Foi um privilégio encontrar e conversar com o juiz Sergio Moro no início de outubro. Ele serve como um claro exemplo de alguém que vivencia os valores que buscamos inspirar nos nossos estudantes. Estou grato que ele tenha aceitado nosso convite e estou certo de que ele aportará observações valiosas para nossos formandos da classe de 2018. Sua mensagem sobre integridade e o estado de direito e o seu exemplo de corajosa busca pela justiça são enormemente necessárias em nossos tempos. Nossos estudantes, suas famílias e convidados serão inspirados ao ouvir o juiz Moro”, comentou ao anunciar o convite.

“Mais do que um reconhecimento internacional, existe o crescimento de um movimento anticorrupção no mundo inteiro e, em especial, na América Latina. Neste caso, em parte, influenciado pela Lava-Jato (vide Argentina, Peru e Colômbia). Seria no contexto em que o Brasil aparece como exemplo no mundo que sofremos aqui retrocessos,” avaliou Moro.

Correção
A reunião de Lula com Joesley Batista sobre o impeachment de Dilma não se realizou em um hotel em Brasília, como escrevi na coluna de sábado, mas na casa do empresário em São Paulo, segundo denúncia do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Em carta redigida de próprio punho na cadeia em Curitiba, Cunha citou um encontro entre ele, Joesley e o ex-presidente no ano passado. “Ele apenas se esqueceu que promoveu um encontro que durou horas no dia 26 de março de 2016, Sábado de Aleluia (anterior à Páscoa), na sua residência, entre mim, ele e Lula, a pedido de Lula, para discutir o processo de impeachment (de Dilma Rousseff )”.

Cunha afirmou que, no encontro, pôde “constatar a relação entre eles e os constantes encontros que mantinham.” Segundo o ex-presidente da Câmara, sua versão pode ser comprovada com o testemunho dos agentes de segurança da Casa, que o acompanharam, além da locação de veículos em São Paulo, que o teriam levado até lá.

 

 


Jose Roberto de Toledo: Voto de juiz vale mais

A campanha presidencial será muitas coisas, menos serena e previsível. Nem é por causa dos #ParadisePapers da vida que, vira e mexe, tiram o sono de candidatos. O principal criadouro de incertezas é a judicialização da eleição. Líderes das pesquisas, Lula e Bolsonaro logo serão julgados por “campanha antecipada”. São os primeiros de muitos julgamentos com impacto determinante nas urnas. A despeito da eleição, a política continuará sendo, em 2018 e além, uma derivada da Justiça.

“Campanha antecipada” é jabuticaba eleitoral brasileira. O tipo de dispositivo legal que encena ignorar o óbvio: que todo político está permanentemente em campanha, antes mesmo de ter certeza de que será candidato. Ou as bilionárias emendas ao orçamento transacionadas com parlamentares pelo atual e por todos os governos passados visam o estrito interesse público?

As emendas não são tão cobiçadas à toa. São armas de campanha, tão ou mais poderosas do que o horário eleitoral na TV e no rádio. Com uma diferença fundamental: só estão disponíveis para quem já está lá e faz parte do clube dos eleitos. Por isso, contra elas quase nenhum partido grita “campanha antecipada”.

Do mesmo modo, o prazo determinado e cada vez mais curto para a campanha eleitoral “oficial” beneficia quem já tem cargo eletivo, já é conhecido e possui eleitorado cativo. Campanhas longas favoreceriam a competição, pois dariam tempo de o público se familiarizar com candidatos desconhecidos – ou de descobrir que os nem tão desconhecidos assim são candidatos.

É falacioso o argumento de que campanhas curtas são mais baratas. Os bilhões liberados em emendas nos últimos meses provam o contrário. Mas não é só isso. As estruturas financiadas com dinheiro público para deputados e senadores manterem escritórios nos seus redutos eleitorais são campanha mais do que antecipada: são comitês eleitorais permanentes. O mesmo vale para as estruturas de comunicação de seus gabinetes.

Nos últimos tempos, as mídias sociais tornaram o conceito de campanha antecipada ainda mais cínico. A quase totalidade dos parlamentares têm conta própria e terceirizada no Facebook, Twitter, Instagram etc. Alguns, de tão viciados nessas plataformas, estão trocando as visitas de fim-de-semana às chamadas bases eleitorais por “lives” – as transmissões de vídeo a vivo pela internet. É parte da campanha virtual sem fim.

