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José Casado: Bolsonaro usa estatais de olho na reeleição
Justificou sua ingerência com razões político-eleitorais
Nos últimos dois meses Jair Bolsonaro fez intervenções em quatro das maiores empresas estatais. Em todos os casos, justificou sua ingerência com razões político-eleitorais.
Mudou a política de preços do diesel da Petrobras para atender eleitores: “Estou preocupado com os caminhoneiros; queremos preço justo”.
Interferiu no Banco do Brasil porque achou uma propaganda questionável aos olhos do seu eleitorado conservador: “A linha mudou, a massa quer respeito à família”.
Anunciou a demissão do chefe dos Correios porque “agiu como sindicalista” e se deixou fotografar com deputados do PT e do PSOL.
Demitiu o presidente do BNDES por contratar um técnico que trabalhara em gestão do PT: “Governo é assim, não pode ter gente suspeita”.
Bolsonaro criticava o uso do governo como palanque. Agora, por razões eleitoreiras se arrisca na ingerência indevida e no abuso de poder, atropelando a Lei das Estatais (nº 13.303) e a das Sociedades Anônimas (6.404).
No Planalto reafirma distância do ideário liberal contra o intervencionismo e o dirigismo na economia, assim como fazem seus adversários.
A “aliança em torno de valores”, lapidada pelo ministro Paulo Guedes, continua a ser miragem para os liberais no governo. O presidente segue coerente com o deputado Bolsonaro que, entre 1999 e 2010, se alinhou ao PT na Câmara na defesa de corporações e na concessão de benesses ao setor privado (incentivos, anistias etc.). Essa dobradinha já foi exumada pelo pesquisador Bruno Carazza.
Já houve dias em que Bolsonaro foi à Câmara para proclamar: “Confesso que votei no Lula.” Chamava-o de “companheiro” e o aconselhava a só escolher ministros depois de consultar “quadros do PT, do PCdoB e de outros partidos.” Em dezembro de 2002, discursou para Lula, enigmático: “Não quero ser oposição. Não serei situação pela situação.”
No palanque do Planalto, Bolsonaro aplaina caminho às urnas de 2022 — embora tenha prometido acabar com “a reeleição, o que no caso começa comigo”. Nunca mais tocou no assunto. Talvez seja caso de amnésia por conveniência política.
José Casado: O julgamento da Lava-Jato
Nada será como antes no Judiciário, no Ministério Público e, sobretudo, na Operação Lava-Jato.
É, no mínimo, imprudente relativizar as revelações (não desmentidas) dos repórteres Rafael Martins, Leandro Demori, Alexandre de Santi, Victor Pougy e Glenn Greenwald sobre a cooperação entre o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça, e os procuradores da Lava-Jato em Curitiba.
As consequências tendem a ser mais amplas do que eventuais sanções individuais — eles são suspeitos de delitos contra a Constituição (Art. 5º, LIV e LV; art. 95, parágrafo único, III; e art. 128, §5º, II); o Código Penal (Arts. 319 e 321); o Código de Processo Penal (Art. 254, IV e art. 564, I); a Lei Complementar nº 35 (Art. 26, II, c, e art. 35, I e VIII); e a Lei 8.625/93 (Art. 43, I, II, VII, VIII e art. 44, V), segundo integrantes do Instituto de Advogados do Brasil.
Está se abrindo um novo ciclo na liquefação política brasileira, o da exposição de iniciativas que corrompem a confiança em todo o sistema judicial. Só não vê quem não quer.
Avança-se numa reversão de expectativas sobre a credibilidade do Judiciário e do Ministério Público. Já era perceptível nas propostas de CPI Lava-Toga e de impeachment de juízes de tribunais superiores.
Descrições da cooperação entre o juiz Moro e procuradores condimentam esse processo. De um lado, induzem a um tipo de reflexão individual: ninguém gostaria de ser julgado por um juiz aliado da parte adversária. De outro, reforça a vitimização de Lula, condenado e preso por corrupção.
