Rita de Cássia Biason: “Corrupção não se acaba, se controla”

Cientista política avalia que o Brasil ainda precisa progredir no monitoramento e controle contínuos dos gastos públicos para combater a corrupção.

Cientista política avalia que o Brasil ainda precisa progredir no monitoramento e controle contínuos dos gastos públicos para combater a corrupção

Por Germano Martiniano

A corrupção é um dos males da política e, segundo organismos internacionais, caracteriza-se pela utilização de recursos públicos para fins privados. No Brasil, o fenômeno tem atravessado séculos, entranhado na estrutura política do Estado. Desde a redemocratização do país, em 1985, dois presidentes, Fernando Collor e Dilma Roussef, sofreram impeachment, tendo seus governos fortemente marcados por desvios de recursos públicos.

Atualmente, o Brasil assiste à “Lava-Jato”, uma das maiores operações de combate à corrupção já vista no mundo e que colocou diversos políticos de alto escalão – e empresários brasileiros – atrás das grades. Porém, como afirma Rita de Cássia Biason, cientista política, professora da UNESP e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção, “a corrupção não se acaba, se controla, e os países que obtiveram controle sobre ela, foram aqueles que fizeram e fazem monitoramento contínuo sobre os gastos públicos, e é neste quesito que o Brasil precisa progredir”. Confira, a seguir, trechos da entrevista com Rita de Cássia Biason:

Rita, por que existe tanta corrupção no Brasil? Nosso sistema político favorece esse fenômeno?
Em parte o sistema favorece, mas o que ainda mais falta é controle. Quando se fala em corrupção, existem três mecanismos importantes para se controlar: primeiro, a prevenção, que é o arcabouço normativo, os procedimentos existentes para se prevenir a corrupção; segundo, e no outro extremo, temos a punição, como temos visto na “Lava-Jato”, todo ordenamento de julgamentos e condenações. O Brasil é muito eficaz nestes dois extremos, entretanto, o combate à corrupção não é nem a priori nem a posteriori, ela é um processo. Isso posso afirmar com base em pesquisa que coordenei, juntamente com o Instituto Ethos, de 2014 a 2016, sobre os dispositivos normativos de controle da corrupção e de transparência na União.

Nossa falha é o instrumento intermediário que é o controle, dispositivo essencial para se acompanhar os gastos públicos. Por exemplo, um processo licitatório de grandes obras tem que ser fiscalizado durante todo o processo e não apenas no final, como ocorre tradicionalmente durante a prestação de contas. Os responsáveis seriam os Tribunais de Contas ou próprio Ministério Público, porém, não existe esse acompanhamento sistemático, e quando se observa já houve a prática de corrupção. O que se tenta fazer é punir, isso apenas reitera nossa tradição positivista punitiva de acreditar que a lei é suficiente e resolve tudo. Os países que obtiveram controle na corrupção, pois corrupção não se acaba, foram aqueles que fizeram, e fazem, monitoramento contínuo sobre os gastos públicos. Uma das formas desse monitoramento sistemático é a publicização de informações e a transparência nos processos.

Você acredita que a corrupção é inerente à cultura brasileira, que está nos pequenos atos do cidadão brasileiro e se expande para vida pública?
Não, são duas coisas distintas. Temos no Brasil o que se chama de pequena corrupção, que está ligada as transgressões e não necessariamente afetam o coletivo, e a grande corrupção, que é aquela que afeta um número maior de pessoas do que a pequena corrupção. A pequena corrupção está ligada ao indivíduo que comete uma violação, pois ele faz está excluído do acesso a bens e serviços. Por exemplo, uma pessoa que necessita de uma mamografia, urgentemente, tem que aguardar meses para ser chamada pelo hospital público, então ela oferece um dinheiro por fora a algum servidor para poder ser atendida mais rapidamente. Portanto, eu não entendo como um processo de cultura brasileira. A pequena corrupção eu vejo como falta de acesso aos serviços e bens públicos. Já a grande corrupção ocorre pela falta de controle, que foi citada acima. É uma questão mais institucional do que cultural.

Quais as melhores práticas para se combater a corrupção? A Sra. acredita que um dia esta prática terá fim?
Ela tende a diminuir se olharmos com mais acuidade para nosso sistema de controle. Porém, sempre com momentos de vulnerabilidade. A Alemanha, que é tida como modelo de controle de corrupção, teve o caso de corrupção da Siemens, conglomerado industrial alemão que pagava propina a agentes públicos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Ou seja, mesmo nos países considerados mais íntegros há também falhas no controle.

A operação Lava-Jato é um marco no combate à corrupção no Brasil?
Ela é um marco em termos punitivos, mas há momentos que antecedem a Lava Jato que devem ser destacados. O primeiro deles foi o processo de impeachment do Collor por “caixa dois”. O segundo marco foi o Mensalão, o esquema de compra de votos dos parlamentares, e cujo julgamento coube ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Muito da jurisprudência que se tem hoje para a Lava-Jato se deve ao caso do Mensalão. A Lava-Jato representa um marco pela extensão e pelo caráter punitivo, porém o ineditismo e o marco vêm mais do Mensalão, no sentido jurídico, de abrir precedentes para a operação atual.