Foram vídeos transmitidos via mídias sociais que levaram o Tribunal Superior Eleitoral a julgar Lula e Bolsonaro. O que estará em julgamento não é nada amplo ou profundo. É o detalhe do detalhe. O candidato pode fazer quase tudo, menos pedir voto e dizer que é candidato. Mentir e dizer que não é o que é pode.

O faz-de-conta se torna ainda mais ridículo ao se acompanhar as investigações sobre o quanto a Rússia conseguiu influir nas eleições presidenciais do ano passado nos EUA. Em um dos exemplos mais eloquentes, US$ 250 gastos em “impulsionamentos” no Facebook foram suficientes para os russos insuflarem dois grupos antagônicos a fazerem manifestações de rua ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Resultado: pancadaria generalizada.

No Brasil, isso não parece estar entre as preocupações do Judiciário. Terceiros podem fazer campanha para candidatos – os próprios candidatos não. Quer dizer, podem desde que neguem.

A campanha antecipada não é o único vetor da judicialização eleitoral. O ministro Fux, do ex-Supremo, antecipou seu voto para o julgamento mais importante: contra Lula, condenado, obter registro como candidato. Outros acham que o petista conseguirá, mesmo que sua candidatura venha a ser cassada depois. Seja como for, votos nos tribunais pesarão tanto ou mais que os nas urnas.


Ricardo Noblat: Mãos sujas

Sem maioria no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência

Destina-se a produzir espuma e mais nada a segunda denúncia por corrupção contra o presidente Michel Temer remetida, ontem, à Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Não que se trate de uma denúncia vazia. Não é. E assim o demonstrou fartamente o voto do ministro Luís Roberto Barroso, na linha do voto do relator do caso, o ministro Edson Fachin.

Haveria razões de sobra para que fosse aprovada na Câmara. Ao STF, depois, caberia examiná-la e decidir por seu acolhimento ou não. Uma vez acolhida, Temer responderia a processo.

Falta à Câmara, porém, sensatez, espírito público e compromisso com a busca da verdade. Sobra medo. Preferirá pela segunda vez a solução de deixar no poder um presidente sob suspeita.

O que seria pior? Permitir que a Justiça investigasse um presidente alvo de tão graves acusações? Ou condenar o país à incerteza sobre se permanecerá sendo governado por um criminoso ou inocente?

A escolha da Câmara já foi feita. Não haverá, ali, os 342 votos necessários para a aprovação da denúncia. Temer, de fato, é refém do Congresso. Mas o Congresso é também refém dele.

Sem uma larga maioria de votos no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência.

Um presidente pode muito – e mesmo sem apoio popular, Temer tem demonstrado que pode. Uma mão, portanto, lavará a outra. Ao fim e ao cabo, as duas continuarão sujas.

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Marco Antonio Villa: Os privilégios do STF  

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição (artigo 102). Diz a ministra Cármen Lúcia, no relatório de atividades de 2016, que buscou “racionalizar o gasto de dinheiro público.” Será? Dinheiro não faltou. Em 2016, a Corte recebeu R$ 554.750.410,00. E achou pouco. O pedido inicial era de R$ 624.841.007,00. Desta fortuna, R$ 206.311.277,11 foram reservados ao pagamento do pessoal ativo. E mais R$ 131.300.522,83 para os aposentados e pensionistas. São 1.216 funcionários ativos (554 com função gratificada), 306 estagiários e 959 terceirizados. Há variações nos dados mas o total geral não é inferior a 2.450, o que dá a média de 222 funcionários por ministro. Fica a preocupação de que todos os funcionários não podem comparecer aos locais de trabalho sob pena de colocar em risco as estruturas dos prédios.

Somente entre os funcionários terceirizados (gasto total de R$ 5.761.684,88) é possível encontrar incríveis distorções. É de conhecimento público que algumas sessões são tensas, mas como explicar a existência de 25 bombeiros civis? E as 85 secretárias, média de oito por ministro? Vivemos uma crise de segurança, mas não é exagero a existência de 293 vigilantes? Somos um país cordial mas lá foi levado ao extremo. São necessárias 194 recepcionistas? Divulgar as ações é importante, mas são precisos 19 jornalistas? Com a informatização, como justificar 29 funcionários cuidando da encadernação? Encadernam o quê? Limpar os prédios é importante.