Por ironia da história, instituições que durante cinco anos atuaram para atenuar a contaminação do Executivo e do Legislativo começam a ser expostas como contaminadas, e passíveis de desconfiança.
Assiste-se ao início de um julgamento da Operação Lava-Jato e, também, de todo o sistema formatado pela Constituição na organização e separação dos Poderes. O modelo que está aí faliu, como se vê nas coreografias de juízes, promotores, procuradores e advogados, ou de ministros de tribunais superiores nos bastidores do governo e do Legislativo.
Vai ser preciso reinventar, reorganizar os Poderes. Pode ser tarefa política adiável, mas é inevitável.
João Domingos: O Congresso ressurge
Atualmente, agenda positiva está nas mãos de deputados e senadores
Observa-se hoje na relação entre os poderes Executivo e Legislativo uma inversão do que ocorreu no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o Palácio do Planalto impôs sua supremacia sobre o Congresso, tornando-o quase que só um carimbador das iniciativas do governo. Iniciativas estas tomadas a partir da edição de medidas provisórias, projetos de lei e até de emendas constitucionais, como as que levaram a reformas que mudaram a ordem econômica, permitindo a privatização do sistema Telebrás e o fim do monopólio de pesquisa, lavra e refino de petróleo pela Petrobrás. Sem falar na que permitiu a reeleição de presidente da República, governadores e prefeitos.
No governo de Lula não foi diferente. Ele fez o que quis no Congresso. Nem a CPI dos Correios, que em 2005 desvendou o esquema de compra de partidos (escândalo do mensalão) pelo governo petista, o perturbou. Ante a pressão política, Lula ampliou sua base de apoio com partidos de centro-direita, distribuindo ministérios, e se manteve soberano. Já o governo de Dilma Rousseff começou com uma base de sustentação com mais partidos do que a de Lula, pois incorporou o PRB ao Ministério, mas os erros da então presidente foram tantos que ela perdeu tudo, até o mandato, tirado dela por um processo de impeachment aprovado por velhos aliados. Com Michel Temer, o vice que substituiu Dilma, não foi diferente. Aprovou reformas como a trabalhista, e só não avançou na da Previdência porque teve de usar seu capital político para se livrar de suas ações penais pedidas pela Procuradoria-Geral da República.
O presidente Jair Bolsonaro optou por não montar uma base de sustentação no Congresso, sob o argumento de que não negociaria seu governo com os partidos políticos. Cumpriu a palavra. Bolsonaro costuma dizer que as negociações políticas levam à corrupção. Não se pode dizer que essa é uma regra geral. É possível fazer boa política e bons acordos, tudo no chamado espírito republicano. Mas esse é um argumento que não convence o presidente. Quem tem a caneta é ele. Então, que seja assim.
O fato é que, se Bolsonaro não tem articuladores políticos, deputados e senadores estão fazendo política como há tempos não faziam. Nesse espírito, são eles que impõem a agenda de trabalho, uma agenda que busca ser positiva para o País, como as reformas da Previdência e tributária, a primeira já em fase adiantada, mas do jeito que o Congresso quer, e não do jeito que o governo queria, a segunda sem esperar por Bolsonaro.
Hoje os congressistas fazem política de tal modo e com tal rapidez que nós antigos e difíceis de desatar têm sido desatados em tempo muito rápido. Como ocorreu na quarta-feira, quando a Câmara aprovou por votação unânime ou esmagadoramente a favor, duas emendas constitucionais que aumentam muito a força do Legislativo e tiram poder do Executivo.
Uma das emendas, conhecida por emenda do Orçamento impositivo, torna obrigatória a liberação do dinheiro de emendas ao Orçamento apresentadas por bancadas dos Estados e do Distrito Federal. Na prática, tira do Executivo um forte instrumento de barganha, no velho estilo “libero o dinheiro e você vota a meu favor”. A outra muda a forma de tramitação das medidas provisórias, o que também retira poder do presidente da República. O tempo para uma MP caducar agora será mais breve.