A Lava-Jato é apolítica?
Uma parte dela sim, que é aquela que os envolvidos têm uma preocupação de se punir os corruptos no Brasil. Porém, existe outra parte que se aproveita da Lava-Jato para aumentar seu protagonismo frente aos poderes legislativo e o executivo. Quando vemos a estrutura de sistema de poder no Brasil, o legislativo e o executivo sempre tiveram grande protagonismo na política brasileira, com o judiciário sempre ficando à mercê na tomada de decisões. Com a Lava-Jato, o judiciário teve a possibilidade de “aflorar”.

A sra. acha que o governo Temer tem tentado obstruir a operação Lava-Jato? E independentemente dos que são contra, a operação vai conseguir cumprir seus objetivos até o fim?
Eu não vejo o Temer tentando vetar ou interferir na Lava-Jato. Eu vejo que esta operação tem uma autonomia muito grande, se fosse no começo da operação poderíamos até analisar dessa forma. Hoje, podem até acontecer alguns ruídos por parte do governo de Temer, não do Temer em si, mas parte do judiciário que é contra algumas partes da operação, mas no geral a operação está conseguindo avançar.

O grande problema da Lava-Jato, atualmente, é a sua longevidade, com quase quatro anos de operação, que pode levá-la ao próprio esvaziamento. Quando se tem um processo de investigação de corrupção deve ser muito preciso, rigoroso e rápido. Quanto mais se avança com a operação, mais se abre possibilidades de interferência. Desta forma, a longevidade da operação, com a quantidade de investigações que se abriu e se abrem, faz com que haja possibilidade para interferências externas. Tem de haver uma limitação em torno desse processo, ela tem que concluir um ciclo e, se necessário, abrir para as extensões que surgiram durante a operação.

E as delações premiadas, há quem diz que é uma confirmação de que o “crime compensa”. Como a sra. enxerga essa prática?
Nos EUA existe a delação premiada desde os anos 60 é chamada de plea bargain. É um recurso válido aqui e acolá, pois quando se fala em corrupção, falamos de um processo que tende a não deixar pistas, indícios e provas objetivas. Se você verificar para nosso Código Penal, é necessário provas objetivas. Por exemplo, para se colocar o Sérgio Cabral na prisão foram necessárias provas objetivas e essas provas precisam ser muito bem documentadas. Necessita-se então de extratos bancários, número de contas na Suíça e outros detalhes, que quem cometeu o crime e foi preso, não irá denunciar. Assim é necessária uma rede de delatores/colaboradores para que se chegue a essas informações. As delações fazem parte do percurso de obtenção de provas. É um benefício legal concedido ao réu, em uma investigação criminal, que queira denunciar os companheiros. A delação não é aleatória, a pessoa que a faz tem que apresentar provas do que ela está falando. A contrapartida é a redução de pena de quem colabora ou cumprimento em regime semi-aberto. Não entendo que haja uma idéia de o crime compensa, apenas uma facilidade para os que investigam os casos de corrupção.

O ministro Gilmar Mendes afirmou dias atrás que a supressão do Foro Privilegiado, tem caráter simbólico, e que não será isso que acabará com a corrupção no Brasil, e que pode, inclusive, agravar. Como você analisa essa afirmação?
O fim do Foro Privilegiado, ou Foro Especial por Prerrogativa de Função, dará agilidade ao julgamento, pois não será necessário criar um julgamento especial para políticos. Por outro lado, se levarmos o julgamento para a primeira instância, e tenho de concordar com Gilmar Mendes, pode haver juízes partidários que se valerão de recursos jurídicos para proteger quem está sendo acusado. Outra possibilidade é a morosidade no julgamento pelos tribunais de 1ª Instância, uma ação contra um político, pode levar décadas. Têm-se os dois lados!

Por fim, como a sra. interpreta a atual situação política do país? Acredita em renovação para 2018?
Pensando no âmbito de composição do Congresso Nacional e disputa a presidência, os candidatos que têm se manifestado até agora não suscitam nenhuma renovação significativa. Na verdade, desde a década de 90, são os mesmos personagens, portanto não acredito que haja renovação. O único candidato diferente é o Bolsonaro, porém é um candidato que assusta pelo discurso conservador. O que acredito é que haverá uma renovação do comportamento dos candidatos a presidente e dos congressistas, que estarão mais vulneráveis – desde a campanha- e mais suscetíveis a denúncias durante a disputa. Não acredito que tenhamos novas figuras com potencial catalizador. O que observo é que o cenário eleitoral, em 2018, será de conflitos e polarizações.

* Rita de Cássia Biason é cientista política, com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Ciência Política pela Universidade de Valladolid- Espanha. Atualmente é professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Franca e coordena, na mesma instituição, o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção.

 

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