Mas será que o TOC também atingiu o STF? É a única conclusão possível tendo em vista constar na folha de pagamentos 116 serventes de limpeza. A boa etiqueta manda receber bem os convidados, mas pagar a 24 copeiros e 27 garçons não é um pouco demais? Para que oito auxiliares em saúde bucal? É um tribunal ou um consultório odontológico? Preocupar-se com a infância é meritório, mas como justificar 12 auxiliares de desenvolvimento infantil? E os 58 motoristas (ao custo anual de R$ 3.853.543,36)? Sem esquecer os sete jardineiros, seis marceneiros e os dez carregadores de bens — bens? Quais? A imagem da Corte anda arranhada. Esta deve ser a razão para pagar a cinco publicitários. Estes são apenas alguns exemplos entre os milhares de funcionários terceirizados ou concursados que nós pagamos todo santo mês.

A casta trabalhadora é muito bem tratada. O programa Viva Bem patrocinou cursos de ioga, massagem laboral e oficina de respiração. Somente com assistência médica e odontológica foram gastos R$ 15.780.404,89. Ao auxílio-moradia, uma espécie de Minha Casa Minha Vida da Corte, foram reservados R$ 1.502.037,00. Para ajuda de custo (ajuda de custo?) R$ 1.040.920,00. Preocupado com a educação pré-escolar, a Suprema Corte destinou R$ 2.162.483,00. Mas, como ninguém é feliz de barriga vazia, não foi esquecida a alimentação: R$ 12.237.874,00. Preocupados com a vida eterna e com o futuro, suas excelências alocaram R$ 204.117,00 para auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Com tantas benesses, dá para entender por que o programa “educação para aposentados” teve apenas dois participantes.

Pesquisando no relatório, alguns gastos de manutenção chamam a atenção, como a rubrica no valor de R$ 1.852.355,49 destinada às reformas e manutenção. O transporte não foi esquecido. São 87 veículos (dos quais três caminhões) que representam um custo de manutenção de R$ 5.420.519,10 (só de lavagem foram gastos R$ 109.642,48). Transparência é um dever constitucional, mas reservar R$ 32.236.498,26 para este fim não é um exagero? Em ações de informática foram torrados R$ 10.512.950,00. Em segurança institucional — a expressão é do relatório — foram alocados R$ 40.354.846,00. Nesta rubrica é possível concluir que a senhora ministra quis adotar o pleno emprego: “a meta física prevista era a manutenção de 487 postos de trabalho. Devido às restrições orçamentárias em 2016, houve necessidade de redução de postos de trabalho vinculados a vários contratos, sendo mantidos 404 postos.” Sim, apenas 404 pessoas para cuidar da “segurança institucional”. Poucos?

Mas, devemos reconhecer, o STF tem seu lado ONG. O setor de “responsabilidade social” organizou a exposição “Eu catador”. Segundo o tribunal, a “mostra de fotos produzidas por catadores de lixo que trabalham no aterro da Cidade Estrutural aconteceu no período de 18 a 25 de novembro de 2016 e pretendeu incentivar a reflexão crítica e sensibilizar a toda a Comunidade do Supremo Tribunal quanto ao impacto do lixo que produzimos.” Parabéns! Em tempo: o relatório informa também que a Corte vem reduzindo o consumo de água.

Nota-se também o excesso de viagens dos senhores ministros. Alguns se ausentaram do trabalho por duas semanas consecutivas. Isto pode explicar que somente 3.373 decisões tenham sido tomadas no plenário contra 102.900 monocráticas. Cabe indagar se o STF é formado por 11 ministros ou temos 11 tribunais federados em um mesmo local? Cada magistrado julga, em média, 10.675 processos. Se subtrairmos as férias forenses, os finais de semana, os feriados prolongados, as viagens nacionais e internacionais, é provável que suas excelências tenham realizado, com louvor, cursos de leitura dinâmica.

Porém, o relatório trouxe três boas notícias. Por falta de recursos orçamentários foram adiadas as construções do centro de treinamento e capacitação de servidores, de mais um anexo e da ampliação da garagem do Anexo II. Tudo orçado — inicialmente — em R$ 1.338.640,00. Resta parodiar o belo hino do Santos Futebol Clube: “nascer, viver e no STF morrer, é um privilégio que nem todos podem ter.”

* Marco Antonio Villa é historiador

 


Eugênio Bucci : Da toga loquaz à política alienada

Publicada no domingo, no alto da primeira página deste jornal, uma pesquisa do Instituto Ipsos trouxe mais uma notícia ruim: uma acentuada erosão de credibilidade que atinge nomes de expressão da vida pública brasileira. Representantes dos poderes da República e políticos de renome (alguns deles possíveis candidatos nas eleições presidenciais do ano que vem) estão mal na fita. O que isso quer dizer?