Há de se destacar que as duas emendas constitucionais foram aprovadas em poucas horas, com acordo para se pular o interstício que se dá entre a votação do primeiro para o segundo turno. Aprovar duas emendas constitucionais num mesmo dia, e em dois turnos, é algo nunca visto no Congresso.
José Casado: O país derrete sob Bolsonaro
A indústria completou três trimestres de queda na produção
Sete meses atrás, numa tarde de domingo, Jair Bolsonaro se elegeu presidente de um país com 12 milhões de desempregados.
Sucedeu a um fragilizado Michel Temer, sobrevivente de três tentativas de cassação na Justiça Eleitoral e na Câmara. Temer conseguira domar a inflação e reverter a tendência de declínio da economia. Recebeu de Dilma Rousseff um Produto Interno Bruto em queda de 4%. Entregou com crescimento de 1%.
Vinte e oito semanas depois, a fila de desempregados aumentou para 13,4 milhões. A perspectiva de recuperação se esvaneceu. No Brasil de Bolsonaro, economistas já disputam adjetivos —estagnação ou depressão.
O presidente se entretém na caça a fantasmas do sepultado comunismo, estimulando sectarismo e manifestações de apoio ao governo. Em cinco meses, da sua caneta saiu apenas uma iniciativa para imediata criação de empregos —na produção de armas.
Bolsonaro pode não ter percebido, mas o país derrete sob seu comando. Deveria ver o caso de São Paulo, onde há sete meses obteve 15,3 milhões de votos (67,9%), com uma vitória acachapante em 631 das 645 cidades.
São Paulo se asfixia em perdas econômicas intensas, disseminadas e reincidentes. A indústria completou três trimestres de queda na produção. Em março, a recessão difundia-se por 72% dos setores industriais, sem perspectiva de reversão para veículos, alimentos, eletrônicos, máquinas e equipamentos.
Mas essa não é uma peculiaridade paulista. O IBGE já constatou declínio em dez dos 15 estados com base industrial — ou seja, em dois terços dos núcleos urbanos mais ricos, onde a vida depende dos empregos e dos salários mais qualificados.
O presidente vai precisar trocar a diversão nas redes sociais pelo trabalho, se quiser fechar o primeiro ano de governo com crescimento irrisório, em torno de 1%. Com desemprego em alta, população empobrecida, empresas endividadas e sem investimento, ele já preside um país em flerte com a depressão. O tempo passou, e Bolsonaro não viu.
José Casado: Em Brasília, esqueceram do futuro
Poucos ali se mostram preocupados com a existência de 13 milhões de desempregados
Humanos seguem para Marte no final da próxima década, anuncia a Nasa. Nessa época, a Universidade de Durham, no Reino Unido, começa a usar moléculas motorizadas, dirigidas pela luz, para perfurar individualmente células cancerosas, e destruí-las em 60 segundos.
Esses experimentos poderão ser acelerados pela novidade da IBM: um chip capaz de guardar um bit de informações num único átomo — do tamanho da moeda de um centavo — vai reter dados em volume similar ao da biblioteca musical da Apple.
Visto de Brasília, esse panorama global pautado pela fusão de tecnologias, bem como suas consequências sobre a produção, o emprego e as políticas públicas, parece distante da vida real, muito além da Via Láctea.
No Palácio do Planalto prevalece a crença de que só o atraso leva ao futuro. São raras as exceções, entre elas a equipe empenhada em retirar o Estado dos escombros fiscais.
O Judiciário se desnorteou, com um Supremo visto como adversário ou parceiro de frações políticas, como define o pesquisador Conrado Hübner.
Já o Congresso dá prioridade à vingança contra a Operação Lava-Jato.
O futuro sumiu da Praça dos Três Poderes. Poucos ali se mostram preocupados com a existência de 13 milhões de desempregados quando há milhares de vagas não preenchidas em grupos como Cyberlabs. Não se vê aflição com a dependência tecnológica, nem para facilitar a inovação em empresas como a Raízen, que extrai energia da biomassa suficiente para abastecer o Rio por um ano, ou a Embraer, que projeta, com a Uber, um carro voador elétrico.
Na asfixia política produzida em Brasília, não sobra lugar no futuro imediato para gente como Gabriel Liguori desenvolver um gel a partir de células de um paciente para criação de um coração artificial, impresso em 3-D e aplicável em transplantes. Ou ainda, para uma empresa de cartão de crédito eletrônico como a de Henrique Dubugras, 23 anos, e Pedro Franceschi, 24, que já disputa mercado com a Amex. Ambos celebram o primeiro US$ 1 bilhão da Brex, uma década antes da viagem humana a Marte.
José Casado: Narcoterrorismo chega à fronteira do Brasil
O Exército de Libertação Nacional da Colômbia, a maior organização narcoterrorista em atividade na América do Sul, consolidou o domínio de cidades, áreas de mineração e de agricultura na região sul da Venezuela, num raio de 500 km da fronteira com o Brasil, em zonas próximas dos postos do Exército em Cucui (AM) e Urimatã (RR). Forças Armadas brasileiras tentam reforçar a vigilância numa região de 2,1 mil km, floresta densa e inúmeros rios.
O narcoterrorismo de origem colombiana se expande rapidamente pelo território da Venezuela em meio ao colapso institucional do país. Serviços de informação de Colômbia, Brasil e Estados Unidos têm confirmação de acampamentos de tropas e emissoras clandestinas de rádio (FMs 97.7; 95.5; 90.1; 105.5, e 97.4) em pelo menos dez dos 23 estados venezuelanos.
O governo Nicolás Maduro adotou o ELN e outros grupos narcoterroristas colombianos (dissidentes das Farc, Rastrojos e Águilas Negras, entre outros) como “forças auxiliares” de defesa nacional. Com auxílio do ex-vice-presidente Tareck El Aissami, abrigou em Bolívar um núcleo armado do Hezbollah, do Líbano. Na prática, perdeu o controle de partes do território.
O ELN passou a atuar até na distribuição de cestas básicas de alimentos do governo, em caixas de papelão com adesivos da narcoguerrilha ao lado de imagens de Maduro e do falecido Hugo Chávez. Esse programa de comida subsidiada, conhecido como Clap, foi classificado na semana passada pelos EUA como uma operação de lavagem de ativos, coordenada pelo colombiano Álex Saab Morán. Ele foi flagrado numa recente operação de contrabando de sete toneladas de ouro da Venezuela, interceptadas num porto de Uganda, na África. Segundo os EUA, a lavagem era realizada com apoio do Hezbollah na Turquia, no Panamá e em Hong Kong.
Desde janeiro, quando matou 21 pessoas num ataque com carrobomba em Bogotá, o ELN avança na região de Puerto Ayacucho, capital do Amazonas venezuelano, a 500 quilômetros da base militar do Brasil em Cucui (AM). Do lado brasileiro, sobram tensão e medo.
José Casado: Bolsonaro, de novo, em 2022?
Aconteceu num sábado no Rio, ano passado, uma semana antes do segundo turno eleitoral. O candidato Jair Bolsonaro anunciou uma de suas “primeiras medidas”, promessa repetida desde o início da campanha: “O que eu pretendo, tenho conversado com o Parlamento também, é fazer uma excelente reforma política para acabar com o instituto da reeleição, que no caso começa comigo, se eu for eleito.”
Oito dias depois, estava eleito. Perguntaram-lhe sobre a reeleição e ele fez a primeira ressalva: “A possibilidade de não concorrer à reeleição é se conseguir fazer um acordo para aprovar a reforma política. Não é apenas ‘eu não vou concorrer à reeleição.’”
Já completou 120 dias no poder mas, até agora, ninguém viu ou sabe o destino da promessa, uma das “primeiras medidas” de governo.