Em boa medida, podemos refletir sobre este quadro pelo prisma da péssima qualidade da comunicação entre poder público e sociedade. Logo de cara, porém, é preciso alertar que, neste caso, a miséria comunicativa não é causa – quando muito, é sintoma. Mesmo assim, valerá a tentativa de abordar a questão por essa trilha.

Comecemos por alertar. Normalmente, o problema de poderes que se comunicam mal não é técnico. Quase sempre, o problema é político. Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade. A comunicação não cura a falta de legitimidade, embora a miséria comunicativa possa ser um sintoma disso – como ocorre no caso presente, ao menos quando falamos dos Poderes Legislativo e Executivo.

A pesquisa Ipsos não traz surpresas atordoantes. No geral, corrobora outros levantamentos, mais ou menos assemelhados, seja quando aponta o declínio de aprovação de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, seja quando mostra que a rejeição ganha corpo. As curvas demonstram que a sociedade brasileira acredita cada vez menos nos agentes do poder público. Se fizermos uma extrapolação das linhas para além das bordas das planilhas – mas ainda assim uma extrapolação segura, cautelosa –, intuiremos que o grau de aderência dos brasileiros às suas instituições, bem como a confiança que depositam nos canais de representação, declina. É como se o Estado errasse um tanto à deriva, entregue a demandas corporativistas ou patrimonialistas, cada vez mais distante da sociedade civil.

Voltemos, então, ao prisma da comunicação. O que temos é que uma esfera (o Estado e as forças que o orbitam) e outra (a sociedade civil) não se entendem direito. Entre uma e outra, exaurem-se os nexos lógicos e racionais, assim como os afetivos, os emotivos e os identitários. As autoridades (ou os órgãos pelos quais elas respondem) não sabem conversar com os brasileiros e as brasileiras comuns, que se esfalfam na planície para manter a vida em dia, e quase sempre fracassam.

Se quisermos um mote inicial para pensar a respeito (embora, de pensar, morram todos os burros da tropa), poderíamos tomar o ponto de partida de uma diferença essencial entre os poderes quando se trata da comunicação pública. Nos Poderes Executivo e Legislativo, que se resolvem na política, o agente perde credibilidade quando fala o que ninguém entende (que é quase a mesma coisa que não falar coisa nenhuma); no Poder Judiciário, que não pode se confundir com a política, o agente perde quando fala demais. Políticos vivem da voz pública; juízes se expressam pela voz nos autos. A política é ativa, só se cumpre quando tem a iniciativa de incidir sobre a realidade; a magistratura só reluz quando se sabe passiva (só age quando provocada).

Inverter as bolas, neste caso, é pôr tudo a perder. Não obstante, há inversões perturbadoras no horizonte próximo. Vivemos dias de togas loquazes e de políticos que falam javanês – ou não falam coisa com coisa. Temos aí um dos vértices mais delicados da instável estabilidade institucional brasileira.

É interessante observar como o juiz Sergio Moro perdeu aprovação na pesquisa Ipsos. Ele não a perdeu por ser juiz, mas porque sua figura é confundida com a de um protagonista político (um “salvador da Pátria”, um “perseguidor do PT”, um “candidato a presidente”, etc.). O desgaste da figura de Moro tem mais fundo político do que jurídico. E ele nem é dos mais tagarelas. Entre os mais falastrões, apita a sirene babélica de Gilmar Mendes, cuja prosódia dispensa reflexões. Ele tem 3% de aprovação e 67% de rejeição. Não custa insistir no ponto: silentes diante dos microfones e atuantes em decisões, os juízes brasileiros prestariam grandes serviços e ajudariam a manter a confiança dos cidadãos na Justiça, confiança sem a qual não há democracia que pare de pé.

De onde chegamos à política alienada. Podemos, aqui, entender o adjetivo “alienada” em pelo menos dois sentidos: o termo tanto qualifica uma política que se perde de si como qualifica a política que se subtrair por alguns, digamos assim, amigos do alheio. Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas (a ponto de pretender encaixotá-las em “distritões” estanques), que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores.