Por gestos e palavras, sugere ter se rendido à síndrome do Planalto — transe no qual o presidente, já no primeiro dia, se incorpora num novo mandato. Assim foi com Fernando Henrique, Lula e Dilma. Com Bolsonaro não é diferente.
“A pressão está muito grande para, se eu estiver bem (de saúde), me candidatar à reeleição”, ele contou dias atrás ao repórter Augusto Nunes. Com três décadas na política, e tendo garantido a dinastia na folha do Legislativo, Bolsonaro dissimula sobre a origem da “pressão” para descumprir sua promessa — se íntima, familiar ou dos acólitos.
Deixa escapar alguma culpa ao sugerir que vestígios da jura de candidato ainda pairam na sua memória. Talvez aflito com a possibilidade de que negligência o deprecie, continua a falar em “uma reforma política”, mas salteia a reeleição. Projeta uma redução do tamanho da Câmara, do Senado e, por consequência, das assembleias estaduais e câmaras municipais. Arremata, como se falasse para si mesmo: “Se essa proposta me custar a reeleição, eu assino.”
Contratos verbais não valem a tinta com que são assinados, ensinava o lendário produtor hollywoodiano Samuel Goldwyn (nascido Schmuel Gelbfisz em 1882). Não custa estimulá-lo: assina, Bolsonaro!
José Casado: Supremo em autocombustão
Semana passada, um dia depois de o Supremo Tribunal Federal transgredira Constituição e restaurar a censura, oficiais de Justiça tentaram entrar numa sessão do Sena dopara intimar um parlamentar.
Foram impedidos pela segurança, por ordem do presidente Davi Alcolumbre. Desistiram antes da chegada de reforços da Câmara, comandada pelo deputado Rodrigo Maia.
Pouco depois, o Senado resolveu submeter ao plenário, com voto aberto, uma proposta de investigação sobre supostos delitos em tribunais superiores. Não há data definida.
A CPI Lava-Toga, como é conhecida, já é um fenômeno político. Em apenas 80 dias de legislatura foi requerida duas vezes por mais de um terço dos senadores. Enterrada, foi ressuscitada pela terceira vez, ao lado de uma dúzia de pedidos de impeachment de juízes do Supremo.
Inviáveis hoje, não devem ser subestimadas. Refletem a instabilidade fomentada pelo conflito entre os três Poderes e o Ministério Público.
É daquelas crises com desfecho certo: sem vencedores e alto custo político —para todos. Na origem está a fragilidade das lideranças.
Os juízes Dias Toffoli e Alexandre de Moraes resolveram carbonizar suas togas num inquérito do STF sobre um antigo vício humano, o boato. Acabaram atropelando a Carta para censurara realidade noticiada por “O Antagonista” e “Crusoé”. O processo de decisão foi assim, na descrição de outro juiz do STF, Gilmar Mendes: “Ali se fez uma avaliação de que talvez houvesse fake news, porque talvez o documento [da Odebrecht identificando o codinome de Dias Toffoli] não existisse.”
Era tudo verdade. Sob pressão, Toffoli e Moraes recuaram da censura, mas insistem em avançar até os botequins da internet (Moraes avisou que o STF investiga a Deep Web.)
Esse empenho do Judiciário na corrosão da própria legitimidade assemelha-se aos rituais de imolação no Executivo e no Legislativo durante a exposição das teias de interesses desveladas na Lava-Jato.
Ao fazer política com mau humor, transformam a História num pesadelo constante para os governados.
José Casado: O custo da desconfiança
Insone, Jair Bolsonaro tem passado os dias caçando fantasmas do comunismo, sepultado há três décadas. Agora resolveu renovar a fé no socialismo de direita, jabuticaba descrita pelo humorista Millôr Fernandes.
Bolsonaro reinaugurou o sistema de controle de preços em privilégio da minoria de empresários e profissionais autônomos cujos lucros oscilam com o preço do diesel da Petrobras. Uma iniciativa de clientelismo antimarxista, replicando práticas dos adversários Lula e Dilma, que levaram a empresa à bancarrota.
Na quinta-feira, ele ouviu preocupações do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, neoconservador gaúcho, com as finanças dos “caminhoneiros” —pessoas físicas e jurídicas.
O governo já os atendera em março, impondo reajustes quinzenais à Petrobras. Desta vez, rejeitavam o aumento (5%). Onyx sugeriu, Bolsonaro chamou o presidente da petroleira e revogou a mudança.
O telefonema foi breve, mas suficiente para colocar o governo na lista de exemplos da teoria do caos aplicados à política: pequenas mudanças podem provocar efeitos imensuráveis e imprevisíveis, como mostrou o cientista Edward Lorenz há 56 anos.
A renovação da fé de Bolsonaro no socialismo de direita se traduziu em perdas (US$ 8 bilhões) para a Petrobras num só dia. Numa conta de padeiro, é mais que o dobro da dinheirama que Michel Temer gastou no ano passado com subsídios às empresas e profissionais caminhoneiros.
Incalculável e perene é o custo da desconfiança política que o presidente e seu chefe da Casa Civil semearam no próprio governo. Por que um investidor, nacional ou estrangeiro, agora deveria acreditar e apostar seu dinheiro na ilusão de uma economia liberalizada ou de uma Petrobras autônoma?
Onyx, conservador num partido que se diz liberal (DEM), escancarou a luta pelo poder. O desfecho é imprevisível, mas já se sabe que para Paulo Guedes, ministro da Economia, nada será como antes — a não ser que acabe aderindo ao socialismo de direita.
José Casado: Corrupção no Judiciário. Fala, Cabral!
Já foram mais de 800 dias encarcerado. Em tese, ainda restam 70.410 dias para sair da cadeia. Aos 56 anos de idade, precisaria renascer por três outras vidas para cumprir as condenações: 197 anos e 11 meses de prisão. E vem mais aí, ele sabe.
Tendo perdido a perspectiva de vida fora das grades, além dos US$ 100 milhões que escondeu no circuito bancário Nova York-Londres-Zurique, o ex-governador Sérgio Cabral agora se dedica à terapia da palavra.
Resolveu aliviar a depressão, como fez Bertha Pappenheim, a “Anna O.” do método catártico que Josef Breuer lapidou com Sigmund Freud em 1893 (as conversas de Bertha e Breuer terminaram na cama).
Ontem, Cabral passou o dia no presídio de Bangu conversando com procuradores sobre um aspecto de seus 24 anos na política do Rio: corrupção no Judiciário. Incitou-os na sexta-feira passada, em depoimento solicitado por seu advogado.
O ex-governador disse que, como no Rio, a corrupção institucional se espraiava pelos estados. “O senhor tem conhecimento ou acredita pela experiência?”, quis saber o juiz, com uma ponta de ironia. “Parte conhecimento, parte informação”, respondeu Cabral. Perguntado se existiria uma “rede de proteção”, foi enfático: “Acredito. O Rio de Janeiro não é diferente de Pernambuco, Rio Grande do Norte, da Paraíba, do Amazonas, do Rio Grande do Sul...”
Suspense na sala. “A proximidade entre os poderes contribui para que a independência não seja efetiva?” Ouviu-se um seco “sim”. “Dificulta investigações e facilita corrupção?” Seguiu lacônico: “Sem dúvida, dificulta.”
O juiz insistiu: “Havia isso na sua época, como governador?” Cabral não resistiu: “Havia. Inclusive, eu posso esclarecer ao Ministério Público Federal o entendimento de uma empreiteira com o Judiciário.”
O ex-governador do Rio se tornou o primeiro político a registrar em juízo a disposição para contar e indicar provas de corrupção no Judiciário, de que teria participado.
Ele parece ter encontrado na catarse uma forma de transcender as três vidas que, em tese, ainda teria na cadeia. Sendo assim, fala Cabral!