Tome-se o exemplo de Aécio Neves: 3% de aprovação, 91% de rejeição. Ou Lula: 66% de rejeição e 32% de aprovação. O primeiro não tem mais ninguém (não tem nem os tucanos). O segundo conta com um terço do eleitorado que lhe devota uma adoração carismática, avessa a argumentos racionais. O carisma, posto assim, não é apenas apolítico: é antipolítico, alienado e alienante. Indica que Lula, se candidato, pode chegar a um segundo turno, assim como indica que daí ele não passa.

Por fim, uma nota irônica: a muralha da aprovação em torno de Lula é também sintoma do mesmo mal profundo; resulta não do debate de ideias, mas de uma cristalização despolitizada de um culto sem laços com verdades factuais verificáveis. É terrível que, mesmo quando encontramos aprovação na pesquisa do Ipsos, essa aprovação se deva menos ao excesso e mais ao déficit de comunicação crítica.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

 


Rubens Bueno: Pelo fim dos supersalários 

É certo que a maioria do funcionalismo público brasileiro ganha mal. No entanto, no meio dessa imensidão de servidores públicos, existem castas privilegiadas que chegam a receber até mais de R$ 100 mil por mês de salário. Incorporando uma série de auxílios, engordam o salário acima do teto constitucional e se transformam em verdadeiros marajás da República. É preciso dar um basta nessa imoralidade.

Nas últimas semanas vários casos de supersalários foram revelados, principalmente no Judiciário. Há situações, como no Mato Grosso, em que um juiz recebeu mais de R$ 500 mil em um mês. E o Tribunal de Justiça do Estado pagou, no mês de julho, vencimentos superiores a R$ 100 mil a 84 juízes e desembargadores.

Em São Paulo a situação não é diferente. Mais de 700 juízes e desembargadores do estado receberam líquido, em junho, salário superior a maior remuneração entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com o objetivo de tentar frear essa verdadeira farra, consegui o apoio de líderes partidários para levar ao plenário da Câmara dos Deputados um requerimento pedindo a votação, em regime de urgência, do projeto (PL 6726/2016). Ele impõe limite aos salários acima do teto constitucional nos três Poderes.

Para que o assunto seja melhor debatido, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), resolveu criar uma comissão especial para analisar o assunto e promover alguns ajustes necessários antes do tema chegar ao plenário.

É uma iniciativa boa, já que poderemos debater com representantes dos servidores públicos um texto que faça Justiça a todos e que permita que se acabe com privilégios inadmissíveis, ainda mais em tempos de crise. Se tudo correr bem, em até dois meses o projeto deve ser votado na Casa.

Já é um avanço, pois, aprovada com rapidez pelo Senado Federal, a proposta estava parada na Comissão do Trabalho da Câmara desde 15 de dezembro de 2016. Nem relator havia sido designado. Agora, com a comissão especial, temos condições de avançar.

É necessário deixar de fingir que existe um teto e regulamentar de vez essa questão. Hoje o que temos, na verdade, é um teto de mentirinha. Em vários setores do serviço público se encontram maneiras de burlar o limite com o pagamento de gratificações e uma série de penduricalhos. É nossa obrigação acabar com as distorções que permitem o pagamento de supersalários no poder público.

Batizado de “Projeto Extrateto”, a medida visa impedir que adicionais incorporados ao salário elevem a remuneração acima do valor que é pago a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Com a polêmica em torno dos auxílios, o limite vem sendo desrespeitado em vários órgãos federais e nos estados e municípios.

Vivemos tempos de crise e é preciso acabar com privilégios. Não é possível que se pense em aumentar impostos e não se promova uma adequação responsável nos salários do setor público para reduzir os gastos dos governos.

A Constituição determina que a remuneração de ocupantes de cargos públicos não pode exceder o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 33.763), mas, na prática, milhares de funcionários recebem acima desse valor.

O descumprimento da previsão constitucional está na contramão do momento de crise financeira por que passa o país. Neste ano aprovamos o limite de gastos públicos, com restrições, inclusive, a aumento dos servidores nos estados. A duras penas todos estão dando sua contribuição.

Uma minoria não pode ficar acima do que determina a Constituição.

* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná

 


Fernando Gabeira: Conta de nunca chegar 

Quando cheguei à Argélia para o exílio, o pernambucano Maurílio Ferreira Lima já morava lá. Levou-me para um passeio e passou num açougue para comprar carne. Fez a transação em francês mas, ao sair, disse da porta: “pendura”. Fiquei surpreso com a naturalidade e o sorriso do açougueiro. Maurílio revelou que esta era a única palavra em português que ensinou a ele.