José Casado: O governo, visto por Guedes
Acaba de completar três meses no centro do poder em Brasília um sonho de antigo militante do liberalismo. “Eu sou de Marte, cheguei agora, estou olhando”, disse a meia centena de senadores, semana passada. Tentava amenizar as relações com o Congresso — onde o esporte predileto sempre é falar mal do governo.
Paulo Guedes, ministro da Economia, enriqueceu com o Plano Real, e guarda eterna gratidão aos formuladores: “Foi o plano monetarista mais brilhante que já vi: juros na lua... Foi muito generoso comigo. Eu tinha o meu banco... Foi muito generoso.”
Eis o panorama, visto da sua janela: “Lá fora (do país) perguntam: ‘A democracia está em risco?’ Eu: ‘De jeito nenhum, mudou o polo de gravidade, para o outro lado’... Apesar de ser alguém que estava com vocês aí (parlamentares) há 30 anos, era considerado como um antiestablishment.”
“Foi uma aliança em torno de valores” —acrescenta —, “e mais uma aliança com liberais. Virou uma espécie de aliança de centro-direita. No combate da eleição, se definiu: ou é esquerda ou é centro-direita, o que é uma simplificação. No fundo, a gente sabe que não é isso. No fundo, a gente sabe que um social-democrata bem centrado está muito próximo de um liberal-democrata. E eles estão muito longe dos extremos. Seja da extrema direita ou da extrema esquerda.”
Acabara de tomar um susto com a aprovação de emenda constitucional na Câmara — em dois turnos e em uma hora —, tornando obrigatórias mais despesas orçamentárias. “Foi uma exibição de poder político.” Outro sobressalto ocorreu ao suspeitar que seria tratado como adversário pelos próprios aliados do PSL de Bolsonaro ao explicar-lhes a reforma da Previdência. “É um choque de acomodação”, contemporiza.
Talvez. Batalha maior, permanente, acontece dentro do governo. De um lado está um presidente crédulo nas virtudes da concentração de poder. De outro, há um ministro da Economia empenhado “em tentar formar uma liberal-democracia”. Por ironia das urnas, são prisioneiros das próprias convicções.
José Casado: Bolsonaro flerta com o desastre
Bolsonaro quer refundar o país. Lula também queria, acabou prisioneiro do mensalão e das maracutaias na Petrobras. Dilma naufragou, abraçada à “nova matriz econômica”.
À sua maneira, os três interpretaram a vitória eleitoral como “força do povo” para a concentração de poder na Presidência, relegando ao segundo plano as instituições representativas, Câmara e Senado. A definição disso é: autoritarismo. E essa concepção não tem futuro, como ensina a história ou se pode ver na Venezuela.
A retórica de Bolsonaro sobre a “velha política” é mera contrafação de um discurso de Lula em 1993: “Há no Congresso uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
A frase de Lula inspirou Herbert Vianna na ácida letra de “Luis Inácio” para os Paralamas do Sucesso. Por ironia, a canção foi censurada a pedido do procurador da Câmara, o deputado mineiro Bonifácio Tamm de Andrada. Na época, Bolsonaro integrava o baixo clero do Congresso.
Agora, na Presidência, avança célere para o isolamento a bordo de um projeto de ruptura. Não construiu maioria com sua “nova política”, mas se diz eleito pela “vontade de Deus”. Convicto da “missão que me foi dada”, aposta na Providência.
Bolsonaro já está imobilizado no confronto com o Congresso. Das sete Medidas Provisórias, seis projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição que enviou em 12 semanas, nenhuma teve andamento.
Ele sabe o significado. Como deputado apresentou 172 projetos. Só conseguiu aprovar três — um deles permitia a venda de uma inócua “pílula do câncer” (fosfoetanolamina).
Acomodava-se no fracasso alegando “discriminação” ideológica. Acena agora com a repetição da fórmula, como justificativa para governar acima das instituições.
É um flerte com o desastre. Entrou em rota de colisão com um Congresso aparentemente coeso e disposto ao uso da sua força institucional. Entre outras coisas, corre o risco de ser surpreendido por uma reforma da Previdência Social divergente da proposta que assinou.