Cada vez que o governo vem anunciar uma nota fiscal, lembro-me de Maurílio. É como se dissessem: “mais R$ 20 bilhões, pendurem”. Maurílio pagava suas contas em dia. Ao contrário do governo, tratava apenas do que comprava, e não de projeções para o ano seguinte. O governo pendurou R$ 20 bilhões em 2017 e anunciou que vai pendurar R$ 30 bilhões em 2018.

Quem vai pagar tanto dinheiro? Eles falam em economia nos gastos públicos. Não acredito. Os dados estão aí: deputados e senadores querem alguns bilhões para financiar suas campanhas.

Se fossem só os políticos, ainda havia uma esperança. A Justiça, que tem sido aliada da sociedade na luta contra a corrupção, é muito reticente quando se discutem os supersalários que excedem o teto legal. Nesta semana, falando com um procurador que atua no Norte do país, ele me passou um quadro desolador. Há promotores que chegam a ganhar R$ 125 mil mensais.

As notícias sobre juízes do Mato Grosso que receberam até R$ 500 mil frequentaram o noticiário e saíram em paz. Um dos juízes chegou a declarar: “não estou nem aí para o espanto que a notícia causou”. Ele não está mesmo. Considera legal receber, e pronto. O próprio Supremo Tribunal Federal sempre tem se manifestado a favor de quem ganha tanto dinheiro com salário e penduricalhos.

Nesse sentido, a orfandade dos brasileiros é total. Os políticos não só desviam dinheiro como inventam fórmulas para receber fortunas através de suas leis eleitorais. E a Justiça não mostra nenhuma sensibilidade para o problema. O que fazer nessas circunstâncias?

Dentro do quadro de apatia que se criou no país, parece que a alternativa é trabalhar e separar o dinheiro do imposto, assim como muitos, em áreas de risco, saem com o dinheiro exato do assalto. Mas é uma tática que tem seus limites. A máquina burocrática brasileira é muito pesada para o país. Ela se comporta como se estivéssemos nadando em dinheiro.

O grande problema da necessária austeridade é o próprio governo. Se ele tem um projeto de reforma da Previdência que implica em sacrifícios para alguns, quem vai apoiá-lo sabendo que não há reciprocidade nos esforços? O resultado disso é a marcha da insensatez que vai nos levando progressivamente ao caos. No momento, falamos em bilhões com tranquilidade, mas já há quem calcule em meio trilhão o rombo nos próximos anos.

Mas toda essa conversa sobre números acaba sendo abstrata. Nas estradas, caiu o policiamento; nas fronteiras, a redução de verbas dificulta a ação das Forças Armadas. Nos hospitais, então, a escassez mata.

Em 2013, a sociedade intuiu que isso estava errado e se manifestou nas ruas, queria serviços decentes para os impostos que paga. Naquele momento, as grandes empresas estavam tranquilas. Se reclamavam dos impostos, a resposta foi simples: ampliar isenções. O BNDES emprestava dinheiro a juros reduzidos, e os próprios políticos ofereciam isenções. De tal forma ofereceram que, no Rio, cabeleireiros, joalherias e até um prostíbulo tornaram-se isentos. A corrupção mostrou como recursos públicos eram drenados. A quebradeira agora vai colocar também em cena algo que não era tão discutido em 2013. Pedia-se um serviço decente em troca do imposto.

Agora, num momento em que cogitam a alta dos impostos, o Brasil merece um grande debate sobre como o bolo dos recursos públicos é dividido.

Por que há tantas isenções e qual o benefício que trazem para o país? Por que uma máquina com tanta gente é tão pouco produtiva? Por que salários tão altos, tantos penduricalhos?

No Congresso participei de inúmeros debates sobre isso, tentando convencer o governo, na época, a reduzir radicalmente as viagens, que custavam em torno de R$ 800 milhões por ano. Já havia os meios para isso: teleconferência, Skype. Hoje foram ampliados com novas alternativas.

O alto custo não é apenas com passagens, mas também com as diárias pagas aos funcionários. Por isso, quando se fala em reduzir custos e aumentar a produtividade, há sempre uma resistência. Apesar de haver gente bem-intencionada entre os funcionários, o ânimo para aumentar a produtividade de serviços públicos deveria vir do universo político.

Do mundo político não virá nada. Foi o próprio sistema político-partidário que criou esse monstro dispendioso. Os políticos, nesse episódio, não são uma solução, e sim uma parte substancial do problema. Se depender eles, o atraso se eterniza. Sempre que apertar, vão dizer: “pendurem”.